POLICIAMENTO BASEADO EM EVIDÊNCIAS: UMA REVISÃO BIBLIOMÉTRICA

Lizandro Lui

Professor da Escola de Políticas Públicas e Governo, Fundação Getúlio Vargas, Brasília. Doutor em Sociologia.

País: Brasil Estado: Distrito Federal Cidade: Brasília

Email: lizandro.lui@fgv.br ORCID: https://orcid.org/0000-0002-9276-247X

Eric Rodrigues de Sales

Mestre em Políticas Públicas e Governo, pela Escola de Políticas Públicas e Governo da Fundação Getúlio Vargas. Pós-graduado lato sensu em MBA Licitações e Contratos: Governança e Gestão em Contratações e Aquisições Públicas pelo Instituto de Pós-graduação e Graduação - IPOG (2023). Pós-graduado em Ciências Policiais pelo Instituto Superior de Ciências Policiais da Polícia Militar do Distrito Federal (2021), através do Curso de Aperfeiçoamento de Oficiais - CAO. Pós-graduado em Ciências Jurídicas pela Universidade Cruzeiro do Sul - UniCSul (2010). Atualmente ocupa o posto de major da Polícia Militar do Distrito Federal e é chefe da Assessoria Técnico-jurídica do Departamento de Logística e Finanças da Polícia Militar do Distrito Federal.

País: Brasil Estado: Distrito Federal Cidade: Brasília

Email: ericrsales@hotmail.com ORCID: https://orcid.org/0000-0001-9806-9046

Contribuições dos autores:

Eric Sales e Lizandro Lui participaram igualmente de todos os processos de desenvolvimento do estudo.

RESUMO

A teoria que versa sobre políticas públicas baseadas em evidências reconhece que os tomadores de decisões que fazem uso de evidências no processo decisório tendem a produzir melhores resultados e gerar mais benefícios nas aplicações das políticas públicas. Entende-se que a produção dessas por cientistas e pesquisadores pode ser um norteador para a tomada de decisão pelas autoridades competentes. O objetivo deste trabalho é abordar o conceito da segurança pública baseada em evidências, apresentando especificamente a definição do policiamento baseado em evidências, sua construção e áreas de pesquisa, e compreender os principais campos pesquisados sobre o tema. Para atingir o objetivo, a análise utiliza o software VOSViewer, a fim de analisar as publicações científicas que englobam polícia ou policiamento baseado em evidências. Apesar do grande número de publicações e do crescimento exponencial dos estudos sobre o assunto, foram identificadas algumas lacunas de pesquisa que podem ajudar a direcionar estudos e auxiliar futuros esforços mais aplicados de pesquisa nesse tema, principalmente no Brasil.

Palavras-chave: Políticas públicas. Segurança pública. Policiamento. Baseado em evidências. Bibliometria.

ABSTRACT

EVIDENCE-BASED POLICING: A BIBLIOMETRIC REVIEW

The theory that deals with evidence-based public policies recognizes that decision makers who use evidence in the decision-making process tend to produce better results and generate more benefits in the application of public policies. It is understood that the production of these by scientists and researchers can be a guide for decision making by the competent authorities. The objective of this work is to address the concept of evidence-based public security, specifically presenting the definition of evidence-based policing, its construction and research areas, and understanding the main fields researched on the subject. To achieve the objective, the analysis used the VOSViewer software in order to analyze scientific publications that encompass police or evidence-based policing. Despite the large number of publications and the exponential growth of studies on the topic, some research gaps were identified that can help direct studies and assist future more applied research efforts on this topic, especially in Brazil.

Keywords: Public policies. Public safety. Policing. Evidence based. Bibliometric.

Data de Recebimento: 28/10/2022– Data de Aprovação: 11/01/2023

DOI: 10.31060/rbsp.2024.v18.n1.1829

INTRODUÇÃO

O direito à vida e o direito à liberdade são dois elementos fundamentais para os cidadãos. Segundo a Constituição Federal (Brasil, 1988), a segurança pública pode ser compreendida como o dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio. Devido à aproximação do objeto da criminalidade com as instituições, a Ciência Política e as Políticas Públicas entram nos estudos deste objeto com diversos estudos relevantes (Fideles, 2021).

Ao garantir o exercício dos demais direitos fundamentais, a constituição de condições adequadas de segurança pública pavimenta a possibilidade de estratégias de desenvolvimento econômico e social (Barbosa et al., 2018). O panorama da segurança pública no Brasil não está entre os melhores, mas o cenário já foi pior. Após o Brasil ter atingido o ápice de Mortes Violentas Intencionais – MVI, em 2017, quando a taxa de MVI chegou a 30,9 para cada grupo de 100 mil habitantes, os anos de 2018 e 2019 foram marcados por reduções sucessivas dessas mortes. Todavia, em 2020, a tendência de queda foi revertida e houve um crescimento de 4% em relação ao ano anterior. A taxa de mortes violentas intencionais no Brasil foi de 23,6 por 100 mil habitantes em 2020 (FBSP, 2021).

