Da baixada à zona sul: caminhos da violência política de raça no Rio de Janeiro

Igor Novaes Lins123

Doutorando em Ciência Política pela Universidade de Brasília (UnB), mestre e graduado em Ciência Política pela mesma instituição. Bolsista da Capes e pesquisador do Instituto Igarapé. Estuda a interação entre Estado, política e crime organizado na América Latina. Tem interesse nas áreas de segurança pública, relações raciais, violência política, política subnacional, geografia eleitoral.

País: Brasil Estado: Distrito Federal Cidade: Brasília

Email: igornovaeslins@gmail.com Orcid: https://orcid.org/0000-0003-0510-8355

Resumo

A pesquisa busca entender o impacto da violência política e da violência urbana na participação política de ativistas negros no estado do Rio de Janeiro, bem como o entrelaçamento dessas maneiras de violência racial. Foram feitas entrevistas semiestruturadas com 11 militantes de organizações políticas e movimentos sociais. O texto aborda o papel do Estado para aprofundar as desigualdades políticas através do uso da violência como forma de dominação. A partir do material empírico, conclui-se que a violência nos territórios é um desestímulo para o associativismo negro porque cria um significado coletivo para a população negra e, por essa razão, se expressa de maneira tão explícita e fisicamente violenta. Existe um esforço de grupos milicianos e de policiais para silenciar os militantes através do uso do medo como ferramenta para a construção do sentido de ser militante.

Palavras-chave: Violência Racial. Violência Política. Violência Urbana. Ativismo Negro. Milícias.

From the ‘baixada’ up to the ‘south zone’: paths of political race violence in Rio de Janeiro

Abstract

The research seeks to understand the impact of political violence and urban violence on the political participation of black activists in the state of Rio de Janeiro, as well as the intertwining of these forms of racial violence. Semi-structured interviews were conducted with 11 activists from political organizations and social movements. The text addresses the role of the state in deepening political inequalities by violence as a form of domination. From the empirical material, it is concluded that violence in the territories is a disincentive for black associativism because it creates a collective meaning for the black population and, for this reason, is expressed in such an explicit and physically violent way. There is an effort by milicias groups and police officers to silence militants using fear as a tool for the construction of a sense of being a militant.

Keywords: Racial Violence. Political Violence. Urban Violence. Black Activism; Milícias.

Data de Recebimento: 14/05/2021 – Data de Aprovação: 24/08/2022

DOI: 10.31060/rbsp.2023.v17.n1.1532

Apresentação

De qual maneira as formas de violência moldam o ativismo negro?4 A questão norteadora do desenvolvimento desta pesquisa revela o objetivo de entender o impacto cotidiano da violência na participação política de lideranças e militantes do movimento negro do estado do Rio de Janeiro. O artigo explora de que maneira o contexto de violência urbana se traduz em formas de cerceamento da atividade política e aborda as principais formas de violência política vivenciadas pelos militantes negros.

O texto relaciona as formas de violência urbana e violência política por meio da análise empírica. O intuito não é fazer uma revisão sistemática da literatura, mas articular conceitos analíticos, sobretudo ancorado na teoria crítica e nos achados da sociologia da violência, com observação empírica. A ideia é decodificar a violência racial, expressada na violência política e na violência urbana, nas práticas políticas e nas instituições informais. Além disso, faço reflexões sobre o papel da militarização dos territórios, ocupados por forças de segurança e milícias, na violência política e no desenvolvimento de atividades políticas comunitárias.

Nesse sentido, a violência urbana é uma representação coletiva que envolve dois eixos centrais em um contexto de sociabilidade urbana, a física e a patrimonial. Luiz Antonio Machado da Silva (2004) aponta que ela é responsável por romper com o esperado enquanto normalidade cotidiana. Portanto, filio-me ao entendimento do autor no qual a violência urbana é um mapa das complexas relações sociais que expressam uma ordem social e, por consequência, adiciona mais uma camada de organização das relações sociais.

A violência urbana, entendida classicamente como assaltos, roubos, tiroteios, sequestros, linchamentos e outros, é incorporada às relações sociais e à ordem institucional e legal das grandes cidades. Não são somente comportamentos isolados, mas assimilados à ordem social do local onde operam. A violência urbana então pode ser caracterizada por um complexo de práticas articuladas e hierarquizadas numa ordem social, e não somente um comportamento individual e localizado (SILVA, 2004).

O Estado incorpora o complexo de práticas articuladas e hierarquizadas da violência racial às suas políticas, o que define a lógica de tratamento das forças repressivas com camadas específicas da sociedade. Consequentemente, a violência urbana organiza o papel dos ativistas na medida em que não distribui igualmente aqueles que serão vitimizados pela repressão estatal ou pelas organizações do crime organizado. Quando pensado em um contexto de atividade política local, mais em específico nas periferias do Rio de Janeiro, onde existe a presença de uma série de atores armados, a violência urbana e a violência política, apesar de não serem equivalentes, interagem frequentemente.

São escassos os estudos sobre violência política racial. A ausência de uma conceituação clara do termo e a produção precisa dos estudos feministas na área, levou-me a adotar a conceituação de violência política de gênero das cientistas políticas Flávia Biroli e Danusa Marques (2022). As autoras entendem a violência de gênero na política como um conjunto de retaliações à participação das mulheres na política. O alvo são as mulheres, e frequentemente pessoas LGBTQIA+, devido ao seu gênero ou à sua orientação sexual, e não por fazerem parte de determinado grupo político ou espectro ideológico.

A violência política, no caso das mulheres e de negros, apesar de suas especificidades, evidencia a violência que grupos marginalizados sofrem em outros âmbitos (BIROLI; MARQUES, 2022). Por esse motivo, durante a pesquisa empírica, apareceu fortemente a violência urbana e a violência política como fatores interligados de cerceamento da atividade política dos ativistas negros. É correto afirmar que as formas de violência urbana com carácter racial, sobretudo a violência policial, emergem com significados políticos. A violência urbana, física ou patrimonial, surge como formas de violência política às pessoas negras. É importante retomar o que Biroli e Marques (2022) apresentam como as três dimensões sobre a violência política nesse sentido:

A violência política poderia ter motivos de gênero (quando define suas vítimas primordialmente com o objetivo de manter o poder político nas mãos dos homens com perfil hegemônico, afetando mulheres e também homens GBTQ+). Ela também pode ter formas generificadas (se dá de modo que mobiliza papéis e convenções de gênero). Por fim, seu impacto pode ser de gênero (incidindo em como a narrativa sobre a própria violência se estabelece, assim como influenciando as próprias mulheres e pessoas LGBTQ+ em sua decisão de participar, reforçando sua exclusão na medida em que o custo de participar se amplia). (BIROLI; MARQUES, 2022, p. 10-11).

Conforme explicado acima, aqui não é empreendido um esforço de conceituação da violência política e urbana, menos ainda de como os conceitos interagem entre si, uma lacuna que precisa ser preenchida pela literatura e é uma das imperfeições deste trabalho. A proposta é evidenciar que a interação entre violência e política não é novidade em si, apesar da emergência da violência política. No campo sociológico, faço um diálogo com os estudos nos quais centralizam o poder da violência em remontar padrões sociais a partir da estigmatização de mulheres, pobres, LGBTQIA+ e pessoas racializadas.

A violência do racismo estrutural é incorporada às próprias instituições, principalmente do Estado, que farão o seu controle e a fundamentarão a partir das desigualdades sociais e da dominação de um grupo sobre outro. É importante pensar a violência, seja política ou urbana, como forma de impor um posicionamento diferenciado nas esferas de poder e nas instâncias de distribuição econômica para os grupos marginalizados. Em um contexto de urbanização e segregação territorial nas grandes cidades, é usada com o pretexto de segurança à sociedade e controle de comportamentos desviantes”. Com um alvo claro: as regiões periféricas das cidades, os mais pobres e os negros.

Pessoas negras são as mais atingidas pela violência, seja porque são maioria nas regiões mais reprimidas pelo Estado ou por seus corpos serem imbuídos de um estereótipo de criminoso forjado pelo racismo estrutural. A famosa crítica ao sistema de justiça apresentada por Michelle Alexandre (2018) é o que sustenta essa afirmação; a autora diz que o uso da raça como fator explícito de discriminação deixou de ser aceitável, portanto, os estereótipos raciais passaram a ser ligados ao vocabulário do sistema de justiça criminal, como criminoso”, bandido” e meliante”, em nome de uma falsa neutralidade racial do próprio racismo. Um glossário estratégico e de orientação racista.

