O QUE NOS RESTA DE POLÍCIA1

Yanahê Fendeler Höelz

Doutoranda em Ciência Política pela Universidade Federal Fluminense - UFF.

Bolsista CAPES.

País: Brasil Estado: Rio de Janeiro Cidade: Rio de Janeiro

Email de contato: yanahefendeler@hotmail.com ORCID: https://orcid.org/0000-0002-3189-4313

Resumo: O objetivo deste artigo é produzir uma reflexão sobre a produção do mandato policial na cidade do Rio de Janeiro, tomando como inspiração a obra O que resta de Auschwitz (2008), de Giorgio Agamben, na qual o autor analisa a produção literária de sobreviventes ao campo de concentração nazista. Uma das interpretações possíveis para o resto em Agamben é a de que o termo corresponde a um hiato, a uma lacuna, a algo que não poderia ser testemunhado pelos sobreviventes ao campo. Nesse sentido, o resto é aquilo que está entre os mortos, entre os sobreviventes, entre os salvos e entre as testemunhas que estiveram presentes nos campos de fabricação de corpos matáveis. Tomo como referencial teórico parte da obra de Agamben para pensar a polícia, neste caso, a Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro – PMERJ, e suas relações com a sociedade policiada, inspirando-me também em experiências com policiais militares em pesquisas de campo. O resto aqui adquire alguns sentidos possíveis: 1) uma lacuna, aquilo que é silenciado, mal resolvido; 2) o que sobra/permanece da polícia que se tem e 3) o que falta de uma polícia que se espera – aquela que nunca foi, mas que se anseia ter. Quais são os restos da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro? E o que nos resta de polícia? A partir desta problematização, o texto abre espaço para a discussão sobre a ideia de polícia moderna e como ela se materializou no Rio de Janeiro, buscando compreender os dilemas que são vivenciados por policiais militares para a execução de seu mandato. Do ponto de vista teórico-metodológico, tomo de empréstimo o olhar de Arendt (1999) na tentativa de considerar a perspectiva do “outro” e procurar entender aquilo que o move sem prejulgá-lo. A reflexão aponta que os massacres de outrora não terminaram. Eles continuam presentes todos os dias, em cada normalidade cotidiana. Por isso, os restos devem ser tocados, explicitados e discutidos, mesmo ao preço de descobrirmos que também temos os nossos restos, que deles fazemos parte e que com eles produzimos e reproduzimos desigualdades e massacres.

Palavras-chave: Mandato policial. Resto. Lacunas. Permanências.

Abstract:

WHAT “REMAINS” OF POLICE

This article intends to produce a reflection on the production of the police mandate in the Rio de Janeiro city, taking as inspiration the work What remains of Auschwitz (2008), by Giorgio Agamben, in which the author analyzes the literary production of survivors of the Nazi concentration camp. One of the possible interpretations for the rest in Agamben is that the term means a hiatus, a gap, something that could not be witnessed by survivors in the camps. In this sense, the rest is among the dead, survivors, saved and among the witnesses who were present in the camps of bodies subject to death. I take as a theoretical reference part of Agamben's work to think of the police, in this case PMERJ, and their relations with the policed society, also using experiences with military police in field research. The rest here acquires some possible meanings: 1) a gap, that which is silenced, badly solved; 2) what remains of the police that we have and 3) what is missing from a police that is expected. What are the remains of PMERJ? And what remains of police for us? From this problematization, the text opens space for the discussion about the idea of modern police and how it materialized in Rio de Janeiro, seeking to understand the dilemmas that are experienced by military police officers for the execution of their mandate. From the theoretical-methodological point of view, I seek inspiration from Arendt (1999) to consider the "other" perspective. The reflection indicates that the massacres of the past have not ended. They are still present every day. Therefore, the remains must be explained and discussed, even at the price of discovering that we also have our remains, we are part of them, and we produce and reproduce inequalities and massacres.

Keywords: Police Mandate. Rest. Gaps. Continuities.

Data de recebimento:08/04/2020 Data de aprovação:22/09/2020

DOI:10.31060/rbsp.2021.v15.n2.1294

INTRODUÇÃO

A polícia era o grande terror daquela gente, porque, sempre que penetrava em qualquer estalagem, havia grande estropício; à capa de evitar e punir o jogo e a bebedeira, os urbanos invadiam os quartos, quebravam o que lá estava, punham tudo em polvorosa. Era uma questão de ódio velho.

(Aluísio Azevedo, O Cortiço)

No cortiço de São Romão, alguém grita: “Fogo!”. Um incêndio acabaria com aquelas casinhas. Fez-se logo uma grande confusão. Os moradores atordoados se ocupavam em salvar o que era seu. Já os policiais, aproveitando o pânico dos adversários, avançavam com ímpeto, levando na frente tudo o que encontravam, ingressavam no infernal reduto dando espadeiradas para todos os lados, como quem destroça uma boiada. Desejosos por vingança, os policiais iam invadindo e quebrando tudo, loucos de cólera (AZEVEDO, 2018, p. 124). Essa era a polícia retratada por Aluísio Azevedo no tempo dos cortiços no Rio de Janeiro. Era, um passado imperfeito. Mas que não passou.

Assim a polícia foi criada no Brasil, a serviço das elites e contra aquilo e aqueles que as perturbavam: capoeira, pobres, negros, vagabundos. Desde então, a polícia já lutava contra um inimigo: a própria sociedade (ou parte dela). Nada compatível com o modelo de polícia moderna que se construía em Londres, com Robert Pell, em 1829. Mas quem eram esses agentes que tinham “adversários” e que nutriam por eles um “ódio velho”? Policiais, praças, também pobres – ora no papel de opressores, ora oprimidos.

O objetivo deste artigo é produzir uma reflexão sobre a produção do mandato policial2 na cidade do Rio de Janeiro, tomando como inspiração a obra O que resta de Auschwitz (2008), de Giorgio Agamben, na qual o autor analisa a produção literária de sobreviventes ao campo de concentração nazista.

Uma das interpretações possíveis para o resto em Agamben é a de que o termo corresponde a um hiato, a uma lacuna, a algo que não poderia ser testemunhado pelos sobreviventes ao campo. Nesse sentido, o resto é aquilo que está entre os mortos, entre os sobreviventes, entre os salvos e entre as testemunhas que estiveram presentes nos campos de fabricação de corpos matáveis. Tomo como referencial teórico parte da obra de Agamben para pensar a polícia, neste caso, a Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro – PMERJ, e suas relações com a sociedade policiada, inspirando-me também em experiências com policiais militares em pesquisas de campo em uma favela carioca, sob o contexto da pacificação e implementação de Unidades de Polícia Pacificadora – UPPs (2008-2014)3.

