Professor da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (UNILAB), em Redenção-CE. Bacharel em Ciências Sociais pela UFC. Mestre em Sociologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP).
Mestrando em Sociologia na Universidade Federal do Ceará (UFC). Bacharel em Humanidades e Licenciado em Sociologia (Unilab).
Bacharel em Administração Pública (Unilab).
O presente texto aborda o aumento da mortalidade violenta no interior do Ceará tomando como objeto a situação do Maciço de Baturité e considerando dois aspectos: 1) as transformações sociais da criminalidade e das violências; e 2) o funcionamento das organizações de segurança pública e de justiça criminal. Na análise, leva-se em conta especialmente as cidades de Acarape, Barreira e Redenção, por apresentarem aumento mais expressivo da mortalidade violenta na região no período recente e por serem cidades-sede da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab). Em termos metodológicos, utilizou-se de entrevistas semiestruturadas com sujeitos locais (políticos, profissionais da segurança pública e operadores do direito) e análise de dados estatísticos.
The present paper addresses the increase in violent mortality in the hinterland of Ceará, taking as object the current situation in the Maciço de Baturité region and considering two aspects: 1) the social transformations of crime and violence and 2) the functioning of public security and criminal justice organizations. In the analysis, Acarape, Barreira and Redenção were especially highlighted for presenting a more significant increase in violent mortality in the region in the recent period and for being host cities of the University of International Integration of Afro-Brazilian Lusophony (Unilab). In methodological terms, semi-structured interviews were used with local subjects (politicians, public security professionals and legal operators) and the analysis of statistical data.
A partir de 2006, as taxas de mortes violentas no Nordeste brasileiro
apresentaram crescimento muito acima da média nacional, de tal modo que
a região passou a ser a mais violenta do país em números de homicídios
absolutos e também em taxas por 100 mil
habitantes
Nessa “nordestinação” da
violência
No ano de 2017, o estado do Ceará bateu seu recorde de Crimes
Violentos Letais Intencionais
(CVLI)
Os índices de violência parecem seguir o ritmo das acomodações ou dos
conflitos das relações entre as facções e entre estas e a polícia, de
modo que seria possível presumir que, diante de acordos, haja diminuição
dos padrões de resolução violenta dos conflitos, o que pode ser
modificado caso o acordo não permaneça (BARROS
Contudo, a partir de 2018 destaca-se relevante queda do número de homicídios no país. Em 2019 houve uma queda de 22% no número de mortes violentas registradas nos nove primeiros meses em comparação com o mesmo período de 2018. E foi no Nordeste, região que era apontada até 2017 como principal responsável pela escalada de homicídios no Brasil, onde as taxas mais caíram (IPEA; FBSP, 2018). Entre as hipóteses explicativas, ressaltam-se dois fatores que parecem articulados: as ações dos governadores e das autoridades estaduais do Judiciário, mais focadas nos presídios, que foram capazes de impor custos aos grupos violentos; e a situação que acaba impulsionando os concorrentes do mercado criminal a cessar conflitos e mortes, posto que significam custos elevados e redução nos lucros obtidos com as drogas (MANSO; DIAS, 2018). “A trégua, dessa forma, pode interessar a todos os concorrentes, desde que os rivais saibam que seus respectivos oponentes não farão movimentos de agressão e expansão” (MANSO, 2019).. Esta hipótese é pertinente para explicar a situação do Ceará que, desde a criação da Secretaria de Administração Penitenciária, sob a gestão de Mauro Albuquerque, reduziu seus índices de homicídios, não sem questionamentos sobre o nível de violência da administração estatal nos presídios (SUDRÉ, 2019).
O objetivo do presente trabalho é investigar como estas questões
repercutem no interior do estado. Para isso, será apresentada análise da
realidade de uma macrorregião específica, o Maciço de
Baturité
Fonte: Seplag, Governo do estado do Ceará, 2011.
Na região, acompanhando tendência do estado como um todo na última
década, a piora dos índices de violência também tem sido significativa.
No que se refere aos dados
estatísticos
[CHART]
Fonte: Elaboração própria com base no DATASUS.
A curva segue tendência geral de todo o estado durante o período, que é de aumento, incluindo relativo decréscimo em 2015 (IPEA; FBSP, 2018). Em outro momento se faz necessária comparação entre as diferentes sub-regiões do estado, mas ressalta-se que os índices no Maciço do Baturité não são irrelevantes, ocupando a sétima posição em número de homicídios entre as 32 macrorregiões no estado em 2014 (IPEA; FBSP, 2016).
Em relação ao perfil do assassinado por arma de fogo, observa-se que
a faixa etária, a escolaridade e o critério cor/raça asseveram o padrão
brasileiro de mortalidade de homens, de baixa escolaridade (44,79%
possuíam nenhuma ou até três anos de estudo; 86,25% até sete),
pardos/negros e jovens (no caso da região, jovens adultos, de 20 a 29
anos). Este perfil é similar em nível estadual. Conforme o
Este conjunto preliminar de indicadores nos permite perceber que há um aumento progressivo da mortalidade violenta nesta sub-região, que parece estar em forte ligação com o mercado ilegal de armas, os conflitos entre coletivos criminais e os confrontos com a polícia em espaços periféricos da região. O Maciço do Baturité, caracterizado por municípios pequenos (com menos de 50 mil habitantes), com pouco desenvolvimento, mas marcados pelo fluxo populacional entre região metropolitana e interior, e por zonas rurais compostas por serras, tornou-se estratégico para rotas de comércio, de fuga e de articulação de atividades criminais.
Não sendo possível no momento abordar as diversas particularidades territoriais do Maciço, pretendemos trabalhar principalmente a realidade específica dos municípios de Acarape, Redenção e Barreira.
Fonte Portal Messejana, s/d.
Além da proximidade geográfica e do fato de serem os primeiros
municípios do Maciço após a região metropolitana de Fortaleza, os três
municípios possuem fortes laços históricos e sociais: originalmente,
Acarape e Barreira eram distritos de Redenção e conquistaram sua
emancipação política recentemente, ambos em 1987. Há, nesse sentido, uma
formação histórica e social comum que nos possibilita considerar
sociologicamente, para os fins desta pesquisa, os três municípios como
um mesmo
Enquanto, em geral, na região os índices de Homicídios por Arma de Fogo se distribuem segundo o nível populacional dos municípios, Acarape, Redenção e Barreira fogem à regra. Redenção, por exemplo, com 26.415 habitantes se destaca frente às demais cidades, inclusive de Baturité – o município cidade-polo da rede de núcleos urbanos da região, mais extenso e populoso, com mais de 33 mil habitantes. No que se refere aos municípios com população entre 25 e 50 mil habitantes no estado, Redenção e Baturité aparecem respectivamente como 10ª e 11ª cidades em homicídios entre os anos de 2010 e 2013. Já quanto aos municípios entre 15 e 25 mil habitantes, Acarape se destaca em 3º (FBSP, 2017). Esta realidade pode ser visualizada nos gráficos abaixo, referentes ao número absoluto e ao ritmo de crescimento das mortes por arma de fogo:
[CHART]
Fonte: Elaboração própria com base no DATASUS.
