Mestra em Sociologia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Especialista em Criminologia, Política Criminal e Segurança Pública pela Rede LFG, Especialista em Segurança Pública e Atividade Policial pela Faculdade Arnaldo, Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) e em Psicologia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Atualmente é Professora da Academia de Polícia Civil de Minas Gerais e Escrivã na Polícia Civil de Minas Gerais, com experiência nas áreas de Segurança Pública, Direito e Psicologia, com ênfase em Educação.
Médica sanitarista e do trabalho, mestre em Sociologia, doutora em Ciências Humanas é docente do Departamento de Medicina Preventiva e Social da Faculdade de Medicina da UFMG, nos cursos de graduação em Medicina e Gestão de Serviços de Saúde, Mestrado Profissional em Promoção da Saúde e Prevenção da Violência e no Programa de Pós Graduação em Sociologia. É pesquisadora do Centro de Estudos em Criminalidade e Segurança Pública (CRISP/UFMG)
Doutor em Administração. Pesquisador e professor da Fundação João Pinheiro (FJP/MG). É membro da Núcleo de Estudos em Segurança Pública (NESP/FJP)
Trata-se de estudo qualitativo, baseado em entrevistas com agentes da Polícia Militar de Minas Gerais e da Guarda Civil Municipal de Belo Horizonte, sobre sua ação junto às pessoas em situação de rua (PSR) no contexto da pandemia da COVID-19. Os agentes relataram falta de treinamentos para lidar com PSR e seguirem critérios próprios para atender as exigências institucionais e da comunidade, sendo os protocolos parcialmente determinantes dos seus processos decisórios. A ação direcionada para as PSR envolve atos repressivos, “higienistas” e de controle das pessoas e do espaço urbano. As PSR são caracterizadas como elementos da degradação urbana e obstáculos à circulação de pessoas, sendo as forças de segurança acionadas quando as restrições sociais não conseguem mantê-las controladas. A pandemia foi motivo de apreensão inicial na atuação policial, com posterior relaxamento. O artigo revela a distância entre a norma e a execução do trabalho policial no que se refere a populações vulneráveis.
This is a qualitative study, based on interviews with agents of the Military Police of Minas Gerais and Municipal Civil Guard of Belo Horizonte, about their performance with homeless people (PSR) in the context of the pandemic by COVID-19. The agents reported lack of training to deal with PSR and to follow their own criteria to meet institutional and community requirements, with protocols being partially determinants of their decision-making processes. The action directed to the PSR involves repressive actions, “hygienists” and control of people and urban space. PSRs are characterized as agents of urban degradation and obstacles to the movement of people, and security forces are called in when social restrictions cannot keep them under control. The pandemic was a reason for initial apprehension in police action, with subsequent relaxation in prevention actions. The article reveals the distance between the norm and the execution with regard to vulnerable populations, manifested in the execution of police work through its discretion.
No início do mês de março do ano de 2020, a Organização Mundial de
Saúde (OMS) declarou oficialmente a pandemia da COVID-19, considerando
que a população mundial se viu exposta a risco de grave doença
infecciosa e letal, com modo de transmissão comunitária (VIEIRA
A fim de retardar o avanço progressivo e acelerado na contaminação
pelo vírus, autoridades em todo o mundo adotaram medidas de prevenção e
controle da pandemia, destacando-se o
Num cenário de crise sanitária de amplo alcance, torna-se essencial a promoção de debates e reflexões sobre como o Estado, por meio de suas políticas públicas, vem lidando com as novas demandas e as instabilidades sociais proporcionadas em razão da pandemia da COVID-19. Tais dinâmicas também afetaram as ações no campo da segurança pública e da justiça.
