CONSERVADORISMO E POLÍTICAS PÚBLICAS: UM ESTUDO SOBRE A ÁREA DE SEGURANÇA PÚBLICA ENTRE ROUSSEFF E BOLSONARO

Lillian Lages Lino

Doutoranda em Ciência Política pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Mestre em Ciências Sociais pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP).

País: Brasil Estado: São Paulo Cidade: Piracaia

Email: lillian.lino91@gmail.com ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5481-1667

Cristiano Parra Duarte

Doutorando e mestre em Ciência Política pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), com bolsa da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Processo FAPESP Nº 2022/07802-4). Editor-chefe da revista Agenda Política.

País: Brasil Estado: São Paulo Cidade: São Carlos

Email: crparraduarte@gmail.com ORCID: https://orcid.org/0000-0003-0924-4573

Contribuições dos autores:

Lillian Lages Lino: concepção e delineamento, análise e interpretação dos dados, redação do manuscrito ou revisão crítica, revisão e aprovação final. Cristiano Parra Duarte: concepção e delineamento; análise e interpretação dos dados, redação do manuscrito ou revisão crítica, revisão e aprovação final.

RESUMO

Este artigo objetiva analisar as prioridades na área de segurança pública a partir das Propostas de Emenda à Constituição (PECs) no Brasil, em um contexto de alteração de gestões federais da esquerda para a direita, a fim de identificar se o conservadorismo tem implicações na produção das políticas públicas. Para isso, analisa-se – qualitativamente através de análise de conteúdo – as PECs do primeiro ano do segundo mandato de Rousseff (2015) e do primeiro ano do governo Bolsonaro (2019), para testar a hipótese de que o avanço do conservadorismo resulta em alterações em políticas públicas de segurança pública a nível federal. Como resultados, apontamos, em 2015, o maior número de PECs adaptativas e garantistas; e, com o acentuamento do conservadorismo, em 2019, há um crescimento de PECs reativas, o que sinaliza que o espectro ideológico e o conservadorismo têm implicação para a área da segurança pública.

Palavras-chave: Políticas públicas. Conservadorismo. Segurança pública. Propostas de Emenda à Constituição.

ABSTRACT

CONSERVATISM AND PUBLIC POLICIES: A STUDY ON THE PUBLIC SECURITY DOMAIN BETWEEN ROUSSEFF AND BOLSONARO

This article aims to analyze the priorities in the public security domain through the Proposed Amendments to the Constitution (PEC) in Brazil in the context of changing federal administrations from left to right in order to identify whether conservatism has implications for the policymaking process. To do so, we analyze - qualitatively through content analysis - the PECs of the first year of Rousseff's second administration (2015) and the first year of the Bolsonaro administration (2019) to test the hypothesis that the advance of conservatism results in changes in policies of public security at the federal level. As a result, we point to the most significant number of adaptive and guaranteeing PECs in 2015 and, with the increase in conservatism in 2019, there is an increase in reactive PECs, which signals the ideological spectrum and conservatism have implications for the area of public security.

Keywords: Public Policies. Conservatism. Public security. Proposed Amendments to the Constitution.

Data de Recebimento: 04/10/2022 – Data de Aprovação: 31/07/2023

DOI: 10.31060/rbsp.2024.v18.n1.1823

Introdução

Com uma plataforma programática centro-esquerda, o Partido dos Trabalhadores (PT) governou o Brasil por treze anos, até o impeachment de Dilma Rousseff, em 2016 (Carvalho; Viana; Carlomagno, 2019). A partir dessa ruptura e sob a liderança de Michel Temer, o governo federal passa a direcionar suas ações rumo à direita, cenário que é acentuado pela presidência de Jair Bolsonaro, em 2019, eleito com uma plataforma na extrema-direita (Moisés; Weffort, 2020). Essa dinâmica política da qual a esquerda perde espaço para a direita (e extrema-direita) é observada não só no Brasil, mas também em diversos contextos internacionais, podendo ser entendida inclusive como uma nova janela para o avanço do populismo (Judis, 2016; Hawkins; Read; Pauwels, 2017).

Ademais, mudanças no espectro ideológico nacional tendem a refletir nas proposições de políticas públicas1 através da construção de novos paradigmas e da mudança de objetivos políticos e do status quo (Freire, 2009). Apesar das discussões sobre o papel do espectro ideológico serem marcantes nos estudos sobre segurança pública, ainda não há consenso se esquerda ou direita são fatores estruturais (Karam, 1996; Possas, 2015; Campos, 2010). Parte da literatura defende que governos de direita possibilitam a produção de políticas de segurança pública do tipo reativo, ao passo que governos de esquerda produzem políticas garantistas (Garland, 2001; Pereira, 2021); outra parte da literatura aponta que o espectro ideológico não é fator estruturante, uma vez que políticas ambíguas e ambivalentes podem coexistir em governos de esquerda e de direita (Karam, 1996; Possas, 2015; Campos, 2010). Nesse sentido, o presente trabalho busca responder: O espectro ideológico altera a lógica da produção das políticas de segurança pública a nível federal em Propostas de Emenda à Constituição (PECs)?2

Para isso, analisa-se, de forma qualitativa e por meio de uma análise de conteúdo, seguindo as classificações de Garland (2001), um contexto de alteração de gestões federais da esquerda para a direita: o primeiro ano do segundo mandato de Rousseff (2015) e o primeiro ano do governo Bolsonaro (2019). Nesse sentido, o trabalho busca testar a hipótese de que o avanço do conservadorismo (na direção da direita no espectro político) resulta em alterações em políticas públicas, essencialmente no caso das políticas de segurança pública a nível federal. O recorte de análise dos primeiros anos dos mandatos é indicado como um período de intensa mobilização da agenda3 e de proposições em políticas públicas (Kingdon, 2003), além de que, na maioria dos casos, é no primeiro ano de cada mandato que é observado o maior volume de PECs.

O artigo está estruturado em cinco seções. Após esta introdução, apresentamos brevemente as definições de espectro ideológico, situando o debate em torno da esquerda e da direita, como também o conservadorismo. Ainda, debatemos o papel do espectro ideológico nos estudos sobre as políticas de segurança pública, de forma a pontuar consensos e divergências. Em seguida, apresentamos o desenho de pesquisa e a metodologia empregada, para, na sequência, apresentar os dados e os resultados. Nosso argumento, após análise, sugere que durante o governo Bolsonaro e em meio à expansão do conservadorismo tornou-se possível a inclusão de PECs reativas na área de segurança pública e, portanto, conservadorismo e espectro ideológico parecem importar para a análise da produção de políticas do setor de segurança pública a nível federal sob a ótica das propostas de emenda à Constituição. Por fim, ficam as considerações finais, as questões em aberto e as possibilidades de pesquisas futuras.

Espectro ideológico e conservadorismo: definições e papel nas políticas de segurança pública

As discussões em torno do espectro ideológico são uma das mais controversas na ciência política, sobretudo quando consideramos a complexidade do tema e as divergências teóricas e empíricas em torno do que são esquerda e direita (Quadros; Madeira, 2018). Apesar deste trabalho não ter por objetivo remontar a discussão em torno do tema, Bobbio (1995) é essencial para definir critérios na delimitação dos termos. Para o autor, a direita é orientada às questões relativas às liberdades, ao passo que a esquerda defende sobretudo as pautas da igualdade (Bobbio, 1995). Nesse sentido, a direita enfoca os valores da hierarquia e da tradição, enquanto a esquerda busca uma retificação emancipatória que resulte na igualdade (Bobbio, 1995; Lukes, 2003). Isso porque a direita desacredita das mudanças drásticas que demandam fragilização das liberdades, orientando-se, portanto, à preservação das tradições (Lukes, 2003). A esquerda, a seu turno, busca a alteração do status quo, a fim de minimizar e extinguir as desigualdades (Lukes, 2003).

Tendo em vista a busca por reforçar as tradições, os desdobramentos em torno do conservadorismo estão relacionados à direita (Freeden, 2003). Tendo isso como pressuposto, acrescenta-se que o conservadorismo se orienta à manutenção da ordem, ao respeito à hierarquia enquanto estratificação social e ao ceticismo sobre a igualdade, o que implica em considerar a desigualdade não somente como algo natural, mas também necessária à manutenção do status quo (Coutinho, 2014). Portanto, para os fins deste trabalho, assumimos o conservadorismo enquanto desdobramento da direita no espectro ideológico e como um arcabouço de manutenção do status quo, que pode se configurar em comportamento reacionário.

