Mestre em Criminologia pela The University of Edinburgh (UK). Mestre e Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Bacharel em Ciências Militares pela APM-MG/UEMG. Pós-graduado em Direito Militar. Chefe da Seção de Emprego Operacional do Comando de Policiamento da Capital/PMMG. Oficial da Polícia Militar de Minas Gerais.
Tendo em vista a necessidade do emprego dos recursos policiais com base em evidências científicas, o artigo procede uma revisão dos estudos empíricos acerca dos possíveis impactos da pandemia da Covid-19 na incidência criminal. Ao todo, mais de cem publicações foram encontradas, o que demonstra a intensidade da produção acadêmica sobre o assunto em um curto intervalo de tempo. Isso aconteceu pelo que alguns criminologistas denominaram como o maior experimento da história da criminologia. Com as medidas para a contenção do vírus, mudanças substanciais na rotina das pessoas propiciaram uma oportunidade ímpar para a análise do fenômeno criminal. No recorte proposto, 33 artigos foram revisados que retratam a realidade de nove países. Tais trabalhos estudam os impactos da pandemia em crimes como homicídios, furtos, roubos, vandalismo, entre outros. Assim, a revisão de literatura procede de forma inovadora a sistematização das pesquisas desenvolvidas ao longo do ano de 2020. Ao fazê-la, oferece parâmetros para futuras pesquisas acerca da realidade brasileira bem como balizas para a tomadores decisão na segurança pública.
The aim of this research is to offer scientific evidence about crime incidents during the Covid-19 pandemic. In order to do so, it was reviewed empirical studies on the topic. More than one hundred papers were found, which shows the massive volume of academic publications about the subject in a short period of time. Some criminologists are seeing the current pandemic as the largest criminological experiment in history. The introduction of social distancing policies to reduce the spread of the virus changed the peoples’ routine activity and offered ta unique opportunity to study crime. The inclusion criteria found 33 articles, reports and preprints, which covers 9 countries. Crime such as homicides, thefts, robbery, burglary and others were compared. The findings of the study will offer key lessons for law enforcement decision-makers and parameters for future research.
Em dezembro de 2019 o mundo ocidental viu eclodir o surto de Coronavírus na distante China. Em pouco tempo, o SARS-CoV-2 alcançou todos os continentes e, pelo número de contaminados e de mortes que continua a fazer em todos os países do mundo um ano após seu surgimento, se tornou a maior crise sanitária e humanitária de toda uma geração (LIMA; BUSS; PAES-SOUSA, 2020; SRIDHAR, 2020).
Com a rápida disseminação e o esgotamento dos sistemas de saúde, até mesmo de países desenvolvidos, líderes mundiais aturdidos acompanhavam as múltiplas dimensões do impacto da pandemia. Enquanto se esperava uma solução farmacológica, medidas severas de isolamento social começaram a ser adotadas por vários governos (ATALAN, 2020).
Contudo, muitas vozes suscitaram os efeitos nefastos que poderiam
advir das imposições restritivas adotadas. Segundo essa perspectiva,
bastante difundida tanto entre populares quanto pela elite política,
medidas como o
Todavia, a previsão hobbesiana não ocorreu. Tal fato expõe a imprescindibilidade de aprofundarmos nossa compreensão sobre o fenômeno criminal, bem como a necessidade de que definições sobre políticas públicas devam ser produzidas com base em evidências e não em especulações sem lastro em dados.
Reconhecendo essa demanda e acompanhando a velocidade dos estudos da área médica em busca da cura para a COVID-19, diversos pesquisadores ao redor do mundo se debruçaram sobre os dados para tentarem compreender o que acontecia com a dinâmica criminal.
Não obstante a urgência do tema, a pandemia ofereceu uma oportunidade única para o estudo do crime. Tendo em vista os diversos óbices para os experimentos em ciências sociais, criminologistas têm aproveitado a circunstância excepcional que a redução abrupta e severa da mobilidade das pessoas ocasionou para analisar o impacto das medidas restritivas na incidência criminal. Essa perspectiva, da pandemia de SARS-CoV-2 como experimento natural, foi compreendida pelas revistas científicas que, assim como na área médica, aceleraram os trâmites de revisão por pares para publicarem os resultados, o que tem gerado uma farta produção bibliográfica em um curto intervalo de tempo. Nesse contexto, Stickle e Felson (2020) chegaram a afirmar que a COVID-19 não é apenas o evento com maior impacto social desde a Segunda Guerra Mundial, mas é também o maior experimento natural da história em termos criminológicos. Dessa forma, é imprescindível tirarmos o melhor da oportunidade e dos dados disponíveis para aprendermos lições sobre a redução criminal para quando a rotina voltar à normalidade. Com a volumosa produção sendo gerada concomitantemente, faz-se necessário tentar organizar analiticamente esse amplo, mas ainda fragmentado, corpo de trabalhos.