Práticas repressivas de controle social por meio da segurança pública
e do sistema de justiça criminal, de dificuldades no acesso à saúde
pública, especialmente num contexto de pandemia da COVID-19, denotam uma
sociedade marcada por privilégios e garantias de oportunidades para uma
parcela seleta da sociedade (BAPTISTA
Levantamentos preliminares acerca da interface entre os campos da
Saúde, dos Direitos Humanos e da Justiça sugerem que a pandemia tem
colocado em risco e agravado a situação de vulnerabilidade de grande
parcela da população, que inclui grupos específicos como as pessoas em
situação de rua (FENLEY, 2021; MONTGOMERY
Nessa esteira, é fundamental analisar como a atuação das forças
públicas de segurança têm se adaptado às novas contingências
estabelecidas pela pandemia da CODIV-19 (ALCADIPANI
Por sua vez, pessoas em situação de rua têm menos acesso aos serviços
e cuidados com a saúde, e estão longe de cumprirem os mandamentos de
prevenção à COVID-19 disseminados pelas organizações de saúde, como
lavar as mãos com frequência, manter-se isoladas das outras pessoas e
procurar um médico ao sentir sintomas, o que pode favorecer a
disseminação do vírus entre essa população já vulnerável. Para esses
sujeitos, não vale a recomendação tão difundida pelas autoridades e
repercutida nas mídias e redes sociais “#ficaemcasa” (ROLIM NETO
Estima-se que aproximadamente 221 mil pessoas no Brasil vivam de modo contínuo nas ruas e em outros espaços públicos, expostas a intempéries, insegurança e insalubridade (SILVA; NATALINO; PINHEIRO, 2020). Tal panorama atesta a evidente incapacidade do Estado em cumprir o que SANTOS (2011, p. 6) denominou de “promessas da modernidade” (promoção de cidadania, acesso à justiça, reconhecimento dos excluídos), e reforça o processo de diferenciação e exclusão social a que estão submetidos certos segmentos da sociedade (OLIVEIRA, 2016). Em tempos de enaltecimento dos valores hegemônicos e de padrões de “normalidade” na sociedade e na vida urbana, ressalta-se o valor e a atualidade de estudos interdisciplinares e o foco nas diferenças, pensando-se a cidade a partir de metodologias sob perspectivas mais sensíveis e humanizadas.
Ante esse cenário, o presente artigo realiza um estudo problematizando as percepções dos agentes das forças públicas de segurança, vinculados à Polícia Militar de Minas Gerais e a Guarda Civil Municipal de Belo Horizonte, acerca de suas atuações policiais, bem como de sua relação com os sujeitos em situação de rua, no contexto da pandemia da COVID-19. Os encontros entre esses dois atores são descritos neste artigo como situações diversas que envolvem os protocolos policiais, bem como contato, relação, aproximação e outros termos de mesmo conteúdo semântico. O argumento do estudo sustenta-se na conjunção de três elementos principais: o cidadão, o Estado e o contexto, representados respectivamente pelos indivíduos em situação de rua, os agentes das forças públicas de segurança, durante o cenário de pandemia da COVID-19.
Defende-se que a temática suscitada neste artigo se mostra
contemporânea e de grande relevância pública, considerando-se que a
reflexão sobre o padrão de ação estatal de gestão, controle e vigilância
repressivos sobre a população de rua pode contribuir na ressignificação
de ações e atenção dos poderes públicos acerca da temática (TSAI;
WILSON, 2020). É fundamental compreender quais são os argumentos que
sustentam essa atuação e como se dá o controle da ordem pública, da
violência e do crime (KYPRIANIDES
Este artigo é composto por três partes, além deste texto introdutório e das considerações finais. A síntese teórica vem em continuidade, abordando o contexto da pandemia e seus principais impactos para a atuação das forças públicas de segurança em seu contato com a população em situação de rua. Em seguida, o percurso metodológico do estudo é explicitado, sendo complementado com a seção destinada à apresentação dos resultados da pesquisa.