As disputas entre igualdade e liberdade, estruturantes do espectro ideológico, são os principais combustíveis das controvérsias em torno das democracias liberais contemporâneas (Bobbio, 1995). Por conseguinte, as implicações de esquerda e direita resvalam na formação de governos representativos e na produção de políticas (Scheeffer, 2018). A direita, nesse sentido, para além dos aspectos relacionados ao conservadorismo, como abordado anteriormente, tem se apresentado recentemente sob a roupagem do neoliberalismo. Isso implica que os neoliberais, ao considerarem o modelo de livre mercado, aceitam e dão valor à desigualdade, tendo em vista que a ausência de igualdade atua como motivador da eficiência econômica.

Um dos desdobramentos mais relevantes do papel do espectro ideológico na produção de políticas é voltado às políticas de welfare state (Batista, 2008; Hicks; Swank, 1984). Esses estudos tentam estabelecer causalidade entre governos de esquerda ou de direita e os gastos com políticas sociais, a fim de testar o argumento de que governos de esquerda gastam mais com welfare state, ao passo que governos de direita dão menos prioridade às políticas de bem-estar social (Hicks; Swank, 1984). Tal hipótese teórica é confirmada no contexto da América Latina, onde governos de esquerda produzem políticas que priorizam as áreas sociais, diferentemente das gestões de direita (Batista, 2008).

Apesar de as discussões sobre o papel do espectro ideológico também serem marcantes nos estudos sobre segurança pública, as pesquisas não encontraram consenso se esquerda ou direita são fatores estruturais (Karam, 1996; Possas, 2015; Campos, 2010), diferentemente dos estudos em torno das políticas de welfare state. Observando o caso brasileiro, Pereira (2021) aponta que tanto o governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC) quanto as gestões petistas produziram ambiguidades e contradições. Governos de diferentes espectros políticos produzem, portanto, normas e leis nessa área, frente à crescente preocupação dos brasileiros com segurança, no período de 1996 a 2000, de acordo com levantamento realizado pelo Datafolha. Em 1992, ocorreu o Massacre do Carandiru, em São Paulo/SP; em 1993, as Chacinas da Candelária e de Vigário Geral, no Rio de Janeiro/RJ; e em 1996, o Massacre de Eldorado dos Carajás, no Pará/PA, que foram eventos focais mobilizadores da opinião pública. Adorno (2003) destaca as pressões da opinião pública e a resposta do Executivo via discursos, mobilizando a agenda simbólica.

Não obstante, a temática esteve presente no plano de governo para reeleição de FHC. Soares (2007) argumenta que a tragédia do ônibus 174, no Rio de Janeiro/RJ, teria sido um catalisador para maior atenção governamental no segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso, que começou a avançar na promoção de mecanismos para a constituição de uma política nacional de segurança pública. A mobilização seguiu pela participação em acordos e convenções internacionais sobre os direitos humanos, com vistas à estruturação do Plano Nacional de Direitos Humanos. Cardia (1999) verifica mudanças na percepção sobre os direitos humanos que emergiram nos anos 1990. A relação entre direitos humanos e “direitos de bandidos” foi perdendo espaço ao longo da década. Sinhoretto (2007) e Adorno (1999), em contrapartida, argumentam que a década de 1990 foi marcada por um balanço negativo da democratização do sistema de justiça, envolvendo graves violações aos direitos humanos e diversos casos de violências e crimes.

Essa década, inclusive, marca a promulgação da Constituição de 1988. O novo texto constitucional inova ao dedicar um capítulo para essa temática, ao inserir que a Segurança Pública é dever do Estado e direito e responsabilidade de todos, assim como menciona as instituições responsáveis pela sua execução, conforme consta:

Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:

I - polícia federal;

II - polícia rodoviária federal;

III - polícia ferroviária federal;

IV - polícias civis;

V - polícias militares e corpos de bombeiros militares.

VI - polícias penais federal, estaduais e distrital. (Brasil, 1988).

Na legislação constitucional, portanto, o conceito de segurança pública se direciona para a forma em que ela deve ser exercida no país e não no seu conceito. A Carta Magna devolveu essa violência legítima para o controle da sociedade civil, justamente porque esse ator carecia desse acesso no período anterior ditatorial, ainda que trate a temática como uma questão de polícia. Configura-se como a primeira resposta para passarmos para o Estado de Direito, sendo a resposta pública ao controle de criminalidade, delitos, conflitos. De acordo com Soares (2019, p. 90): “Segurança pública é a estabilização universalizada, no âmbito de uma sociedade em que vigora o Estado democrático de direito, de expectativas positivas a respeito das interações sociais, ou da sociabilidade, em todas as esferas da experiência individual”. No entanto, de acordo com Freire (2009), a Constituição centra-se nas instituições policiais federais e estaduais e não considera outros órgãos de prevenção à violência ou discorre sobre o papel dos municípios e da comunidade.

Essa lacuna na Constituição está inserida em um paradigma em que a preocupação não estava com a prevenção aos crimes nem mesmo com a inserção da sociedade civil nessa política. Além do conceito e das instituições previstas no art. 144, a Constituição expressa no art. 142 o papel das Forças Armadas, destacando sua garantia constitucional e a sua responsabilidade pela manutenção da segurança nacional e na defesa da pátria (Brasil, 1988).

Para Freire (2009), essa distinção entre Segurança Pública e Segurança Nacional no texto constitucional esclarece a separação de papéis entre a polícia e o exército, em que a primeira atuaria no âmbito interno de controle da violência e a segunda, na defesa da soberania nacional e do território. Fontoura, Rivero e Rodrigues (2009, p. 142) reforçam a importância de constitucionalização da temática da segurança pública, todavia, se distanciam de Freire (2009), ao argumentar as permanências oriundas do período ditatorial que constam na Constituição, destacando “a impropriedade de se colocar sob um mesmo título a segurança pública e as questões de segurança nacional”.

A Constituição de 1988 também marcou a ruptura com o período anterior na sua descentralização administrativa, ao conceder maior responsabilidade para os estados em matérias de segurança pública, o que pode ser positivo olhando a descentralização, mas, ao mesmo tempo, criou dificuldades para a implementação de políticas nacionais.

A literatura que trata sobre a segurança pública no texto constitucional demonstra muito mais permanências, como o modelo dualizado policial, polícias militares como forças auxiliares do Exército e justiça militar e sistema criminal, por exemplo, do que rupturas com o período autoritário. É presente o entendimento de que a Constituição de 1988 não configurou o deslocamento da atuação autoritária para a aplicação democrática, atendendo às demandas dos cidadãos, mantendo-se com as mesmas estruturas e práticas do regime militar (Lima, 2011; Bueno, 2014; Vasconcelos, 2018).

A Constituição de 1988 permitiu mudanças em diversas políticas sociais. Na segurança pública, todavia, encontrou muita resistência de militares e de um lobby fortemente organizado. A literatura indica a ampliada manutenção da arquitetura institucional na área. Com avanços residuais e sem reformas consistentes, não há que se falar em grande ruptura (Sinhoretto, 2006; Soares, 2007; Fontoura; Rivero; Rodrigues, 2009; Lima; Pröglhöf, 2013; Pereira, 2021).

É nesse quadro de reestruturação que o programa de governo do Fernando Henrique Cardoso visava maior integração entre os entes federativos, aperfeiçoamento do sistema penitenciário, justiça para todos e fortalecimento do sistema judiciário. Para além da mobilização em torno do estabelecimento do I Plano Nacional de Segurança Pública (PNSP), o segundo mandato do FHC também mobilizou a agenda de direitos humanos. Na medida em que no período ditatorial esse era um debate mais circunscrito à figura dos presos políticos, no período pós-redemocratização, o tema ganhou amplitude. Isso porque

[...] o governo trouxe a público a proposta do Plano Nacional de Segurança Pública (PNSP) que vinha sendo formulada pelo Ministério da Justiça. O plano veio na sequência da criação do Ministério dos Direitos Humanos e do Plano Nacional de Direitos Humanos. Destaca-se também a criação, em 1997, da Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp). O PNSP, apesar de bem intencionado, carecia de um diagnóstico situacional e de uma visão sistêmica do problema a ser enfrentado, de modo que as ações programáticas não se concatenavam diretamente com objetivos, metas, prazos e indicadores. (Soares, 2007 apud Peres et al., 2014, p. 135).