[CHART]
Fonte: Elaboração própria com base no DATASUS.
Em relação à curva ascendente a partir de 2013, chama atenção o aumento da violência nos três municípios, em comparação com aqueles de maior população. Se considerarmos a estreita relação geográfica e social entre os municípios, podemos estar observando uma realidade específica, que concentrou 39,78% dos homicídios por arma de fogo na região durante o período considerado (2013 a 2017). Estes dados sugerem fatores específicos (mudanças urbanas e sociais, desenvolvimento e diversificação de atividades criminais), que podem indicar, por exemplo, a formação de corredores de articulação criminal entre um conjunto de municípios.
As entrevistas realizadas
A sub-região que envolve os municípios de Redenção, Acarape e
Barreira formam, nesse sentido, vinculações que favoreceram o aumento da
violência: com centros urbanos situados no “Maciço de baixo”, eles estão
ligados ao fluxo de mercadorias ilícitas entre interior e capital e são
pontos de passagem/articulação entre o “mundo do crime” com o sistema
penitenciário. Essas articulações se evidenciam em algumas das práticas
criminais na região, como assaltos a
banco
Um maior investimento em pesquisa é necessário para explicar de uma maneira mais conclusiva as correlações aqui estabelecidas. O presente artigo sintetiza as primeiras iniciativas nesse sentido, considerando como prisma inicial de análise as representações presentes no discurso de agentes públicos, especialmente policiais e operadores do direito.
Através das entrevistas obteve-se narrativas sobre as dinâmicas que acompanhariam o crescimento da violência na região, construídas em torno de um núcleo discursivo majoritário da expansão de facções do crime organizado ligado ao tráfico de drogas. Esse núcleo discursivo tem suas nuances. Na maioria das entrevistas, defende-se uma separação clara entre o “mundo da ordem” e o “mundo do crime”, de traficantes “pirangueiros”, “quase todos viciados”, envolvidos com ciclos de vingança e “acertos de contas”.
Da parte das polícias, há uma percepção de Redenção como uma das cidades mais dominadas pelo tráfico, com problemas comparáveis a cidades metropolitanas como Pacajus e Horizonte. Teria havido uma migração de criminosos de municípios maiores para o interior, sendo Redenção uma das principais escolhas (um “labirinto do crime”, por suas muitas vielas estratégicas para fuga e circulação de drogas) ou como “corredor do crime” que liga a região metropolitana até o sertão central de Quixadá (Entrevista 1, 2016), o que ocasionaria o aumento do crime e de brigas entre gangues ou facções.
Segundo esse discurso, essa dinâmica se somaria ao desenvolvimento histórico de “bolsões de pobreza” ligados à violência. Este seria o caso do bairro de Boa Fé em Redenção:
Agora me pergunte como foi criado esse bairro? Essa comunidade da Boa Fé tem uma criação violenta: você tira umas pessoas e vai jogando num espaço sem estrutura. As pessoas vão se ajeitando por ali. E qual é a forma mais fácil de ganhar dinheiro? É o Bolsa Família, aposentadoria (incentivos). E claro, o tráfico de drogas. Um tráfico de subsistência. Você entra na casa para cumprir um mandato, aí você vê lá uma mãe doente, um pai doente e uma criança; e um cara traficando para bancar a família. Você se comove com a situação. Eu tinha piedade. Tinha que lidar com aquele momento; porque tinha uma criança. E você tem que chegar com todo cuidado para cumprir o mandato. Ali é uma zona muito violenta, que tinha uma articulação com Antônio Diogo. (Entrevista 1, 2016).
Nesses “bolsões” haveria “presença indubitável de organizações
criminosas à serviço do tráfico” (Entrevista 5, 2017). Para outro
entrevistado, grande peso é dado ao
A minha percepção é porque entre 10-20 anos atrás apareceu um
Para esse agente público, o
Eu vejo frases do tipo: “bandido bom é bandido morto”. Mas qual é o bandido bom morto? O bandido que sonega imposto ou o que é dependente químico? O branco ou o preto? O bandido seu irmão que se envolveu numa confusão ou porque dirigiu embriagado pois cometeu um delito criminoso ou aquele jovem que está numa favela que vê uma oportunidade de crescimento pessoal – tem um plano de carreira nas drogas pois as pessoas passam a serem respeitadas e terem moral. Para um jovem que se vê desamparado e que passa na rua e as pessoas mudam de calçada. Ou seja, o reconhecimento dele é zero pela sociedade. Então ele chega no tráfico e lá é tratado como rei ou herói. Logo isso traz para aquele jovem uma gratificação de reconhecimento pessoal – e financeiro. (Entrevista 5, 2017).
Na representação destes agentes públicos percebe-se a cristalização de uma representação social estigmatizante sobre territórios vistos como perigosos e violentos, razão pela qual há que se fazer uma ressalva crítica, no sentido de problematizar uma visão que naturaliza a relação entre pobreza e crime, englobando um conjunto populacional variado de trabalhadores pobres no estigma da violência (WACQUANT, 2006; VIEIRA, 2017).
Sobre o poder, o enraizamento ou a “institucionalização” das facções em Redenção, Acarape e Barreira, as posições variam entre uma afirmação de uma grande presença organizada e entre uma presença mais nominal-identitária, do que propriamente bem estruturada.
Para alguns, haveria uma densa relação com o tráfico da região
metropolitana e as dinâmicas de conflitos territoriais entre as facções
em Guaiúba e Pacatuba (Entrevista 4, 2017), repercutindo nas posturas e
tomadas de decisões dos grupos criminais em Acarape, Redenção e
Barreira. Estes conflitos resultariam em casos bárbaros de morte, a
exemplo da chacina ocorrida em 2014, quando cinco corpos de adolescentes
foram encontrados em duas covas rasas em um canavial em
Redenção
Esse menino que vocês estão falando era do Antônio Diogo. Ele era
pra ter morrido naquela chacina na Boa Fé e foi um sobrevivente.