Nos territórios urbanos marginalizados e imiscuídos de pessoas ligadas ao imaginário racista do sistema de justiça, o Estado utiliza a fachada do combate às economias criminais como método de controle da população. No entanto, isso não é recebido pacificamente; os movimentos sociais, e no caso da violência o Movimento Negro Unificado (MNU) e organizações adjacentes, fazem uma contínua contestação desse modelo de segurança pública baseado na repressão aos desviantes (pobres, negros e militantes). Isso acontece após o reestabelecimento da democracia em 1988, especialmente no momento de inserção dos movimentos sociais na política institucional (FELTRAN, 2010). São justamente esses os atores de interesse desta pesquisa.

O antropólogo Gabriel Feltran (2010), ao observar a agência de militantes periféricos de São Paulo no campo da segurança pública e dos direitos humanos, denota que os movimentos sociais atuam para fazer a mediação política entre a população e as instituições estatais. O argumento de Feltran (2010) pode ser assistido no MNU. Desde o início dos anos 80, a organização indica a necessidade de reformulação da segurança pública e seu papel na subjugação da população negra. Fizeram isso, parcialmente, se inserindo à burocracia ao ocuparem cargos de confiança no governo federal. Um exemplo foi pautar a criação da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial no primeiro mandato do governo Lula, em 2003 (RIOS, 2008).

O MNU percebeu que era também necessário questionar a democracia representativa, dado o quadro de sub-representação. Era preciso estar lá para mudar as coisas. O crescimento populacional acentuado nas periferias e a mudança do perfil dos moradores intensificaram os questionamentos quanto à capacidade dos políticos representarem a totalidade dos brasileiros e fazerem políticas públicas que levassem as desigualdades sociais e raciais em consideração. Uma população mais escolarizada e com acesso a bens de consumo passou a exigir mais do sistema político.

Essa proeminência de organização e o crescimento da agenda não são recebidos pacificamente. Grupos conservadores e ligados às forças policiais agem para o silenciamento de ativistas no Brasil, tanto com militantes organizados quanto com representantes eleitos. Marielle Franco, ex-vereadora do Rio de Janeiro, é o caso com maior proeminência nesse sentido. Ela foi vítima da violência política – da repressão e criminalização de ativistas negras e de movimentos sociais – com forma de violência urbana e racial, haja vista que foi baleada por grupos ligados às milícias fluminenses.

A história de ativistas perseguidas não é nova. O ciclo de perseguição se alimenta nas políticas de segurança pública mantidas pelo Estado. Como a história que Feltran (2010) narra sobre Valdênia Paulino, militante dos direitos humanos na Zona Leste de São Paulo. Moradora de Sapopemba, ela ganhou notoriedade ao denunciar violações de direitos por parte do crime organizado e da violência policial na região. A história não terminou da pior forma, mas Valdênia teve que se exilar do país e viver sob permanente proteção da Secretaria de Direitos Humanos após sucessivas ameaças de policiais e organizações criminosas. Antes do exílio, a ativista sofreu dois episódios de violência sexual em retaliação às denúncias de crianças e adolescentes recrutadas pelo crime organizado – um caso de violência política com forma de gênero (FELTRAN, 2010).

A violência pode ser lida a partir de números, sobretudo os casos de violência urbana, mas nos casos de violência política, apesar da existência de alguns indicadores, boa parte do que acontece só é possível saber a partir dos relatos de quem de fato viveu. Por essa razão, a metodologia de pesquisa escolhida é qualitativa, a partir da realização de entrevistas semiestruturadas com ativistas do estado do Rio de Janeiro. O recorte escolhido foi de pessoas negras que militam em regiões periféricas, assim, 11 ativistas de movimentos sociais e partidos políticos participaram das entrevistas no ano de 2020. As identidades dos entrevistados são ocultadas ao máximo possível no decorrer do artigo por se tratar de um tema sensível.

O Rio de Janeiro foi o estado selecionado como recorte geográfico da pesquisa por dois motivos. O primeiro, por conta do ecoar da expressão política de Marielle Franco, que engrenou uma base de mulheres pretas faveladas na política formal e nos movimentos sociais. O segundo, pela existência de movimento da necropolítica” que tem como alvo lideranças negras de esquerda por parte de organizações criminosas e agentes da segurança pública, sobretudo milicianos.

O Rio de Janeiro não é o único estado onde se presencia casos de violência política, mas chama atenção pela complexidade de atores com poder de fogo, como as milícias, as facções, o jogo do bicho e os agentes das forças repressivas do Estado (as polícias). Nesse sentido, José Cláudio Souza Alves (2020), através de seu trabalho sociológico e historiográfico, ilustra o método de violência política no Estado que, basicamente, consiste na atividade de grupos de extermínio e milicianos. Hoje, diferentemente dos grupos de extermínio e dos matadores de aluguel, os milicianos têm o interesse direto na política e executam adversários locais para efetivar seus próprios interesses e não necessariamente os de empresários ou autoridades. A intenção é construir um novo ambiente político. O que se distingue dos atores que terceirizam a violência para veto dos grupos sociais rivais ou subordinados, conhecido na literatura por pistolagem”. Existe uma ação positiva, no sentido de querer gerir o processo político.

Uma das principais estratégias dos grupos armados nos casos de violência política, que será aprofundada no decorrer da argumentação, é o uso do medo” como instrumento político. O medo é um conceito sociológico usado de diversos modos. Na sociologia da violência, o medo” (medo do crime) é ligado a uma rede de significados no debate público e se configura como um problema social à medida que altera o comportamento e a rotina das pessoas, principalmente em ambientes urbanos (DORAN; BURGESS, 2012). No caso desta pesquisa, a diferença é que o medo é relacionado a ameaças reais e objetivas dos atores armados direcionadas aos ativistas. O medo do crime” não é compatível com a realidade material no entendimento hegemônico da disciplina. Entretanto, em ambos os casos, o medo é usado por agentes políticos com a finalidade de ter ganhos políticos, seja através do apoio para políticas públicas mais punitivista ou para o fechamento do espaço cívico. O medo do crime emerge de maneira discursiva para instituir um campo de medo e para criação de significados da ação política para populações inteiras, como os negros (LINS; FERREIRA, 2022).

Conflito, violência e opressão: contornos do racismo estrutural

O conflito é parte constitutiva da política. O próprio funcionamento da sociedade e dos sistemas sociais, que refletem o modo de se fazer política, está relacionado ao conflito, afirma Lewis Coser (1964). Georg Simmel (1983), uma das principais inspirações do pensamento de Coser, argumenta que a sociedade é justamente o produto das interações sociais divergentes do sistema social e da política.

Contudo, a existência dos conflitos não implica em convivência pacífica. E, por essa razão, é perigoso para a estabilidade estatal a existência de fragmentação e a radicalização das disputas no interior da sociedade. A coesão social ou a organicidade nas relações de solidariedade são terrenos mais férteis para a aceitação do antagonismo sem aniquilação de oponentes ou implosão da estabilidade estatal (SIMMEL, 1983). Não há uma transformação em si da sociedade, mas os conflitos são reduzidos em razão da coesão social.

O conflito pode ou não gerar competição e, em decorrência, ações de violência. Simmel (1983) frisa que a competição não significa eliminar ou prejudicar o adversário. À diferença do conflito, a competição é usada para alcançar algo, não é um fim em si. Assim, ela pode não ser uma medição direta de forças. Grupos e indivíduos competem sem usar a força contra seu adversário, por essa razão, a recompensa e a necessidade de acirramento das disputas são o que de fato vão ditar a necessidade do emprego da violência. Nos casos de a vitória beneficiar um grupo em detrimento de outro, isto é, gerar desigualdades profundas de poder, o resultado pode ser o aniquilamento do adversário. Isso observa-se nitidamente nas dinâmicas de colonialismo nas américas. A esfera da disputa é tensionada pela possibilidade de eliminação violenta do inimigo” e sua sujeição contínua.

Lewis Coser (1964) enxerga uma pré-disposição do comportamento humano ao conflito. Ele pode ser acompanhado ou não de violência. Os conflitos por legitimidade, por exemplo, estão associados a sentimentos de hostilidade produzidos pela distribuição desigual de direitos e privilégios na sociedade. Em resumo, para o sociólogo, a violência tem a ver com assimetrias de poder na sociedade e as maneiras do seu uso para dominação de grupos com a finalidade de assentamento dos conflitos.