A criação da Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp)4, no Ministério da Justiça, se inseriu nesse objetivo de maior integração entre os entes federativos, visando a criação de uma política nacional de segurança pública e como um primeiro passo para a estruturação do Sistema Único de Segurança Pública (Susp), este que só seria efetivado em 2018, no governo Michel Temer.

A Senasp, como estrutura institucional, iniciou sua atuação em 1997 e permitiu a cooperação entre as instituições de segurança pública, incentivou a qualificação policial, direcionou para a expansão de penas alternativas à privação de liberdade, além de ter desenvolvido planos para a gestão da área, com definição de metas e estabelecimento de perspectivas mais racionais (Soares, 2007).

Para essas ações serem efetivadas, em 2000, foi criado o Fundo Nacional de Segurança Pública5, visando constituir um instrumento indutor de políticas adequadas, com o objetivo de “apoiar projetos de responsabilidade dos Governos dos Estados e do Distrito Federal, na área de segurança pública, e dos Municípios, onde haja guardas municipais” (Brasil, 2000, art. 1º), assim como apoiar projetos sociais de prevenção à violência. No entanto, conforme sustenta Soares (2007), devido à ausência de uma política nacional adequada e devidamente estruturada, como era esperado com a criação do Susp, o fundo seguiu sem avançar de maneira estratégica para reformas estruturais, limitando-se a repasses de recursos.

Ainda que essas estruturas não tenham se organizado como era esperado, são reconhecidas como uma das primeiras medidas realizadas pelo governo federal, cujo objetivo visava à prevenção articulada com estados e municípios. No desenvolvimento da Senasp, sua atual perspectiva versa sobre a compreensão do crime e da violência como problemas complexos e multicausais, que não podem ser reduzidos ao serviço prestado pelas polícias,

[já que] é sempre muito injusto exigir das polícias que elas ofereçam uma solução aos problemas do avanço da criminalidade e da violência, porque a maioria das causas destes fenômenos não pode ser enfrentada pelos policiais, por melhor que trabalhem e por maiores que sejam seus esforços. (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, 2005, p. 8).

Fontoura, Rivero e Rodrigues (2009) pontuam que a partir dos anos 1990 verifica-se maior atuação do governo federal em políticas públicas na área. No entanto, a segurança pública ainda estava atrelada à percepção de problemas e às responsabilidades individuais.

A percepção sobre ser um problema individual e não coletivo relaciona-se com a lógica do neoliberalismo, sobretudo porque

Desde o início dos anos 70 do século XX, uma série de mudanças na ordem política e socioeconômica mundial (conhecidas como neoliberalismo) acrescentou importantes ingredientes ao debate sobre a criminalidade e sobre como lidar com criminosos. Tais mudanças imprimiram um novo perfil ao Estado que reduziu seu envolvimento na sustentação de programas sociais e em ações voltadas para corrigir as desigualdades sociais e distâncias provocadas pelo desenvolvimento da economia capitalista. O Estado desmontou parte do aparato de assistência social e em contrapartida ampliou o aparato repressivo. O efetivo policial e a sofisticação de recursos e equipamento para o combate à criminalidade não pararam de aumentar. (Salla; Lourenço, 2014, p. 378).

Inclusive, ao estudar a micropolítica da polícia, nos anos 1990, Pinheiro (1997) discute o autoritarismo socialmente implantado e a problemática relação de controle legítimo da violência em bases democráticas. O autor aponta que a dificuldade dessa relação se expressa em avanços lentos, frente à globalização e às políticas neoliberais.

Para Brown (2021), o neoliberalismo é o problema da democracia liberal. A autora não advoga que essa problemática se refere ao retorno do fascismo dos anos 1930, mas que “a atual formação como relativamente inédita, divergindo dos autoritarismos, fascismos, despotismos ou tiranias de outras épocas e lugares e diferindo também dos conservadorismos convencionais ou conhecidos” (Brown, 2021, p. 20). Propõe-se, então, a discutir como as formações neoliberais da liberdade fomentam e legitimam a extrema direita e “como a direita mobiliza um discurso de liberdade para justificar suas exclusões e violações às vezes violentas e que visam reassegurar a hegemonia branca, masculina e cristã, e não apenas expandir o poder do capital” (Brown, 2021, p. 20).

A lógica neoliberal se dissemina em diferentes camadas da sociedade e está presente nos discursos de lei e ordem da segurança pública. Segundo Wacquant (2011), a criminalização iria além da manutenção da lei e da ordem, atuando como uma forma de gestão da pobreza, que se associa ao neoliberalismo econômico, avançando no Estado Penal. Garland (2001), por sua vez, argumenta que, no período contemporâneo, o neoliberalismo enfatizou a cultura do controle, opondo o Estado à sociedade civil e visando a construção da racionalidade instrumental do Homo economicus. Azevedo (2014) esclarece o que constitui essa cultura do controle:

Os indicadores da mudança que resulta na cultura do controle seriam o declínio do ideal de reabilitação, o ressurgimento das sanções redistributivas e incapacitantes, a acentuação do tom emocional da política criminal, o retorno da vítima, a defesa social como prioridade, o novo populismo penal, a expansão da infraestrutura de prevenção e segurança comunitária, a privatização do controle do crime e novos estilos de gestão e práticas de trabalho no interior das organizações da justiça criminal. (AZEVEDO, 2014, p. 396).

Mas como essa defesa também aparece nas falas garantistas? Pereira (2021) questiona em que medida governos de esquerda do PT puderam produzir políticas de recrudescimento penal. A resposta, para Karam (1996) e Possas (2015), estaria na presença de uma “esquerda punitiva” e na racionalidade moderna, que lida com a questão de segurança de forma direcionada para o recrudescimento como saída para a questão da criminalidade. Nesse sentido, para Campos e Azevedo (2020) e Pereira (2021), a partir do viés de David Garland (2001), seria possível classificar as políticas de segurança desse período (2003 a 2016) como por vezes reativas, por vezes adaptativas, por vezes garantistas. Tal definição pode ser detalhada da seguinte forma:

(i) “Respostas do tipo Reativa” – a partir do diagnóstico de que a saída apresentada para o problema da criminalidade não está surtindo o efeito desejado, insiste-se em mais endurecimento penal (com aumento legal das penas para certos delitos e redução de possibilidades de livramento durante o processo penal); (ii) “Respostas Adaptativas” – busca inovar no sentido de gerenciamento do risco, em que o administrativismo e mecanismos tecnológicos voltado para prevenção do crime ganham espaço frente ao sistema penal; e, por fim (iii) “Respostas Garantistas” – muito associado aos movimentos de direitos humanos, liberais e garantistas no contexto da América do Sul – que buscavam, justamente, a ampliação de uma agenda de direitos e garantias para o conjunto da população, muitas vezes, excluídas do processo de democratização de seus países marcados pela não efetivação de um welfarismo penal. (Pereira, 2021, p. 17).

O trabalho de Frade (2007) analisa as proposições de leis sobre segurança pública e justiça criminal na 52ª Legislatura no Congresso Nacional, utilizando os seguintes indexadores: crime e criminalidade. A pesquisa aponta maior quantitativo de propostas visando o recrudescimento penal. Nessa legislatura (2003 a 2007), a autora verifica que os partidos que mais propõem na área são: PMDB, PT, PSL e PSDB.

O trabalho de Campos (2010) é mais amplo, com análise de 1989 a 2006 das principais leis aprovadas no Congresso Nacional sobre Segurança Pública, sendo excluídos da análise legislativa conteúdos de matéria orçamentária e que não propuseram mudanças. O autor também realiza um recorte de propostas relevantes e não relevantes, considerando o volume de material empírico coletado6. Para o autor,

O critério de relevância baseou-se no maior ou menor conteúdo repressivo de uma determinada lei e na mudança substantiva da pena ou de um arranjo organizacional da justiça criminal. Se a lei aprovada não modifica a pena ou arranjo para determinado crime esta não foi considerada relevante. (Campos, 2010, p. 26).