[Sobre a chacina:] Eram cinco adolescentes que estavam lá
‘aterrorizando’ e aí o F.N., que tem uma relação tão forte com a
comunidade – se acha superior que a polícia –, queria livrar a
comunidade desses baderneiros. Para resolver toda essa situação, ele
juntou um bando. Algo bem cinematográfico: juntaram-se todos
encapuzados e com tochas. Tiraram os meninos de dentro da casa e
levaram pro Canavial. E enterraram. Eles devem ter cavado a própria
cova. E saíram nas ruas do bairro dizendo: “esses aqui são os
pirangueiros que morreram... E está faltando
Segundo estes entrevistados, as facções ofereceriam um sentido de ordem, vigilância e regulação dos microterritórios, promovendo punições aos integrantes que ferirem suas concepções, “sugando” os recursos locais e ao mesmo tempo “parasitando” as instituições prisionais:
Aqui no estado tem só um presidio para a GDE, outro para CV e outro para outras facções. Ou seja, oficializaram-se as facções no Ceará. Em Rio Grande do Norte colocaram fogo em ônibus e etc.; mas o estado segurou. O preso, a partir do momento que é aprisionado, principalmente por tráfico (que é um crime entre os piores possível), ele perdeu o direito. Estão suspensos. Mas eles usam celular e comandam dentro dos presídios. (Entrevista 4, 2017).
Por outro lado, para outros entrevistados, as questões em torno das
facções são relativamente recentes na região, configurando-se apenas num
agrupamento frágil e limitado, mesmo durante as crises de insegurança
que apareceram nos “salves” de
Praticamente começaram a falar disso do ano passado pra cá. Então, não reconhecemos essas facções como uma força institucionalizada. Elas existem e isso é fato, pois nas abordagens que fazemos nos celulares vemos algo sobre CV (Comando Vermelho), GDE (Guardiões do Estado), PCC (Primeiro Comando da Capital) [...] ainda tenho a impressão que o sujeito se autodenomina de determinada facção. [...] Eu não tenho um posicionamento oficial sobre isso, pois estão muito recentes. Mas se existe, é necessário qualificar e quantificar essa força. (Entrevista 2 – PM de Redenção, 2017).
Mas é importante destacar que a interpretação mais presente é a da
predominância do domínio político das facções criminais, especialmente
após as recomposições advindas da chamada “pacificação” ou “unificação”
entre as duas principais facções criminosas do país (BARROS
Tinha um rapaz, o F.N. Ele era vigilante. Começou a vida como vigilante. Mas ele era aquela pessoa fronteiriça: tanto ligado ao crime como também ligada à polícia. Era aquele sujeito informante, mas tinha uma proximidade maior com a violência, com a violência estatal e histórica e dos grupos criminais organizados. Eu acho que houve um processo muito grande de marginalização em cima dele. Ele não era aquilo que pregava. Teve até um dia lá na delegacia que uma pessoa me contou assim: “eu não sou nada disso aí que estão falando de mim. Então vou me transformar” [F.N. disse para essa pessoa na delegacia]. Assim, a própria polícia criou um “Mito F.N.”. E F.N. hoje em dia é considerado bandido de alta periculosidade, envolvido com assalto a banco. Sabe, ele foi migrando; foi se envolvendo com policiais ligados à corrupção e começou a crescer no meio da bandidagem: formação de infantaria, uma “engenharia social” muito boa. E o cara começou a crescer. Foi crescendo... (Entrevista 1, 2016).
Nessa entrevista alguns elementos são acrescentados, que borram as
fronteiras entre os “mundos da ordem” e da “desordem”. O tráfico de
drogas não é o único vetor que estruturaria as organizações criminais:
os homicídios se conectariam com outros processos, no caso a
estigmatização e a rotulação dos sujeitos como fatores de consolidação
de uma identidade e de uma
As duas ênfases discursivas apresentadas nesta seção parecem oferecer duas respostas que, mesmo não sendo opostas, são diferentes em relação às medidas a serem adotadas: uma envolvendo a manutenção do mesmo modelo organizacional e a prioridade orçamentária; e outra ressaltando a necessidade de reforma da segurança pública e investimento em controle da atividade policial e treinamento, como expressa a fala abaixo:
Tem um policial lá [...] que se agrupou com essa pessoa que estou
falando, o F.N.
Nesse sentido, na sequência analisaremos as representações dos agentes públicos entrevistados sobre a estrutura organizacional e o funcionamento da Segurança Pública na região, assim como as condições de carreira e trabalho de policiais e operadores do direito.
Na visão geral sobre o sistema de segurança pública, dois pontos principais são ressaltados: a falta de integração e a precariedade material do policiamento do interior para dar conta de problemas que vêm se tornando mais complexos. Este seria um problema geral no Brasil, mas que no estado do Ceará, e especificamente no interior, ganharia contornos mais graves: “Há precariedade da polícia do interior com os problemas de uma polícia metropolitana” (Entrevista 1, 2016).
A esta discussão, acrescenta-se um julgamento a respeito da
organização do planejamento e da distribuição de equipamentos e efetivos
na Área Integrada de Segurança Pública (AIS) que não seriam condizentes
com as necessidades, tipos de crime e integração entre
órgãos
Esse plano da AIS é uma colcha de retalhos, porque a PC não tem Lei de Organização Básica. Já a PM possui. E lá se define quantos batalhões e suas competências, área constitucional e de circunscrição. Na PC é tudo baldeado (sic). O Maciço tem suas especificidades e territórios. Aqui já é outro tipo de crime, por mais que a droga esteja generalizada. (Entrevista 4, 2017).
Dificuldades similares derivam da localização do Instituto Médico Legal (IML) e do núcleo da Perícia Forense, que se encontram na cidade de Canindé (sede central da AIS-15, com 98,1 km de distância de Redenção, via CE-257 e CE-60). Haveria uma dependência da delegacia de Maracanaú (48,5 km de Redenção), polo plantonista mais próximo ou da delegacia regional de Baturité (32,2 km de Redenção), principalmente nos finais de semana. Essas distâncias aparecem nas falas dos entrevistados como entrave na atuação e na operação dos agentes e das formas de planejamento da segurança pública na região, levando em conta também a formação geográfica local. Estas lacunas aparecem na opinião de delegados:
Eu me surpreendi ao chegar em Baturité. A Regional pega três
municípios do Maciço [...]. E quando eu fui ver, tinha 13 delegacias,
mas somente 3 funcionavam: Barreira, com uma delegada, um escrivão e
dois inspetores, trabalhando somente em único expediente. Depois de
18h o plantão ia para Canindé, lá no outro lado do mundo; Aracoiaba:
com um novato, trabalhando também em um único expediente. Período da
noite, final de semana e feriado, nada. Pelo menos tem uma delegacia
modelo. Redenção: também do mesmo jeito. Uma casa caindo aos pedaços.