As instituições representam o mecanismo de regulação da hostilidade na sociedade. Na prática, isso significa dizer que as instituições estatais não só monopolizam o uso da violência nos conflitos, como servem para minimizar seus efeitos e preservar a ordem do sistema político-social capitalista. Aqui está o ponto central trazido por Coser (1964) para a argumentação: ao canalizar a hostilidade e monopolizar a violência, as instituições podem causar disfunções para o sistema social, para alguns atores ou grupos específicos, e podem reproduzir os conflitos sociais e étnicos existentes na própria sociedade.

O resultado disso é a repressão estatal. A existência de instituições de justiça reguladoras do conflito e da sua expressão (a violência), além de aumentar a rigidez das estruturas sociais, incorre na perseguição de grupos sociais específicos, como a população negra e indígena nas sociedades americanas – já que não é possível esperar que o Estado seja neutro na regulação dos conflitos; pelo contrário, o Estado é reprodutor dos interesses5 dos que ocupam posições dentro de sua estrutura. As reivindicações antagônicas não são permitidas, por isso os grupos mais fortes usam o Estado para perseguir seus rivais a partir do momento em que ocupam posições de poder dentro da estrutura estatal.

Dessa maneira, não é descabido pensar que as instituições, e a própria noção de justiça construída nas sociedades capitalistas, são permeadas pela dominação e pela opressão de grupos subalternos, conforme argumenta Iris Young (1990) em Justice and the politics of difference. De acordo com a teórica, a justiça diz respeito às condições institucionais para o exercício de capacidades individuais e coletivas e, assim sendo, a opressão, fruto do processo de injustiça sistemática promovida pelas instituições, afeta os pensamentos, as necessidades e os sentimentos, isto é, as várias esferas da experiência humana.

Por essa razão, a existência de instituições de justiça não significa a anulação dos efeitos das assimetrias sociais produzidas pelo conflito e radicalizadas pela violência. A mudança promovida pelas instituições é de colocar parâmetros para o uso da violência. Pierre Dardot et al. (2021) explicam que a política, a lei e as instituições são capazes de acomodar o uso da violência. É inclusive por meio da lei que se reprime e criminaliza as formas de resistência de grupos marginalizados.

A opressão, seja ela institucional ou individual, é uma prática das sociedades liberais contemporâneas. Ela impõe a desvantagem e a injustiça através de um poder tirano” de grupos dominantes presentes nas instituições. Nem sempre é intencional, visto que é sistêmica e estrutural, mas se reflete em hábitos, normas e instituições (YOUNG, 1990). O caso de dominação racial branca é justamente o reflexo da estrutura social racista que permeia todas as esferas da vida. A partir dessa intepretação, o racismo não pode ser descolado de projetos políticos, das condições históricas, sociais e econômicas específicas. Ele se reflete nas macroestruturas, nas instituições e na vida cotidiana, vai além da subjugação racial nas relações individuais. Portanto, é razoável afirmar que o racismo estrutural é o processo sistemático e histórico de discriminação, que é engendrado nas esferas privadas e públicas (ALMEIDA, 2019).

Iris Young (1990) afirma que a marginalização é a forma mais violenta da opressão. Grupos sociais são excluídos da participação na vida social, privados materialmente e até exterminados, nos casos mais radicais, que não são pouco comuns. A marginalização envolve a privação dos espaços institucionais. Por comportamentos desviantes ou supostamente por improdutividade econômica, as pessoas consideradas inaptas para a vida em sociedade são restritas a algum tipo de confinamento social. Não são vistas no convívio social, são invisíveis. A prisão, a título de exemplo, foi destinada como local para sujeição das pessoas negras nas américas, como relatado por Angela Davis (2019) em Estarão as prisões obsoletas?.

As instituições operam baseadas na dinâmica racial sistêmica presente na sociedade. O racismo estrutural é normalizado, mas também moldado e transformado pelas instituições a partir da reprodução dos conflitos sociais por controle e dominação (ALMEIDA, 2019). As pessoas brancas asseguram sua hegemonia institucional por meio da violência e da produção de consensos sobre a dominação. Eles estabelecem critérios institucionais discriminatórios, segundo Almeida (2019), que impedem o reconhecimento das assimetrias raciais, naturalizando-as. As políticas criadas reforçam a discriminação racial.

Anos antes, na mesma direção, Frantz Fanon (1968) indica o papel das instituições burguesas para manutenção da ordem política e econômica racial nas sociedades pós-coloniais. As forças policiais, por exemplo, já eram apontadas pelo autor como interlocutoras da violência entre o mundo colonial e o terceiro mundo. A violência garante a imobilidade dos colonizados em uma nova dinâmica de relacionamento global.

Instituições não só incorporam os padrões sociais raciais, como produzem novos. O imperialismo cultural me parece um desses casos. Ele cria significados políticos para grupos raciais específicos com o objetivo de efetivar a dominação política. A régua da branquitude é usada para inferiorizar e construir diferenças a partir de expressões culturais e de identidade. O imperialismo cultural é dual: marca os oprimidos com estereótipos enquanto inviabiliza suas existências. Estereótipos são construídos para descaracterizar os oprimidos como indivíduos. Só o homem branco pode ter sua individualidade aceita e respeitada (YOUNG, 1990). O ápice do identitarismo racial branco.

Frantz Fanon (1968) já apontava o dualismo construído pela colonização e pelo colonialismo. Para ele, o mundo colonial é maniqueísta: colono é do bem e colonizado é do mal. O colonizado não tem valores, tem uma estética do mal. Logo, o imaginário colonial animaliza-o. A estética e a simbologia são essenciais para a construção do imaginário colonial e a subjugação de grupos não brancos (LINS; FERREIRA, 2022). Fanon alega que os valores morais criam uma atmosfera de diferenciação e amenização da expressão claramente violenta da vida colonial.

Mas qual a reação das instituições para quem desafia a ordem capitalista e pós-colonial? A violência. A violência é uma opressão legitimada por um ambiente estrutural de opressão contra grupos marginalizados. Ela é refletida nas instituições políticas e sociais a partir do momento que corpos ocupam espaços a eles não destinados. Sejam espaços de poder ou de direitos sociais.

A violência é sistêmica e é o mais forte dos fenômenos da injustiça social; destina-se a grupos pelo fato destes existirem. Mas ela não se dá naturalmente, conforme apresentam Franz Fanon (1968), Iris Young (1990) e Silvio Almeida (2019), mas é produto dos inúmeros significados produzidos pela estrutura capitalista ocidental e antinegro. É alimentada e alimenta as instituições.

Young (1990) divide dois tipos de violência com alvo racial. A genérica, onde não existe razão clara, mas é produto dos significados racistas. E a violência coercitiva, que mais interessa aqui. Ela tem o objetivo de manter o poder de grupos dominantes, isto é, faz parte de um projeto institucional dos brancos para o povo negro e indígena, no caso brasileiro. Às vezes, a motivação é exercer, reafirmar e manter o poder de dominação entre os mais vulneráveis. Os dominados que tentam desafiar o imperialismo cultural e afirmar sua subjetividade, ressignificar seu local na sociedade, são vítimas da violência. Isto é visto de modo claro na política – e será desenvolvido mais à frente.

Ativismos, identidade racial e representação: o não lugar do negro

Antes de passar ao objetivo central do texto, gostaria de apresentar um breve panorama da discussão da identidade, por entender que, ao se falar de raça, uma discussão sobre identidade auxilia a fundamentar a análise. A violência, analisada adiante, se baseia na violência política racial a partir da identidade negra, e de ativistas em alguns casos. Além disso, é preciso notar que o movimento negro trabalha ativamente para mudar o quadro político-racial no Brasil no campo da violência, sendo o principal ator minoritário a atuar no assunto.

Negros são sujeitos políticos e, apesar de não serem retratados devidamente pela literatura como tal, Clóvis Moura (1981) aponta que, durante o período de ocupação colonial, era possível enxergar um elevado grau de organização política das pessoas negras. Em sentido parecido, atualmente, na tentativa de devolver o suporte que a comunidade das favelas oferecera para pessoas e de mudar a realidade concentra, existe (e existiu) um movimento forte de organização política no interior desses territórios. Levando em consideração, é claro, que as formas de organização e resistência política vão além das instituições formais.

A branquitude reagiu para limitar a cidadania das pessoas negras. Uma das estratégias foi o projeto pós-abolicionista de tentativa de embranquecimento populacional. O resultado dessa política foi a miscigenação da população brasileira, diz Florestan Fernandes (2008). Ainda que a estrutura tenha se mantido configurada de tal modo a excluir os egressos do regime colonial6, criou-se uma falsa noção de igualdade racial e neutralidade racial da sociedade e do Estado.