Campos (2010) trabalhou com 84 leis através do banco de dados e mapeou: (i) quais foram os partidos políticos proponentes das alterações legislativas na área; (ii) os estados; (iii) as casas iniciadoras da tramitação; (iv) os mandatos presidenciais que produziram maior número de leis penais; (v) o número de leis aprovadas por ano; e (vi) quais os tipos de punição aprovados em toda legislação7. Assim, o autor realizou alguns cruzamentos entre estas variáveis. Nessa análise de partidos, estados e regiões, o autor desconsiderou as iniciativas do Executivo, focando nas iniciativas de Projetos de Lei oriundos da Câmara e do Senado, que totalizaram 40 leis8.

De acordo com Campos (2010, p. 127), os partidos de direita foram os que fizeram menos proposições, que foram 10, enquanto centro e esquerda fizeram 15 proposições cada. No entanto, foram os partidos de direita que apresentaram leis mais punitivas. Não há um partido que proponha mais leis por tipo punitivo, ainda que tenham sido o PMDB e o PT que tiveram mais propostas sancionadas (Campos, 2010, p. 192).

Não foi possível, pelas leis aqui descritas, falar em uma tendência nas propostas dos partidos de esquerda em leis que ampliam direitos, leis que criminalizam novas condutas ou leis mais punitivas e recrudescedoras. Os partidos mais à esquerda do espectro político nacional propuseram leis que privilegiam alguns segmentos específicos (prisão especial), leis que ampliam direitos, leis mais punitivas e principalmente leis que criminalizam novas condutas. (Campos, 2010, p. 124).

É nesse sentido que o autor argumenta e comprova sua hipótese da coexistência de leis mais duras e mais brandas. Nesse sentido, o autor não as considera como opostas, mas sim “uma variedade de respostas das políticas criminais, que oscilam no plano das normas entre uma coexistência igualitária e ampliadora de direitos (universalista) combinada com uma tendência punitiva e hierarquizante (sob o discurso da prevenção situacional muitas vezes)” (Campos, 2010, p. 147).

No que se refere à legislação penal aprovada, o Executivo, no período de análise, detém 42,9% das iniciativas, seguido pela Câmara dos Deputados (39,3%) e pelo Senado (15,5%) (Campos, 2010, p. 136). Quando comparadas às iniciativas do Executivo e do Congresso Nacional, verifica-se o considerável poder de agenda do primeiro ator, ainda que o Congresso seja o ator que apresenta mais propostas despenalizadoras (Campos, 2010, p. 193). O destaque do Executivo também é presente no tempo de tramitação de suas propostas, sendo majoritariamente tramitadas em até seis meses (Campos, 2010, p. 137).

Os dados também apontam que são as leis mais punitivas que têm tempo de tramitação mais rápido. Para responder à sua pergunta de pesquisa – se o Estado Brasileiro estaria se tornando ainda mais punitivo no âmbito legal-estatal –, Campos (2010) também analisa os tipos de punição. O autor verifica que, de 1989 a 2006, considerando o total de 84 leis analisadas, 23,8% das leis visaram maior punição, empatando em segundo lugar entre ampliação de direitos (22,6%) e criminalização de novas condutas (22,6%) (Campos, 2010, p. 144).

O impeachment de 2016 fortaleceu a estrutura para a ascensão da extrema direita em 2018, com Jair Bolsonaro (Moisés; Weffort, 2020). Nesse cenário, diversos autores retomaram a discussão sobre a ascensão da nova direita ao poder, crise da democracia e populismo (Cepêda, 2018; Moisés; Weffort, 2020; Kaysel, 2015; Quadros; Madeira, 2018). Kaysel (2015), por exemplo, discute a retomada do que seria um “orgulho direitista” que se contraporia à direita presente na ditadura. O argumento do autor é de que a direita não pode ser vista como um bloco homogêneo, mas composta por diferentes nuances, tradições e forças.

Ao discutir a conjuntura política em 1961, com a crise política de Jânio Quadros no poder, Kaysel (2015) destaca a emergência de forças políticas conservadoras. O papel da Igreja Católica nesse cenário não é recente, mas quando se discute a presença no espaço público, constitui-se uma instituição com pouca visibilidade (Almeida, 2017).

No âmbito legislativo, é presente a organização dos evangélicos. Logo no período pós-constituinte, a bancada evangélica, que pode ser compreendida como “um conjunto de deputados ‘moralistas’ que ameaçam a laicidade do Estado Brasileiro” (Almeida, 2017, p. 6), se organizou e estava presente no parlamento, temendo a tomada do espaço pela Igreja Católica. O fortalecimento do conservadorismo religioso e político no país já havia sido enunciado por Pierucci, em trabalho de 1987, no qual o autor destaca o forte crescimento evangélico nas eleições para a Assembleia Nacional Constituinte.

Miguel (2018) argumenta que esse fundamentalismo religioso, liderado pelas igrejas neopentecostais9, se estruturou nos anos 1990, com vistas à eleição dos seus pastores. De acordo com Gonçalves (2016, p. 17): “Os evangélicos passaram a se constituir não mais como segmento avesso aos assuntos de ordem política, mas sim como grupo em conformidade com o discurso rigorosamente político”. Sua atuação, portanto, transcende o âmbito religioso e reverbera em outras áreas.

No período pós-redemocratização, os evangélicos se fortaleceram, se estruturaram e ganharam espaço com a institucionalização da Frente Parlamentar Evangélica, em 2003. Desde a sua constituição, a bancada evangélica tem crescido exponencialmente nas legislaturas no âmbito da Câmara dos Deputados. De cunho conservador e alinhada com seus princípios morais, atua em temáticas que visam o aumento do punitivismo, como a redução da maioridade penal. Além do seu crescimento numérico, os evangélicos constituem um importante grupo propositivo e ativo no parlamento, não sendo reativo e apenas destinado à manutenção do status quo, conforme Almeida (2017) destaca.

Com esse amplo crescimento, a literatura nacional tem se direcionado para compreender esse ator, seus interesses e suas mobilizações (Pierucci, 1996; Gonçalves, 2016; Efrem Filho, 2019). A bancada evangélica não caminha isolada no parlamento federal. Esses atores são centrais na medida em que se aliam a outras forças conservadoras no Congresso, visando fortalecer o que denominam “agenda moral”, estruturada nos costumes e na tradição (Miguel, 2018).

Vieira (2018, p. 94) é taxativo no entendimento de que o fundamentalismo religioso, “por sua concepção de mundo e seu modelo de funcionamento, constitui-se em um risco à democracia, aos direitos humanos, ao Estado laico e à diversidade humana”. Almeida (2017, p. 4), no entanto, argumenta que “conservadorismo não é algo contrário às normas democráticas”, mas há sobreposições.

Segundo Vieira (2018), essa relação entre fundamentalismo religioso e ameaça à democracia se estabelece na medida em que o fundamentalismo religioso cristão tem como base uma única verdade, que seria absoluta, criando impedimentos para que a diferença e outras visões de mundo ganhem espaço.

Como exemplo do extremismo do fundamentalismo religioso e de que forma esse quadro atinge outros grupos, o autor cita o aumento da depredação de terreiros e da perseguição a pais e mães de santo, no Rio de Janeiro, em 2017.

Em análise das proposições realizadas pela bancada evangélica no ano de 2015, Almeida (2017) identifica maior atuação em doze temas, por ordem de maiores quantidades: religião, LGBT, mulher, educação, penal, família, índio, armamento, comunicação, raça, terra e vida. Ou seja, dentro dos cinco principais temas discutidos pela bancada evangélica, está a questão penal, além de armamento aparecer também na pauta. Compreendendo que parcela desses religiosos se articula a linhas de força em quatro dimensões, que são econômica, moral, securitária e interacional, Almeida (2017) esclarece abaixo os direcionamentos na área da segurança:

A terceira linha de força refere-se a uma série de movimentações políticas, demandas coletivas, medidas governamentais que apontam para postura e ações mais repressivas e punitivas dos aparelhos de segurança do Estado. A redução da maioridade penal, a lei do desarmamento, a lei antiterror, a política de encarceramento, a militarização de parcela da gestão pública, entre outros, são temas atuais cujo conjunto aponta para o aumento da violência do Estado sobre a população, sobretudo, os mais apartados do universo dos direitos. (Almeida, 2017, p. 21).