Um delegado que também cursou a última turma; trabalhando com poucas
pessoas e em um único expediente. E lá em cima da serra tínhamos:
Guaramiranga: um delegado, dois escrivães e dois inspetores. Não
possuem condições de fazerem diligência. Sem plantão. Sem nada. Todos
insatisfeitos. Um local pequeno. E por fim, Baturité. Desses treze
municípios só cinco tinham PC e Judiciária. E tínhamos muitas e muitas
dificuldades. (Entrevista 4,
2017)
Em termos de estrutura, critica-se as poucas viaturas da Polícia
Civil e da Polícia Militar responsáveis por Acarape, Redenção e
Barreira, o que atrapalharia no andamento das diligências e das
investigações. Além disso, havia
Outro ponto relevante é o da instabilidade das carreiras na Polícia Civil, que não teriam a mesma autonomia que carreiras jurídicas do Ministério Público e do Poder Judiciário, que só seriam transferidos a pedido ou por promoção. “O cara querendo sair hoje não precisa nem justificar. Somente tira e coloca em outro local, e assim se vai” (Entrevista 4, 2017). Segundo o mesmo depoimento, esta situação desestimularia o trabalho, alimentando também a corrupção: “a polícia judiciária, hoje desestimulada, e com a politicagem interferindo e sem autonomia faz com que ela esteja fragilizada. E o pior, sem condições de trabalho. Sem efetivo. As delegacias funcionam pouco”. A principal razão para este quadro, segundo o entrevistado, seria o receio de investigações da Polícia Civil atingirem esquemas de corrupção mais disseminados entre poderosos locais e autoridades públicas: “o Poder Público não fortalece a PC é com medo de algumas investigações, de algumas coisas que nós sabemos que acontece” (Entrevista 4, 2017). Haveria inúmeros reclames que derivam dessa situação, o que abriria espaço para o descrédito das instituições e para o apelo a formas violentas de controle do crime.
Mas como resposta a esse contexto também surgem inovações institucionais, como é o caso da criação da Guarda Municipal em Acarape em 2015. Surgida da necessidade de suprir a precariedade de policiamento militar na região, a Guarda Municipal tenta se legitimar, mas enfrenta contestações:
A cidade estava vivendo um momento de crescente violência e os números de assaltos estavam muito grandes. Já tivemos casos de três assaltos por dia, e o efetivo da PM passou por uma crise: se não me engano, tínhamos 14 policiais apenas para trabalhar se revezando em equipes. Chegou o momento em que ficaram com quase todas as viaturas baixadas e tinha somente uma viatura na área cobrindo Barreira, Redenção, Antônio Diogo e Acarape. Uma viatura para três cidades!? Não tinha como... Aí o prefeito viu a necessidade de Acarape auxiliar e reforçar na Segurança Pública. (Entrevista 3, 2017).
Os PMs entrevistados fazem um elogio aos Guardas Municipais de Acarape, por terem uma boa estrutura e por atenderem algumas ocorrências, quando se torna inviável a ida da PM. Porém, segundo os mesmos policiais, a Guarda teria assumido muitas atribuições, expondo-se inclusive a situações de risco. Já do ponto de vista de gestores municipais, a percepção é de uma insatisfação, seja por conta das acusações de violência por parte da Guarda, que exigiriam o incremento das formas de treinamento e supervisão, seja em razão dos custos políticos de uma eventual desativação da Guarda:
Confesso que estou insatisfeito com o trabalho da Guarda. Mas me sinto refém de tê-la, pois se não tiver a violência aumenta. Mas temos feito treinamento e plano paliativos. E outra, a Guarda não é polícia. [...] Tenho a impressão de que depois possa ser responsabilizado juridicamente como ato de impropriedade, sobre fuga de responsabilidades. Podem até dizer que estávamos fazendo uma milícia, como em campanha já fui acusado. Mas, ao mesmo tempo, se eu tirar os comerciantes reclamam [...] O meu problema com a Guarda hoje é que eu não sei até que ponto ela é sustentável. Saindo da prefeitura, até que ponto ela se mantém como política pública. (Entrevista 5, 2018).
Nosso propósito não é o julgamento de valor a respeito da Guarda, nem a condenação do experimento, mas cabe ressaltar os riscos inerentes a um processo de institucionalização ainda frágil de uma organização que se propõe inovadora. Estas questões podem ser evidenciadas na fala abaixo:
O que vamos colocar como meta é conseguirmos o efetivo de guarda municipal através de um concurso [...] e que no próximo ano tenhamos uma guarda armada constitucionalmente, com armamento menos letal [...] A gente pretende fortalecer a guarda nesse sentido: de equipamentos e armamentos e também maior efetivo feminino, prestando um serviço ainda melhor e mais eficiente à população. Acreditamos que se um trabalho for bem-feito, independente de quantos prefeitos irão vir assumir, ele não terá coragem de mexer, porque a população não irá aceitar; já que está fazendo bem ao povo [...] Além de equipar e ampliar a guarda, é criar uma ouvidoria e corregedoria. Por quê? Apesar d’eu acreditar que os nossos guardas são bons profissionais, mas como estamos trabalhando com pessoas e pessoas pecam, então eu tenho que ser realista e acreditar que a qualquer momento um guarda possa cometer um erro, cometer um abuso; e a população tem que ter o local a quem procurar e a quem denunciar. (Entrevista 3, 2017).
A partir das entrevistas, percebe-se que o caso da Guarda Municipal
de Acarape exemplifica a seu modo grande parte dos dilemas da segurança
pública no Maciço de Baturité: criada para suprir a demanda por
repressão e supervisão do espaço público diante das lacunas de uma
organização de segurança pública precária, ela acaba por reiterar os
padrões de policiamento repressivo tradicionais na segurança pública
brasileira, em sobreposição ao trabalho da PM, ao mesmo tempo em que se
estrutura de forma também precária, como expresso na utilização da noção
de “voluntário” para caracterizar a situação de não concursado. Criada
há mais de cinco anos, a Guarda Municipal funciona ainda à margem da
institucionalização de suas políticas de formação, dos contratos de
emprego e dos seus mecanismos de fiscalização e monitoramento por parte
da sociedade e de outros órgãos públicos. Isto confirmaria a tendência
das Guardas Municipais brasileiras ao
Apesar de todos os questionamentos apresentados, o problema da segurança pública na região é visto muitas vezes como problema material (equipamento e efetivo) e não de modelo organizacional:
Quando você tem as receitas do bolo e os moldes do bolo, logo você entende os modos de fazê-lo. No nosso caso, o bolo não está saindo bom pela falta de ingredientes. Eu só poderia propor uma mudança quanto à estrutura, viaturas. Estamos distantes da recomendação da ONU em termos de quantitativo e efetivo. Se a partir daí nós tivéssemos uma estrutura adequada, ou seja, em termos de quantitativo e efetivo para o município, e se a PC, que é irmã ao nosso trabalho, tivesse também todos esses aparatos, aí sim, poderíamos ver que o trabalho estaria sendo feito bom ou não. O problema que acho é que falta esses ingredientes do bolo. (Entrevista 2, 2017).