A miscigenação foi um dos instrumentos para dissipar as organizações políticas e sociais de negros no país. O mito da democracia racial atenuou parte da capacidade de resistência no tocante aos novos problemas do negro, de acordo com a historiadora Emília Viotti da Costa (2007). Criou-se uma falsa ideia de igualdade racial no momento pós-abolição, como se o capitalismo tivesse assimilado todos igualmente nas bases produtivas e nas esferas políticas do modelo de sociedade não mais dependente da metrópole.

A miscigenação dificultou a formação da identidade dessa nova” população negra. Ela foi um dos maiores obstáculos para a articulação política, em contraste com o crescimento contínuo dos quilombos no passado. Por outro lado, o mito da democracia racial também foi um aglutinador contemporâneo de luta para o movimento negro ao capilarizar sua organização e unir os militantes a partir de uma pauta única e basilar7 (COSTA, 2007), do entendimento contemporâneo do Movimento Negro Unificado em reconhecer pardos e pretos como componentes do grupo racial negros”.

Nas entrevistas realizadas, a falta” de identidade aparece como fator latente para organização. Oriundo do movimento estudantil, um dos ativistas contou que só se descobriu negro na universidade. Na periferia, ser negro é ser retinto”, disse ele, quando perguntei sobre sua trajetória de militância. Foi atribuída às políticas de ações afirmativas nas universidades um papel central para esse processo8. Isso é explicado porque as cotas raciais assumem que o poder público está pensando as assimetrias raciais enquanto política pública. É reconhecido enquanto problema de Estado. Há um estímulo para os indivíduos neste limbo, do não lugar racial, se posicionarem.

Antes da criação das cotas raciais, as cotas sociais foi um artifício retórico de desassistir” o debate racial. A intenção aqui não é dissociar o debate de raça e classe9, mas é inegável que uma parcela de políticos e intelectuais” utilizaram a existência das cotas sociais para deslegitimar as cotas raciais no debate público. O primeiro dos entrevistados foi quem levantou esse debate, de acordo com ele: por não entender a história do surgimento das favelas e do próprio país, o Estado brasileiro criou para a população uma dicotomia entre racial e social”10.

Para além das políticas públicas, na esfera representativa, os referenciais políticos são motores para o reconhecimento do negro enquanto sujeito político. Ainda que justificassem a falta de referenciais na política, a maior parte dos entrevistados citou figuras da política institucional como suas inspirações para se organizar. O primeiro nome lembrado foi o da deputada federal Benedita da Silva (PT). Primeira senadora negra do Brasil, uma das lideranças lembrou que a deputada foi o princípio de tudo em termos de mulher na política”. Sempre foi o maior exemplo, é a maior referência”, completou11. Outro nome citado por todos os entrevistados foi o da vereadora Marielle Franco (PSOL). Ativista da CUFA, o entrevistado lembrou que Marielle foi uma das parlamentares que melhor nos representou sob todos os aspectos e pontos de vista desse quadro sui generis12.

Certamente, a vereadora foi um dos maiores referenciais políticos contemporâneos para os povos marginalizados. E o motor da participação de gente que conseguiu se ver através da proeminência de Franco no debate público. A liderança da Frente Favela Brasil frisou que quando começa pipocar Marielle e Dani Monteiro, mulheres que frequentavam os mesmos lugares que eu, falando sobre política, isso me motivou à militância, a me colocar de maneira mais exata”.

Além de uma grande referência, Franco se tornou um marco na história política do Rio de Janeiro. Embora seu nome tenha alcançado todo o Brasil, a vereadora transformou, particularmente, o curso político do Rio de Janeiro. Perder a Marielle Franco foi um balanço, rompe um ciclo, mas abre um mar de opções”, diz uma das entrevistadas13. O assassinato de Marielle não mudou as estruturas políticas do Estado, porém apresentou a política como espaço a ser disputado pelas pessoas de periferia e a violência urbana e política como debate de primeira ordem. Ela não só foi uma figura política, hoje representa uma ideia de ativismo político negro e das formas de resistência à repressão.

Contornos da violência e a necropolítica: o papel do Estado

A violência é um problema duplo para os militantes negros das periferias do Rio de Janeiro. Primeiramente, porque suas vidas estão ameaçadas enquanto pessoas negras, rotineiramente vitimadas pela letalidade policial e pelos numerosos homicídios. Dos 5.956 homens assassinados no Rio de Janeiro, em 2019, 4.650 eram pretos ou pardos, de acordo com o Atlas da Violência de 202014. Por outro lado, porque são vozes dissonantes do pacto da branquitude e da dominação de classe promovida pelas elites políticas e econômicas no Brasil. Os donos do poder definem quem tem o direito de viver. Portanto, estão sujeitas às formas de repressão do Estado as pessoas negras (violência urbana) e as iniciativas de silenciamento de ativistas dos direitos humanos e ativistas negros (violência política).

Achille Mbembe (2016), filósofo e cientista político, explica que a própria divisão entre grupos e subgrupos na sociedade, fundamentada numa acepção de pessoas feita pelo poder estatal, é uma expressão do racismo. Portanto, a dominação de um grupo sobre o outro sustenta o exercício de poder político. É a práxis política das sociedades ocidentais. É o método de atuação e perpetuação do Estado e das elites políticas e econômicas. A atuação do Estado moderno foi justamente baseada na constituição da soberania e fundada na morte como método de operação da política, disserta Mbembe (2016).

A necropolítica é constituída pela assimilação do massacre violento com a burocracia estatal. A necropolítica é quem define aqueles que devem morrer em nome da conservação dos moldes dos Estados nacionais: marca quem são os inimigos da nação, dentro e fora dela. Essa visão, antiestrangeira (xenófoba), que vê o outro como atentado à sua existência, é uma das características constituintes da soberania moderna colonial. A vida das pessoas é subjugada ao poder da morte, isto é, a morte é o critério da prática política.

Identificado o alvo, a necropolítica usa de tecnologias de poder para assassinar os seus inimigos. Negros, pobres e favelados são lidos como a classe perigosa no caso brasileiro. A doutrina de Segurança Nacional aliada à militarização da segurança pública no Rio de Janeiro, usada para combater inimigos internos (inimigos da nação, conforme Mbembe), é utilizada para a criminalização e o controle de pessoas e territórios. O extermínio é construído como política de segurança (RIBEIRO; DIAS; CARVARLHO, 2008).

Às 6 horas do dia 20 de abril de 2020, começava uma operação policial no Complexo do Lins, me contou um ativista. Em seu depoimento15, o jovem apontou como a atividade é rotineira na vida dos moradores das periferias. De acordo com os dados do Fogo Cruzado, laboratório digital de registro dos dados sobre a incidência de violência no estado do Rio de Janeiro, existem dois registros em veículos de notícias16 que convergem com o testemunho.

Apesar da pandemia da COVID-19, a Polícia Militar realizou uma operação contra o tráfico de drogas17 em territórios da capital fluminense. O livre exercício da cidadania e da vida social é comprometido pelo pretexto de combate ao crime organizado. Os moradores têm seus direitos básicos cerceados pelas forças policiais, no sentido social e no político, além da tutela relativa ao direito de locomoção imposta pelo tráfico.

Em termos de ação política, a situação ficou mais problemática após a instalação das Unidades de Política Pacificadora (UPPs): “é desafiador fazer uma ação contra a violência policial, porque no caso do Lins ainda existe uma UPP ativa”18, confirma o entrevistado. É perceptível que a vigilância é rotineira no interior das favelas, ainda mais naquelas onde se tem uma unidade da Polícia Militar. A possiblidade de participação política e a construção sistêmica de redes de resistência à violência policial são limitadas. Em outra ocasião, ouvi que: muitas vezes, você deixa de fazer [política] na sua localidade e vai fazer fora”19 por essa razão.

O policiamento ostensivo militariza a vida das pessoas. Transfere-se as resoluções comunitárias de conflito, muitas vezes baseadas em regras estabelecidas pelo crime para mitigar a violência interpessoal, para a polícia. No entanto, os policiais não têm como objetivo, competência ou treinamento formas alternativas à violência militarizada.

É uma ilustração do vigilantismo na América Latina. Por meio de uma fachada de controle da criminalidade, os territórios são militarizados para controlar os grupos sociais demandantes de alterações substanciais no sistema. O vigilantismo, alerta Martha Huggins (1992), serve para controlar grupos cívicos que ameaçam a ordem. Está ligado às heranças autoritárias do Estado capitalista brasileiro.