Do ponto de vista teórico-metodológico, tomo de empréstimo o olhar de Arendt (1999) na tentativa de considerar a perspectiva do “outro” e procurar entender aquilo que o move sem prejulgá-lo. Quando Arendt fez a cobertura do julgamento de Adolf Eichmann, em 1961, para a revista The New Yorker, ela não desconsiderou o acusado. Considerado um dos maiores criminosos do regime nazista (1933-1945), Eichmann se via como um aplicado funcionário do Estado alemão, cumpridor das ordens de Hitler e obediente ao seu papel na deportação de judeus para os campos de extermínio nazistas. Arendt percebe aquele homem considerado um “monstro” como um homem “normal”, que sequer tinha a capacidade de mensurar o mal praticado, um ser imerso e ao mesmo tempo distante da realidade. Em sua análise, a autora identifica a banalidade do mal, uma violência ao “outro” compartilhada por muitos e que pode ser praticada por qualquer um – imperceptivelmente. Eichmann simplesmente nunca percebeu o que estava fazendo, constatou Hannah Arendt (1999).

Arendt também é inspiração para Agamben, cuja obra é composta por figuras, conceitos, fatos e ideias que formam paradigmas capazes de extrapolar o contexto histórico no qual estão inseridos, engendrando, assim, as reflexões subsequentes propostas pelo autor. Utilizo-me do conceito de resto também reformulando-o, conferindo-lhe novos significados para a minha reflexão. O resto aqui adquire alguns sentidos possíveis: 1) uma lacuna, aquilo que é silenciado, mal resolvido; 2) o que sobra/permanece da polícia que se tem e 3) o que falta de uma polícia que se espera – aquela que nunca foi, mas que se anseia ter.

Quais são os restos da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro? E o que nos resta de polícia? A partir desta problematização, o texto abre espaço para a discussão sobre a ideia de polícia moderna e como ela se materializou no Rio de Janeiro, buscando compreender os dilemas que são vivenciados por policiais militares para a execução de seu mandato, exemplificando com o contexto do mais recente projeto de pacificação. Para tanto, o primeiro capítulo indica o ponto de partida que guiará a reflexão do texto, trazendo um pouco da construção teórica de Agamben no que diz respeito ao resto de Auschwitz. Em seguida, o artigo aborda a produção do mandato policial na cidade do Rio de Janeiro e seus contrastes com uma ideia de polícia moderna. No capítulo final, alguns restos da nossa polícia militar e da sociedade – da qual fazemos parte – serão questionados.

A reflexão aponta que os massacres de outrora não terminaram. Eles continuam presentes todos os dias, em cada normalidade cotidiana. Por isso, os restos devem ser tocados, explicitados e discutidos, mesmo ao preço de descobrirmos que também temos os nossos restos, que deles fazemos parte e que com eles produzimos e reproduzimos desigualdades e massacres.

O RESTO EM AGAMBEN E O CAMPO A CÉU ABERTO

As “testemunhas integrais”, aquelas em cujo lugar vale a pena testemunhar, são os que “já tinham perdido a capacidade de observar, recordar, medir e se expressar”, aquelas para quem falar de dignidade e de decência não seria decente.

(Giorgio Agamben)

“Num instante, por intuição quase profética, a realidade nos foi revelada: chegamos ao fundo. Mais para baixo não é possível. Condição humana mais miserável não existe, não dá para imaginar” (LEVI, 1988, p. 32). Primo Levi, pela primeira vez, se dá conta que sua língua não tem palavras para expressar a aniquilação de um homem. Tiraram-lhe tudo: os sapatos, as roupas, o cabelo, a fala, o nome, o homem. Levi estava prestes a se tornar um muçulmano.

Primo Levi é um dos sobreviventes dos campos de concentração nazistas. Deportado em 1944 com 650 judeus, é um dos três que sobraram. O campo transforma seres humanos em algo miserável, inumano, que perde-se a si mesmo, que está sujeito a um poder de decisão sobre sua vida e sua morte. O campo de concentração é o lugar de fabricação de muçulmanos.

Muçulmano era o termo utilizado para designar os que estavam morrendo de desnutrição em Auschwitz. Observados de longe, tinha-se a impressão de que fossem árabes em oração. É no campo que se decide quem é humano e quem não é; é no campo que se distingue o homem do muçulmano. Auschwitz “é o lugar de um experimento ainda impensado, no qual, para além da vida e da morte, o judeu se transforma em muçulmano, e o homem em não-homem” (AGAMBEN, 2008, p. 60).

A sua vida é curta, mas seu número é imenso; são eles, os “muçulmanos”, os submersos, são eles a força do Campo: a multidão anônima, continuamente renovada e sempre igual, dos não homens que marcham e se esforçam em silêncio; já se apagou neles a centelha divina, já estão tão vazios, que nem podem realmente sofrer. [...] Se eu pudesse concentrar numa imagem todo o mal do nosso tempo, escolheria essa imagem que me é familiar: um homem macilento, cabisbaixo, de ombros curvados, em cujo rosto, em cujo olhar, não se possa ler o menor pensamento. (LEVI, 1988, p. 132).

A questão é que esse campo de outrora e o muçulmano que lá era fabricado não ficaram no passado. Agamben (2008) sinaliza que Auschwitz é a prova viva de que o nomos (a norma) do espaço político contemporâneo é o campo de concentração, um espaço que se abre quando a exceção começa a se tornar a regra. E este é um campo que não se restringe ao regime nazista, ele está a céu aberto e pode ser visto para onde se colocam nossos olhares. E quem pode falar dos terrores vividos no campo? Quem são as verdadeiras testemunhas (de ontem e de hoje)?

Apenas quem “chegou ao fundo” seria capaz de testemunhar o indizível. Apenas quem tornou-se o não-homem, o muçulmano, seria considerado o testemunho integral dos horrores vividos no campo. Mas a aporia do testemunho é a “impossibilidade de ver de quem está no campo, de quem, no campo, ‘chegou ao fundo’, tornou-se não-homem. [...] Por isso, para o muçulmano, testemunhar, querer contemplar a impossibilidade de ver não é tarefa simples” (AGAMBEN, 2008, p. 61). E é exatamente no fato de poder falar em nome de um não poder dizer que reside a autoridade da testemunha.

Em 1964, Hannah Arendt concedeu uma entrevista à televisão alemã. Questionada sobre o que restava da Europa do período pré-hitlerista em que havia vivido, Arendt teria dito: “O que resta? Resta a língua materna”. Para Agamben, dar testemunho significa “pôr-se na própria língua na posição dos que a perderam, situar-se em uma língua viva como se fosse morta, ou em uma língua morta como se fosse viva” (AGAMBEN, 2008, p. 159-160).