Porém, outras opiniões contestam o atual modelo ou lhe sugerem modificações e complementações. Um primeiro aspecto é a crítica às soluções baseadas no aumento do efetivo policial repressivo e no encarceramento:
Será que dobrar e triplicar ou quadriplicar o efetivo policial na região irá resolver a questão da violência? Será que se construirmos mais cadeias irá resolver algo? [...] a questão de policiamento ostensivo [...] o estado nunca vivenciou um aumento tão grande desse tipo de policiamento e também de centro de inteligência com compras de equipamentos caros, desde aparelhamento da polícia e contratação de novos policiais. Mas a violência subiu na mesma velocidade. Então tem algo de errado. As pessoas precisam discutir isso de forma mais franca. (Entrevista 5, 2018).
Seria preciso, então, rediscutir as políticas de drogas e melhorar políticas públicas para as juventudes e políticas educacionais:
Como vamos discutir sem debater como essas armas e drogas alimentam o tráfico? Discutir as nossas fronteiras. Discutir uma política de legalização e de apoio aos usuários [...] quando é que vamos parar de enfrentar os soldados para encarar os generais? [...] Quando vamos dar importância dentro da nossa sociedade sobre as oportunidades aos jovens para que se tenham reconhecimento pessoal e financeiro? (Entrevista 5, 2018).
Há também um questionamento sobre o sistema de proteção da infância: “O que temos é o Conselho Tutelar, o CRAS, o CREAS, o Conselho da Mulher em Redenção. Mas é muito precário” (Entrevista 1, 2016). Isto é visto inclusive na perspectiva de uma rede de proteção que auxilie em um tipo de policiamento mais “humanizado” e mais pautado na “inteligência” que na repressão, na indiferença e na intimidação truculenta (Entrevista 1, 2016).
No sentido de uma mudança nos padrões de atuação, aponta-se também para a necessidade de reformas mais amplas, que dependeriam de mudanças constitucionais, como no caso de uma polícia unificada:
Eu sou a favor de uma única polícia. Em alguns países temos a polícia municipal, estadual e federal. Mas aqui temos a municipal que está nascendo que é a guarda, a do estado que são duas que poderiam estar trabalhando de forma integrada e sobre um único comando. Mas na verdade são dois comandos. E isso fica muito subjetivo e pessoal, porque logo depende de quem está fazendo a integração. Os afetos estão acima do institucional. (Entrevista 4, 2017).
Interessante também é perceber diferentes concepções sobre o papel das Prefeituras na segurança pública por parte dos gestores. Enquanto os gestores de Acarape se orientaram para uma inovação institucional, os gestores de Redenção mostram-se cautelosos, indicando o suporte já concedido pela Prefeitura ao suprir as lacunas materiais no serviço do policiamento:
O estado é responsável por esta questão de segurança, mas deixa muito a desejar. Se não for muitas vezes os municípios, em situações muitas vezes humilhante para quem está no exercício de policial, que tem que recorrer à prefeitura. Os policiais têm que ter cesta básica, uma pessoa para limpar, e outras questões que envolvem tudo isso. Se formos pensar profundamente sobre isso, é uma questão muito grave [...] Como o estado e o governo federal deixam muito a desejar [...] o próprio município em si não tem recurso para desenvolver algo na política de segurança. A não ser que seja um município de grande porte. (Entrevista 6, 2018).
As opiniões indicadas demonstram que não há uma visão única ou
estacionária na segurança pública da região. Ao contrário, as propostas
induzem a mudanças e reformas incrementais e estruturais nas políticas
públicas de segurança, não somente localizadas no policiamento, mas em
toda a rede de ações de proteção social e mediação de conflitos. Embora
se ressalte a falta de
Um dos fatores que já está acarretando mudanças e poderá fortalecer a
pressão por reformas na região foi a instalação da Unilab, em 2011, nas
cidades de Acarape e Redenção. Desde então essas cidades passam por uma
dinâmica demográfica nova, com a implantação de uma universidade que
gerou um conjunto de fatos sociais que precisam ser estudados e
compreendidos. No presente estudo, amparados em Lopes
(2018)
Em termos pragmáticos justifico o uso do conceito “Território Unilab” considerando que a presença da Unilab nessas cidades estabeleceu uma dinâmica urbana de fluxos e de discussão pública em torno desse investimento. O comércio ampliou sua oferta para atender o público universitário; muitos serviços nasceram para atender essa nova demanda; nas escolas, professores incentivam crianças, adolescentes e jovens a ingressarem na Unilab; muitas famílias nessas duas cidades foram beneficiadas ou com um emprego nessa instituição ou com o ingresso no ensino superior próximo de casa; nas conversas cotidianas de calçada, aparecem perguntas do tipo: “Como que traz uma universidade e não trazem uma viatura, inclusive para segurança da Unilab mesmo?” Essa centralidade assumida pela Unilab no cotidiano das famílias dessas cidades me permite falar no “Território Unilab”. (LOPES, 2018, p. 10).
Ao admitir o conceito “Território Unilab” não se nega a existência de um histórico de fatos sociais anteriores que integravam essas cidades, como a sua origem comum e a sua dependência de centros mais populosos como Fortaleza, inclusive facilitada por estarem no fluxo entre o Maciço Baturité e a região metropolitana de Fortaleza; e por fim, serem cidades que se integram a um macroprocesso estrutural de disputa territorial por facções do crime organizado. Não se nega, muito menos, outras possibilidades de recortes territoriais justapostos ao que se propõe aqui. Dito isto, admite-se a centralidade da Unilab como estratégia de inclusão de todos os entes federativos em ações integradas e coordenadas de gestão de um território que se tornou ainda mais complexo.
Um fato social relevante são as externalidades produzidas por um
processo de crescimento econômico sem coordenação estratégica do Estado
para recepcionar o grande contingente de imigrantes nacionais e
internacionais que em curto espaço de tempo ocuparam essas
cidades
A presença desse contingente migratório estimulou os proprietários de imóveis a alugar ou construir imóveis para atender os estudantes. O custo social desses empreendimentos é ressaltado, particularmente para as famílias de baixa renda já auxiliadas por programas de transferência de renda como o Bolsa Família. Isso origina como hipótese que famílias de baixa renda e estudantes viram os aluguéis subirem a um nível insustentável para sua permanência no espaço urbano e se comportaram recorrendo às piores localizações em termos de facilidade de acesso aos direitos sociais, em um silencioso êxodo urbano de famílias – “a subida da serra” – para adaptarem-se à especulação imobiliária e à inflação da cesta básica (LOPES, 2018).
Essa “violência invisível” se soma à “violência visível” exercida
pelas atividades de grupos faccionais, que começaram a delimitar seus
territórios a partir de 2016. Sem intimidação, escrevem em paredes de
muros de instituições públicas, estabelecimentos comerciais e de
residências nos bairros onde marcaram sua territorialização. Em um
pequeno passeio pelo município, é possível ver, nos muros, frases de
ordem como: “Abaixe o vidro, tire o capacete”; “Se roubar vai morrer”.