Luiz Eduardo Soares (2019) diz que a arquitetura institucional da segurança pública brasileira não foi alterada pela redemocratização. A divisão das polícias, por exemplo, se manteve parecida com o modelo institucional da ditadura cívico-empresarial-militar. A Polícia Militar faz o policiamento ostensivo, distante do papel investigativo da Polícia Civil e de maneiras alternativas de resolução dos crimes; ou de cooperação com a comunidade.

Em vez de promover a proteção dos direitos humanos e da cidadania, as políticas de segurança pública cumprem a missão autoritária de encarcerar jovens negros, criminalizar a pobreza e defender o Estado nacional contra ameaças internas: ativistas e movimentos sociais. Similarmente à sua função no período de recessão democrática de 196420 (SOARES, 2019).

É necessária a ação repressiva policial contra a sociedade para garantir a lealdade interna ao capitalismo internacional. Todas as iniciativas que desafiem o sistema político devem ser reprimidas por essa ótica. Revoltas nacionais ou o reformismo radical são encarados como desafios para o crescimento econômico pelas elites estrangeiras que investem no país. O vigilantismo é central por permitir a segurança aos negócios do capital estrangeiro (HUGGINS, 1992).

Nem sempre os casos são de violência policial física explícita. Um dos militantes conta que agora o policial passa na frente da tua casa te ameaçando diariamente, meio que te dando uma enquadrada”. Antes, a polícia tinha que subir o morro para atuar. Hoje, eles já estão lá, seja por meio das UPPs como pelas milícias, e gerenciam a vida comunitária e as próprias formas de participação política:

Tem um líder comunitário que a esposa dele tinha uma lojinha onde ela fazia unhas e a polícia parava a viatura na porta fechando o acesso à loja, fizeram isso até ela desistir da loja dela. Ou seja, tem um impacto também na economia, é uma afronta o que eles fazem com a gente porque eles sabem que a gente está discutindo segurança pública, que a gente sabe que aquilo que eles fazem de errado precisa ser repudiado [...] se a gente mostra os policiais que estão fazendo algum tipo de violação dos direitos humanos, a gente fica exposto porque o Estado não está lá para nos garantir. Porque o único braço do Estado que chega lá é a polícia. (Entrevista com liderança do Complexo do Lins, 20 de abril de 2020).

As histórias de violência política, viabilizada pelas configurações da urbanização militarizada do estado do Rio de Janeiro e do quadro de violência local, se multiplicam. Embasada na tipologia organizada por Biroli e Marques (2022), a motivação é a participação política do líder comunitário, a forma é da violência urbana (que afeta mais acentuadamente a população negra), por envolver atores do quadro estatal de repressão, e o impacto é racial, ao passo que cria uma narrativa construída pela violência para outros líderes negros e inflaciona o custo de participação política local.

O policiamento e a disciplina fundamentam a dominação do Estado sobre os corpos racializados. A vida é militarizada sob a justificativa de generalização da insegurança”. Os territórios têm uma dominação absoluta através da necropolítica, resultando em vigilância, controle, separação e reclusão. O necroterror” é também uma prática dos Estados nacionais colonizados, conforme o genocídio praticado por Israel contra o povo palestino (MBEMBE, 2016).

A construção dos significados do ativismo negro

Para delimitar a diferença de atuação entre o tráfico e as milícias, bem como seu impacto nas formas de participação, recorri a Gabriel Feltran (2010); ele explica que onde o tráfico funciona como tribunal é observável o crescimento da violência interpessoal com o objetivo de dominação dos territórios. Entretanto, existe um nível de previsibilidade dos acontecimentos e das normas. A responsabilidade policial é mais forte com os gestores públicos do que com a população periférica. Os representantes chancelam e demandam um comportamento ostensivo (FELTRAN, 2010).

Pesquisas apontam para a demanda das organizações criminosas de reduzir a violência dentro dos territórios e adotar métodos pacíficos de resolução de conflitos. Segundo Feltran (2018), o Primeiro Comando da Capital (PCC) adota a paz como princípio nas suas relações. O PCC agiu, deliberadamente, para reduzir a violência nos presídios e nas conexões criminosas. A partir de um código de conduta, os autodenominados irmãos” resolvem os conflitos pacificamente, em toda a cadeia que envolva o crime, inclusas suas famílias e os territórios de periferias em São Paulo. Os conflitos são trazidos para intermediação de um terceiro para atenuar as mortes e resolver via diálogo, na medida do possível.

O tráfico está interessado em fazer o controle do território para não ser surpreendido por gangues rivais ou por operações policiais, tanto de modo geográfico quanto em termos normativos nas comunidades. Diferente de grupos milicianos, não existe uma interação estruturada com autoridades políticas para prever, por exemplo, operações policiais e investidas da inteligência da polícia civil.

O tráfico controla uma parte das iniciativas da sociedade civil, mas detém pouca interferência nas eleições e quase nenhum poder de ditar a formulação de políticas públicas. O crime organizado depende de suas próprias ferramentas de inteligência para assegurar a continuidade econômica criminal local. ‬‬‬‬‬‬‬‬‬‬‬‬‬‬‬‬‬‬‬‬‬‬‬‬‬‬‬‬‬‬‬‬‬‬‬‬‬‬‬‬‬‬‬‬‬‬‬‬‬‬‬‬‬‬‬‬‬‬‬‬‬‬‬‬‬‬‬‬‬‬‬Por outro lado, ‬‬‬‬‬‬‬‬os milicianos conseguem ter interferência mais direta na política do Rio de Janeiro. Eles são agentes políticos. Controlam, hegemonicamente, os grupos cívicos e mobilizaram atores armados – a exemplo, em Rio das Pedras, berço das milícias, a gestão da associação de moradores. Eles administram diretamente as eleições e têm alto poder de influência nas políticas públicas locais. Boa parte disso publicamente (ARIAS, 2013; LINS, 2022).‬‬‬‬‬‬‬‬‬‬‬

Após alguma repressão, notadamente decorrente da CPI das Milícias, os processos passaram a ser mais discretos e clandestinos, mas ainda com o necessário apoio do Estado. O reconhecimento da milícia como crime organizado por parte da mídia e das autoridades determinou moralmente inaceitável o relacionamento público entre políticos e milicianos. Há de se lembrar, em 2008, que políticos foram presos e caçados em uma ação coordenada entre as forças policiais, a Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Bruno Paes Manso (2020), em A república das milícias, diz que a Associação de Moradores e Amigos de Rio das Pedras foi protagonista em usar a segurança privada como forma de renda extra para policiais de folga e servir como fachada institucional para os agentes. As milícias, após a ofensiva dos deputados estaduais, investiram em novas ideias para atuação clandestina e institucional de modo ainda mais estruturado.

Rio das Pedras foi espelho em vários sentidos. O modelo de governança do crime da região foi usado como espelho para atuação de milicianos em bairros vizinhos para eliminação de traficantes e domínio de moradores, sobretudo daqueles com comportamentos desviantes: ativistas políticos, usuários de drogas etc. As milícias foram construídas a partir de um argumento de ordem resultante da repressão, argumenta Paes Manso (2020). Todos aqueles lidos como outsiders, criminosos ou não, entram na mira desses grupos.

O Estado migrou a violência formal contra opositores e agentes subversivos para as milícias. Em nome da lei, da ordem e da segurança, grupos paramilitares, com integrantes das forças policiais de folga, assassinam pessoas fora de conformidade com seu programa político. Com uma visão ultradireitista, as milícias executam opositores do regime local e alimentam o vigilantismo (HUGGINS, 1992).

Nas regiões com baixa presença do Estado e sem políticas sociais de redução das desigualdades sociais, os grupos armados assumem a gestão das áreas e atuam como agente estatal. Eles não se abstêm dos relacionamentos com autoridades, mas usa-os como legitimadores da sua presença na política formal: ocupando cargos públicos por indicação ou pela via eleitoral (ARIAS, 2013).

Os milicianos controlam o próprio espaço político e econômico nas regiões dominadas, me conta uma liderança preta da capital21. Eles centralizam e burocratizam a repressão e o controle interno. A literatura especializada no tema já apontava seu envolvimento em todas as atividades econômicas das favelas ocupadas (MANSO, 2020; ARIAS, 2013).