O resto em Agamben é um conceito teológico-messiânico. Rememorando o Antigo Testamento, o autor enfatiza que “o que nos salva não é todo o povo de Israel, mas um resto” (AGAMBEN, 2008, p. 161):

No conceito de resto, a aporia do testemunho coincide com a messiânica. Assim como o resto de Israel não é todo o povo, nem uma parte dele, mas significa precisamente a impossibilidade, para o todo e para a parte, de coincidir consigo mesmos e entre eles; e assim como o tempo messiânico não é nem o tempo histórico, nem a eternidade, mas a separação que os divide; assim também o resto de Auschwitz – as testemunhas – não são nem os mortos, nem os sobreviventes, nem os submersos, nem os salvos, mas o que resta entre eles. (AGAMBEN, 2008, p. 162).

O que resta de Auschwitz – deste campo de fabricação de corpos matáveis – é um hiato, uma lacuna “que funda a língua do discurso em oposição às classificações exaustivas do arquivo” (GAGNEBIN, 2008, p. 11). Os testemunhos dos sobreviventes continham, para Agamben, uma lacuna, pois davam testemunho de algo que não podia ser testemunhado. Comentar o testemunho significa interrogar a lacuna e buscar escutá-la.

De Auschwitz ao campo a céu aberto dos dias de hoje, extermínios cá e lá ocorrendo, algo sempre resta. E se as matanças persistem, se Auschwitz e outros campos de outrora não ficaram no passado, é porque as lacunas precisam ser interrogadas. Este é o ponto de partida utilizado neste texto para refletir acerca da produção do mandato policial na cidade do Rio de Janeiro e sobre os restos desta polícia e da sociedade policiada. A obra de Agamben é composta por figuras, conceitos, fatos e ideias que formam paradigmas capazes de extrapolar o contexto histórico no qual estão inseridos, engendrando, assim, as reflexões subsequentes propostas pelo autor. Utilizo-me do conceito de resto também reformulando-o, conferindo-lhe novos significados para a minha reflexão. O resto aqui adquire alguns sentidos possíveis: 1) uma lacuna, aquilo que é silenciado, mal resolvido; 2) o que sobra/permanece da polícia que se tem e 3) o que falta de uma polícia que se espera – aquela que nunca foi, mas que se anseia ter.

IDEIA DE POLÍCIA MODERNA E SUA INTRODUÇÃO NO RIO DE JANEIRO

Francisco Cabinda, escravo de João Gomes Barros, por estar tocando batuque com grande ajuntamento de negros, e se lhe apreendeu o tambor. Trezentos açoites, Tijuca [trabalho forçado na estrada que então se construía naquela região].

(Registro policial de 10 de novembro de 1820)

A ideia de um Estado moderno pode ser pensada, segundo Ribeiro (2014, p. 277), como “uma comunidade humana que, nos limites de um território determinado, reivindica com sucesso e por sua própria conta o monopólio da força física cujo exercício se dá por meio de uma força pública denominada polícia”. Nesse sentido, o trabalho policial é um serviço público, porque pode ser requisitado por qualquer pessoa que se sinta ameaçada; e também é uma profissão, porque os agentes que o executam devem ser preparados para tal. A busca pela concretização dessa polícia se dá sob as mais diversas formas, ajustes, acordos, interesses e instrumentos.

A ideia de polícia está relacionada à emergência dos Estados modernos para gerar estabilidade no exercício do poder e para romper com a tradição histórica do uso da violência para conter a violência. Sua natureza política traduz-se como “instrumento legal e legítimo de respaldo pela força dos termos do contrato social de uma determinada polity4(MUNIZ; PROENÇA JÚNIOR, 2014, p. 494) produzindo enforcement5 sem levar à tirania ou à opressão. O uso da força pela polícia visa criar alternativas de obediência com consentimento social e sob o amparo da lei – inclusive, são esses os fatores que distinguem o uso da força pela polícia do uso da força por outros atores.

Nesse sentido, Polícia pode ser definida como: “Um instrumento de poder, cuja intervenção produz obediência pelo uso apropriado de força sempre que necessário, nos termos e formas das pactuações sociais em suas expressões políticas e legais” (MUNIZ; PROENÇA JÚNIOR, 2014, p. 494).

Na historiografia policial convencional, a Polícia de Londres é considerada a primeira força policial moderna (GARRIOTT, 2018, p. 32). Esse modelo de polícia criado por Robert Pell, em 1829, amparava-se na concepção de uma obediência consentida, limitada à coerção autorizada, sem armas de fogo e a serviço do público. Não havia uniforme militar. O traje policial expressava uma roupa comum, da baixa classe média da época, possibilitando a acessibilidade popular diante da ausência de signos distintivos da elite. A instituição policial arquitetada por Pell “expressou a ambição de afirmar uma coercitividade quotidiana, não apenas legal, mas, sobretudo, legítima. [...] Assim, construiu-se a principal expectativa contemporânea do dever-ser polícia” (MUNIZ; PROENÇA JÚNIOR, 2013, p. 126-127).

O modelo britânico de polícia moderna foi reconsiderado por diversos arranjos para o uso da força. Diferentemente das ilhas britânicas, as forças policiais continentais serviam à tarefa policial doméstica e à tarefa de combate internacional (de soberania territorial). Assim, parte dos exércitos era utilizada ao mesmo tempo para cumprir a tarefa destinada àquela polícia e para atuar no caso de guerra. Essa dupla função impôs um tipo de armamento que comportasse uma tropa para o combate. Nesses arranjos, a polícia é “militar”, pertence ao Estado e será utilizada para controlar e para atender o público (MUNIZ; PROENÇA JÚNIOR, 2013, p. 128-129).

Não foi a ideia de polícia a ser concebida por Pell que se introduziu no Brasil. O modelo de polícia brasileira foi inspirado na Gendarmeria da França absolutista, força tradicionalmente vinculada às Forças Armadas, que, assim como o modelo inglês, influenciou outros países europeus (PAES, 2010, p. 125). Logo após a chegada da Coroa Portuguesa ao Rio de Janeiro, em 1808, foi criada a Intendência Geral de Polícia6 para, dentre outras tarefas, manter a ordem pública, cuidar do espaço urbano e “julgar e punir os desordeiros, desocupados, escravos fugidos, capoeiras, ciganos, aventureiros” (LAGE; MIRANDA, 2007, p. 1). Em 1809, foi organizada a Guarda Real da Polícia da Corte7, integrada e posteriormente comandada pelo Major Miguel Nunes Vidigal, marcada por ações violentas e arbitrárias, muito distinta daquela visão de polícia que seria arquitetada pelo ministro do Interior Sir Robert Pell, em Londres. Tratava-se de um corpo estruturado à semelhança do Exército, “mas tendo como principal função atender às ordens do intendente na manutenção do sossego público” (BRETAS, 1998, p. 222). Dessa Guarda Real derivaram as instituições policiais uniformizadas de formato militar que ainda hoje fazem o policiamento urbano no Rio de Janeiro.