Mesmo não tendo legitimidade oficial, eles exercem a coerção ao
administrarem conflitos e sancionarem punições promovendo a
previsibilidade das rotinas em uma suposta segurança para os habitantes,
a qual é concorrente à segurança
estatal
Uma demonstração cabal de força do autointitulado “Crime” no
“Território Unilab” ocorreu em 2017. Em maio daquele ano, após a prisão
de um integrante de uma facção, foi estabelecido “toque de recolher” e
liberado os assaltos nessas cidades. No dia 19 de maio de 2017, nas duas
cidades, a grande maioria dos estabelecimentos (comércios e escolas,
dentre outros) foram fechados e as ruas ficaram desertas. A Unilab
suspendeu suas atividades devido aos assaltos aos ônibus
Na primeira mensagem, pessoas que se intitulam “nois do crime organizado (sic)” (O POVO, 2017) direcionam a todos os moradores de Redenção ameaças de roubos, mortes “e outras coisas” (O POVO, 2017) Isso porque, conforme consta no comunicado, a população teria dado informações sobre o crime organizado local à Polícia:
Todos vocês viram e acompanharam nossa ajuda para manter a tranquilidade da cidade em relação a roubos e coisas ao qual não somos de acordo. Mas o resultado dessa nossa ajuda foi a traição por parte de alguns moradores que passaram a viver denunciando pessoas que só ajudam na segurança de vocês mesmos. Ou seja, enquanto ajudamos vocês de um lado, vocês nos traíram de outro com suas cabuetagens em ato de covardia (sic). (Texto da mensagem enviada pelo WhatsApp, supostamente por integrantes de facção criminosa, em 19/5/2017. O POVO, 2017).
O segundo texto circulou no sábado, 20, no WhatsApp, e reforçou o tom ameaçador (O POVO, 2017). As mensagens afirmavam que o “Crime” havia proibido o roubo na cidade e ainda alegava que, por causa deles, não havia mortes na região há nove meses e por isso ela estava em paz. Porém, após denúncias dos moradores, eles resolveram reagir e demonstrar sua força política:
Toda ação tem sua reação. Vcs q preferi cuidar da vida dos outros
vindo a denúncia os bandidos de Redenção. Agora nois do crime
organizado vamos mexer com o sossego de vcs. Nois vinhemos a colocar
uma paz em Redenção a qual proibindo roubo na Cidade até mesmo mortes
ta com 9 meses q não morria gente vítima de execução na Cidade. Mais
em troca vcs preferiram trair o crime organizado de Redenção.
Denunciando e cabuetando agente. Então nois dá a segurança mais nois
também tira. Agora vcs vão sofrer as consequência. Pode pedir ajuda em
quem vcs tanto confia q é na Polícia
(sic)
A “ordem pública” somente foi supostamente “retomada” depois de algumas ações típicas de gestão de crise investidas pelo governo estadual que enviou tropas para o interior do estado.
Este acontecimento demonstra parte do contexto em que se encontram estudantes, técnicos e professores da Unilab. As denúncias de roubos e assaltos, assim como de conflitos entre estudantes e moradores e de violência contra a mulher, trazem à tona desafios institucionais e políticos ainda pouco enfrentados, que pressionam a universidade em suas competências, mas sobretudo os poderes públicos.
Os conflitos em pauta extrapolam as competências da universidade e
dizem respeito à maneira como se constituíram relações ainda pouco
integrativas entre comunidade universitária e os municípios que a
acolheram. Enquadram-se nesse recorte casos de racismo e xenofobia
contra estudantes africanos que resultam em agressões e casos como a
tentativa de feminicídio ocorrida em
2017
Nos últimos anos, e em parte acompanhando o processo de institucionalização da Unilab, o debate sobre segurança pública na região tem se desenvolvido, oferecendo oportunidades para que questionamentos sejam apresentados pelos atores locais. Uma análise mais circunscrita do jogo de relações entre esses atores e seus diferentes argumentos não pôde ser feito nos limites do presente texto. Por ora forneceremos algumas indicações preliminares de problemas e propostas que surgiram nas entrevistas realizadas com os agentes políticos e da segurança pública na região, que permitem um primeiro entendimento das questões em pauta.
Para os entrevistados, as dinâmicas de Acarape, Redenção e Barreira se assemelham em termos históricos e políticos, pela precarização ou ausência de equipamentos de segurança e falta de ferramentas e instrumentos de políticas públicas de cultura, arte e lazer, voltadas à sua população, encontrando dificuldades para promover a integração entre as realidades das(os) estudantes estrangeiras(os) e de outras regiões e estados brasileiros com o cotidiano das cidades.. Por conta da maior circulação de pessoas, há percepção do crescimento das ocorrências de “perturbação da ordem” por conta de reuniões e festas. As denúncias colocam em questão as formas de intervenção institucional e mediação de conflitos, não raras vezes interpretadas como postura xenofóbica e racista.
Os entrevistados percebem a necessidade de maior atenção do estado à segurança da Unilab por conta da repercussão nacional e internacional, levando em consideração os conflitos culturais. Seria indispensável rediscutir a tutela das(os) estudantes estrangeiras(os), principalmente o embaraço diplomático que o estado teria em uma eventual violência mais grave. A universidade poderia se tornar um vetor de diálogo que poderia acionar outras instâncias de poder que proporcionassem um olhar diferenciado a esta região. O fluxo de pessoas teria aumentado, mas, em contrapartida, o estado acionaria poucas iniciativas num plano de desenvolvimento urbano e local que se faça numa parceria com governo municipal, entidades e movimentos sociais, sociedade civil e Unilab. O que se constata é um agudo descuido de políticas públicas de segurança pública no Maciço por parte do estado e do governo, pois “a universidade não trouxe a insegurança” (Entrevista 6, 2017); ela seria produzida pelas condições sociais, pela localização das cidades e pela precariedade política de segurança desenvolvida no estado. A Unilab é vista como “instituição mal aproveitada”, que poderia exigir mais do Estado, ter maior autonomia de decisão e poder de reivindicação (Entrevista 6, 2017), notadamente quando os casos de violência e criminalidade começam a afetar os processos da própria instituição.