Na atuação em defesa de uma agenda conservadora, a bancada evangélica também dialoga com a bancada da bala, compondo dois dos principais vetores dessa agenda (Quadros; Madeira, 2018). Essa bancada foi organizada formalmente como Frente Parlamentar da Segurança Pública apenas no ano de 2015, via solicitação realizada por Alberto Fraga (DEM/DF). Na pauta da redução da maioridade penal, essas bancadas se uniram para seu avanço na agenda da Câmara dos Deputados, 25 anos após a sua primeira proposição, realizada em 1993 (PEC 171). Trabalhos como os de Lino (2017) e Almeida (2017) esclarecem essa articulação realizada por segmentos conservadores e manobra regimental pelo presidente da casa à época, o deputado federal Eduardo Cunha.

Entender se novos atores estão sendo mobilizados e se novas questões estão ganhando espaço público é o caminho para a identificação de progressos ou recuos nas políticas públicas. Esse esforço, inclusive, tem sido ampliado no âmbito da América Latina (Colômbia e Equador) e agrega à necessidade de compreender se os países têm assuntos centrais que são recorrentemente mobilizados – como no caso da imigração na Europa, que é uma questão latente –, ou se questões fundamentais são mobilizadas (Bevan; Palau, 2020).

Nesta seção, situamos o debate sobre como direita e esquerda se colocam a fim de entender o conservadorismo e também traçamos um panorama das políticas de segurança pública desde a ditadura, passando pelo processo de redemocratização com a Constituição de 1988 até os dias atuais, trazendo elementos que ajudam a pensar o papel do espectro ideológico no processo de produção dessas políticas. Além disso, identificamos a criação da Secretaria Nacional de Segurança Pública, bem como pontuamos que não há consenso na literatura da área sobre o espectro ideológico ser mais à direita e promover políticas reativas ou estar mais à esquerda e dispor sobre políticas garantistas, destacando que muitas vezes elas coexistem. Entretanto, o entulho autoritário presente na segurança pública ainda mantém empecilhos para uma política pública que efetivamente atenda e proteja o cidadão brasileiro.10

Metodologia

O presente trabalho realiza um estudo comparativo qualitativo das PECs protocoladas (tanto de origem legislativa quanto de proposição do Executivo) no primeiro ano do segundo mandato de Dilma Rousseff e no primeiro ano do mandato de Jair Bolsonaro, direcionadas ao setor de segurança pública, para testar se o avanço do conservadorismo resulta em alterações em políticas públicas. O recorte se justifica por ser no primeiro ano do mandato que existe maior mobilização de pautas na agenda (Kingdon, 2003), além de ser o momento em que ocorre o maior número de protocolos de PECs, fator que se repete inclusive no nosso recorte temporal (2015 e 2019).

Os dados foram coletados através do site Lexml11 (Rede de Informação Legislativa e Jurídica), a partir dos seguintes indexadores: “segurança pública” e “crime”. A partir do indexador “segurança pública”, foram identificadas 8 PECs, no ano de 2015. Com o indexador “crime”, foram identificadas 8 PECs em 2015. No governo Bolsonaro, com o indexador “segurança pública”, verificamos, em 2019, 4 PECs. Com o indexador “crime”, verificamos 5 PECs, em 2019. Dessa forma, o presente trabalho analisa, no total, 25 PECs.

Após a coleta dos dados, empreende-se análise de conteúdo (Bardin, 1977) sobre as ementas das PECs, seguindo as categorias apresentadas nos Quadros 1 e 2, a seguir. O processo de codificação foi realizado em duas etapas. Na primeira delas (Quadro 1), classificamos a temática alvo da PEC. A partir dela, é possível identificar a área em torno do setor de segurança pública. Nessa categoria, utilizamos uma classificação própria a partir das temáticas encontradas. Na segunda etapa (Quadro 2), empreendemos a categorização sobre o enquadramento da PEC. Para isso, utilizamos três enquadramentos distintos, seguindo a classificação de Garland (2001), utilizadas por Campos e Azevedo (2020) e Pereira (2021): reativa; adaptativa; e garantista. Dessa forma, as PECs reativas são aquelas que apresentam medidas com intuito de recrudescer a política através do aumento legal das penas para certos delitos e da redução de possibilidades de livramento durante o processo penal; as PECs adaptativas são aquelas que inovam o gerenciamento, sem alterar a essência da política; e as PECs garantistas referem-se à ampliação de uma agenda de direitos e garantias para o conjunto da população, com pautas associadas aos movimentos de direitos humanos.

Dessa maneira, cada PEC passa por dois tipos de categorização: a temática e de enquadramento. Ou seja, cada PEC tem atributos temáticos e enquadramentos. Por exemplo, uma PEC pode enfocar a área de feminicídio, mas seu enquadramento pode ser garantista, adaptativo ou reativo. Assim, conseguimos identificar o tema e a forma como a questão é tratada (enquadramento).

Quadro 1: Categorias temáticas utilizadas na análise de conteúdo

Categorias Temáticas
Financiamento
Arranjo organizacional e instituições
Federalismo
Crimes Organizados e Milícias
Sistema Prisional
Criminalidade Juvenil
Perícia e exames
Feminicídio

Fonte: Elaboração própria.

Quadro 2: Categorias de enquadramento utilizadas na análise de conteúdo

Categorias de Enquadramento
Garantista
Adaptativa
Reativa

Fonte: Elaboração própria, com base em Garland (2001), Campos e Azevedo (2020) e Pereira (2021).

A partir dessas categorias atribuídas pela análise de conteúdo é possível entender a essência das PECs para fazer relação com a direita e à esquerda do espectro ideológico. Dessa forma, possibilita-se a realização de comparações entre as propostas em ambos os anos, para testar nossa hipótese de que a guinada ao conservadorismo e à direita resulta em alterações na política de segurança pública.

Análise dos dados: políticas e paradigmas de segurança pública nas PECs

Com o objetivo de analisar as prioridades das políticas de segurança pública no Brasil em um contexto de alteração de gestões federais da esquerda para a direita, neste trabalho analisamos o primeiro ano do segundo mandato de Rousseff (2015) e o primeiro ano do governo Bolsonaro (2019), para testar a hipótese de que o avanço do conservadorismo (na direção da direita no espectro político) resulta em alterações em políticas públicas, essencialmente no caso das políticas de segurança pública a nível federal. Isso porque, na maioria das Propostas de Emenda à Constituição analisadas, é no primeiro ano de cada mandato que é observado o maior volume de PECs: com “segurança pública” e com “crime”, foram identificadas 16 PECs, no ano de 2015, 8 em cada indexador.

Inicialmente, analisamos o primeiro ano do Governo Dilma Rousseff e organizamos os dados nos Quadros 3 e 4, dispondo sobre os indexadores “Segurança Pública” e “Crime”, respectivamente. Em ambos os quadros, está o número da PEC, a ementa, a área temática e o enquadramento (se garantista, adaptativa ou reativa), visando a comparabilidade entre os governos analisados. É realizada, portanto, a classificação de todas as PECs, mas não discutimos todas, apenas as que identificamos de maior relevância para a análise aqui empreendida.

No Quadro 3, a seguir, identificamos três temáticas das PECs: 1. Financiamento, que versam sobre a aplicação de recursos na área; 2. Arranjo organizacional e instituições, que dispõem sobre a organização da segurança pública, com o estabelecimento de normas e criação de órgãos; e 3. Federalismo, que versam sobre a divisão de competências entre os entes federativos. Além disso, identificamos maior quantitativo de iniciativas dispondo sobre o financiamento, seguida de arranjo organizacional e instituições e, em menor número, sobre federalismo. Esse quadro reflete como a segurança pública – enquanto política pública basilar do Estado brasileiro – ainda caminha a passos lentos na sua organização. Isso porque, desde a sua previsão na Constituição Federal de 1988, é latente a sua estruturação nos órgãos que a compõem, bem como nas formas de mantê-la.