Diante de um cenário com desafios e dificuldades, a pasta da segurança pública da União, dos estados e dos municípios tem por dever buscar meios de se aperfeiçoar, visando um melhor serviço prestado para a sociedade. Uma das alternativas é fazer uso de políticas públicas de segurança baseadas em evidências, e como a literatura sobre as políticas públicas baseadas em evidências (PPBEs) propõe, trata-se de escolher a melhor evidência científica e avaliar a qualidade das políticas públicas por meio de métodos de hierarquização (Ipea, 2020). Assim, entende-se que a aplicação de conhecimento e análise dos processos das políticas conduz a opções mais capazes de lidar com problemas sociais do que aquelas que emergem de processos orientados por outros fundamentos, como clientelismo, barganha e incompetência. Além disso, assume-se que os cidadãos esperam que as decisões sobre as políticas públicas se baseiem em critérios lógicos, técnicos e transparentes, em conhecimento e experiência, em vez de motivações puramente individuais e preconceitos arraigados.

Nessa seara, destacamos o conceito da Segurança Pública Baseada em Evidências, uma concepção que defende que os programas de prevenção à violência devem ser formulados utilizando as melhores evidências científicas disponíveis acerca do que funciona e do que não funciona, reduzindo a influência de crenças, interesses e preconceitos, provocando uma melhoria substancial na efetividade, na eficiência e na legitimidade das políticas públicas voltadas a reduzir a violência (Kopittke; Ramos, 2021).

A terminologia Segurança Pública é ampla e engloba diversos aspectos relacionados à redução da criminalidade, à proteção ao patrimônio e à vida, mas engloba também questões referentes a incêndios, desastres ambientais e defesa civil. A polícia frequentemente está associada às questões que envolvem segurança, violência e criminalidade. Temas como terrorismo, guerra contra as drogas, cibercriminalidade e corrupção impactam o cotidiano do cidadão. Daí, decorre uma pressão por resultados (Sousa, 2021). Dessa forma, este estudo foca, especificamente, nos estudos sobre polícia e policiamento.

Trazemos assim, o conceito de “evidence based policing” ou policiamento baseado em evidências, apresentado em 1998 por Lawrence Sherman, criminologista e policial aposentado norte-americano, pesquisador das ciências policiais, que baseado nas ideias da medicina baseada em evidências trouxe sua ideia central de que a prática policial poderia se tornar mais eficaz se todos os seus elementos fossem testados por repetidos experimentos de campo controlados:

Assim, podemos afirmar que o Policiamento Baseado em Evidências é o uso da melhor pesquisa disponível sobre os resultados do trabalho da polícia para implementar diretrizes e avaliar agências, unidades e funcionários. Falando em palavras mais simples: o Policiamento Baseado em Evidências usa pesquisa para orientar práticas e avaliar profissionais. Ele usa a melhor evidência para moldar as melhores práticas. É um esforço sistemático para analisar e codificar a experiência não sistemática como base para o trabalho policial, refinando-a através de testes sistemáticos contínuos de hipóteses. (Sherman, 1998, p. 4).

O autor Lawrence Sherman é um expoente na área e versa que “A glória da Medicina é que ela está constantemente avançando, que sempre há algo a aprender" (Sherman, 1998, p. 13). Nesse sentido, o pesquisador faz uma analogia em que a ciência médica está em constante evolução, deixando claro a necessidade de estar sempre realizando pesquisas para avançar no campo científico, trazendo melhorias para as políticas públicas e contribuições para a sociedade.

O primeiro passo envolvido na adoção do policiamento baseado em evidências é reconhecer que há necessidade de maior conhecimento sobre a abordagem, sua filosofia e o que está tentando alcançar, e uma questão-chave que precisa ser levada em conta é uma abordagem estratégica para o comissionamento de pesquisas e a criação de evidências, juntamente com o desenvolvimento de um conhecimento cumulativo baseado no que funciona e no que não funciona (Den Heyer, 2022). Considerando tal lacuna, propomos a seguinte pergunta de pesquisa: Quais os principais campos temáticos estudados sobre Policiamento Baseado em Evidências? Para alcançar esse objetivo, foi realizada uma análise das publicações internacionais e nacionais de revistas acadêmicas sobre o assunto, mapeando os principais e mais desenvolvidos temas estudados.

Conhecer o que existe de concreto em um campo da ciência é um passo basilar para identificar lacunas e fortalecer campos ainda incipientes. Dessa forma, evidencia-se que é importante ter um panorama acerca do referido campo de pesquisa, para compreender como ele está evoluindo e quais são suas principais temáticas, podendo assim direcionar e concentrar esforços para as lacunas de pesquisa. O policiamento baseado em evidências é um campo de pesquisa que, conforme será demonstrado a seguir, já possui uma grande quantidade de estudos publicados, uma literatura considerável, e este estudo visa a compreender quais os principais temas estudados pelos pesquisadores da área. Especificamente no Brasil, ainda não identificamos um esforço da literatura, sendo um tema ainda pouco explorado no país.