A melhoria administrativa das patrulhas policiais exercidas por homens armados e uniformizados iniciada em 1831 foi, segundo Holloway (1997, p. 22), “contemporânea de desenvolvimentos institucionais semelhantes na Europa ocidental e anterior àqueles ocorridos nos Estados Unidos”. No entanto, adverte o autor, “nenhum brasileiro, qualquer que seja sua classe ou posição ideológica, pensaria em interpretar o papel histórico da polícia urbana em função de consenso e legitimidade” (HOLLOWAY, 1997, p. 22).

Holloway (1997) observa que há continuidades marcantes vigentes no Brasil há muitos anos, mais precisamente desde a fundação da instituição policial no século XIX, no que diz respeito à relação entre polícia e sociedade. O autor percebeu que o Rio de Janeiro era um ponto de irradiação das questões políticas e sociais, um “laboratório de experimentação para instituições e procedimentos” e o principal centro populacional do século XIX. No Rio de Janeiro, o chefe de polícia relatava as atividades de patrulha nas ruas diretamente ao Ministro de Justiça do Império (nas outras províncias, os relatos eram direcionados aos respectivos presidentes das províncias). Esses relatórios eram transferidos para o Arquivo Nacional, criado em 1838 como dependência do Ministério da Justiça. Esses registros são estudados no livro de Holloway (1997, p. 16), segundo o qual as instituições policiais modernas teriam fortalecido e garantido a continuidade das relações sociais hierárquicas tradicionais, estendendo-as ao espaço público impessoal.

O fato é que a criação das instituições de controle no Brasil possibilitou às elites tradicionais novos mecanismos para a repressão daquilo que era considerado um comportamento inaceitável, como a prática de capoeira, por exemplo. Desde a criação da Intendência em 1808 até a década de 1890, o trabalho policial destinou-se em boa parte a reprimir a capoeira. Embora não fosse ainda criminalizada – o que veio a ocorrer em 1890 –, a polícia já prendia milhares de pessoas por tal prática. Quando as instituições estatais refletem e defendem os interesses de uma classe a expensas dos interesses de outras, “a coerção não é apenas uma ameaça: ela é imposta. Não surpreende que os outros se ressintam e resistam a essa coerção [...]. Trata-se de um reflexo de sua humanidade” (HOLLOWAY, 1997, p. 27). As instituições policiais serviam às elites no enfrentamento às pressões daqueles atingidos pelo capitalismo periférico e pelo legado da escravidão. Os recursos para a nova polícia que por aqui se instalava provinham de taxas, empréstimos privados e subvenções dos comerciantes locais e proprietários de terras, o que comprova a reciprocidade entre a fonte da autoridade do Estado e a elite econômica.

Os registros de detenções realizadas durante o mandato do Major Miguel Nunes Vidigal, em 1822, sugerem que um dos critérios que Vidigal usava para decidir se perseguia ou não determinada pessoa, além do flagrante delito, era a cor dessa pessoa. Embora a Constituição de 1824 trouxesse a disposição de que a lei seria igual para todos, isso não se refletia nas ruas. Os escravos não eram cidadãos, e sim propriedade. As normas também discriminavam “negros livres” e “os homens de cor”. Já as pessoas consideradas “de probidade” não estavam sujeitas ao toque de recolher e às revistas. “De modo geral, as normas discriminavam as atividades que a maioria da elite branca não exercia, mas que eram fundamentais para a vida social de pobres e escravos no Rio de Janeiro” (HOLLOWAY, 1997, p. 59).

Holloway (1997, p. 24) percebe que, mesmo com a abolição da escravatura em 1888, o Brasil carrega o legado de instituições, atitudes e relações sociais arraigadas ao longo dos 350 anos em que foi uma sociedade de escravos e senhores.

Lage e Miranda (2007) ratificam que o surgimento das instituições policiais no Brasil foi marcado pela ação repressiva voltada para a manutenção da ordem pública perante a crescente diversidade social e étnica do século XIX, ocasionando uma tradição de desrespeito aos direitos individuais. “Esse padrão prevaleceu por toda a época imperial e resistiu às mudanças republicanas, que não conseguiram garantir os direitos civis para toda a população” (LAGE; MIRANDA, 2007, p. 2), tendo aprofundado seu viés autoritário durante o regime militar. As autoras ainda afirmam que, mesmo após a redemocratização do país, uma série de violações permanece contra alguns grupos mais vulneráveis da sociedade: “moradores de favelas ou bairros pobres, e negros” (LAGE; MIRANDA, 2007, p. 2).

A Guarda Real da Polícia da Corte era subordinada ao Ministério da Guerra e da Justiça portugueses. Com o tempo, a sua estrutura foi se tornando semelhante à do Exército brasileiro. Muniz (2001) afirma que, pelo menos desde o Segundo Império (1840-1889), as Polícias Militares começaram a ser empregadas exaustivamente como força auxiliar do Exército regular, “tanto nos esforços de guerra (como no caso da Guerra do Paraguai), quanto nos conflitos internos como as rebeliões, os motins, as revoltas populares, além, evidentemente, das operações de grande porte relacionadas ao controle das fronteiras da nação” (MUNIZ, 2001, p. 182); comprometendo as atividades propriamente policiais como o patrulhamento urbano e a proteção da sociedade.

A última transformação no sistema policial brasileiro foi na década de 1970, quando as Polícias Civis passaram a realizar apenas as funções de polícia judiciária e as Polícias Militares ficaram com o policiamento ostensivo fardado. Foi na ditadura militar que as PMs começaram a retomar suas atividades de policiamento urbano, mantendo, porém, competências como organização militar. Assim, a Polícia Militar se consolidava “simultaneamente uma polícia ostensiva da ordem pública e um órgão militar de suporte às ações de segurança interna e defesa nacional das forças combatentes brasileiras” (MUNIZ, 2001, p. 184).

Desde o seu nascimento, as Polícias Militares brasileiras pouco atuaram como polícias urbanas e ostensivas. Os policiais convivem com uma crise de identidade proveniente do descompasso entre a polícia democrática, que serve e protege o cidadão, e os hábitos e as técnicas apreendidas que refletem a continuidade de um passado que não passou.

IDEIA(S) DE POLÍCIA (RE)PRODUZIDA(S) NA UPP

Todas as ações dele [do policial] têm que ser muito bem pensadas, tá entendendo? Pro próprio bem dele e pra própria política da pacificação. Que não é isso: chegar aqui, bater, dar tiro, matar e amanhã entrar, dar tiro e matar. Não é só isso que a polícia tem que fazer.

(Policial Militar, UPP)

O cenário de UPP e sua ideia de pacificação parece interessante para se pensar a Polícia Militar, especialmente pela confusão de significados e produção de significações. Não interessa aqui analisar e/ou avaliar a mencionada política, tampouco aprofundá-la. Interessa apenas demonstrar como tem sido produzido o mandato policial nesse contexto.