Seu conceito, propriamente, não é definido pela Constituição Federal de 1988. No marco constitucional, no art. 144, portanto, segurança pública se direciona para a forma em que ela deve ser exercida, considerada dever do Estado, e realizada através dos órgãos de polícia e bombeiros. A Carta Magna devolveu essa violência legítima para o controle da sociedade civil, justamente porque esse ator carecia desse acesso no período anterior ditatorial, ainda que trate a temática como uma questão de polícia. Configura-se como a primeira resposta para passarmos para o Estado de Direito, sendo a resposta pública ao controle de criminalidade, delitos, conflitos.

No governo Rousseff, em específico com esse indicador, considerando o posicionamento à esquerda, podemos identificar tentativas de avanço no financiamento público dessa área com a instituição do Fundo Nacional de Aprimoramento dos Serviços de Segurança Pública – Funasesp, com a previsão de aplicação de percentuais mínimos na área de segurança pública por parte dos entes da federação, que constitui uma articulação desse espectro ideológico, não visando o seu enfoque de forma privada. Outro ponto de destaque é a PEC 127/2015, que dispõe sobre o ciclo completo da Polícia, demanda presente desde a Assembleia Nacional Constituinte, mas que não avançou.

Há debates se a polícia deveria ser de ciclo completo, ou seja, a mesma polícia realizando o policiamento ostensivo e a apuração, ou se seria possível mantê-las apartadas. De acordo com Soares (2019, p. 37): “A divisão do ciclo, no contexto da cultura corporativa belicista-herdada da ditadura e do autoritarismo onipresente na história Brasileira cria uma polícia exclusivamente ostensiva, cuja natureza militar fortemente centralizada e hierarquizada”. O modelo dualizado policial, com a polícia militar encarregada do policiamento ostensivo e a polícia civil responsável pela apuração de infrações, se manteve. Essa divisão não se estruturou no regime militar, estando presente desde o século XIX, e gerando conflitos de competências, como esclarecem Fontoura, Rivero e Rodrigues (2009).

Comparando com outros países, verifica-se que há organizações com ciclo completo, o que facilita todo o processo de investigação e de trabalho de maneira geral. Mas também há países, como os Estados Unidos, a França e a Itália, que têm múltiplas organizações policiais e isso não oferece uma problemática de exercício, justamente porque nesses locais

a especialização é intraorganizacional, com profissionais de uma mesma organização se dividindo nas funções de polícia criminal e polícia urbana, no Brasil “é extraorganizacional: no mesmo espaço geográfico, uma polícia se ocupa da investigação e a outra executa tarefas paramilitar e de patrulhamento”. (Medeiros, 2004, p. 278).

Essas informações indicam que o caso brasileiro de dualização das forças policiais não é sui generis. Entretanto, a diferença está na sua organização interna que afeta a eficiência de todo o aparato, frente aos conflitos de competência e distanciamentos entre as atuações.

Outra permanência se refere às Polícias Militares como forças auxiliares do Exército, conduzindo para sua atuação como guardas nacionais. Formalmente, o controle das polícias estaduais cabe ao Exército, mas, em seu cotidiano, subordinam-se à autoridade do governador. Além dessa falta de clareza sobre a autoridade, fomenta-se a diferenciação entre as forças estaduais (Beato Filho, 1999).

Quadro 3: PECs com o indexador “Segurança Pública” no ano de 2015

Proposta de Emenda à Constituição Ementa Temática Enquadramento
PEC 156/2015 Institui o Fundo Nacional de Aprimoramento dos Serviços de Segurança Pública – FUNASESP e prevê aplicação de percentuais mínimos na área de segurança pública por parte dos entes da federação. Financiamento Garantista
PEC 117/2015 Separa a perícia oficial de natureza criminal das polícias civis e federal e institui a perícia criminal como órgão de segurança pública. Arranjo organizacional e instituições Adaptativa
PEC 131/2015 Dá nova redação aos arts. 21, 22, 32, 144 e 167 da Constituição Federal, para reestruturar os órgãos de segurança pública. Arranjo organizacional e instituições Adaptativa
PEC 19/2015 Altera o inciso IV, do art. 167 da Constituição Federal e acrescenta artigo ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias para assegurar recursos mínimos a serem aplicados no financiamento da segurança pública. Financiamento Garantista
PEC 42/2015 Estabelece a destinação de dois por cento da arrecadação dos impostos sobre renda e proventos de qualquer natureza e sobre produtos industrializados aos Estados, para aplicação em Segurança Pública. Financiamento Garantista
PEC 127/2015 Acrescenta dispositivos à Constituição Federal para permitir que a União defina normas gerais sobre segurança pública, cria o Conselho Nacional de Polícia, a ouvidoria de polícia, estabelece o ciclo completo da ação policial e dá outras providências. Arranjo organizacional e instituições Garantista
PEC 138/2015 Altera os arts. 21, 23, 24 e 109 da Constituição Federal para acrescentar a segurança pública às competências comuns da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Federalismo Adaptativa

Fonte: Elaboração própria.

Com o indexador “Crime”, no Quadro 4, identificamos as seguintes temáticas: 1. Arranjo organizacional e instituições; 2. Sistema prisional; 3. Criminalidade juvenil e 4. Crimes organizados. De forma similar à discussão acima realizada, há maior quantitativo de PECs que dispõem sobre as instituições e sua organização. Também foram identificadas propostas em relação à pena. Destaca-se a PEC 15/2015, sobre a criminalidade juvenil, pauta em que a esquerda, historicamente, se posiciona de forma contrária. Inclusive, a proposta de redução da maioridade penal PEC 171/1993, discutida no trabalho de Lino (2017), argumenta sobre o posicionamento contrário do Executivo Federal, à época também liderado por Rousseff, e as dificuldades em conter esse avanço conservador na Câmara dos Deputados. A PEC 15/2015 também não foi proposta pelo Executivo Federal, mas por um grupo de senadores do PL, PDT, PSDB, PSB, PP, DEM, PTB, PSC e Republicanos, tendo apenas um parlamentar do PT nessa proposição, Walter Pinheiro, da Bahia.

Quadro 4: PECs com o indexador “Crime” no ano de 2015

Proposta de Emenda à Constituição Ementa Temática Enquadramento
PEC 128/2015 Dá nova redação aos arts. 109 e 144 da Constituição Federal, para atribuir à Polícia Federal a apuração de crimes praticados por milícias privadas e grupos de extermínio, bem como para conferir à Justiça Federal a competência para o processamento e julgamento desses crimes. Crimes organizados e milícias Adaptativa
PEC 81/2015 Acrescenta inciso ao art. 5º da Constituição Federal, tornando imprescritível o crime de homicídio doloso. Sistema prisional Reativa
PEC 84/2015 Acrescenta inciso ao art. 5º da Constituição Federal, tornando imprescritível o crime de homicídio doloso. Sistema prisional Reativa
PEC 26/2015 Emenda à Constituição Federal para incluir titulares de órgãos e entidades da Administração Indireta dentre as autoridades que podem ser convocadas pela Câmara dos Deputados, pelo Senado Federal ou por qualquer de suas Comissões, sob pena de crime de responsabilidade. Arranjo organizacional e instituições Adaptativa
PEC 91/2015 Altera o art. 101 da Constituição Federal, para estabelecer o prazo máximo de três meses para a indicação de ministro do Supremo Tribunal Federal por parte do Presidente da República, sob pena de crime de responsabilidade. Arranjo organizacional e instituições Adaptativa
PEC 59/2015 Acrescenta os § 2º, 3º, 4º e 5º ao art. 101 da Constituição Federal, para estabelecer prazos para a indicação, apreciação e nomeação de Ministros do Supremo Tribunal Federal e definir como crime de responsabilidade o seu descumprimento. Arranjo organizacional e instituições Adaptativa
PEC 57/2015 Acrescenta os § 2º, 3º, 4º e 5º ao art. 52 da Constituição Federal, para estabelecer prazos para a escolha e nomeação das autoridades definidas no inciso III e tornar crime de responsabilidade o seu descumprimento. Arranjo organizacional e instituições Adaptativa
PEC 15/2015 Altera a Constituição Federal para prever que a criança e o adolescente serão responsabilizados pelos crimes de natureza hedionda, que cometerem na medida de sua capacidade de entendimento e de autodeterminação, a ser averiguada no caso concreto, nos termos da lei. Criminalidade Juvenil Reativa

Fonte: Elaboração própria.