Ao estampar um fenômeno crítico e desafiador com poucos precedentes
na história, a pandemia da COVID-19 é considerada um evento mundial de
alcance significativo e extraordinário, com impactos ainda pouco
dimensionados e pressões difusas no que se refere às dimensões
individuais, organizacionais e sociais. Estudos sinalizam que o modo
como os governos são capazes de enfrentar a crise gera grandes
repercussões na atuação dos agentes públicos ou burocratas de nível de
rua durante a pandemia, que inclui maior exposição ao risco, maior
ambiguidade das políticas (por falta de informação e diretrizes
contraditórias) e ampliação do campo da discricionariedade (ALCADIPANI,
2020; ALCADIPANI
As recomendações das agências de saúde internacionais e brasileiras soam no sentido de evitar ou reduzir a propagação da doença e a contaminação, por meio da aplicação de mecanismos preventivos como vacinação em massa, quarentena, isolamento e distanciamento social ou espacial, além dos cuidados rigorosos com a higiene e a ampliação das rotinas de limpeza (lavagem frequente das mãos, higienização de superfícies e objetos, uso de máscaras e outros equipamentos de proteção individual, uso de produtos de limpeza como álcool em concentração 70%) (OPAS, 2020; CONASS, 2020).
O exame sobre os impactos da pandemia da COVID-19 informa que as várias populações estão expostas a diferentes graus de riscos de contaminação pelo novo coronavírus. Especialmente sobre grupos vulneráveis, Santos (2020) e Silva e Maciel (2020) alertam sobre os efeitos discriminatórios que podem surgir desse processo crítico, particularmente em se tratando do grupo que inclui os sujeitos em situação de rua. Tais efeitos aparecem num cenário permanentemente marcado pela assimetria ou desigualdade social e assumem contornos mais graves para as populações já consideradas em desvantagem social e econômica.
Os riscos de contágio ficam agravados quando se trata da população em
situação de rua, em virtude do reduzido acesso à água potável, às
condições de saúde e higiene e à informação. Tsai e Wilson (2020) e
Rolim Neto
Fenley (2021) tece reflexões basilares sobre a limitação no exercício
da cidadania pelos sujeitos em situação de rua durante o contexto
pandêmico. Diante do quadro de disseminação do vírus, as autoridades
determinaram ordens de permanência em casa, limitando o acesso aos
espaços públicos pelos cidadãos, o que parece incoerente quando se trata
de indivíduos que vivem nas ruas e estão alijados de recursos
necessários à sobrevivência e principalmente desprovidos do exercício do
direito à habitação. Com a pandemia, os problemas que as pessoas
sem-teto enfrentam foram exacerbados e a existência de injustiças
sociais restou ampliada. Portanto, seu
Baseando-se na experiência australiana, Parsell, Clark e Kuskoff (2020) examinam o reenquadramento da situação de rua de um indivíduo para uma crise de saúde pública, de modo que as vulnerabilidades vivenciadas pelos sem-teto são identificadas como uma ameaça, não apenas para sua própria saúde (numa perspectiva individual), mas também para a saúde do público em geral. O estudo demonstra como a articulação entre participantes do governo e do setor sem fins lucrativos é a melhor aposta no sucesso da abordagem voltada para desabrigados durante a pandemia. Em suma, num cenário pós-pandemia, a situação de rua necessita ser encarada como um problema de justiça habitacional e não como produto de deficiências individuais.
Para além de questões sanitárias, os impactos econômicos e sociais da
pandemia da COVID-19 incidem drasticamente sobre a população de rua,
considerando que o espaço público (a rua) se encontra restrito e com a
circulação de pessoas densamente reduzida, em virtude do isolamento
social ou espacial. É nas ruas e das ruas que os sujeitos em situação de
rua produzem e retiram seu sustento (CORECON/MG, 2020). Dificuldades
como a testagem em massa para identificação de pessoas com sintomas da
doença, o isolamento social ou a distribuição de doentes para locais
onde possam receber tratamento adequado representam alguns desafios para
o cuidado com a população em situação de rua em tempos de COVID-19
(VIEIRA
No Brasil, o enfrentamento à pandemia da COVID-19 vem desvelando a fragilidade das instituições burocráticas e as tensões entre os entes federativos, em razão da ausência de articulação e cooperação entre as esferas municipais, estaduais e federal, ou seja, de um pacto federativo organizado e planejado de ações para viabilizar alternativas à crise sistêmica que se instalou no país e afetou os diversos setores (saúde, economia, educação etc.) durante a pandemia da COVID-19. Diante da escassez de recursos públicos e das dificuldades na implantação de políticas públicas, o país se deparou com o acirramento das desigualdades sociais, num cenário em que se assiste à politização da burocracia pública em detrimento da sua profissionalização, com impactos graves na gestão e na autonomia decisória (PECI; TEIXEIRA, 2021).