A Unidade de Polícia Pacificadora – UPP é um projeto idealizado pela extinta Secretaria de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro, implementado em 38 favelas no período de 2008 a 2014. A “retomada” do território sob o “domínio dos criminosos”, a redução da violência armada, a recuperação da confiança dos moradores na polícia e a consolidação de um “novo” modelo de policiamento são algumas das promessas do projeto. Após alguns anos de existência da UPP, a polícia de proximidade passou a ser propagada como sua filosofia, explicada como uma estratégia de policiamento fundamentada na parceria entre cidadãos e policiais, visando a construção compartilhada da segurança pública local.

Cabe esclarecer que essa polícia de proximidade foi traduzida, na prática, por uma “polícia” voltada para promoção de projetos sociais, dentre algumas outras ações. Guardadas as devidas especificidades das favelas e das UPPs, de um modo geral, as atividades atribuídas a essa “polícia” são destinadas a apenas um grupo de policiais e sua “filosofia” não é compartilhada por todo o efetivo (cf. MUSUMECI et al., 2013; MUSUMECI, 2015; TEIXEIRA, 2015; GARAU, 2017; HÖELZ, 2018).

Quando a UPP chegou, um discurso em especial ganhou força e se intensificou a cada Unidade inaugurada: a pacificação dos territórios ocupados pela Polícia Militar. A chamada pacificação foi naturalmente incorporada nos discursos e nas notícias veiculadas sobre a UPP. Mas o uso do termo pacificação sugere um “outro” inferiorizado, “desprovido de civilização” (MUSUMECI, 2015, p. 34), à espera de uma salvação que virá de fora. Serra e Rodrigues (2014, p. 100) apontam que essa tônica das UPPs, a pacificação, remonta aos “processos de pacificação das revoltas regionais, da conquista e sedentarização de povos indígenas no centro-oeste e norte do país e de movimentos sociais urbanos e rurais nos séculos XIX e XX”.

No momento em que o Estado decide ocupar territórios do Rio de Janeiro sob o discurso assimilacionista da pacificação, que se instrumentaliza pela prática de guerra, já se decidiu quais vidas poderiam estar sujeitas a um poder de morte, aos “efeitos colaterais”8 das operações bélicas. “No imaginário da segurança pública fluminense, a favela sempre forneceu os tipos sociais perigosos que atemorizaram a sociedade do asfalto no Rio de Janeiro, sendo, nesse sentido, objeto privilegiado da repressão policial” (MUNIZ; ALBERNAZ, 2017, p. 25).

Aos poucos, naturalizava-se um discurso de que para se ter a “paz” era necessário fazer a “guerra”. Prática discursiva, no sentido foucaultiano do termo, que não se reduz à fabricação de discursos, mas que ganha corpo nas instituições, nos comportamentos, nos tipos de transmissão/difusão (FOUCAULT, 1997, p. 12) e que produz verdades. A épica narrativa de pacificação remonta à guerra para tornar significativa a paz (sempre aquela que vem de fora e dos outros) que se pretende levar às favelas (MUNIZ; ALBERNAZ, 2017, p. 24).

Os anos passariam e o projeto UPP viria a ser criticado por quase todos os que um dia o apoiaram. O esplendor de outrora, com amplo apoio midiático, daria espaço para a divulgação do terror. Redução dos investimentos, ausência de planejamento, interesses eleitoreiros sobrepondo-se às demandas efetivas da polícia e da favela, ausência de políticas públicas para as polícias estaduais, irresponsabilidade dos gestores diante da constatação da insustentabilidade de um projeto dessa magnitude, gestão policial imposta à vida dos moradores, relação conflituosa entre policiais e a comunidade local, denúncias de abuso no exercício da autoridade policial, militarização ideológica da segurança pública, confrontos armados, precárias condições de trabalho para policiais e fabricação de novas “milícias”9 são alguns dos fatores que transformaram o projeto UPP em o “problema da UPP”.

No ano de 2018, passados dez anos de existência da UPP, com o Rio de Janeiro sob Intervenção Federal na área da segurança pública, o Gabinete de Intervenção Federal – GIF anunciou a extinção das UPP Batan, UPP Vila Kennedy, UPP Mangueirinha, UPP Cidade de Deus, UPP Camarista Méier, UPP São Carlos, UPP Coroa/ Fallet/Fogueteiro, UPP Caju e UPP Cerro Corá.

O projeto UPP trouxe para os policiais a incumbência de contiguidade e de permanência nos locais ocupados. Isso permitiu/impôs à polícia, em maior ou menor medida (a depender da UPP, da favela e de cada contexto), a gestão – imposta, sangrenta e/ou negociada – dos mais variados aspectos da vida dos moradores, a definição da sociabilidade nas favelas, a regulação do espaço/das atividades, do ir (ao) e vir do mercado, a repressão às atividades ilícitas e/ou informais, o combate ao “inimigo”, a promoção de projetos sociais, a missão de levar “paz” aos moradores das áreas ocupadas, além, é claro, o policiamento ostensivo de rotina. A proposta dos gestores ressignifica a missão do policial militar e “uma vez que missão dada é missão cumprida, caberá ao policial da UPP tirar polícia, manter a ordem e contribuir com o lado social e humano das pessoas” (MUNIZ; MELLO, 2015, p. 53).

A Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro convive com missões entrecruzadas, ordens paradoxais e se vê no dilema de fazer “guerra” e produzir “paz”. A polícia, que também é pobre, que também é negra, “guerreia” com outros pobres, com outros negros. Muitas vezes sob condições precárias de trabalho, esses agentes também devem prover melhores condições de vida à população atendida, que se mistura na população a ser “combatida”, e esbarram em tantas impossibilidades que chegam ao ponto de não se sentirem policiais (exatamente porque a única ideia de polícia presente em seu imaginário é a do combate; da caça ao inimigo). Além de todo esse quadro, o policial militar vive na sombra do dilema entre “fazer de menos”, “fazer demais” ou não fazer nada:

Ocorre que no dia a dia, o policial de ponta se vê diante do dilema da decisão à sombra da alternativa de ser punido, seja por fazer de menos, seja por fazer demais, seja até por fazer ou por deixar de fazer. Tal fato não contribui apenas para debilitar e desacreditar os próprios expedientes de controle e supervisão. Ele ainda favorece não só o mascaramento dos processos decisórios, ampliando o medo e a insegurança na escolha do curso de ação, como também propicia a exacerbação de práticas amadoras e arbitrárias nas interações com os cidadãos. (MUNIZ, 1999, p. 15).