Dessa forma, dois foram os objetivos gerais da presente revisão com a localização das pesquisas e a sistematização dos resultados encontrados: (a) indicar as melhores evidências disponíveis para os tomadores de decisão em segurança pública; e (b) estimular e oferecer parâmetros comparativos para estudos da realidade brasileira.
Em termos metodológicos, para a localização dos estudos foram
utilizadas as ferramentas
Os textos foram planilhados e categorizados para fins de organização e sistematização da análise. Parte significativa dos estudos, 27 (vinte e sete), não foram considerados por serem artigos ou relatórios teórico-especulativos, com sugestões de pesquisas, ou por utilizarem como fonte de dados jornais ou páginas de internet. Outros 35 (trinta e cinco) focam em violência doméstica, sexual, familiar ou infantil. Essas categorias apresentaram volume elevado de publicações. Além disso, algumas inconsistências entre as pesquisas demonstram a necessidade de comparações aprofundadas dos resultados e das metodologias empregadas. Assim, tais pesquisas foram desconsideradas na presente revisão. Descartou-se, ainda, 12 (doze) estudos que analisaram o impacto da contaminação pelo SARS-CoV-2 na administração ou no efetivo das agências policiais; em pessoas em locais de custódia; e os que discutiam os aspectos jurídico-dogmáticos do exercício de direitos processuais/fundamentais durante a pandemia.
Ao final desse processo, selecionou-se 33 (trinta e três) trabalhos que estudam o impacto das medidas restritivas durante a pandemia na incidência criminal em 9 (nove) países – resumidos no Anexo. Os textos foram revisados a partir dos tipos penais analisados empiricamente, fazendo-se, quando possível, paralelos entre os estudos encontrados.
Uma primeira pergunta que se pode fazer é acerca de quando se
iniciaram os impactos da pandemia na incidência criminal. Para tanto,
dados esclarecedores são os decorrentes da mobilidade das pessoas. Em
diversas partes do mundo, mesmo antes da adoção de medidas restritivas
pelos governos, verificou-se redução nos deslocamentos realizados pelas
pessoas, bem como mudança dos locais onde permaneciam. Tal constatação
sugere que, ao menos em parte, a população adotou voluntariamente o
isolamento. Como se vê na série de gráficos abaixo que analisaram os
dados de mobilidade de uma rede social (em azul, Facebook) e de uma
operadora de celular (em vermelho, O2), a queda na mobilidade se deu
ainda antes da decretação do
Fonte: extraído de Jeffrey
Acompanhando os dados de mobilidade, os primeiros efeitos da pandemia
na questão criminal puderam ser identificados ainda antes da adoção
oficial de medidas sanitárias por parte dos governos. Na Inglaterra
houve queda no total de crimes no período entre a declaração da
Organização Mundial de Saúde (OMS) no dia 11 de março e a restrição de
viagens não essenciais no dia 16. Portanto, a redução criminal (Figura
2) acompanhou a redução da mobilidade apresentada acima (Figura 1).
Posteriormente, com o fechamento de bares e restaurantes no dia 20 de
março e com o
Fonte: Adaptado de Halford
Essa redução criminal ainda antes da adoção de medidas restritivas de
mobilidade pelo governo foi analisada e identificada não só na
Inglaterra, mas também na Suécia (GERELL;
Conforme mencionado, o cenário apocalíptico de todos contra todos não
aconteceu. Na verdade, a grande maioria dos estudos realizados até o
momento tem sugerido redução em quase todos os tipos penais. Na
Austrália, mesmo havendo tendência geral de redução de crimes no
inverno, pesquisas apontam redução ainda maior do que o impacto sazonal
esperado para o período (PAYNE
No México, assim como na Austrália, as lesões corporais também
sofreram queda com significância estatística, algo em torno de 0,5 a 1
na taxa de crimes por 100 mil habitantes (BALMORI DE LA MIYAR
Em Vancouver, no Canadá, o registro de crimes pela polícia nos meses de março, abril e maio de 2020 apresentou padrões diferentes dos anos anteriores, o que sugere o impacto da pandemia. Em que pese o efeito sazonal do período da série histórica sugerir um aumento, em 2020 visualizou-se tendência decrescente (HODGKINSON; ANDRESEN, 2020). Contudo, quando analisados separadamente os crimes de furtos a estabelecimentos comerciais, nos quais há a entrada clandestina ou forçada no estabelecimento para a subtração, identificou-se um aumento inicial. Todavia, após o aumento inicial houve redução que, segundo os autores, pode ser atribuída à mudança de foco da polícia que teria se adaptado à alteração da configuração da incidência criminal e conteve o aumento (HODGKINSON; ANDRESEN, 2020, p. 9).