Assim, a desigualdade jurídica se materializa de modo semelhante
quando se comparam a aplicação de políticas públicas, o acesso a
direitos e a imposição de sanções. Os segmentos da população que se
encontram em um patamar de vulnerabilidade e fragilidade social sofrem
sobremaneira os impactos de ações e negligências estatais que, inúmeras
vezes, seguem na contramão da prevenção, da atenção e do cuidado à
população equitativamente (LIMA
Isso contradiz a perspectiva contemporânea proposta por Moore (2003 p. 116), que sugere a relevância da articulação das polícias junto à comunidade e a outros órgãos e agências, para uma “análise cuidadosa e criativa dos problemas que os cidadãos trazem”, incluindo a prevenção de crimes e a atenção às mais variadas emergências sociais. No caso brasileiro, as organizações policiais ainda preservam certa tradição autoritária, com foco mais voltado para estratégias de repressão e imposição da força, em detrimento da prevenção e negociação de conflitos na sociedade, apesar de discretos avanços na efetivação de uma sociedade mais segura e garantidora de direitos (BATITUCCI, 2019; COSTA, 2021).
A simples presença de um policial uniformizado, no interior de uma viatura policial, já denota a presença do Estado, o que soa como expectativa de imposição de limites ao cidadão comum, ainda que contrariamente à sua vontade, sendo possível a ação evoluir ou regredir de acordo com a avaliação do agente policial, podendo seguir a partir de critérios legítimos e legais ou, ainda, segundo contornos arbitrários (BUENO; LIMA; TEIXEIRA, 2019).
Trazendo à tona outros elementos de análise que orbitam sobre a noção de policiamento, há que se falar ainda no duplo caráter de imperatividade e discricionariedade do poder estatal corporalizado na ação da polícia, o que limita os contornos do saber e da práxis policiais por meio das várias funções ou padrões de policiamento reativos ou de prevenção, bem como suas atividades do cotidiano, como realizar abordagens, “atendimento de emergências, aplicar a lei, manter a ordem pública, preservar a paz social, mediar conflitos, auxiliar, assistir, advertir, socorrer, dissuadir, reprimir”, dentre outras (MUNIZ; SILVA, 2010, p. 450).
Um dos principais atores da cena urbana, a polícia se faz presente nos diversos espaços da cidade, mantendo contato direto com diferentes segmentos sociais (RIBEIRO; SOARES, 2018). Assim, os agentes das forças públicas de segurança transformam em rotinas e ações concretas as políticas pelas quais são responsáveis, bem como acessam elementos da complexa relação que esses agentes estabelecem com os sujeitos em situação de rua, também destinatários dos serviços e das políticas públicas. Tal configuração se mostra ainda mais essencial pelo contexto de uma crise sanitária sem precedentes como a causada pela COVID-19.
Investigações como as de Alcadipani, Cabral, Fernandes e Lotta (2020) sinalizam que a pandemia foi capaz de gerar impactos na ação das forças públicas de segurança, em razão do alinhamento dos valores das agências policiais de controle do crime e da cultura ocupacional política e policial. Foram identificados ainda conflitos no trabalho policial, bem como nas interações entre polícia e sociedade, o que sugere impactos negativos em diferentes dimensões para os policiais (política, cultura ocupacional e material). Ao responderem à crise durante a pandemia, os agentes públicos acabam se valendo da discricionariedade para buscar respostas criativas ou ainda se veem diante da incapacidade de ação.
Kyprianides
Refletir sobre essa dinâmica em articulação com as normas, com os valores da ação ocupacional das agências policiais e com os protocolos de ação gerados pela pandemia importa para revelar a distância entre a norma e a execução da sua prática, sobretudo no que se refere às populações vulneráveis.