O policial é um tomador de decisão na rua. Ele valora, seleciona, decide. O espaço, as moradias, os hábitos, a prestação e a organização dos serviços na favela (luz, água, coleta de lixo, entrega de correspondências, transporte etc.) são muitas vezes produzidos de forma estranha à de outras localidades. A polícia detém a discricionariedade do seu mandato, que, no contexto de UPP, parece mais ampliado. O policial é requisitado para assuntos diversos (desde um problema com uma criança que está sem vaga na escola até um evento que depende de autorização da polícia para ser realizado). Nesse cenário, se a polícia não administra os conflitos junto com os moradores, o resultado será um governo policial dentro de uma favela. Governo ilegítimo e autoritário. Mas como “ser policial” para uma população que, a depender das diretrizes superiores, ora deve ser vista como o público a ser atendido, ora deve ser vista como o público a ser combatido? Quais instrumentos devem ser utilizados ou estão disponíveis para ser utilizados? E para quais fins? Como lidar com o “ser policial”? E, afinal, o que é “ser policial”?

Quando há “guerra”, há um inimigo. Se existe inimigo, ele deve ser destruído. A perversidade do discurso da guerra, que é posto em prática, deixa quase imperceptível um detalhe: nesse corpo “heroico”, existe também um corpo matável.

OS NOSSOS RESTOS A PARTIDA QUE NUNCA TERMINOU

Dizer que Auschwitz é “indizível” ou “incompreensível” equivale a [...] adorá-lo em silêncio, como se faz com um deus; significa, portanto, independente das intenções que alguém tenha, contribuir para sua glória. Nós, pelo contrário, “não nos envergonhamos de manter fixo o olhar no inenarrável”. Mesmo ao preço de descobrirmos que aquilo que o mal sabe de si, encontramo-lo facilmente também em nós.

(Giorgio Agamben)

O inglês Robert Walsh, que residiu no Brasil entre 1828 e 1829, deixou uma descrição sobre a polícia que por aqui encontrou: “A polícia é uma numerosa corporação cujos membros se vestem como soldados, com jaquetas azuis e cartucheiras de couro a tiracolo, e se parecem exatamente com os gendarmes franceses. Eles não se distinguem nem pelo comedimento nem pela boa conduta” (HOLLOWAY, 1997, p. 49).

A ideia de uma polícia moderna que atua sob consentimento social e que encerra a lógica de violência para conter violência não se materializou no processo de criação das instituições policiais brasileiras. A polícia no Brasil se organizou desde o início como instituição militar, cuja justificativa fundamental consistia em concentrar, regular e dirigir forças contra o inimigo. O inimigo da polícia do Rio de Janeiro era a própria sociedade – não a sociedade como um todo, mas os que violavam as regras de comportamento estabelecidas pela elite política que criou a polícia e dirigia a sua ação (HOLLOWAY, 1997, p. 50). Mas a meta não era o extermínio do inimigo, era reprimir e subjugar. Esta prática, contudo, foi se aperfeiçoando ao longo das décadas.

Entre 1964 e 1985, o Brasil passou por um longo período de regime militar. E este é um passado recente que também não passou. O trabalho da redação da Constituição da “redemocratização”, da chamada “Constituição Cidadã” que encerraria o passado autoritário, foi dividido em comissões e subcomissões. A Comissão de Organização Eleitoral Partidária e Garantia das Instituições, responsável pelos capítulos ligados às Forças Armadas e à Segurança Pública, foi presidida pelo senador Jarbas Passarinho, coronel da reserva, que serviu como ministro nos governos dos generais Costa e Silva, Médici e Figueiredo. O senador foi um dos signatários, em 1968, do Ato Institucional nº 5 que fechou o Congresso, implantando um dos períodos mais autoritários da história brasileira. O porta-voz da Subcomissão de Defesa do Estado, da Sociedade e de sua Segurança, deputado Ricardo Fiúza, afirmou que “seus conhecimentos sobre assuntos militares eram similares ao seu entendimento sobre mecânica de automóveis: nenhum. Não obstante, apoiou firmemente as demandas militares nos debates constitucionais” (ZAVERUCHA, 2010, p. 45-46).

A “contribuição” de Fiúza foi lutar pela manutenção do controle parcial do Exército sobre as Polícias Militares, sob a alegação de que o governo teria em suas mãos todas as suas forças para garantir a ordem social. Assim, não foram separadas as forças responsáveis pela ordem interna daquelas responsáveis pela ordem externa, além disso, as polícias militares continuaram como forças auxiliares e reservas do Exército, tal como Zaverucha acentua:

Forças Armadas e polícia, de acordo com este desenho institucional, tornam-se enclaves autoritários constitucionalmente sancionados. Sem esquecer que a Constituição de 1988, em pleno século XX, conservou a falta de uma das principais características do Estado moderno: a clara separação entre a força responsável pela guerra externa (Exército) e a Polícia Militar encarregada da manutenção da ordem interna. (ZAVERUCHA, 2010, p. 69).

As Polícias Militares definidas como forças auxiliares e reservas do Exército não são novidade na Constituição Federal de 1988. A “Constituição Cidadã” manteve a tradição das Constituições republicanas anteriores (1934, 1946, 1967 e 1969), no entanto, pela primeira vez colocou as questões policiais em um capítulo específico denominado “Segurança Pública”.

Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: [...]

§ 5º Às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública; aos corpos de bombeiros militares, além das atribuições definidas em lei, incumbe a execução de atividades de defesa civil.

§ 6º As polícias militares e os corpos de bombeiros militares, forças auxiliares e reserva do Exército, subordinam-se, juntamente com as polícias civis e as polícias penais estaduais e distrital, aos Governadores dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios. (BRASIL, 1988).

O fato de nossas polícias militares permanecerem como forças auxiliares do Exército faz com que o Brasil se diferencie de outros países democráticos que possuem polícias com estética militar (ZAVERUCHA, 2010, p. 46). De acordo com o art. 142 da Constituição Federal de 1988, ao Exército brasileiro destinam-se a defesa da Pátria, a garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.10

A finalidade precípua do Exército é defender o território e a soberania nacionais, diferente da polícia que tem por finalidade a defesa dos cidadãos. Para cumprir sua função, o Exército tende a se organizar mobilizando “grandes contingentes humanos e equipamentos com máxima presteza e estrita observância das ordens emanadas do comando. Necessita manter-se alerta para ações de defesa e, no limite, fazer a guerra” (SOARES, 2016, p. 167). Centralização decisória, hierarquia rígida e estrutura vertical são os requisitos para o emprego do Exército. Esses efetivos geralmente não são preparados para o uso comedido da força com vistas a produzir obediência sob consentimento social (é dizer, na paz).

Acima de tudo, são efetivos despreparados para realizar uma conciliação quando a negociação for a melhor alternativa e para moderar o seu uso da força se necessitam tomar decisões imediatas ou prementes, quando, então, podem retornar aos reflexos e perspectivas de seu preparo combatente. (MUNIZ; PROENÇA JÚNIOR, 2007a, p. 52).