Apesar das dificuldades, a Unilab é entendida como fator de desenvolvimento econômico do comércio impulsionado pelo “turismo universitário” (Entrevista 5, 2017), mesmo que frágil e limitado. A Unilab é enfatizada como vetor de produção de conhecimento e habilidades técnicas no desenvolvimento do Maciço. Há grande expectativa, por exemplo, em torno de um curso de Medicina, que poderia “exigir mais ações do Estado, principalmente pelas questões que um hospital fornece” (Entrevista 6, 2017). Mas seria necessário que os gestores pudessem garantir meios de aplicabilidade desses conhecimentos, fortalecendo parcerias com a instituição segundo seus planos de desenvolvimento:
As pessoas precisam entender que nós não estamos falando de uma faculdade, mas sim de uma universidade. Uma universidade, geralmente, pela ausência de muros. A universidade tem um papel mais transformador na região que se envolve através da extensão e pesquisa [...] Mesmo num momento de crise, esperamos que a Unilab volte a ter um aporte financeiro e assim possa continuar o seu processo de expansão. Aí a comunidade acadêmica irá discutir o que é para ela prioritário, e da melhor forma. (Entrevista 5, 2017).
Ressalta-se a necessidade de potencializar redes de parcerias de extensão e pesquisa voltadas às esfericidades locais, de modo contextualizado, em temas como pobreza e vulnerabilidades, violência contra mulher, direitos humanos, segurança pública, criminalidade, saúde pública e evasão escolar.
Destacamos o crescimento da mortalidade violenta e da criminalidade violenta no Maciço de Baturité, sobretudo em Acarape, Redenção e Barreira. Constatamos que a dinâmica de crime e violência na região se interliga a um processo geral no Nordeste e no Ceará, ligado à expansão de facções criminais em busca de novas rotas de tráfico e domínio territorial, associado à situação de proximidade da região metropolitana de Fortaleza, que tornou os municípios de Redenção, Acarape e Barreira regiões estratégicas. Situação agravada pela precariedade de serviços públicos de segurança nesta região.
Diante dos problemas que surgem das dinâmicas específicas desta sub-região, indicamos que vale considerar o “Território Unilab” (LOPES, 2018) como uma justaposição de territórios e problemáticas urbanas, sociais e culturais. Com isto não afirmamos a Unilab como responsável pela gravidade da situação, embora possamos concluir que o acréscimo populacional e a circulação de bens de consumo em uma situação de precariedade da segurança pública possam ter conduzido a um crescimento das oportunidades para cometimento de crimes, fenômeno pertinente às hipóteses de correlação entre urbanização e crimes contra o patrimônio (CERQUEIRA; LOBÃO, 2003).
Ao mesmo tempo, a Unilab é também o instrumento de uma mudança social significativa na região (incremento de renda, mudanças culturais, pressão social por garantia de direitos, projetos de intervenção, qualificação profissional), importante para o seu desenvolvimento e para a superação dos problemas deste cenário. Nesse sentido, a noção de “Território Unilab” poderia servir como base para ações consorciadas entre estes municípios e o governo estadual, pois a política das facções criminais indica problemas graves, a serem trabalhadas de forma a conjugar fatores sociais ligados à proteção da juventude, à inteligência policial, à investigação criminal e à integração urbana e urbana-rural.
Mas, para tanto, haveria a necessidade de investimento e de imaginação institucional sobre formas de garantir segurança pública. Parte destes desafios foram expressos nas entrevistas, que indicam a insuficiência da organização administrativa da AIS 15 para oferecer um planejamento e uma articulação pertinente às especificidades do Maciço de Baturité, que possui demandas muito próprias em cada uma de suas sub-regiões. Algo notório é o maior crescimento da violência se dar em municípios que não concentram os equipamentos de segurança pública. Assim, embora tenha havido um aumento da operacionalidade policial, expresso no aumento dos índices de apreensão de armas e drogas, não houve redução da violência letal, nem da insegurança. Parece pertinente, nesse sentido, interligar o aumento da desigualdade de renda e do adensamento demográfico, em contexto cujo modelo de policiamento está exaurido, com o aumento dos homicídios (CERQUEIRA; LOBÃO, 2003).
A região do Maciço não é privilegiada no planejamento dos novos programas e ações de segurança pública do atual governo, que tem concentrado sua atenção na região metropolitana ou em cidades de médio/grande porte no interior do estado. Há que se ressaltar, nesse sentido, o contraste histórico entre os programas e as ações, que iniciam e se concentram na região metropolitana de Fortaleza antes de serem implementadas no interior, de forma irregular, sujeitas a disputas por orçamento entre as diferentes regiões e áreas administrativas.
Situação comum, característica desta relação entre governo do estado e municípios do interior, é a administração da precariedade como tática de legitimação política através do gerenciamento de crises. Entre os entes federativos se estabelece uma negociação na qual a precariedade das estruturas de prédios, recursos humanos e técnicos no interior do estado serve de instrumento para a satisfação de demandas através do dispêndio de poucos recursos que não solucionam os problemas, mas que parecem significativos para a população e, sobretudo, para o uso político-eleitoral dos benefícios. Esses recursos são em geral contingenciados, de modo proposital ou não, e utilizados em situações de crises de violência e insegurança, quando há um aumento da pressão sobre o governo. Assim, a chegada de viaturas, a reforma de um distrito policial ou o deslocamento de novo efetivo são medidas que surtem efeitos, capitalizados por políticos locais, mas que estão longe de efetivamente modificarem a situação da segurança pública nas regiões.
Por sua vez, esta situação corrobora para a manutenção dos mesmos modelos de atuação, uma vez que, segundo ponto de vista corrente, já se tem a “fórmula” da segurança pública, faltam apenas os “ingredientes”. Assim, geralmente as propostas acabam por se restringirem à necessidade de mais homens e mais equipamentos (viaturas e armas), deixando-se em segundo plano as possibilidades de revisão do modelo organizacional e das práticas implementadas. Dessa maneira, torna-se reduzida a criação de estratégias alternativas às implementadas na região metropolitana de Fortaleza ou para a mudança das políticas a partir das especificidades de cada região, a partir de instrumentos de diagnóstico e planejamento para monitorar políticas de redução de índices de homicídio e crime, assim como construção de expectativas sociais positivas, redutoras de conflitos e do sentimento de medo.
O Maciço de Baturité como um todo, portanto, mas especialmente a sub-região composta por Acarape, Redenção e Barreira, constitui um laboratório para estudos sobre dinâmica criminal e segurança pública, através de um programa de pesquisa permanente a partir dos grupos de pesquisa na região. Alguns dos marcos iniciais para aferição georreferenciada e de indicadores de insegurança já foram esboçados (LOPES, 2018), mas muito ainda há para desenvolver no sentido de subsidiar o estado e a sociedade para uma atuação preventiva com base em explicações mais complexas sobre fatores criminogênicos objetivos ou intersubjetivos presentes na literatura especializada (CERQUEIRA; LOBÃO, 2003), que articulam as desigualdades sociais e urbanas, as disposições socioculturais para o uso da violência, as oportunidades para cometimento de crimes e a distribuição de redes sociais e institucionais de contenção e supervisão.
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PORTAL MESSEJANA - Promovendo o Ceará.
SUDRÉ, Lu. Tortura virou regra em prisões do Ceará, relatam
organizações.