No Quadro 5, a seguir, dispomos sobre o indexador “Segurança Pública” no primeiro ano do governo Bolsonaro e, de pronto, verificamos menos iniciativas na área, compondo o total de quatro. A agenda novamente se direciona para arranjos organizacionais e instituições, financiamento e perícia. A PEC 19/2019 dispõe sobre a inclusão da Força Nacional de Segurança Pública entre os órgãos, que constitui um programa de cooperação entre a União e os estados para deslocamento de força tarefa para atender regiões com alta demanda. Constitui, portanto, uma política que caminha entre as instituições e o federalismo, já que dispõe sobre essa articulação com os entes. A sua proposição, realizada por partidos de diversos espectros ideológicos, indica que não é uma proposta de consenso e que possa se enquadrar em direita, centro ou esquerda.

Por último, a PEC 44/2019 visa à organização efetiva do Susp, por meio de seu financiamento, com enquadramento garantista.

Quadro 5: PECs com o indexador “Segurança Pública” no ano de 2019

Proposta de Emenda à Constituição Ementa Temática Enquadramento
PEC 19/2019 Altera o art. 144 da Constituição Federal, para incluir a Força Nacional de Segurança Pública dentre os órgãos de segurança pública. Arranjo organizacional e instituições Adaptativa
PEC 76/2019 Altera a Constituição Federal, para incluir as polícias científicas no rol dos órgãos de segurança pública. Arranjo organizacional e instituições Adaptativa
PEC 87/2019 Altera o art. 144 da Constituição Federal, para prever a realização de exame toxicológico por todos os servidores da área de segurança pública. Perícia e exames Reativa
PEC 44/2019 Acrescenta o § 11 ao art. 144 da Constituição Federal, para dispor sobre o valor mínimo a ser aplicado anualmente pela União no Sistema Único de Segurança Pública – Susp, de forma escalonada em quatro exercícios. Financiamento Garantista

Fonte: Elaboração própria.

No Quadro 6, com o indexador “Crime”, no governo Bolsonaro, identificamos cinco PECs, sendo que a PEC 75/2019 aparece repetida por ter sido iniciada nas duas casas, Câmara dos Deputados e Senado Federal, bem como versar sobre apenas feminicídio e estupro e feminicídio. Todas as demais versam sobre a tipificação de crimes no sistema prisional. Considerando o posicionamento de Bolsonaro na extrema-direita, em que o seu discurso é carregado de proposições machistas, misóginas e homofóbicas, destaca-se a PEC 75/2019 (1 e 2), já que a defesa pela criminalização de atos que atentam contra as mulheres é uma pauta localizada à esquerda do espectro político. Nesse sentido, apesar de ser o enrijecimento de uma penalidade, classificamos como garantista, justamente por visar à garantia de pessoas minorizadas, nesse caso, as mulheres, e a necessária defesa de seus direitos. De maneira similar à PEC 15/2015, anteriormente mencionada, não há um movimento único na proposição dessa PEC, sendo composta por diferentes partidos.

Quadro 6: PECs com o indexador “Crime” no ano de 2019

Proposta de Emenda à Constituição Ementa Temática Enquadramento
PEC 26/2019 Modifica o art. 121 da Constituição Federal, para estabelecer a separação de processos, nos casos de crimes eleitorais conexos com crimes comuns. Sistema Prisional Adaptativa
PEC 75/2019 (1) Altera o inciso XLII do art. 5º da Constituição Federal, para tornar imprescritível o crime de feminicídio. Feminicídio Garantista

PEC 75/2019

(2)

Altera o inciso XLII do art. 5º da Constituição Federal para tornar inafiançáveis e imprescritíveis os crimes de estupro e de feminicídio. Feminicídio Garantista
PEC 47/2019 Altera o art. 5º da Constituição Federal para prever regime integralmente fechado para condenados por crimes hediondos cometidos com violência contra a pessoa. Sistema Prisional Reativa
PEC 72/2019 Altera o art. 84 da Constituição Federal, para prever a proibição da concessão de indulto a condenados por crimes contra a administração pública, exceto se apresentar caráter humanitário. Sistema Prisional Reativa

Fonte: Elaboração própria.

Como resultados, podemos elencar maior preocupação durante o governo Rousseff com a federalização, a manutenção financeira da segurança pública e a formalização de crime de responsabilidade, enquanto durante o governo Bolsonaro registra-se a demanda pela inclusão da Força Nacional de Segurança Pública entre os órgãos de segurança, além de proposições para tornarem imprescritíveis alguns crimes como estupro e feminicídio, bem como a separação de processos envolvendo crimes eleitorais e crimes comuns. Nesse recorte analítico, identificamos que respostas garantistas, reativas e adaptativas nas políticas de segurança pública coexistem nos diferentes espectros políticos. Ainda assim, podemos apontar maior quantitativo de propostas garantistas e adaptativas do que reativas durante o governo Rousseff, enquanto durante o governo Bolsonaro há ascensão de propostas reativas, diferentemente do período anterior.

O governo Rousseff marca o financiamento da segurança pública como um problema que deve ascender à agenda decisória, com a criação de um Fundo Nacional12 e a busca por recursos mínimos para manutenção da área. Entendendo a esquerda como o espectro político que visa à igualdade (Bobbio, 1995), as PECs que avançaram nesse período refletem essa conexão. O governo Bolsonaro marca o avanço de políticas reativas, como a previsão de regime integralmente fechado para crimes hediondos e a proibição de indulto, propostas que se aproximam da constituição do pensamento e ações da direita, dado que são medidas reativas.

Em síntese, fica explicitado que, no primeiro ano do segundo mandato de Rousseff, a maior parte das PECs tem classificação garantista e adaptativa, em ambos os indexadores. No primeiro ano do governo Bolsonaro, em oposição, notamos maior presença de PECs reativas, ainda que 2019 tenha menos PECs que 2015. Isso sinaliza que a mudança do espectro ideológico no governo parece possibilitar a transformação e o endurecimento do enquadramento temático das propostas de emenda à Constituição. Dessa forma, argumentamos que o avanço do conservadorismo tem implicações para o processo de produção das políticas de segurança pública, ao menos através das PECs analisadas nesse recorte.

Considerações finais

Conforme visto, o espectro ideológico é uma variável importante para o processo de produção de políticas públicas. Apesar disso, ainda não há consenso na literatura sobre a influência da direita e da esquerda sobre as políticas de segurança pública. Parte dos pesquisadores defendem que a alternância do espectro ideológico permite a coexistência de políticas ambíguas e/ou ambivalentes, ao passo que outros autores apontam que alterações ideológicas implicam em mudanças programáticas em áreas das políticas públicas.

A partir disso, este trabalho analisa as PECs do primeiro ano do segundo governo Rousseff (2015) e as PECs do primeiro ano do mandato de Bolsonaro (2019), realizando análise de conteúdo para delimitar as temáticas e os enquadramentos, para inferir se existem mudança na lógica das propostas de forma a demonstrar se a guinada ao conservadorismo implica em alterações no setor de segurança pública. Utilizamos, para isso, as classificações de Garland (2001), a saber: garantistas; adaptativas; reativas.

No processo de categorização das PECs, fica evidenciado que, em 2015, sob um governo à esquerda do espectro ideológico, a maior parte das propostas tem cunho adaptativo e garantista. Além disso, tal processo também evidencia que, no ano de 2019, sob um governo de direita conservador, temos um cenário com abertura a propostas reativas, diferentemente do período anterior analisado. Sendo assim, nosso trabalho, dentro do recorte analisado, argumenta na direção de que o espectro ideológico e a guinada ao conservadorismo têm implicações para o processo de produção das políticas de segurança pública, com uma tendência de recrudescimento da área setorial sob a lógica reativa.

Apesar dos achados, não é possível afirmar que essa tendência aqui apontada possa gerar generalizações para outras espécies normativas. Mais estudos sistemáticos precisam ser realizados a fim de dar maior robustez para uma questão que é dissenso na literatura. O próprio recorte temporal selecionado, apesar de relevante e coerente ao propósito do trabalho, é ainda limitado, carecendo a realização de análises longitudinais mais longas. Ainda assim, com o debate ainda em aberto, são várias as possibilidades de pesquisas futuras das quais esperamos ter contribuído.