Em outras palavras, o Exército pode ser incompetente nas suas ações como polícia – a menos que seja capacitado para isso quando demandado.11

Foi em um ambiente de forte presença militar que a Constituição de 1988 foi redigida. A Carta considerada “cidadã” manteve incólumes vários dos artigos da Constituição autoritária (1967, emendada em 1969) referentes às relações civil-militares e policiais. Quando os constituintes decidiram retirar o poder das Forças Armadas de ser a instituição garantidora da lei e da ordem, o general Leônidas Gonçalves (escolhido para ser ministro do Exército de Tancredo Neves) ameaçou interromper o processo constituinte. Recuaram, então, os constituintes. “A Nova República foi inaugurada sob o pálio militar” (ZAVERUCHA, 2010, p. 67).

Em defesa dessa “lei e ordem”, as Forças Armadas são empregadas constantemente por meio de Op. GLO – Operação de Garantia da Lei e da Ordem. Desde os anos 90, as Forças Armadas têm sido cada vez mais invocadas a atuar no Rio de Janeiro. Dentre as ações possíveis, a Op. GLO pode realizar policiamento ostensivo, estabelecendo patrulhamento a pé e motorizado, ações habitualmente executadas pelas polícias militares. Os exemplos mais recentes de Operação GLO no Rio de Janeiro foram as operações nas favelas para a chamada pacificação, a segurança para grandes eventos, a ocupação no Complexo da Maré e o emprego das Forças Armadas para apoiar ações do Plano Nacional de Segurança Pública no período de 28 de julho a 31 de dezembro de 2017. A prática tem demonstrado o uso improvisado das Forças Armadas em Op. GLO, ao passo que exigências deveriam ser cumpridas para o seu emprego (definição da missão, estudo das condicionantes para o emprego dos militares, o planejamento tático etc.).

Mantida a estrutura político-administrativa no que tange à segurança pública, o texto constitucional de 1988 revelou uma dupla mensagem,

enquanto uma mão constituinte positivou direitos, uma outra mão obscureceu os deveres dos meios de força policiais e combatentes possibilitando sua amplitude e autonomização. Possibilitou-se que as espadas pudessem ameaçar cortar a língua do verbo da política e ainda rasgar a letra da lei. (MUNIZ; PATRICIO, 2018, p. 81).

Essa mistura de competências e significados fizeram da Polícia Militar uma organização sem identidade policial propriamente dita. Por isso, alega Muniz (2001, p. 184-185): “a identidade policial das PMs está por se institucionalizar”. Um dos grandes desafios da Polícia Militar é superar a cultura institucional da doutrina da Segurança Nacional, do combate ao inimigo, da guerra.

A polícia pública e estatal que surge na Europa Ocidental e que se multiplica pelo mundo pauta sua atuação pelo princípio da força mínima, “visando a sustentar um determinado pacto político [...]. Dito de outra maneira, busca-se garantir uma forma estatal e estável de governo, afirmando e restituindo os limites sobre os usos e abusos de poder entre os indivíduos e deles com o próprio Estado e seus agentes, sob o império da lei” (MUNIZ; PAES-MACHADO, 2010, p. 439). Qualquer reflexão sobre a polícia não deve desconsiderar as inúmeras facetas que ela pode assumir em suas expressões de governo:

Um dispositivo de dominação (de classe, raça, gênero e geração), uma instância produtora e distribuidora de moral e “moralismo” conflitantes, um instrumento de sustentação de direitos a serviço de uma cidadania mais ou menos inclusiva e em processo continuado de afirmação, e um meio de força orientado por fins coletivos e atravessado por seus interesses corporativos. (MUNIZ; PAES-MACHADO, 2010, p. 440).

O que está em jogo é: que polícia queremos diante do Pacto (da Constituição) firmado?

Lembremos da polícia que chega para a pacificação proposta pela UPP. Trata-se de uma polícia com muitos restos. Ora, o Brasil é um país com muitos restos. Escravidão, ditaduras, racismo, desigualdades, genocídio... Temos sempre um “deixa disso” ou “não mexe nisso” para não tocar na ferida, para não abri-la, para não entendê-la.

Os policiais praças de outrora saíam das classes inferiores livres (que eram alvos da repressão policial), possuíam ampla liberdade para executar suas funções e “seus métodos espelhavam a violência e brutalidade da vida nas ruas e da sociedade escravocrata em geral” (HOLLOWAY, 1997, p. 50). Bretas (1998, p. 222) observa que o conhecimento sobre a identidade desses policiais do século XIX (e do século XX) é muito limitado. O que se sabe é que se trata de um universo de homens simples, vindos de camadas pobres, sem muita instrução. O autor destaca que em nenhum momento durante o Império foi possível preencher as vagas existentes para policiamento. “Parecia haver sempre uma resistência surda em adotar a profissão policial e, mesmo quando isso acontecia, a deserção ou a dispensa de engajamento eram opções quando algo melhor surgia” (BRETAS, 1998, p. 225). O trabalho policial era, em grande parte, involuntário. Dada a precariedade do serviço, esses trabalhadores buscavam escapar dele sob as mais diversas justificativas (inclusive por motivos de doenças). Bretas assegura que, para enfrentar as dificuldades de recrutamento e disciplinarização desses agentes locais do Estado, os gestores tiveram que fazer concessões “para tornar efetivo o funcionamento desse Estado, por onde se incorporaram elementos de favor que comprometeram qualquer projeto de implantação de uma racionalidade estatal moderna” (1998, p. 231).

Não muito distinta da polícia de outrora, a polícia que chega para a pacificação é formada por pessoas que vêm da Baixada, do interior do Estado do Rio, da capital, dos bairros pobres e periféricos da cidade. Parcela considerável desses policiais da ponta, daqueles que trabalham nas ruas e nos morros, vem das classes populares, são negros transformados em corpos submetidos a uma lógica na qual se prega que matar e morrer é preciso. São sujeitos e corpos levados a acreditar que possuem um papel heroico. A mando do Estado, e sob o seu respaldo, potencializam a existência das vidas matáveis, vidas já consideradas matáveis. No dia a dia do fazer policial, em cada esquina, em cada viela, o policial militar se depara com um “suspeito”, com um “potencial inimigo”, com um corpo matável. Mas neste corpo “heroico” também existe um corpo matável. Este corpo tem quatro vezes mais chances de cometer suicídio em comparação à população civil. Entre 1995 e 2009, 58 policiais militares do Rio de Janeiro tiraram a própria vida e 36 tentaram o suicídio (este é o número dos casos que são informados à PMERJ. Há casos que não são informados por razões diversas, inclusive em virtude do preconceito que o agente pode sofrer). Só entre janeiro e agosto de 2018, 2.500 PMs foram afastados por transtornos mentais.12

A polícia pouco fala acerca dos transtornos mentais de seus agentes. Temos uma polícia que se cala diante de seus doentes, mas que grita: “a sociedade está doente!”. Pouco se questiona o RDPM (Regulamento Disciplinar da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro). Há um medo que cala muitos dos hierarquicamente inferiores. Temos uma Polícia Militar que sobrevive à Constituição de 1988 espelhada no Exército. E temos uma Constituição que não define o mandato da nossa polícia, apenas distribui o exercício do policiamento entre as corporações. Não se pôs em acordo quais seriam “os fins, os meios e os modos de agir policial” que se destinam à defesa e à garantia dos direitos fundamentais. “Não se tem estabelecido no Brasil o que é, o que pode, o que não pode no exercício do poder de polícia” (MUNIZ; PROENÇA JÚNIOR, 2007b, p. 161).