Neste texto apresentamos os resultados das atividades de pesquisa
do Grupo de Pesquisa e Extensão em Segurança Pública, Justiça e
Direitos Humanos da Unilab (SEJUDH/Unilab), criado em 2016, a saber:
De acordo com o
A expressão é utilizada por alguns pesquisadores e atores políticos para enfatizar o crescimento conjuntural dos homicídios nos estados do Nordeste brasileiro em contraste com o decréscimo no Sudeste. Ela não diz respeito, portanto, a uma caracterização de uma violência que seria típica do Nordeste, nem a uma estigmatização da região, pois na análise das duas regiões trata-se, em geral, dos mesmos fatores intervenientes.
Entende-se por CVLI a soma de crimes de homicídio doloso/feminicídio, lesão corporal seguida de morte e roubo seguido de morte (latrocínio).
Segundo o UNICEF (UNICEF, 2020), 7 das 10 cidades mais violentas do Brasil estão na região Nordeste. Fortaleza/CE tem o maior índice de homicídios de adolescentes do país, com 10,94 para cada 1.000 adolescentes, seguida por Maceió/AL (9,37). Rio de Janeiro/RJ e São Paulo/SP, na região Sudeste, ocupam as posições 19 e 22 no ranking (com 2,71/1.000 e 2,19/1.000, respectivamente).
A menos de 100 km da capital, a macrorregião administrativa do Maciço de Baturité é composta de 13 municípios: Baturité, Pacoti, Palmácia, Guaramiranga, Mulungu, Aratuba, Capistrano, Itapiúna, Aracoiaba, Acarape, Redenção, Barreira e Ocara. Segundo estimativas do IBGE, a população regional para 2006 era de 225.590 habitantes, representando 2,7% da população estadual.
Utilizou-se do portal DATASUS como um dos instrumentos de análise, através de estatísticas de mortalidade por causas externas, centralmente: Homicídios [CID-10: X85-Y09 (agressão) e também Y35-Y36 (intervenção legal)] e Homicídios por Arma de Fogo CID-10: X93-X95. Para os municípios e o período considerado, a diferença entre Homicídios (1182) e Homicídios por Arma de Fogo (1136) não interfere nas conclusões da análise exposta no artigo, pois segue a mesma tendência e proporção.
Esta decisão é teoricamente justificável ao considerar
Nas pesquisas realizamos seis entrevistas com gestores públicos e agentes da segurança pública do Maciço de Baturité, além de conversas informais e encontros em Audiências Públicas: Entrevista 1. Ex-Delegada de Redenção (2016); Entrevista 2. Policial Militar de Redenção (2017); Entrevista 3. Guarda Municipal de Acarape (2017); Entrevista 4. Ex-Delegado de Baturité e Guaiuba (2017); Entrevista 5. Gestor Público de Acarape (2018); Entrevista 6. Gestor Público de Redenção (2018).
Mais informações em: https://www20.opovo.com.br/app/ceara/redencao/2014/03/21/notredencao,3224116/tres-suspeitos-de-assaltos-a-banco-sao-presos-em redencao.shtml Acesso em 28 mai. 2022; https://g1.globo.com/ceara/noticia/quadrilha-armada-explode-agencia-bancaria-e-foge-levando-dinheiro-em-redencao-no-ceara.ghtml Acesso em 28 mai. 2022.
Mais informações em: https://g1.globo.com/ceara/noticia/quadrilha-armada-explode-agencia-bancaria-e-foge-levando-dinheiro-em-redencao-no-ceara.ghtml Acesso em 28 mai. 2022.
Mais informações em: https://diariodonordeste.verdesmares.com.br/seguranca/tres-homens-morrem-em-confronto-com-a-policia-em-guaiuba-1.2198328 Acesso em 28/05/2022.
Mais informações em: https://diariodonordeste.verdesmares.com.br/seguranca/bandidos-resgatados-da-cadeia-em-redencao-1.11414 Acesso em 28 mai. 2022.
Mais informações em: https://diariodonordeste.verdesmares.com.br/seguranca/chacina-em-redencao-cinco-corpos-achados-em-canavial-1.1091481. Acesso em 28 mai. 2022.
Mais informações em: https://diariodonordeste.verdesmares.com.br/seguranca/chefe-de-faccao-criminosa-e-preso-suspeito-de-comprar-votos-para-candidato-a-vereador-em-redencao-1.3012276 Acesso em 28 mai. 2022; https://www.opovo.com.br/noticias/ceara/2020/11/17/policia-investiga-se-tres-mortes-no-macico-de-baturite-seriam-em-retaliacao-a-prisao-de-ex-fuzileiro-naval.html Acesso em 28 mai. 2022.
Mais informações em: https://diariodonordeste.verdesmares.com.br/seguranca/chacina-em-redencao-cinco-corpos-achados-em-canavial-1.1091481 . Acesso em 28 mai. 2022.
Mais informações em: https://www.opovo.com.br/noticias/ceara/guaiuba/2020/09/15/moradores-de-guaiuba-tem-casas-invadidas-madrugada-pessoas-executadas.html Acesso em 28 mai. 2022.
Mais informações em:
Iniciais modificadas para evitar identificação.
O planejamento da SSPDS se organiza em Áreas Integradas de Segurança (AIS). Desde 2017, o estado é dividido em vinte e duas AIS. O Maciço de Baturité compõe a AIS 15, que contém ainda seis cidades do Sertão Central (Canindé, Caridade, Boa Viagem, Paramoti, Itatira e Madalena), totalizando 19 cidades.
Para um estudo mais aprofundado sobre o funcionamento e a cultura interna da delegacia regional de Baturité, cf. COELHO, 2021.
A Cadeia Pública de Redenção foi fechada pelo governo do estado em 2019, junto com outras 66 cadeias no interior do estado.
O trabalho de Julimar Lopes representa esforço pioneiro e mais consolidado de análise da segurança pública nas cidades de Redenção e Acarape, considerando dados registrados, sensação de segurança e políticas de gestão municipal.
A Unilab tem recebido imigrantes estudantes de Angola, Cabo Verde, Guiné Bissau, Moçambique, São Tomé e Príncipe, Timor Leste, e de outras partes do Ceará e do Brasil; o mesmo valendo, embora em menor expressão, para professores que vêm de outras regiões do Brasil e/ou de outros países.
Acarape possuía 15.538 habitantes no último Censo (2010) e estimativa de 15.036 em 2020. Já Redenção possuía 26.415 (2010) e estimativa de 29.146 em 2020.
Sobre as contradições desta suposta segurança, cf. PAIVA, 2019.
Cf.
Mais informações em: http://www.unilab.edu.br/noticias/2017/10/20/nota-estudante-e-atingida-por-tiros-na-unidade-academica-dos-palmares-em-acarapece/ Acesso em 28 mai. 2022.