O modelo de urbanização do Rio de Janeiro em si, baseado na segurança pública, tanto pavimentou o caminho para a proliferação desses grupos justiceiros como foi influenciado por eles. O sucesso da milícia vem do conhecimento dos policiais das dinâmicas de cada território antes usado pelo tráfico; somado às redes ilícitas mantidas anteriormente com criminosos locais; e sua infiltração alargada nos processos eleitorais do estado (SILVA; FERNANDES; BRAGA, 2008; LINS, 2022).

As milícias têm origem, justamente, na polícia mineira”. Elas eram remuneradas para defender comerciantes locais de assaltos. O conceito de polícia mineira vem de policiais que garimpavam criminosos com alto faturamento com a intenção de usurpar seus lucros ou se inserir nas redes de economia criminal (MANSO, 2020). Tinham um conhecimento profundo das relações criminosas das regiões para identificarem oportunidades de lucro.

A polícia mineira” foi remunerada para defender um açougueiro de assaltos em Rio das Pedras, favela situada na Zona Norte do Rio de Janeiro. Foi onde tudo começou. O grupo espancava e matava assaltantes da região, segundo relatos de moradores. Até que se profissionalizou e começou a atuar no setor imobiliário, o que possibilitou a organização de ocupações ilegais e o controle da urbanização ilegal feita nas regiões periféricas da cidade (SILVA; FERNANDES; BRAGA, 2008).

Uma das razões do triunfo das milícias é justamente seu envolvimento com o Estado. A partir de uma revisitação do relatório da CPI das Milícias, onde foi apontada uma profunda relação com candidatos e legisladores eleitos, a conclusão inicial atribuiu às milícias um caráter de projeto político que explica sua expansão no Rio de Janeiro. Em outra ocasião, através de um estudo quantitativo sobre o sucesso eleitoral das milícias e sua geografia eleitoral, apresentei sua lógica de atuação eleitoral na cidade do Rio de Janeiro e conclui que os grupos conseguem ter sucesso eleitoral nos bairros em que têm influência e controle territorial direto (LINS, 2022).

Os territórios urbanos com controle de organizações criminosas são microespaços de ordem política à parte do Estado Democrático de Direito. Em função disso, muitas das lideranças vão buscar espaço para militância fora de sua área de domicílio. As regiões dominadas pelo crime impõem aos líderes que participem politicamente, sobretudo, na Zona Sul, e dificulta a vida daqueles que resistem para fazer política nessas localidades, nos bairros menos seguros da cidade ou em outros municípios. Segundo Arias (2013), quanto mais as organizações criminosas conseguem centralizar o poder sob seus líderes, mais controlam as atividades políticas. Nesse sentido, um entrevistado conta:

Sempre foi uma preocupação, aqui tem milícia. Sou uma das poucas pessoas daqui que milita, então, é mais fácil militar no centro do Rio, do que na sua cidade. Você se sente mais seguro no local em que não é reconhecido, em que você é só mais uma pessoa e não no local que você tem nome e endereço. Isso pega de vez em quando. [...]. Eu fui candidato em 2016 e isso pegou muito, especialmente por militar com temas de direitos humanos. (Entrevista com liderança do PSOL, 23 de abril de 2020).

Os riscos nos territórios são ainda maiores quando não se pertence a eles. Fica perceptível que é preciso observar as linguagens sociais de cada região. O perigo é com milícias e com o tráfico, mas também com as forças policiais. Por esse motivo, as lideranças comunitárias têm um papel fundamental na organização da política estadual, pois são elas que abrem um canal de diálogo no interior dos territórios e que estão fazendo a política na ponta. São capazes de narrar, com fidelidade, as demandas desses grupos. Uma delas contou-me que:

Esse caminho é perigoso, quem compra essa briga de militar, ainda mais depois de Marielle, toma muito cuidado. Eu gostaria muito de ter mais liberdade para falar, para fazer, mas não há. Deve-se fazer tudo com muito cuidado e muito respeito aos códigos que cada território tem [...] cada território tem seu código, se você não souber o código, você não adentra. (Entrevista com liderança do PSOL, 23 de abril de 2020).

Todos os entrevistados afirmaram sentir medo de militar em determinadas regiões do Estado. Nesse sentido, outro testemunho, com o teor similar ao anterior, reforça a necessidade de locomoção nos territórios para estar menos suscetível às formas de violência política impostas principalmente pelos policiais:

Se a gente mostra os policiais que estão fazendo algum tipo de violação dos direitos humanos, a gente fica exposto porque o Estado não está lá para nos garantir. Porque o único braço do Estado que chega lá é a polícia. O risco é de um policial colocar uma droga no teu bolso e dizer que tu tá traficando. (Entrevista com liderança do Complexo do Lins, 20 de abril de 2020).

A morte de Franco cumpriu o papel de criar o ambiente de impedimento do livre exercício da cidadania. Um líder da Baixada Fluminense,22 ao lembrar da morte de Marielle Franco, disse: no dia que a Mari morreu foi um dos piores dias que eu já tive, deu medo”. Provoquei-o, perguntando qual a novidade, afinal a região tem altos índices de mortes de jovens negros e eu estava entrevistando um. Ele me disse que sentia a proximidade. Sente, ainda hoje, a vigilância em todos os locais. Sente a possibilidade real de ser o próximo, com o agravante de ter ambições eleitorais em uma região dominada pelo crime estatal”.

O tráfico, de um lado, tem o intuito de minar as posições subversivas ocasionadoras da perda de controle territorial; por outro, as milícias objetivam atenuar as iniciativas que ameacem seu controle político local. A morte de Marielle desnudou a violência contra as lideranças, mas não é uma novidade em si. A ideia foi passar um recado a outros nomes:

Estou nesse exato momento, conversando com você, na sala da minha casa, preocupado com a minha janela aberta. E isso é o tempo todo, principalmente depois do que aconteceu com ela [Marielle]. Passou a ter uma cara, esse cabelo te entrega, esse brinco te entrega, o jeito de você andar pode te entregar. (Entrevista com liderança da Frente Favela Brasil, 20 de abril de 2020).

O militante me recebeu com ânimo e esteve sempre disposto a responder todas as questões com a máxima riqueza de detalhes. Mas a preocupação com a janela foi real. Depois da entrevista, via mensagem no WhatsApp, o entrevistado explicou que: onde moro agora é área de milicianos, por isso o cuidado com a janela”. Na mensagem seguinte, lembrou que: eles têm candidato próprio, por isso tive receio de me candidatar nessas eleições”, ainda que tivesse se organizado para candidatar-se para a legislatura municipal, como afirmou na entrevista23.

Da morte da ex-vereadora à vitória do presidente Jair Bolsonaro, a violência política é tensionada publicamente. Essa foi a nova roupagem ganhada: a publicidade. São duas intenções. Primeiramente, evitar que as lideranças continuem seu trabalho plenamente, conforme contou-me uma professora que teve uma prova retuitada, na época, pelo deputado federal e pré-candidato Bolsonaro:

A gente começa receber ameaça. Em 2016, eu tive uma prova retuitada no Twitter do Bolsonaro, né, que falava de gênero e desconstruía a ideia de gênero, e ele repostou essa prova no Twitter dele, foi algo muito complicado na minha vida, tive minha cabeça a prêmio. E eu comecei a perceber que o fascismo não estava de bobeira no Brasil. A gente começa a receber recados na escola pública onde a gente trabalha. (Entrevista com liderança do PSOL e candidata a vereadora, 23 de setembro de 2020),

Em segundo lugar, como explícito no relato, a partir desse ambiente de hostilidade, a finalidade é legitimar outros atores a se colocarem no debate público contra essas lideranças. Ao fazer um debate sobre transexualidade com Indiararae Siqueira24, um grupo de pais e professores procuraram o Ministério Público para denunciar a professora da rede pública estadual em uma outra ocasião.

Outra entrevistada me contou ser perseguida no trabalho após se juntar às manifestações contra o presidente Jair Bolsonaro e por justiça por Marielle Franco.25 Em 2018, era estagiária de um órgão público na área administrativa. O chefe, servidor público e abertamente conservador, pediu seu desligamento. Ela me disse que o caso não era inédito, outros alunos da sua universidade foram perseguidos no trabalho e no próprio campus pelo seu engajamento. Não era raro pessoas obrigadas a trocarem de turno e curso por medo de violência institucional ou até mesmo física. Moradora da Baixada Fluminense, ela citou o medo de ser uma ativista e o impacto no seu cotidiano:

Medo faz parte de mim como militante. Minha mãe ficou com muito medo de eu pôr minha cara, de aparecer em vídeo, de estar na rua, porque aqui no Rio a gente é rodeado pela PM e pela milícia. Querendo, ou não, é a mesma coisa. Eles estão sempre atrás da gente. Aqui no Rio é um eterno caça às bruxas e os bruxos somos nós. (Entrevista com militante do PSTU, 12 de outubro de 2020).