Este artigo está estruturado com: esta introdução, um referencial teórico sobre o tema estudado, a metodologia utilizada, resultados e discussões, as considerações finais e as referências bibliográficas utilizadas.

REFERENCIAL TEÓRICO

O Brasil é um país com índices de criminalidade elevados e um dos índices utilizados para mensuração da violência é a taxa de homicídios. Segundo o Sistema de Informação sobre Mortalidade do Ministério da Saúde (SIM/MS), em 2019, houve 45.503 homicídios no Brasil, o que corresponde a uma taxa de 21,7 mortes por 100 mil habitantes (Ipea; FBSP, 2021). Por esse motivo, nas disputas eleitorais, um assunto que aparece e entra na discussão e na formulação da agenda são as políticas públicas de segurança, como a questão armamentista/desarmamentista, as políticas de prevenção e a redução da maioridade penal.

Mesmo diante desse cenário complexo, até hoje, no Brasil, o direito à segurança não tem sido entendido no mesmo sentido que o direito à saúde, à educação ou ao saneamento, e esforços têm sido feitos para identificar alguns elementos necessários para a formulação de políticas de segurança pública e para a superação do padrão de intervenções reativas e fragmentárias até hoje predominantes no país (Lemgruber; Musumeci; Ramos, 2002). A forma de se fazer segurança pública varia conforme as demandas locais e o arranjo institucional existente. No Brasil, as instituições policiais e de justiça criminal não experimentaram reformas significativas nas suas estruturas no período recente (Schabbach, 2014). Avanços eventuais na gestão policial e reformas na legislação penal têm se revelado insuficientes para reduzir a incidência da violência urbana, numa forte evidência da falta de coordenação e controle (Lima; Bueno; Mingardi, 2016).

Segundo Ballesteros (2014), as políticas de segurança pública no Brasil têm sido, em regra, pensadas e implementadas de forma fragmentada e pouco planejada. Na retomada da ordem democrática, no fim dos anos 1980, diferentemente do que aconteceu com outros direitos respaldados e reformulados pela Constituição, o direito à segurança e à ordem, bem como a estrutura organizacional que deveria garanti-los, ficou restrito à listagem de algumas organizações policiais vinculadas ao capítulo “Da defesa do Estado e das instituições democráticas”, passando ao largo da característica cidadã atribuída às demais esferas da vida social brasileira que começava a se reconfigurar. No mesmo sentido, Madeira e Rodrigues (2015) defendem que na gestão das políticas públicas de segurança persiste a tensão entre visões punitivistas e cidadãs, e o Estado se mostra frágil na condução das políticas para além das necessidades imediatistas de se apresentar resultados às demandas da população. Dessa forma, a política de segurança cidadã, que conjuga ações de repressão qualificada e prevenção à violência, só tem sucesso se implementada com uma projeção de longo prazo, buscando resultados e impactos que não estejam atrelados ao calendário eleitoral.

As instituições policiais são peça-chave quando se fala de uma mudança implementada para gerar resultados, possuindo papel central no combate à criminalidade e na segurança pública. Como instituições complexas capazes de acumular experiências, as estruturas policiais foram desenvolvendo uma cultura autônoma sob a pressão das circunstâncias especiais e bastante difíceis que acompanham o próprio trabalho de seus membros. Valores típicos passaram a ser compartilhados pelos policiais, oferecendo cada vez mais resistências consideráveis às intenções reformadoras (Rolim, 2007).

A formulação de políticas baseadas em evidências representa um esforço contemporâneo para reorientar os processos de políticas, priorizando a utilização de formas evidenciais de aconselhamento de políticas. A expectativa é que, por meio de um exame minucioso e atenção às análises empíricas existentes, os governos possam evitar falhas nas políticas ou aplicar novas técnicas ou novas informações para melhor resolver vários problemas de políticas (Howlett; Craft, 2013).

Conforme Gomes, Osborne e Guarnieri (2020), como uma organização pública, o governo local tem como objetivo principal fornecer serviços públicos à população local. As pessoas vivem nas cidades e são atendidas pelas autoridades locais, incluindo, aqui, as autoridades policiais que fazem seu trabalho cotidiano no seio da sociedade. Nesse sentido, o campo das decisões baseadas em evidências, aplicado à problemática da segurança pública, oferece uma oportunidade de inovar na forma de se fazer políticas de segurança e de policiar a sociedade a fim de gerar resultados mais satisfatórios.

Os índices criminais elevados no Brasil, no ano de 2017, apontados no Anuário da Segurança Pública 2018 (FBSP, 2018), fizeram com que as instituições de segurança pública, em especial as municipais, procurassem meios para melhor compreender a dinâmica dos crimes, tendo em vista que o policiamento baseado unicamente no modelo reativo não estaria sendo eficaz no controle e na redução de crimes e violências. Percebeu-se a importância do monitoramento de crimes e de sua distribuição no espaço – o que propiciaria uma análise de como determinados crimes se comportam no espaço e no tempo – e da possibilidade de identificar padrões de distribuição. Compreender essa dinâmica é um fator que se sobressai para uma ação direcionada ao problema (Aires; Collischonn, 2021).