Em Lancashire, na Inglaterra, na semana seguinte ao
Fonte: Adaptado de Dixon, Adamson e Tilley (2020a). Nota: Dados da
Polícia de Transportes Britânica (
Quando verificadas as regiões dentro do condado de Lancashire, os dados indicam que áreas consideradas com número elevado de crimes tiveram as maiores reduções, enquanto nas áreas anteriormente classificadas como de baixa incidência criminal, o número de crimes aumentou. E ainda, que os centros urbanos tiveram as maiores reduções em números absolutos, mas não necessariamente em termos relativos (DIXON; HALFORD; FARRELL, 2020). Portanto, ainda que com tendência geral de redução, verifica-se configuração espacial do crime distinta quando comparado ao período pandêmico e ao imediatamente anterior.
Essa mudança na distribuição geográfica do crime foi também observada
em Chicago, nos Estados Unidos (CAMPEDELLI
Voltando aos dados de Lancashire, na Inglaterra, o furto em
estabelecimentos comerciais, quando o crime se dá quando o agente se
passa por cliente do estabelecimento comercial, reduziu em 62% na semana
após o
Redondo
Nos Estados Unidos, dados de chamadas telefônicas para a polícia em
Los Angeles e Indianápolis identificaram aumento de chamadas na primeira
cidade e estabilidade na segunda (MOHLER
Os dados de ligações telefônicas que sugerem redução foram
confirmados pelos registros de ocorrências policiais em diversas
cidades. Em Chicago, observou-se tendência à redução em todos os crimes
estudados – crimes relacionados a drogas, roubos e crimes com armas, e a
mais acentuada foi observada nos furtos (BULLINGER; CARR; PACKHAM, 2020,
p. 17). Campedelli
Estudos com dados das cidades de San Francisco e Oklahoma sugerem redução de cerca de 40% nos crimes registrados pela polícia (SHAYEGH; MALPEDE, 2020). Em Los Angeles foi identificada redução nos crimes de furto a comércios, furto geral e agressões físicas, e queda no total de crimes em torno de 14% e 15% (CAMPEDELLI; AZIANI; FAVARIN, 2020). Olhando os dados dessa cidade e comparando com diferentes níveis de medidas adotadas com o passar do tempo, observou-se que intervenções mais fracas tendem a não impactar a incidência de agressões físicas. Contudo, regras mais severas implicaram em reduções (CAMPEDELLI; AZIANI; FAVARIN, 2020, p. 15). Roubo a pessoa, furtos a estabelecimentos comerciais e outros furtos apresentaram mudança significativa. Furto a comércio reduziu cerca de 14% e 15% com medidas mais brandas. Com a implementação de regras mais estritas, a redução chegou a 31% e 32%. No mesmo sentido, tanto no Peru quanto na Austrália observou-se redução bastante significativa dos crimes no início. Posteriormente, a incidência criminal aumentou aos poucos, conforme relaxavam-se as regras de isolamento social e distanciamento (ANDRESEN; HODGKINSON 2020; CALDERON-ANYOSA; KAUFMAN, 2021).
Essa mudança
Também nos Estados Unidos, Ashby (2020b) estudou a incidência criminal em 16 (dezesseis) grandes cidades, mas não encontrou significância estatística nem padrões entre as cidades. Sua investigação trabalha dados de crimes desde a identificação do primeiro caso de COVID-19 nos EUA, em 20 de janeiro. Assim, o autor partiu do início do ano, bem antes do aumento acentuado de casos do vírus, da declaração da pandemia pela Organização Mundial de Saúde e da redução da mobilidade – que parecem ser fatores impactantes na criminalidade. O recorte feito por Ashby parece ter marcado sua análise, que foi propensa a não perceber nos dados a tendência geral de queda após o aumento de casos e do anúncio da OMS. Outro dificultador em sua análise foi o estabelecimento de uma margem de confiança de 99%, fugindo do mais usual de 95%. Como exemplo, cita-se o caso de lesões graves em lugares públicos, na qual os dados da pesquisa indicam que cinco de oito cidades para as quais o autor tinha esse dado apresentavam números menores do que o estimado. Todavia, como se encontravam dentro do intervalo de confiança de 99%, Ashby concluiu que os dados não pareciam demonstrar uma sistemática alteração durante a pandemia (ASHBY, 2020, p. 9).