Discutir o “poder de polícia”, suas virtudes e vícios é, em termos amplos, inquirir sobre o quanto concordamos com os conteúdos do mandato policial e as formas de seu exercício no Brasil. É questionar, alterar ou validar os termos concretos dos poderes delegados ao Estado para a coerção legal e legítima. É estabelecer o que é desejável, o que é tolerável, na ação policial. É se pôr de acordo sobre quais sejam os fins, os meios e os modos do agir policial como instrumento de sustentação, defesa e garantia dos Direitos Fundamentais. É pactuar sobre as alternativas de produção de obediência socialmente consentida, com respaldo da força, sob o Império da Lei. É assegurar a capacidade da polícia de cumprir o seu mandato sem que ela sirva à tirania do governante, à opressão por seus procuradores, ou seja, apropriada por interesses privados [...]. É estabelecer o que é desejável e tolerável na ação policial, e as políticas públicas capazes de produzi-lo. (MUNIZ; PROENÇA JÚNIOR, 2007b, p. 161).

Em O que resta de Auschwitz (2008), Agamben rememora uma descoberta de Primo Levi no campo de concentração: uma zona cinzenta da qual deriva a cadeia de conjunção entre vítimas e algozes, “em que o oprimido se torna opressor e o carrasco, por sua vez, aparece como vítima” (AGAMBEN, 2008, p. 30). A figura extrema dessa zona cinzenta é o Esquadrão Especial, grupo de deportados responsável pela gestão das câmaras de gás e dos fornos crematórios. Este Esquadrão participava de partidas de futebol com soldados da SS (Tropa de Proteção nazista). As tais partidas, aqueles momentos de normalidade, constituem, para Agamben, o verdadeiro horror do campo. O problema é que essas partidas nunca terminaram. Assistimos àquelas partidas, de alguma maneira, todos os dias, “em cada normalidade cotidiana”.

Podemos, talvez, pensar que os massacres tenham terminado – mesmo que cá ou lá se repitam, não muito longe de nós. Mas aquela partida nunca terminou, é como se continuasse ainda, ininterruptamente. Ela é o emblema perfeito e eterno da “zona cinzenta” que não conhece tempo e está em todos os lugares. (AGAMBEN, 2008, p. 35).

Quão algozes nos tornamos em cada “normalidade cotidiana”?

Se as pessoas não fossem profundamente indiferentes em relação ao que acontece com todas as outras, excetuando o punhado com que mantêm vínculos estreitos e possivelmente por intermédio de alguns interesses concretos, então Auschwitz não teria sido possível, as pessoas não o teriam aceito. (ADORNO, 1995, p. 134).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em um texto intitulado Educação após Auschwitz, Adorno (1995) clama por uma educação dirigida a uma autorreflexão crítica; uma educação que seja capaz de fazer com que as pessoas ajam refletindo acerca de si próprias, de modo a evitar que Auschwitz se repita. Nesse sentido, seria preciso reconhecer os mecanismos que tornam as pessoas capazes de cometer determinados atos e revelar tais mecanismos a elas próprias, combatendo uma tal ausência de consciência. Para isso, torna-se necessária uma inflexão em direção ao sujeito.

Da criação da Intendência e da Guarda Real à UPP, o mandato policial no Rio de Janeiro tem sido produzido contra um “inimigo”, o que em nada é compatível com um ideal de polícia moderna. Se outrora a prática era reprimir e subjugar, hoje as polícias são conclamadas também a exterminar. Esse modelo persiste graças ao aparato político e jurídico que foi se “aperfeiçoando” ao longo das décadas, deixando lacunas, omissões e insinuações que possibilitam a continuidade das violações e das matanças.

Retornar ao sujeito e tentar compreender aquilo que o move pode ser um caminho para começar a romper com esse modus operandi. Tocar nos restos, questioná-los, abri-los. Trata-se de um processo longo e doloroso, mas necessário. A Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro não vem de outro planeta. Suas ações e reações são por sua sociedade, por nós, compartilhadas. Construímos os nossos inimigos, selecionamos lugares indesejados e pessoas indesejáveis a todo tempo, mesmo que imperceptivelmente. Com os nossos restos, preconceitos e racismos de cada dia, produzimos e reproduzimos desigualdades e massacres.

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  1. Este artigo é fruto de um trabalho apresentado no III Congresso de Pesquisa de Ciências Criminais – CPCRIM, realizado em agosto de 2019, e encontra-se publicado nos Anais do evento.↩︎

  2. Vem de Bittner (2003) a proposta de uma teoria de polícia que se dedique à conceituação do mandato policial. Para o autor, o mandato autorizativo da polícia é o uso da força.↩︎

  3. Parte de uma pesquisa já concluída pode ser encontrada em Höelz (2018).↩︎

  4. Comunidade política.↩︎

  5. Sem tradução para a língua portuguesa. Está associado à produção de obediência e à garantia do cumprimento das leis.↩︎

  6. Origem das atuais Polícias Civis.↩︎

  7. Origem das atuais Polícias Militares.↩︎

  8. Expressão utilizada especialmente no linguajar policial para fazer referência às mortes ocorridas nas operações. É importante destacar que os policiais também são atingidos por essas operações.↩︎

  9. Quanto mais se demanda repressão ao tráfico de drogas, mais os traficantes demandam proteção, e maior será o poder de negociação dos agentes do Estado. Dentre tantas análises possíveis para se pensar o contexto UPP, a apropriação do projeto como um instrumento de compra/venda de proteção nas favelas cariocas parece ser um tema que compõe esse panorama.↩︎

  10. Zaverucha (2010, p. 48) questiona a possibilidade de se submeter e garantir algo simultaneamente, afirmando que, em uma democracia, o poder não deve ser deferido a quem tem força, mas, ao contrário, a força deve ser colocada a serviço do poder.↩︎

  11. Independentemente de sua identidade institucional e de sua finalidade, é possível que outras organizações de força cumpram, ainda que de forma pontual e provisória, o mandato policial. É o caso, por exemplo, dos militares das Forças Armadas em Missões de Paz. Eles se fazem polícias pela adesão às regras de ação policiais. Eles “dependem das regras de ação para se fazerem legais e legítimos diante da população que policiam” (MUNIZ; PROENÇA JÚNIOR, 2014, p. 8).↩︎

  12. Informações disponíveis em: https://brasil.elpais.com/brasil/2019/03/02/politica/1551534111_997657.html. Acesso em: 8 jul. 2021.↩︎