A história do policiamento está repleta de programas de reforma que visam melhorar a eficácia, a eficiência e a legitimidade. O policiamento orientado para o problema e o policiamento baseado em evidências são dois esforços de reforma populares e duradouros, os quais geraram uma atenção significativa de pesquisadores e profissionais. Existem semelhanças importantes entre eles e ambas as abordagens fornecem uma estrutura destinada a melhorar os resultados do policiamento. Há também diferenças importantes, no entanto, em termos de seus principais objetivos, padrões de evidência e unidades de análise. Conforme Bullock et al., (2022), a premissa básica do policiamento orientado ao problema é que a missão central do policiamento deve ser compreender e prevenir problemas, em vez de reagir a incidentes individuais à medida que estes ocorrem. Já a ênfase do policiamento baseado em evidências está na criação, montagem, divulgação e aplicação de provas sólidas de investigação para melhorar a eficácia, a eficiência e a legitimidade da polícia.

Existem ainda algumas outras terminologias sobre o tema que tratam o mesmo assunto de forma semelhante, conforme Fideles (2021), que expõe subdivisões do policiamento de pessoas, tais quais o policiamento baseado em informações, que usa ciência, pesquisa e tecnologia para concentrar recursos em áreas “quentes”, horas “quentes” e criminosos selecionados, e o de polícia orientada para problemas, que visa à solução de problemas específicos.

Essa abordagem é semelhante à apresentada por Sherman (1998), que versa que o policiamento baseado em evidências é muito útil para os três paradigmas de policiamento proativo, como o policiamento por ocorrência (Central de Emergências – 190), o policiamento comunitário e o policiamento orientado para o problema. O que o policiamento baseado em evidências acrescenta a esses paradigmas é um novo princípio para a tomada de decisão: evidências científicas. A maioria das práticas policiais, como a prática médica, ainda é moldada por costume local, opiniões, teorias e impressões subjetivas. O Policiamento Baseado em Evidências desafia esses princípios de tomada de decisão e cria um tipo de avaliação sistemática para proporcionar uma melhoria contínua da qualidade na consecução dos objetivos da política.

O estudo de Kopittke e Ramos (2021) fez uma revisão sistemática sobre avaliações de impacto referentes às pesquisas na área de segurança pública, para filtrar evidências sobre o que realmente funciona para reduzir homicídios no Brasil, o que não funciona, e o que não gerou dados suficientes para gerar uma conclusão assertiva. O estudo conclui que, apesar de existentes e servirem para que o país possa construir políticas públicas eficientes para diminuir a violência, afastando visões baseadas em crenças, interesses, preconceitos ou populismo político, a produção de evidências científicas na área ainda permanece bastante atrasada no país.

Nesse sentido, destacamos o esforço de criar sistemas e bancos de dados de segurança pública integrados através da criação da Política Nacional de Segurança Pública e Defesa Social e do Sistema Único da Segurança Pública (Brasil, 2018). O que se verifica na atualidade é uma fragmentação e uma falta de padronização no tratamento dos dados de segurança pública no Brasil, sendo que o Governo Federal, os estados, o Distrito Federal e os municípios não necessariamente têm bancos de dados compartilhados, e até mesmo dentro de uma entidade federada isso acontece entre os diversos órgãos. A falta de dados padronizados e integrados dificulta a produção de evidências e o consequente uso dessas na implementação das políticas de segurança.

Alguns esforços para melhorias na segurança pública aliados às práticas aqui apresentadas podem ser apontados, como a proposição da parceria estratégica BID-BNDES Pacto Brasil Seguro, que tem como objetivo a constituição de estruturas consolidadas e eficazes para o combate ao crime e programas utilizando metodologias baseadas em evidências. Um dos eixos de atuação é justamente a qualificação do parque tecnológico das secretarias de segurança, com padronização de tecnologias, de modo a promover a utilização e a disseminação de ferramentas voltadas ao monitoramento criminal e à adoção de policiamento baseado em evidências (Barbosa et al., 2018).

Conforme defende Lawrence Sherman (1998), o policiamento baseado em evidências busca uma melhoria contínua da qualidade e é uma ferramenta que auxilia na tomada de decisão por parte dos gestores policiais para um emprego mais eficiente e eficaz da polícia, através da análise dos efeitos das práticas policiais à luz da pesquisa; um dos pontos que merece atenção é a dificuldade de implementação dessa prática. Den Heyer (2022) defende que as principais barreiras para a adoção do policiamento baseado em evidências são a cultura e a gestão em um órgão policial. Segundo o autor, barreiras culturais para a reforma podem surgir por uma série de razões, contudo, muitas vezes são baseadas no controle e na disseminação de informações, e essa resistência surge principalmente porque a polícia vê seu papel como um ofício e que não precisa de pesquisas científicas para melhorar sua eficácia. No mesmo sentido, Skogan (2008) assumiu a posição de que as barreiras que impedem a mudança dentro das organizações policiais são por causa dos processos internos que a polícia usa e inclui a resistência dos supervisores e da gestão.