Mesmo na Suécia, país que não adotou medidas muito restritivas,
observou-se redução geral dos crimes. Em oito crimes estudados, a
incidência reduziu na maior parte das categorias. Todavia, quando
comparado a outros lugares, percebeu-se redução mais modesta. Resultado
o qual os autores atribuem à uma intervenção menos forte do governo,
pois grande parte das ações na Suécia eram apenas recomendações (GERELL
Como é possível perceber nos estudos acima, os dados sugerem redução
da incidência criminal de acordo com a diminuição da mobilidade das
pessoas. Essa relação é explorada pelos estudos de Halford
Abrams (2020) estudou os dados de sete semanas antes e sete semanas após as determinações de ficar em casa em 25 cidades norte-americanas. Os dados encontrados pelo autor dão conta de que os homicídios nas cidades analisadas não foram impactados pela pandemia. Em outro estudo, os homicídios não tiveram variação com significância estatística em Los Angeles. Todavia, parecem ter sido mais impactados quando se adotou medidas mais austeras para conter a mobilidade das pessoas (CAMPEDELLI; AZIANI; FAVARIN, 2020. p. 18). Também com dados dos Estados Unidos, foi verificado que com as restrições da pandemia reduziram-se os números de mortes e agressões decorrentes de armas de fogo. Porém, com a reabertura ficaram maiores do que o esperado para o período (MCKAY; METZL; PIEMONTE, 2020). Outras duas análises encontraram reduções de homicídios em San Francisco, Oakland, New York, Los Angeles e Chicago (MCDONALD; BALKIN, 2020; SHAYEGH; MALPEDE, 2020).
Na Índia, dados dos dias compreendidos entre 1 de janeiro e 5 de
julho de 2020 indicam redução de homicídios após o
Fonte: Adaptado de Calderon-Anyosa e Kaufman (2021).
Como se pode perceber, enquanto alguns crimes, como furtos, demonstraram reduções em quase todos os cenários, a situação do homicídio parece diversa. Alguns recortes metodológicos e locais encontraram reduções. Contudo, outros desenhos de pesquisa depararam-se com um cenário que não apresentou alteração significativa. Portanto, os dados parecem sugerir que essa modalidade delitiva foi menos suscetível ao impacto na mudança dos padrões de mobilidade das pessoas.
Dentre os estudos localizados, a teoria das atividades rotineiras (COHEN; FELSON, 1979) foi a mais utilizada como hipótese para prever o comportamento da incidência criminal durante a pandemia. Com efeito, no pertinente aos crimes em áreas residenciais, as predições a partir da teoria se mostraram adequadas. Assim, foi comum se observar a redução dos crimes de furto a residências o que, pela teoria das atividades de rotina, se daria em virtude da maior presença de guardiões. No contexto da pandemia, os guardiões seriam os moradores passando mais tempo em suas residências.
Na Suécia, furto à residência reduziu significativamente (GERELL;
KARDELL; KINDGREN, 2020). O mesmo foi encontrado em uma cidade no
interior da Inglaterra (HALFORD
Com dados dos Estados Unidos, ao menos três estudos encontraram reduções nos furtos à residência (ABRAMS, 2020; ASHBY, 2020b; FELSON; JIANG; XU, 2020). Pesquisa com dados de Detroit sugere que furtos à residência migraram de áreas predominantemente residenciais para áreas mais mistas (FELSON; JIANG; XU, 2020). Assim, a hipótese de que mais pessoas nas áreas residenciais tenha reduzido o furto à residência parece encontrar respaldo nos dados.
Todavia isso não aconteceu na totalidade dos casos. Em Vancouver, furto à residência não demonstrou redução conforme era de se esperar. Os autores sugerem que o resultado seja devido a consecutivas reduções nos anos anteriores, que teriam deixado os índices bastante baixos (HODGKINSON; ANDRESEN, 2020, p. 10). Nas cidades australianas de Sunshine Coast e Gold Coast, os furtos à residência aumentaram no período inicial da quarentena, quando as pessoas foram proibidas de viajar, mas depois reduziram. A hipótese dos autores é que por serem cidades sede de balneários, muitas casas são de veraneios e ficaram sem a presença de moradores no período de restrições de viagens, que coincide com esse aumento no momento inicial (ANDRESEN; HODGKINSON, 2020).