Uma professora da rede municipal relatou algo parecido ao apoiar a ocupação das escolas em 2016, contra a reforma do Ensino Médio e a PEC do Teto de Gastos: minha paz acabou”26. Encontram-se, aqui, o projeto conservador e miliciano, como produtores desse ambiente de insegurança política. O medo opera como construção do significado de ser ativista. Perpassa a vida dos militantes de modo transversal. Como diz Alba Zaluar (2019), o medo compromete a disposição para a luta política e cria danos subjetivos” maiores, muitas vezes, do que físicos.

As lideranças se mostram disponíveis para a luta à medida em que a violência se acirra, mas agora estão apostando em maneiras alternativas para atenuarem suas exposições políticas. Com destaque para aquelas envolvidas diretamente com a pauta de segurança pública no Rio de Janeiro. O conteúdo político é suavizado com uma cara” de projeto social, focado em assistência social e cultural aos moradores.

Desde os anos 90, como estratégia à militarização da cidade, os militantes utilizam o ativismo social e cultural no lugar do ativismo político tradicional. Simone Gomes (2020), a partir de sua etnografia urbana da militância cultural na Zona Oeste, região com presença de milicianos, argumenta que temas relacionados às organizações criminosas e à segurança pública são evitados.

Em São Paulo, o quadro é semelhante. A fachada de projeto social ameniza” a ameaça ao trabalho do Centro de Defesa de Crianças e Adolescentes (Cedeca), encabeçado pela ativista Valdênia, a quem fiz referência na introdução do texto. A instituição, além de acolhimento aos adolescentes e às crianças marginalizadas, fazia um trabalho de denúncia do aliciamento de jovens com o crime organizado e da displicência dos governos com a situação dos garotos da região (FELTRAN, 2010).

O Centro de Direitos Humanos de Sapopemba (CDHS) foi criado como braço político do Cedeca após a inscrição do mesmo em uma rede política de denúncias da atuação das organizações criminosas e da letalidade policial. A iniciativa, além de ampliar a passagem dos ativistas com a política institucional, foi uma estratégia de conservação do trabalho de assistência social do Cedeca, ameaçado pelo crime (FELTRAN, 2010).

Ao que parece, a estratégia do movimento negro de utilizar o ativismo cultural não amenizou as perseguições aos ativistas e tornou seu projeto de fato mais seguro, mas serviu para agregar pessoas em torno da construção de um ideário contínuo e não apenas reativo ao quadro de violência.

Considerações conclusivas

A política, como sinal de civilidade perante os conflitos democráticos, baniu a violência da das esferas políticas institucionais. Existiu, em certa medida e em relação a grupos socialmente privilegiados, um apreço pelos meios dialógicos de fazer política. Quer dizer que se estendeu a toda população? Não. Parcelas da sociedade continuaram sem ter o direito aos meios institucionais e os espaços informais de participação política continuam fortemente involucrados em contextos violentos. E, pior, desconsiderou-se o papel da violência na qualidade democrática, na participação política e nos direitos dessas populações.

Qualquer análise da democracia brasileira deve sublinhar que a liberdade de expressão e de associação de uma parcela numerosa da sociedade é permeada por uma ameaça constante do crime organizado e pelas políticas de repressão estatal. Nesse sentido, a população negra vive à margem do Estado Democrático de Direito quando se fala de direito à cidadania.

É evidente que o carácter racial da violência política e urbana aparece nas interpretações dos entrevistados sobre a política de segurança pública do Rio de Janeiro. Ela é analisada, pelos ativistas, por uma dimensão especificamente racial. Todos relacionaram as ameaças, as violências e o medo com o fato do seu local na hierarquia racial. Mas também pelo espaço da coletividade periférica nas cidades do estado do Rio de Janeiro. Territórios inteiros são alvos da violência.

É difícil situar os limites da violência política e da violência urbana. Os ativistas negros têm esse impacto de maneira múltipla em sua vida. Ele ultrapassa a esfera política, e reflete diretamente em outros espaços da vida privada por meio da violência simbólico, como no âmbito profissional. Foi possível perceber as instâncias de violência em seus territórios, tradicionalmente marginalizados, não descoladas das demais áreas do cotidiano quando se é negro e militante. Principalmente, em um contexto de relação intima do crime com as esferas estatais e iminentemente políticas.

A motivação, a forma e o impacto da violência política de raça são articulados entre as formas de expressão da violência urbana, institucional e política. A violência política de raça tem o objetivo de criar significado coletivo para as demais lideranças e, por isso, se expressa de maneira tão explícita e fisicamente violenta. O medo produzido por essa violência política prejudica a disposição para o engajamento político, para a entrada de novas lideranças no ambiente político e cria danos subjetivos e materiais.

Não menos importante, lembro que o recorte de pesquisa foi o estado do Rio de Janeiro. Mas ele não é uma massa monolítica de violência e política. As conformações de cada cidade, região e território são particulares. Qualquer conclusão é parcial aqui. Os municípios da Baixada Fluminense vivem um processo mais intenso de violência política e acirramento de grupos milicianos contra lideranças, por exemplo. Eles demonstram a necessidade de recortes serem feitos futuramente, mas que tenham em mente a necessidade do anonimato e o cumprimento estreito da ética de pesquisa. O monitoramento dos casos de violência política com carácter racional também é uma das tarefas de pesquisas futuras, pois não existe sistematização e acúmulo de literatura sobre a temática.

A categoria de violência política não pode servir como forma de hierarquização das violências. Não só as violências de tipo estritamente político são nocivas à democracia e resultam em cerceamento da cidadania. Como exposto pela experiência dos ativistas, outros tipos de violência se confluem e convertem em violência política ao criarem significados para a participação de pessoas negras na política, advindos das instituições do Estado, em boa parte dos casos supracitados, e das formas típicas de violência urbana que ocorrem nos momentos triviais da vida dessa população.

Referências Bibliográficas

ALEXANDRE, M. A nova segregação: racismo e encarceramento em massa. 1 ed. São Paulo: Boitempo, 2018.

ALMEIDA, S. Racismo estrutural. São Paulo: Pólen, 2019.

ALVES, J. C. de S. Dos barões ao extermínio: uma história da violência na Baixada Fluminense. 2ª ed: Rio de Janeiro, 2020.

ARIAS, E. D. The Impacts of Differential Armed Dominance of Politics in Rio de Janeiro, Brazil. Studies in Comparative International Development, v. 48, n. 3, p. 263-284, 2013.

BIROLI, F.; MARQUES, D. Violência contra as mulheres/de gênero na política. In: PERISSINOTTO, R.; BOTELHO, J. C. A.; BOLOGNESI, B.; BATISTA, M.; SANTOS, M. L. (Orgs.). Política Comparada: teoria e método. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2022.

COSER, L. The functions of social conflict. Toronto: The Free Press, 1964.

COSTA, E. V. O mito da democracia racial no Brasil. In: COSTA, E. V. Da Monarquia à República: momentos decisivos. 6 ed. São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1999, p. 367-386.

DARDOT, P.; GUÉGUEN, H.; LAVAL, C.; SAUVÊTRE, P. A escolha da guerra civil: uma outra história do neoliberalismo. 1 ed. São Paulo: Elefante, 2021.

DAVIS, A. Estarão as prisões obsoletas?. 4 ed. Rio de Janeiro: Difel, 2019.

DA VIOLÊNCIA, IPEA Atlas. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. 2020.

DORAN, B. J.; BURGESS, M. B. Putting Fear of Crime on the Map. New York: Springer, 2012.

FANON, F. Da violência. In: FANON, F. Os condenados da terra. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1968, p. 23-87.

FELTRAN, G. Margens da política, fronteiras da violência: uma ação coletiva das periferias de São Paulo. Lua Nova, n. 79, p. 201-233, 2010. Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-64452010000100009&lng=en&nrm=iso&tlng=pt. Acesso em: 27 dez. 2020.

FELTRAN, G. Irmãos: uma história do PCC. 1 ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2018.

FERNANDES, F. A Integração do Negro na Sociedade de Classes. São Paulo: Editora Globo, 2008, v. 3.