O estudo de Kopittke (2019) afirma que existe uma dificuldade para que a concepção das decisões baseadas em evidências ingresse no Brasil, seja no pensamento universitário do país, seja dentro das instituições de segurança, dos organismos internacionais, da sociedade civil organizada que aborda o tema, e também do setor privado. O autor ainda cita que a ausência de experimentos é o símbolo de um atraso técnico do país e também de um atraso político, pois demonstra as dificuldades de se estabelecer parcerias entre diferentes setores sociais e institucionais para se pensar em soluções para o combate à violência.

Podemos afirmar que é difícil mudar paradigmas, a forma de se realizar uma determinada tarefa, e até mesmo a cultura institucional de uma organização, seja no Brasil, seja em outros países. Skogan (2008) defende que, para promover reformas no policiamento, muita resistência era encontrada, baseado em pesquisa no Departamento de Polícia de Chicago, nos Estados Unidos, publicada em 2008. A reforma da polícia é arriscada e difícil, e os esforços para inovar no policiamento muitas vezes ficam aquém das expectativas, e as fontes de resistência à mudança no policiamento são, na maior parte das vezes, internas, incluindo oposição à reforma em praticamente todos os níveis da organização e até mesmo entre unidades especiais (Skogan, 2008).

Mudar uma ideia intrínseca a um indivíduo é uma tarefa complexa, que por muitas vezes pode ser frustrante, sendo que, em certas ocasiões, a mudança pode aparentemente contrariar a lógica. Ariel, Sherman e Newton (2020) conduziram uma pesquisa nas plataformas do metrô de Londres, na Inglaterra, onde foi indicado que as patrulhas nas plataformas causam grandes reduções nas chamadas de serviço geradas por crimes e por cidadãos nessas áreas, que nunca haviam sido patrulhadas proativamente por policiais uniformizados. Foi gerado um efeito denominado pelos autores de Paradoxo do Metrô de Londres: o benefício total da prevenção ao crime das patrulhas policiais é maior quando elas estão ausentes do que quando estão presentes (Ariel; Sherman; Newton, 2020).

O estudo conduzido pelo Ipea (2020) aponta que vários autores versam sobre a dificuldade para incluir evidências científicas como um elemento relevante na formulação de intervenções, ao observarem que as decisões são mais orientadas pelos apelos morais e pelas normas culturais do que por evidências no campo da “guerra às drogas”. A formulação de alternativas de solução se desenvolve por meio de escrutínios formais ou informais da consequência do problema e dos potenciais custos e benefícios de cada alternativa disponível (Secchi, 2013). Entende-se que uma mudança de paradigma da segurança pública não seria compatível com boa parte dos valores e métodos de trabalho existentes nas corporações policiais. A inovação nesta área é, ao mesmo tempo, extremamente complexa, o que significa dificuldades na explicação e na aplicação de projetos alternativos (Rolim, 2007). Vislumbra-se que a mudança de pensamento dos policiais e das instituições policiais é um passo basilar para o avanço das práticas de policiamento baseado em evidências. Nesse sentido, traçamos neste artigo como objetivo compreender a produção científica sobre o tema, identificando os principais campos de pesquisa já publicados na área.

Na próxima seção, adentraremos na parte metodológica de como foi realizada esta pesquisa, explicando detalhadamente a utilização do software VOSViewer, que foi escolhido para auxiliar nesta revisão bibliométrica.

MÉTODO

A análise bibliométrica é um método que permite explorar e analisar com rigor grandes volumes de dados científicos. Ela permite desvendar as nuances evolutivas de um campo específico, enquanto lança luz sobre as áreas emergentes no campo estudado (Donthu et al., 2021). Trata-se de uma análise de dados de tipo quantitativo, amplamente utilizada para resumir os resultados mais representativos de um conjunto de documentos bibliográficos, sendo utilizada para as mais variadas áreas do conhecimento (Martínez-López et al., 2018). A presente revisão bibliométrica foi feita utilizando o software VOSviewer, sendo escolhido pelos autores porque usa de procedimentos de escalonamento multidimensional para extrair termos científicos de resumos, títulos e palavras-chave de artigos, realizando agrupamentos entre eles; e ao contrário da maioria dos programas de computador que são usados para mapeamento bibliométrico, o VOSviewer dá atenção especial à representação gráfica de mapas bibliométricos. A funcionalidade do VOSviewer é especialmente útil para exibir grandes mapas bibliométricos de maneira fácil de interpretar (Van Eck; Waltman, 2010).

A base de dados escolhida para realizar a análise foi a Scopus, pertencente ao grupo editorial Elsevier, que está entre os maiores indexadores de conteúdo científico disponíveis no mundo. O critério de busca foi direcionado para ocorrência no título, no resumo e nas palavras-chave das palavras “police” ou “policing”, e “evidence based”, aparecendo inicialmente o número de 846 (oitocentos e quarenta e seis) trabalhos científicos. No entanto, diversas ocorrências relacionadas à área da Medicina apareceram nos resultados, então foi acrescentado o filtro de AND NOT e a palavra “medicine”, a fim de retirar a ocorrência dessa palavra dos resultados, gerando um total de 720 (setecentos e vinte) trabalhos publicados.