Portanto, verifica-se que em grande parte dos estudos os furtos à
residência apresentaram reduções, corroborando com a proposta de Halford
Furtos de veículos talvez seja um delito que requeira desenhos metodológicos melhores do que os apresentados até o momento para a compressão do fenômeno. Na Austrália, houve estudo que sugere ter ocorrido reduções (ANDRESEN; HODGKINSON, 2020) e outro estudo que não encontrou alterações significativas (PAYNE; MORGAN, 2020b).
Nos Estados Unidos, dois estudos a partir de registros de crimes
encontraram evidências mistas e não chegaram a resultados conclusivos
quando se analisa mais de uma cidade (ABRAMS, 2020; MCDONALD; BALKIN,
2020). Em outro estudo, utilizando dados de chamadas telefônicas para a
polícia, furto de veículo se manteve dentro do esperado para o período
(ASHBY, 2020a). Porém, o mesmo autor, quando estudou os registros
policiais em 16 cidades que disponibilizam os dados, encontrou redução
em sete das cidades estudadas – duas delas com redução abaixo da
previsão –; e aumento de furtos de veículos em seis cidades – duas delas
acima da previsão do período (ASHBY, 2020b). Também com dados de
chamadas telefônicas para a polícia relativas a furtos de veículos,
outro estudo encontrou aumento em Los Angeles, mas não em Indianápolis
(MOHLER
Por sua vez, furtos de veículos reduziram drasticamente no México,
chegando a ter queda de 58% em uma das semanas analisadas (BALMORI DE LA
MIYAR
Dessa maneira, verifica-se que os estudos acerca de furto de veículos precisam ser mais bem desenhados. Nesse sentido, sugestões tais como analisar o local do furto (se ocorreu em área comercial ou residencial), comparando os períodos antes/depois da pandemia, possam oferecer dados mais robustos para conclusões.
Conforme demonstrado, a incidência geral de crimes durante a pandemia
tem sugerido tendência de redução. Contudo, alguns tipos de crimes
apresentaram padrão distinto. Na Suécia, o registro de ocorrências de
vandalismo seguiu o sentido oposto do somatório de crimes (GERELL
Na Inglaterra e no País de Gales observou-se aumento de
comportamentos antissociais. Em todos os seis primeiros meses da
pandemia, o registro policial de comportamento antissocial ficou acima
do esperado, atingindo picos nos meses de abril e maio, com incidência,
respectivamente, de 109% e 100% acima do esperado (DIXON; FARRELL,
2020c, p. 1). Analisando os dados especificamente de Londres, enquanto
os crimes reduziam em comparação aos anos anteriores, comportamentos
antissociais tiveram pico. Com o relaxamento do
Os crimes relacionados às drogas também carecem de atenção especial. Inglaterra e País de Gales apresentaram tendência de aumento dos registros de crimes relacionados às substâncias psicoativas. Os registros ficaram acima do esperado em quatro dos seis meses analisados (DIXON; FARRELL, 2020c, p. 1; DIXON; FARRELL, 2020a). Quando se olha os dados da Grande Londres, os números também sugerem aumento (LANGDON, 2020).
Na Austrália, 13 dos 15 distritos estudados tiveram aumento do
registro policial nos crimes relacionados às drogas (ANDRESEN;
HODGKINSON, 2020). Na Suécia, esses delitos permaneceram estáveis,
todavia é preciso lembrar que praticamente todos os outros crimes
apresentaram tendência à redução (GERELL
No sentido contrário, dois estudos a partir de cidades
norte-americanas indicam a redução dos registros policiais dos crimes
relacionados a drogas (CAMPEDELLI
Comparado à análise de outros delitos verifica-se que os estudos com
dados de crimes relacionados a drogas apresentaram número considerável
de resultados tendentes ao aumento dessa conduta. Com efeito, uma
possibilidade de leitura desses dados é que, de fato, tais
comportamentos aumentaram durante o período. Por exemplo, poderia ser
suscitado o maior aumento do consumo de entorpecentes em razão do
estresse vivenciado durante o
Outro grupo de crime que aparentemente apresentou aumento de
registros foi o de crimes cibernéticos. Uma das maiores mudanças na
rotina das pessoas durante a pandemia talvez tenha sido o maior uso da
internet. Tal mudança comportamental se deu por diversos fatores:
compras on-line substituindo as compras presenciais; substituição do
trabalho em escritórios para o
Todavia, embora muitos autores e instituições tenham comentado essa
possibilidade, os estudos focados no assunto são escassos. Um dos poucos
trabalhos com evidências empíricas sobre os crimes cibernéticos durante
a pandemia é do Reino Unido. Pelos dados, percebe-se aumento dos
registros logo no início do
Fonte: Adaptado de Buil-Gil
Fonte: Adaptado de Buil-Gil
Lallie
A presente revisão analisou o impacto das medidas para enfrentamento da pandemia na incidência criminal. Medidas como o distanciamento social e a restrição de mobilidade conduziram à configuração distinta do fenômeno criminal em várias dimensões. Embora o crime seja dependente do contexto, foi possível sistematizar os diversos estudos e encontrar tendências gerais, que, como tendências, são sujeitas a variações conforme as especificidades e a realidade local. Todavia, ainda assim, a análise permitiu compreensão mais global do fenômeno.