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BRASIL. Proposta de Emenda à Constituição Nº 91 de 2 de Julho de 2015. Altera o art. 101 da Constituição Federal, para estabelecer o prazo máximo de três meses para a indicação de ministro do Supremo Tribunal Federal por parte do Presidente da República, sob pena de crime de responsabilidade. Brasília, DF: Senado Federal, 2015l.

BRASIL. Proposta de Emenda à Constituição Nº 84 de 7 de Julho de 2015. Acrescenta inciso ao art. 5º da Constituição Federal, tornando imprescritível o crime de homicídio doloso. Brasília, DF: Câmara dos Deputados, 2015j.

BRASIL. Proposta de Emenda à Constituição Nº 117 de 25 de agosto de 2015. Separa a perícia oficial de natureza criminal das polícias civis e federal e institui a perícia criminal como órgão de segurança pública. Brasília, DF: Câmara dos Deputados, 2015x.

BRASIL. Proposta de Emenda à Constituição Nº 127 de 9 de setembro de 2015. Acrescenta dispositivos à Constituição Federal para permitir que a União defina normas gerais sobre segurança pública, cria o Conselho Nacional de Polícia, a ouvidoria de polícia, estabelece o ciclo completo da ação policial e dá outras providências. Brasília, DF: Câmara dos Deputados, 2015a.

BRASIL. Proposta de Emenda à Constituição Nº 128 de 9 de setembro de 2015. Dá nova redação aos artigos 109 e 144 da Constituição Federal, para atribuir à Polícia Federal a apuração de crimes praticados por milícias privadas e grupos de extermínio, bem como para conferir à Justiça Federal a competência para o processamento e julgamento desses crimes. Brasília, DF: Câmara dos Deputados, 2015h.

BRASIL. Proposta de Emenda à Constituição Nº 138 de 21 de setembro de 2015. Altera os arts. 21, 23, 24 e 109 da Constituição Federal para acrescentar a segurança pública às competências comuns da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Brasília, DF: Câmara dos Deputados, 2015g.

BRASIL. Proposta de Emenda à Constituição Nº 131 de 29 de setembro de 2015. Dá nova redação aos arts. 21, 22, 32, 144 e 167 da Constituição Federal, para reestruturar os órgãos de segurança pública. Brasília, DF: Senado Federal, 2015d.

BRASIL. Proposta de Emenda à Constituição Nº 156 de 14 de outubro de 2015. Institui o Fundo Nacional de Aprimoramento dos Serviços de Segurança Pública - FUNASESP e prevê aplicação de percentuais mínimos na área de segurança pública por parte dos entes da federação. Brasília, DF: Câmara dos Deputados, 2015b.

BRASIL. Proposta de Emenda à Constituição Nº 19 de 14 de março de 2019. Altera o art. 144 da Constituição Federal, para incluir a Força Nacional de Segurança Pública dentre os órgãos de segurança pública. Brasília, DF: Senado Federal, 2019a.

BRASIL. Proposta de Emenda à Constituição Nº 26 de 21 de março de 2019. Modifica o art. 121 da Constituição Federal, para estabelecer a separação de processos, nos casos de crimes eleitorais conexos com crimes comuns. Brasília, DF: Senado Federal, 2019e.

BRASIL. Proposta de Emenda à Constituição Nº 44 de 3 de abril de 2019. Acrescenta o § 11 ao art. 144 da Constituição Federal, para dispor sobre o valor mínimo a ser aplicado anualmente pela União no Sistema Único de Segurança Pública – SUSP, de forma escalonada em quatro exercícios. Brasília, DF: Senado Federal, 2019d.

BRASIL. Proposta de Emenda à Constituição Nº 47 de 9 de abril de 2019. Altera o art. 5º da Constituição Federal para prever regime integralmente fechado para condenados por crimes hediondos cometidos com violência contra a pessoa. Brasília, DF: Senado Federal, 2019h.

BRASIL. Proposta de Emenda à Constituição Nº 72 de 14 de maio de 2019. Altera o art. 84 da Constituição Federal, para prever a proibição da concessão de indulto a condenados por crimes contra a administração pública, exceto se apresentar caráter humanitário. Brasília, DF: Senado Federal, 2019i.

BRASIL. Proposta de Emenda à Constituição Nº 75 de 15 de maio de 2019. Altera o inciso XLII do art. 5º da Constituição Federal, para tornar imprescritível o crime de feminicídio. Brasília, DF: Senado Federal, 2019f.

BRASIL. Proposta de Emenda à Constituição Nº 76 de 15 de maio de 2019. Altera a Constituição Federal, para incluir as polícias científicas no rol dos órgãos de segurança pública. Brasília, DF: Senado Federal, 2019b.

BRASIL. Proposta de Emenda à Constituição Nº 87 de 29 de maio de 2019. Altera o art. 144 da Constituição Federal, para prever a realização de exame toxicológico por todos os servidores da área de segurança pública. Brasília, DF: Senado Federal, 2019c.

BRASIL. Proposta de Emenda à Constituição Nº 75 de 12 de novembro de 2019. Altera o inciso XLII do art. 5º da Constituição Federal para tornar inafiançáveis e imprescritíveis os crimes de estupro e de feminicídio. Brasília, DF: Câmara dos Deputados, 2019g.

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  1. Políticas públicas entendidas como ideias, sobretudo nos processos pré-decisórios e decisórios da formação da agenda e da formulação das políticas, e não só como ação governamental a ser implementada (Capella, 2015).↩︎

  2. Na análise realizada neste artigo, não são selecionadas Propostas de Emenda à Constituição propostas por apenas um dos atores: Executivo ou Legislativo. Dessa forma, são selecionadas para a análise PECs que avançaram no período. Constituindo-se um estudo no campo das políticas públicas, e não dos Estudos Legislativos, o objetivo empreendido está no sentido de compreensão das temáticas que ganharam proeminência na agenda governamental.↩︎

  3. Agenda pode ter diferentes enfoques, a depender da literatura, como a agenda da mídia – media agenda; a agenda da opinião pública – public agenda; e a agenda governamental – policy agenda (Capella; Brasil, 2015). Neste artigo, utilizamos a definição de agenda governamental de Kingdon (2003), que expressa o conjunto de questões que chamam a atenção do governo e de atores relacionados, em um determinado momento.↩︎

  4. A Senasp foi criada por meio do Decreto Nº 2.315, de 4 de setembro de 1997, tendo sucedido a Secretaria de Planejamento de Ações Nacionais de Segurança Pública (Seplanseg), criada em 1995.↩︎

  5. O Fundo Nacional de Segurança Pública foi criado por meio da Lei Nº 10.201/2001 e depois alterado pela Lei Nº 10.746/2003.↩︎

  6. O autor extrai o banco de dados do site disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/_Lei-Ordinaria.htm. Acesso em: 21 mar. 2022.↩︎

  7. No campo “Notas Metodológicas” de sua pesquisa, Campos (2010) expõe todo o processo de coleta de dados, com o passo a passo e a organização. No entanto, não esclarece se utilizou algum indexador para filtrar esse conteúdo ou apenas utilizou o termo “Segurança Pública”.↩︎

  8. Segundo Campos (2010, p. 23): “Assim há um missing de 44 leis que são as propostas oriundas do Executivo, do Congresso Nacional, do Judiciário ou de CPIs”.↩︎

  9. Em análise dos deputados federais eleitos no ano de 2015, Almeida (2017) identifica que, dos 72 deputados evangélicos, quatro quintos pertencem ao evangelismo pentecostal e apenas um quinto ao evangelismo não pentecostal.↩︎

  10. Na presente pesquisa, analisamos as políticas de segurança pública, compreendendo o campo da legislação penal e o sistema de justiça criminal.↩︎

  11. Lexml está disponível em: https://www.lexml.gov.br/. Acesso em: 22 jan. 2024.↩︎

  12. A criação do Fundo Nacional de Aprimoramento dos Serviços de Segurança Pública (Funasesp) e a previsão de aplicação de percentuais mínimos na área de segurança pública por parte dos entes da federação, por meio da PEC 156/2015, proposta realizada durante o governo de Dilma Rousseff, reforçam a constituição da segurança pública não como uma política de governo, mas como uma política de Estado. O deslocamento do financiamento a ser realizado pelo Estado denota a compreensão e a instituição de uma política provida pelo Estado Democrático de Direito e realizada em âmbito federal, considerando percentuais mínimos.↩︎