A próxima etapa realizada foi analisar a coocorrência das palavras-chave incluídas pelos autores das pesquisas, também chamada de análise de copalavras, a fim de verificar quais são as principais temáticas abordadas pelos estudiosos sobre policiamento baseado em evidências. A análise de copalavras é uma técnica que examina o conteúdo real da publicação em si. As palavras em uma análise de copalavras são frequentemente derivadas de “palavras-chave do autor”, e pressupõe que as palavras que aparecem frequentemente juntas têm uma relação temática entre si (Donthu et al., 2021).

Conforme Martínez-Lopez et al. (2018), métodos bibliométricos são muito úteis para fornecer uma visão geral de algum campo de pesquisa, identificando as principais tendências em termos de publicações, citações, autores, palavras-chave e instituições. Dessa forma, esta pesquisa apresenta, através da análise de coocorrência de palavras-chave, como estão sendo desenvolvidos os estudos e quais os principais temas abordados sobre policiamento baseado em evidências. A extração dos artigos foi realizada no mês de janeiro de 2023.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Sherman (2020) afirma que a pesquisa baseada em evidências desempenha um papel importante no policiamento, porque é capaz de distinguir o que funcionará no policiamento. A conscientização das práticas e pesquisas baseadas em evidências no policiamento remonta a uma palestra que Sherman deu à Police Foundation, em 1998, onde afirmou que “as práticas policiais devem ser baseadas em evidências científicas sobre o que funciona melhor” (SHERMAN, 1998, p. 2), e também foi afirmado que o aumento do interesse pelo conceito atingiu tal nível que “abundam exemplos do crescimento do policiamento baseado em evidências” (Den Heyer, 2022, p. 1). Conforme vemos na Figura 1, abaixo, o crescimento de estudos sobre o tema vem se ampliando ano após ano.

Figura 1: Artigos publicados por ano sobre policiamento baseado em evidências

Fonte: Adaptado pelo autor, a partir de dados do SCOPUS (2023).

Com essa crescente corrente de estudos sobre o tema aqui trabalhado, a opção para fazer a revisão da literatura foi a análise bibliométrica, por se tratar de um grande volume de trabalhos científicos publicados e para auxiliar no objetivo deste estudo, pois a bibliometria é utilizada por estudiosos por uma variedade de razões, como descobrir tendências emergentes no desempenho de artigos e revistas, verificar padrões de colaboração e componentes de pesquisa, e explorar a estrutura intelectual de um domínio específico na literatura existente (Donthu et al., 2021).

Realizar um mapeamento científico, ou mapeamento bibliométrico, indica procurar descrever como domínios científicos ou campos de estudos de pesquisa são cientificamente, intelectualmente e socialmente estruturados (Cobo et al., 2011). Fica evidenciado nesta pesquisa que 65 (sessenta e cinco) países possuem ao menos uma publicação sobre o tema. Podemos ainda evidenciar em quais países a pesquisa sobre o tema está mais em foco. Vejamos a Figura 2:

Figura 2: Artigos publicados por país sobre policiamento baseado em evidências (2001-2023)

[CHART]

Fonte: Adaptado pelo autor a partir de dados do SCOPUS (2023).

Visualizamos claramente uma predominância dos estudos científicos publicados sobre o tema nos Estados Unidos e no Reino Unido, acompanhados da Austrália e do Canadá. Vislumbramos, também, que apesar do cenário complexo, no que tange à segurança pública já mencionado neste estudo, o Brasil não figura sequer entre os 10 (dez) primeiros países que mais pesquisam sobre policiamento baseado em evidências, possuindo apenas 8 (oito) publicações sobre o tema. Sherman (1998) defende que a questão empírica para a pesquisa baseada em evidências é: qual tipo de prática funciona melhor para mudar as práticas atuais? Notamos que o incremento de pesquisas nesse campo pode ser um fator auxiliar para mudar o cenário e propulsionar a segurança pública no Brasil.

O Brasil possui publicações sobre o tema, apesar de não ser um expoente na condução de pesquisas sobre esse assunto. Entre os trabalhos publicados, podemos extrair dados que abordam aspectos específicos da regionalidade cultural e da cultura organizacional policial no país. Entre estas especificidades, Lima et al. (2022) defendem que as ciências policiais não deveriam ser confundidas com todo e qualquer conhecimento policial, e não são apresentadas como algo já estabelecido, mas como projeto a construir e modificar a concepção de policiamento, “do policiamento do modelo do homem de armas para o modelo do profissional treinado, cujo treinamento apresenta algum relacionamento com o conhecimento científico” (Lima et al., 2022, p. 9).