Uma das primeiras conclusões que os estudos sugerem é a de que as medidas para conter a mobilidade das pessoas, ao contrário do caos sugerido pelo senso comum, apresentaram tendência substancial de redução geral em diversos tipos de crime. Portanto, a correlação entre queda de mobilidade e queda dos indicadores criminais sugere que, independentemente das ações adotadas pelas forças de segurança, o menor fluxo de pessoas nas ruas pode ter impactado na redução da incidência criminal.
Observou-se, ainda, que essa redução tende a aumentar quão mais estritas e severas forem as medidas adotadas pelas autoridades. Assim, regiões nas quais autoridades impuseram mais restrições ou foram mais rigorosas na efetivação dessas medidas, apresentaram maiores reduções.
É preciso notar também que a COVID-19 impactou os diversos tipos penais de forma diferente, dependendo em grande medida do crime e do lugar analisados. Observou-se que a mudança na rotina das pessoas alterou não apenas o volume de crimes, mas também sua distribuição geográfica. Um exemplo foi um estudo que identificou que regiões anteriormente consideradas com altos indicadores criminais tiveram as maiores reduções. Enquanto algumas áreas consideradas de baixa incidência em período normal experimentaram aumento do número de registros de crimes. Por sua vez, no que se refere ao horário, os estudos focaram pouco o momento do crime. E os que o fizeram, não encontraram alteração impactante.
Essas observações são extremamente úteis para os tomadores de decisão na área de segurança pública. Ciente da possibilidade de uma redução de certos tipos de crimes ou da mudança do local de maior incidência, uma realocação adequada e ágil pode levar à redução ainda mais robusta da incidência criminal ou ao foco nos delitos que parecem ter menos impacto com a queda de mobilidade. Como ocorrido no Canadá, a polícia que consegue perceber rapidamente a partir dos dados existentes tem a possibilidade de alocar seus esforços consoante a essa nova realidade e alcançar reduções ainda maiores. Portanto, o diagnóstico do impacto permite fazer a utilização do efetivo existente com base em evidências científicas e não no senso comum.
Nos estudos localizados, o crime de homicídio demonstrou sofrer menor interferência da pandemia do que outros crimes. Assim, a diminuição da demanda de outros crimes no período pode contribuir para a alocação de recursos na prevenção de mortes intencionais. Como exemplo, a realocação dos meios logísticos e humanos tradicionalmente utilizados para o policiamento em áreas residenciais, que via de regra passaram por reduções significativas de redução criminal.
No pertinente aos crimes cibernéticos, verificou-se que a migração da vida social para o ambiente virtual aumentou os crimes cibernéticos, conforme esperado. Contudo, embora as atividades online tenham se tornado mais presentes na rotina das pessoas, poucos foram os estudos com esse enfoque. Em um desses estudos, evidenciou-se que o aumento dos registros se deu mais em razão de organizações do que individual.
Além da análise dos dados para a tomada de decisão, um dos objetivos da presente revisão foi proporcionar balizas para estudos acerca da realidade brasileira. Nesse sentido, alguns nortes parecem ser interessantes:
Analisar se houve impacto, bem como seu início – por tipo de
delito – e se a alteração coincide ou não com as medidas
restritivas impostas por autoridades locais;
Comparativo entre municípios/vizinhanças, no intuito de
verificar se a redução do crime tende a ser maior nos locais com
maiores reduções de mobilidade ou nos locais sob medidas mais
severas adotadas pelas autoridades;
Nos furtos e furtos de veículos, diferenciar os ocorridos em
residências/áreas residenciais dos ocorridos em
estabelecimentos/áreas comerciais, para evitar que reduções
gerais ocultem aumentos ou configurações distintas do padrão de
redução;
Analisar os crimes relacionados ao vandalismo, uso/posse de
drogas e comportamentos sociais em contraste com os demais
crimes. No pertinente a esses delitos, realizar a triangulação
de fontes – analisar os registros policiais, as chamadas
telefônicas e as pesquisas de vitimização.