GOMES, S. A cultura como alternativa: Uma aproximação a partir de sociabilidades militantes na Zona Oeste do Rio de Janeiro. Dilemas, v. 13, n. 1, p. 57-76, 2020. Disponível em: https://revistas.ufrj.br/index.php/dilemas/article/view/27015. Acesso em: 4 fev. 2021.

HUGGINS, M. O vigilantismo e o Estado: uma vista para o sul e para o norte. O Alferes, v. 10, n. 33, p. 17-38, 1992. Disponível em: https://revista.policiamilitar.mg.gov.br/index.php/alferes/article/view/554. Acesso em: 8 jan. 2021.

LINS, I. N. A geografia eleitoral das milícias: um estudo exploratório dos candidatos à Câmara Municipal do Rio de Janeiro. Dissertação (Mestrado em Ciência Política) – Instituto de Ciência Política, Universidade de Brasília, Brasília, 2022. Disponível em: https://repositorio.unb.br/handle/10482/44376. Acesso em: 5 ago. 2022.

LINS, I. N.; FERREIRA, J. V. B. Populismo penal no discurso parlamentar: o debate da violência policial na Câmara dos Deputados (2019-2021). Revista Eletrônica de Ciência Política, v. 13, n. 1, 2022. Disponível em: http://dx.doi.org/10.5380/recp.v13i1.82629. Acesso em: 25 ago. 2022.

MANSO, B. P. A república das milícias: dos esquadrões da morte à era Bolsonaro. São Paulo: Todavia, 2020.

MBEMBE, A. Crítica da razão negra. 1 ed. Lisboa: Antígona, 2014.

MBEMBE, A. Necropolítica. Arte & Ensaios, n. 32, p. 123-151, 2016. Disponível em: https://revistas.ufrj.br/index.php/ae/article/view/8993. Acesso em: 27 dez. 2020.

MOURA, C. Rebeliões da senzala – a questão social no Brasil. 3 ed. São Paulo: Lech Livraria Editora Ciências Humanas, 1981.

OFFE, Claus. Dominação de classe e sistema político: sobre a seletividade das instituições políticas. Problemas estruturais do Estado capitalista. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1984 [1972].

RIBEIRO, C.; DIAS, R.; CARVALHO, S. Discursos e práticas na construção de uma política de segurança: o caso do governo Sérgio Cabral Filho (2007-2008). In: JUSTIÇA GLOBAL (Org.). Segurança, tráfico e milícias no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Fundação Heinrich Böll, 2008, p. 6-15. Disponível em: http://www.global.org.br/blog/seguranca-trafico-e-milicias-no-rio-de-janeiro-2/. Acesso em: 27 dez. 2020.

RIOS, F. M. Institucionalização do movimento negro no Brasil Contemporâneo. Dissertação (Mestrado em Sociologia) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008. Disponível em: https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8132/tde-29102009-170307/en.php/. Acesso em: 6 ago. 2022.

SILVA, J. D. S. E.; FERNANDES, F. L.; BRAGA, R. W. Grupos criminosos armados com domínio de território. In: JUSTIÇA GLOBAL (Org.). Segurança, tráfico e milícias no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Fundação Heinrich Böll, 2008, p. 16-24. Disponível em: http://www.global.org.br/blog/seguranca-trafico-e-milicias-no-rio-de-janeiro-2/. Acesso em: 27 dez. 2020.

SILVA, L. A. M. Sociabilidade violenta: por uma interpretação da criminalidade contemporânea no Brasil urbano. Sociedade e Estado, v. 19, n. 1, p. 53-84, 2004. Disponível em: https://www.scielo.br/j/se/a/sW7wjWRx8W9fHWmRkGvynmt/?lang=pt. Acesso em: 5 fev. 2022.

SIMMEL, G. A natureza sociológica do conflito. In: MORAES FILHO, E. (Org.). Simmel: Sociologia. São Paulo: Ática, 1983, p. 122-134.

SOARES, L. E. Desmilitarizar. 1 ed. São Paulo: Boitempo, 2019.

YOUNG, I. M. Justice and the politics of difference. Princeton: Princeton University Press, 1990.

ZALUAR, A. Os medos na política de segurança pública. Estudos Avançados, v. 33, n. 96, p. 5-22, 2019. Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40142019000200005&tlng=pt. Acesso em: 27 dez. 2020.


  1. Doutorando, mestre e graduado em Ciência Política pela Universidade de Brasília (IPOL/UnB). Pesquisador do Núcleo de Pesquisa Flora Tristán: representações, conflitos e direitos e do Instituto Igarapé. País: Brasil. Estado: Distrito Federal. Cidade: Brasília. E-mail: igornovaeslins@gmail.com. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-0510-8355.↩︎

  2. O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001.↩︎

  3. Agradeço aos cuidadosos comentários e à revisão do Prof. Dr. Arthur Trindade Maranhão Costa (SOL/UnB), da Profa. Dra. Danusa Marques (IPOL/UnB) e dos meus amigos Luiz Ferreira, Thalys Freire e João Victor Ferreira.↩︎

  4. Empreguei “ativistas” e “militantes” como termos sinônimas no decorrer do texto.↩︎

  5. O Estado é fonte de disputas internas, mesmo entre os grupos hegemônicos. Por isso, grandes interesses são compartilhados, como a manutenção da ordem, ainda que a contradição seja constante. Nas palavras de Claus Offe (1984), a existência do Estado em uma sociedade capitalista implica a existência de um Estado capitalista, apesar dos entreves de imposição dos interesses do capital em certas circunstâncias políticas. Além disso, grupos oprimidos conseguiram, mais recentemente, fazer política contestatória dentro do próprio Estado. Essa é uma grande discussão da literatura de movimentos sociais e participação política que não desenvolverei por limitação de espaço.↩︎

  6. A sociedade capitalista substituiu os obstáculos para inserção do negro na nova ordem social. Não existia possibilidade de locomoção entre as classes sociais (FERNANDES, 2008).↩︎

  7. O Dia da Consciência Negra é um dos exemplos mais apropriados, criado nos anos 1970.↩︎

  8. Entrevista com liderança do PSOL, 23 de abril de 2020.↩︎

  9. O capitalismo brasileiro se estrutura a partir da exploração racial. São questões conexas.↩︎

  10. Entrevista com ativista da Central Única das Favelas – CUFA, 15 de abril de 2020.↩︎

  11. Entrevista com liderança da Frente Favela Brasil, 20 de abril de 2020.↩︎

  12. Entrevista com ativista da Central Única das Favelas – CUFA, 15 de abril de 2020.↩︎

  13. Entrevista com liderança da Frente Favela Brasil, 20 de abril de 2020.↩︎

  14. Atlas da Violência 2020, disponível em: https://www.ipea.gov.br/atlasviolencia/. Acesso em: 17 out. 2020.↩︎

  15. Entrevista com liderança do Complexo do Lins, 20 de abril de 2020.↩︎

  16. A API do Fogo Cruzado está disponível em: https://api.fogocruzado.org.br/ocurrences. Acesso em: 10 ago. 2020.↩︎

  17. A política de drogas é a justificativa usada para o uso da repressão como controle da parcela mais pobre da cidade localizada nas favelas. Serve como flagelo para as violações dos direitos humanos (RIBEIRO; DIAS; CARVALHO, 2008, p. 8).↩︎

  18. Entrevista com liderança do Complexo do Lins, 20 de abril de 2020.↩︎

  19. Entrevista com liderança da Frente Favela Brasil, 20 de abril de 2020.↩︎

  20. O militarismo da polícia certamente é um problema. Mas a raiz do problema é mais profunda: tanto em relação ao aparato da Justiça criminal quanto ao da legislação penal. Todo um sistema funciona para controlar, prender e matar. Por hora, resoluções reformistas não têm apresentado efetividade na mudança desse quadro.↩︎

  21. Entrevista com liderança da Frente Favela Brasil, 20 de abril de 2020.↩︎

  22. Entrevista com liderança do PSOL, 23 de abril de 2020.↩︎

  23. Entrevista com liderança da Frente Favela Brasil, 20 de abril de 2020.↩︎

  24. Pessoa trans, com notória atuação pelos direitos dos LGBTQIA+. Fundou a CasaNem – casa de acolhimento para LGBTQIA+ em situação de vulnerabilidade social. Hoje é “candidate a vereadore” pelo Partido dos Trabalhadores.↩︎

  25. Entrevista com militante do PSTU, 12 de outubro de 2020.↩︎

  26. Entrevista com educadora popular e ativista do Movimento Negro Evangélico, 13 de outubro de 2020.↩︎