Corroborando os dados aqui apresentados, autores brasileiros afirmam que as aplicações de policiamento baseado em evidências, políticas baseadas em dados e estratégias orientadas para a comunidade para reduzir o crime têm sido realizadas até agora principalmente nos Estados Unidos e em outras cidades industrializadas do Ocidente, mas também podem encontrar terreno fértil na América Latina (Dantas; Favarin, 2021).

Adentrando a análise bibliométrica realizada, inicialmente, no software VOSViewer, foi feita uma análise dos 720 (setecentos e vinte) artigos selecionados, sem fazer qualquer tipo de intervenção nos resultados, considerando todas as palavras, a fim de visualizar um panorama geral. Essa abordagem resultou um total de 1.354 (um mil trezentos e cinquenta e quatro) palavras-chave e 63 (sessenta e três) clusters. Posteriormente, foi adicionado um filtro para restringir somente às palavras-chave com 5 (cinco) ou mais citações, resultando em 48 (quarenta e oito) palavras.

Ao final dessas intervenções nos critérios de análise, obtendo somente palavras-chave com cinco citações ou mais, os resultados agruparam-se em 6 (seis) clusters ou grupos, conforme visto na Figura 3, abaixo:

Figura 3: Análise de cluster por coocorrência

Fonte: Elaborado pelo autor através do software VOSViewer (2023).

A visualização gráfica proporcionada pelo software VOSViewer facilita a compreensão de como os temas estudados se correlacionam, mostrando quais os tipos de pesquisa são mais relacionadas e quais não se relacionam. Podemos verificar na Figura 3, acima, que cada um dos 6 (seis) clusters ou grupos possuem cores diferentes, e como eles estão relacionados através das linhas de ligação que possuem a mesma cor do cluster a que pertencem.

No cluster número 1, em vermelho e centralizado, há especial destaque para a palavra-chave policing (policiamento), aparecendo com maior número de ocorrências, em conjunto com: prática baseada em evidência, violência doméstica, violência por parceiro íntimo, avaliação de risco, sistema de justiça criminal, abuso sexual de crianças, investigação, decisão policial e reforma. Infere-se que é um grupo voltado para estudos sobre policiamento com foco nos crimes de violência doméstica e violência familiar, como lesão corporal entre familiares, abuso sexual e abuso infantil.

Em seguida, no cluster número 2, em verde e agrupado à esquerda, aparecem com maior número, em destaque, a política pública baseada em evidência, seguida por: avaliação, violência, prevenção, crime, entrevista investigativa, álcool, intervenção e Austrália. Nota-se que este grupo praticamente não se relaciona com outros, denotando um tipo específico de pesquisas. Podemos dizer que se refere a um grupo relacionado a políticas públicas baseadas em evidências e sua implementação. Podemos ainda inferir que tais políticas são destinadas a evitar crimes cometidos pelo uso e/ou abuso de álcool, e que pode ser um problema público presente na Austrália.

No cluster número 3, em azul escuro e agrupado na parte inferior da figura, destaca-se a aplicação da lei, seguida por: saúde pública, saúde mental, redução de danos, HIV, políticas públicas, justiça criminal, uso de drogas injetáveis e Canadá. Assim como o grupo número 2, aqui também não se vislumbra uma intercomunicação com outros grupos. Percebe-se que a pesquisa aqui é direcionada para aplicação da lei envolvendo a saúde pública, como o uso de drogas e as doenças sexualmente transmissíveis. Pode-se inferir também que a aparição de políticas públicas e redução de danos envolve avaliações de impacto sobre a implementação de medidas para combater esses problemas. A ocorrência da palavra Canadá neste grupo sugere que são problemas enfrentados naquele país.

No cluster número 4, em amarelo e agrupado na parte à direita da figura, a palavra-chave police (polícia) aparece bem destacada, mais ao centro da figura, seguida por: treinamento, treinamento policial, justiça processual, trauma, uso de força, câmeras corporais, estresse e transtorno de estresse pós-traumático. Nota-se que é um grupo voltado para pesquisas direcionada aos sistemas policiais e aborda temas centrais no cotidiano policial, como treinamento, uso de força policial, uso de câmeras corporais, bem como problemas de saúde comuns à profissão, como estresse e estresse pós-traumático. A aparição de justiça processual neste grupo sugere que está relacionado às questões da vigilância policial por câmeras corporais e ao uso da força policial, podendo ser um fator para a aparição de doenças mentais comuns à classe policial.

No Cluster número 5, em roxo e ao centro e à esquerda da figura, destaca-se a palavra-chave evidence-based policing (policiamento baseado em evidências), acompanhada de: prevenção criminal, legitimidade policial, pontos quentes, policiamento de pontos quentes, redução criminal e Covid-19. O posicionamento deste cluster sugere que está relacionado aos outros grupos. A figura mostra que o grupo é relacionado às práticas das decisões baseadas em evidências, abordando temas como legitimidade policial para agir, policiamento direcionado a pontos quentes, e policiamento baseado em evidências buscando a redução e a prevenção criminal. A ocorrência da palavra Covid-19 sugere que de alguma forma a doença teve impacto nesses estudos.