As reflexões propiciadas pelos estudos identificados não podem
negligenciar as dificuldades de uma análise desta proporção. Como o
escopo envolveu a comparação de culturas jurídicas bastante diversas, a
equiparação de tipos penais dificilmente será exata. A título de
exemplo, os crimes que encampam a subtração de bens apresentaram
diversas categorias distintas:
Outro fator limitante é que alguns dos estudos apresentaram evidências iniciais, o que requer que sejam vistos como análises preliminares. Assim, os dados encontrados precisam ser comparados com estudos posteriores no decorrer da pandemia. Em especial porque não se sabe os reflexos que uma crise econômica continuada pode trazer.
Esse aspecto da fragilidade das evidências científicas talvez tenha sido um dos pontos mais marcantes ao longo dos debates ocorridos em 2020. Com a urgência de se adotar medidas eficazes para a contenção do vírus, ressaltou-se algo característico da ciência que é sua limitação. Assim, as decisões com base em parâmetros científicos são tomadas por base nas melhores evidências disponíveis para o momento. O que não isenta a possibilidade de serem posteriormente melhoradas ou até mesmo refutadas. Ainda assim, conseguem oferecer balizas mais seguras do que outras formas de conhecimento.
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Austrália | (ANDRESEN; HODGKINSON, 2020) | Crimes gerais (redução) | Registros de Crime |
Roubo a pessoas (redução) | |||
Violência (evidências mistas) | |||
Furtos (redução) | |||
Furto de veículos (redução) | |||
Furto c/ ingresso clandestino (redução) | |||
Crimes relacionados c/ drogas (aumento) | |||
(PAYNE; MORGAN; PIQUERO, 2020) (PAYNE; MORGAN, 2020a) (PAYNE; MORGAN, 2020b) |
Agressões simples (sem alteração significativa) | Registros de Crime | |
Agressões graves (redução) | |||
Dano à propriedade (sem alteração significativa) | |||
Furto a comércio (redução) | |||
Outros furtos (redução) | |||
Furtos c/ ingresso clandestino (evidências mistas) | |||
Fraude (evidências mistas) | |||
Furto de veículos (sem alteração significativa) | |||
Canadá | (HODGKINSON; ANDRESEN, 2020) | Crimes gerais (redução) | Registros de Crime |
Furto c/ ingresso clandestino, residência (sem alteração significativa) | |||
Furto c/ ingresso clandestino, comércio (evidências mistas) | |||
Furto de veículos (manteve-se estável, era esperado aumento) | |||
Furto (redução) | |||
Violência (sem alteração significativa) | |||
Dano (sem alteração significativa) | |||
China | (BORRION |
Furto a comércio (redução) | Registros de Crime |
Estados Unidos | (ABRAMS, 2020) | Crimes relacionados com drogas (redução) | Registros de Crime |
Furtos (redução) | |||
Furto c/ ingresso clandestino, residência (redução) | |||
Roubo a pessoas (redução) | |||
Agressões graves (redução) | |||
Agressões leves (redução) | |||
Disparo de armas (sem alteração significativa) | |||
Homicídios (sem alteração significativa) | |||
Furtos c/ ingresso clandestino, prédio não residencial (aumento) | |||
Furto de veículos (evidências mistas) | |||
(ASHBY, 2020a) | Crimes gerais (redução) | Chamada telefônica | |
(ASHBY, 2020b) | Agressões graves (sem alteração significativa) | Registros de Crime | |
Furto c/ entrada clandestina, residência (redução) | |||
Furto c/ entrada clandestina, prédio não residencial (sem alteração significativa) | |||
Furto de veículos (evidências mistas) | |||
(CAMPEDELLI; AZIANI; FAVARIN, 2020) | Crimes gerais (redução) | Registros de Crime | |
Furto (redução) | |||
Furtos a comércio (redução) | |||
Agressões (redução) | |||
Roubo a pessoas (redução) | |||
Furto de veículos (sem alteração significativa) | |||
Furto c/ ingresso clandestino (sem alteração significativa) | |||
Agressões com armas (sem alteração significativa) | |||
Homicídios (sem alteração significativa) | |||
(CAMPEDELLI |
Furto c/ ingresso clandestino (redução) | Registros de Crime | |
Roubos a pessoas (redução) | |||
Crimes relacionados a drogas (redução) | |||
Agressões (redução) | |||
(FELSON; JIANG; XU, 2020) | Furto c/ ingresso clandestino, área residencial (redução) | Registros de Crime | |
Furto c/ ingresso clandestino, área de uso misto (aumento relativo) | |||
(MCDONALD; BALKIN, 2020) | Homicídio (redução) | Registros de Crime | |
Estupro (evidências mistas) | |||
Agressões (redução) | |||
Roubos a pessoas (redução) | |||
Furto c/ entrada clandestina (redução) | |||
Furto (redução) | |||
Furto de veículos (evidências mistas) | |||
(MOHLER |
Furto c/ entrada clandestina (redução) | Chamada telefônica | |
Roubo a pessoas (redução) | |||
Agressões (sem alteração significativa) | |||
Furto de veículos (evidências mistas) | |||
Vandalismo (sem alteração significativa) | |||
(SHAYEGH; MALPEDE, 2020) | Crimes Gerais (redução) | Registros de Crime | |
Homicídio (redução) | |||
Furto (redução) | |||
(MCKAY; METZL; PIEMONTE, 2020) | Lesões por armas de fogo (redução) | Base de Dados sobre Armas de Fogo | |
Mortes por armas de fogo (redução) | |||
Índia | (POBLETE-CAZENAVE, 2020) | Crime geral (redução) | Registros de Crime |
Homicídio (redução) | |||
Furto (redução) | |||
Roubo a pessoas (redução) | |||
Furto c/ ingresso clandestino (redução) | |||
Sequestro (redução) | |||
Crimes contra a saúde pública (aumento) | |||
México | (BALMORI DE LA MIYAR; HOEHN-VELASCO; SILVERIO-MURILLO, 2020) | Furto de veículos (redução) | Registros de Crime |
Furto c/ ingresso clandestino (redução) | |||
Agressões (redução) | |||
Extorsão (redução) | |||
Roubo (sem alteração significativa) | |||
Homicídios (sem alteração significativa) | |||
Sequestro (sem alteração significativa) | |||
Peru | (CALDERON-ANYOSA; KAUFMAN, 2021) | Homicídios c/ vítima masculina (redução) | Registros Nacional de Mortes |
Reino Unido | (BUIL-GIL |
Crimes cibernéticos (aumento) | Registros de Crime |
(DIXON; ADAMSON; TILLEY, 2020a) (DIXON; ADAMSON; TILLEY, 2020b) |
Crimes em ferrovias (redução) | Registros de Crime | |
(DIXON et al., 2020) (DIXON; FARRELL, 2020a) (DIXON; FARRELL, 2020b) (DIXON; FARRELL, 2020c) (DIXON; SHEARD; FARRELL, 2020b) (DIXON; TILLEY, 2020) |
Furto de bicicleta (redução) | Registros de Crime | |
Furto c/ ingresso clandestino (redução) | |||
Dano e incêndio criminoso (redução) | |||
Outros crimes (redução) | |||
Outros furtos (redução) | |||
Roubos a pessoas (redução) | |||
Furtos a comércio (redução) | |||
Furto a pessoas (redução) | |||
Crimes com veículos (redução) | |||
Crimes relacionados a drogas (aumento) | |||
Comportamento antissocial (aumento) | |||
Crimes gerais (redução) | |||
(DIXON; HALFORD; FARRELL, 2020) | Áreas tradicionalmente com mais crimes (redução) | Registros de Crime | |
Áreas tradicionalmente com menos crimes (aumento) | |||
(DIXON; SHEARD; FARRELL, 2020a) | Comportamento antissocial (aumento) | Registros de Crime | |
(HALFORD et al., 2020) | Crimes gerais (redução) | Registro de Crimes | |
Furtos a comércio (redução) | |||
Furto (redução) | |||
Agressões (redução) | |||
Furto c/ ingresso clandestino, residência (redução) | |||
Furto c/ ingresso clandestino, não residencial (redução) | |||
(LANGDON, 2020) | Comportamento antissocial (aumento) | Registros de Crime | |
Posse de arma (sem alteração significativa) | |||
Crimes relacionados a drogas (aumento) | |||
Roubo a pessoas (redução) | |||
Furto c/ ingresso clandestino (redução) | |||
Furto a comércio (redução) | |||
Outros furtos (redução) | |||
Dano (redução) | |||
Roubo a pessoas (redução) | |||
Suécia | (GERELL; KARDELL; KINDGREN, 2020) | Crimes gerais (redução) | Registros de Crime |
Agressões (redução) | |||
Furto c/ ingresso clandestino, residencial (redução) | |||
Furto c/ ingresso clandestino, não residencial (redução) | |||
Bater carteira (redução) | |||
Roubo a pessoas (sem alteração significativa) | |||
Crimes relacionados a drogas (sem alteração significativa) | |||
Vandalismo (aumento) |
Legenda: | |||||
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Sem Alteração Significativa / Evidências Mistas | Redução | Aumento |
Trabalhos no formato