E por último, o cluster número 6, em azul claro e na parte de cima da figura, traz as palavras-chave pesquisa e receptividade à pesquisa. Este grupo demonstra que o tema possui espaço no campo acadêmico para pesquisas futuras.

A análise dos clusters nos permite perceber que existem cinco tendências centrais para as publicações em Policiamento Baseado em Evidências. O sexto cluster é referente à receptividade para pesquisa que o tema possui, não acrescentando um campo temático propriamente dito a ser pesquisado. As duas principais tendências de pesquisa são os cluster de número 1 e de número 5, que abordam, respectivamente, a questão do policiamento voltado para a violência doméstica e abuso (sexual) familiar e o policiamento baseado em evidências em si, buscando a redução e a prevenção criminal através de direcionamento policial devidamente embasado por evidências.

É possível auferir tal conclusão através do posicionamento dos clusters, centralizados, envoltos e conectados pelos outros grupos. Verificamos que as temáticas sobre a violência provocada pelo uso de álcool, que gera a implementação de políticas públicas baseadas em evidências voltadas para esse problema; a criminalidade que envolve o uso de drogas, doenças sexualmente transmissíveis e a conexão da aplicação da lei com a saúde pública; e o enfoque policial, com treinamento, uso de força, câmeras corporais e as doenças da profissão, como estresse e transtorno pós-traumático, são todas temáticas satélites, que circundam as principais temáticas estudadas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O objetivo deste trabalho foi apresentar quais os principais campos temáticos estudados sobre policiamento baseado em evidências. Através de uma análise bibliométrica, cinco principais campos temáticos sobre o tema foram identificados, sendo eles: policiamento baseado em evidências e hot spots para prevenção e redução criminal; policiamento para prevenção da violência doméstica e abuso sexual familiar; implementação de políticas públicas baseadas em evidências para prevenção de violência causada pelo uso de álcool; aplicação da lei para problemas de saúde pública, como o uso de drogas e doenças sexualmente transmissíveis; e, por fim, estudo da polícia e dos policiais, seu treinamento, uso de força e as doenças da profissão. A revisão bibliométrica não se propõe a explorar o conteúdo do que foi produzido e muito menos realizar uma análise crítica sobre a produção acadêmica existente. O que ela se propõe é identificar tendências gerais de crescimento do interesse acadêmico em um determinado campo, quais países e regiões mais produzem sobre o assunto, e observar como os temas, contidos nas palavras-chave dos artigos, se interconectam entre si.

Tendo este resultado como base, percebemos duas lacunas sobre os esforços acadêmicos em pesquisa na área, sendo, a primeira, a falta de estudos em policiamento baseado em evidências voltados para a prevenção de crimes contra a vida, como homicídio e latrocínio, e também os crimes contra o patrimônio, como roubo e furto. A segunda lacuna é a falta de implementação das tecnologias e inovações para gerar um número maior de evidências que podem basilar os tomadores de decisão em seus atos. O único aparato tecnológico que surgiu nos resultados foram as câmeras corporais policiais.

Vislumbramos exemplos de medidas inicialmente controversas que, aplicadas com base no policiamento baseado em evidência, geraram frutos positivos, todavia, deve-se levar em conta os aspectos regionais, culturais, as legislações e outros fatores que têm impacto direto na criminalidade de um país ou uma região. Daí, surge a necessidade da pesquisa regionalizada, acompanhada e avaliada através de sua implementação para, dessa maneira, não correr o risco de continuar testando políticas públicas que foram malsucedidas em outros lugares. As avaliações de impacto podem e devem influenciar políticas públicas, ao fornecer uma base sólida de evidências que direcione os recursos para intervenções efetivas e comprovadas (Gertler et al., 2018).

No Brasil, a temática ganha contornos ainda mais interessantes. De certo que os dados da segurança pública no Brasil não seguem um rigor metodológico entre as mais diversas instâncias, órgãos e entidades federativas e por isso a tarefa de produzir evidências científicas na área torna-se complicada. Um exemplo disso é a utilização do DATASUS, um índice do Sistema Único de Saúde para publicações oficiais sobre dados de homicídios (FBSP, 2021). O Sistema Único de Segurança Pública – Susp, criado em 2018, tem o desafio de solucionar esse problema, a fim de propiciar ao Estado e à sociedade brasileira dados robustos, íntegros, confiáveis e interoperáveis, voltados ao campo da segurança pública. A partir disso, conhecimento científico poderá ser gerado com vistas a melhor informar operadores de política.

A promessa do policiamento baseado em evidências é reduzir os danos com melhores pesquisas para direcionar, testar e rastrear as ações policiais (Sherman, 2020). Por esse ponto de vista, denota-se a importância do fomento à pesquisa no Brasil sobre o policiamento baseado em evidências; conforme Kopittke (2019), a defesa do pensamento científico e da construção de políticas públicas baseadas em evidências é uma tarefa da mais alta relevância para a própria defesa do Estado Democrático de Direito, e que ainda possui muitas dificuldades para se consolidar em toda a América Latina, especialmente no Brasil.

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