No sentido de compreender a percepção das forças públicas de segurança sobre sua atuação profissional e seu contato com a população em situação de rua, especialmente em tempos de pandemia da COVID-19, a pesquisa conjugou processos eminentemente qualitativos (OLABUÉNAGA, 2012), mediante investigação de dados e percepções sobre um fenômeno social complexo (MINAYO, 2004). A pandemia causada pelo novo coronavírus se apresenta como um contexto delicado e serve de pano de fundo que limita e guia as estratégias metodológicas de pesquisa.
Optou-se por um estudo de caso por meio da análise da Guarda Civil Municipal de Belo Horizonte (GMBH) e da Polícia Militar de Minas Gerais (PMMG), cujos integrantes mantêm frequentes contatos e relações com os sujeitos em situação de rua, em razão de sua atribuição funcional e de seu posicionamento ostensivo e rotineiro nas ruas, com atuação voltada para o controle da ordem social e a prevenção e repressão do crime.
Ambas as instituições, no âmbito do município de Belo Horizonte,
atuam de modo complementar e integrado, especialmente em operações,
A coleta de dados adotada para coligir conteúdos e análises visando atender aos objetivos deste estudo, deu-se por meio da realização de trabalho de campo (GODOY, 1995), utilizando levantamento documental (SILVA; EMMENDOERFER; CUNHA, 2020) e entrevistas semiestruturadas com agentes das forças públicas de segurança (COLOGNESE; MELO, 1998).
Para esta análise, foram entrevistados 16 agentes das forças públicas
de segurança que atuam efetivamente em Belo Horizonte, sendo 8 policiais
militares (designados Entrevistado PMMG) e 8 guardas civis municipais
(designados Entrevistado GMBH), nos termos de Thiry-Cherques (2009),
selecionados por amostragem não probabilística intencional, via
indicação conhecida como “bola de neve”, como sugerem Marcus
O quadro abaixo refere-se ao perfil dos entrevistados da GMBH:
GMBH 01 | Guarda Civil de Classe Distinta | Administrativo | Grupamento de Trânsito; Guarda Patrimonial; Atuação Preventiva em escolas | 18 anos |
GMBH 02 | Subinspetor | Grupamento de Emprego Especializado | Atuação Preventiva em Centro de Apoio Comunitário e na Rodoviária; Central de Atendimento BH Resolve | 13 anos |
GMBH 03 | Guarda Civil Municipal I | Administrativo (1ª Inspetoria) |
Guarda Patrimonial; Grupamento de Trânsito; Patrulhamento ordinário; Atuação Preventiva Unidades de Saúde, em Escolas, em Parques, na Rodoviária | 16 anos |
GMBH 04 | Guarda Civil Municipal I | Observatório do Espaço Urbano - Centro Integrado de Operações - COP | Atuação Preventiva em Unidade de Saúde; Grupamento de Emprego Especializado; Grupamento de Transporte Coletivo (Viagem Segura); Administrativo - DOP | 12 anos |
GMBH 05 | Não informado | Administrativo (Diretoria Geral de Operações) | Atuação Preventiva em Escolas e em Unidade de Saúde; Grupamento de Trânsito; Centro Integrado de Operações - COP; Grupamento de Ação Preventiva a Pessoas em Situação de Rua | 10 anos |
GMBH 06 | Subinspetor | Departamento de Ordem Pública | Atuação preventiva; Inteligência; Coordenação Administrativa de Regionais; Coordenação Operacional no DOP; Treinamento de Guardas | 10 anos |
GMBH 07 | Guarda Civil Municipal I | Grupamento Sentinela - DOP | Atuação Preventiva em Escolas, em Centro de Saúde, em Parques, Motopatrulha | 12 anos |
GMBH 08 | Guarda Civil de Classe Distinta II | Grupamento de Ação Preventiva a Pessoas em Situação de Rua - Centro Sul | Atuação preventiva no CRAS, em Abrigos, em Unidades de Saúde, em órgãos administrativos da PBH | 15 anos |
Fonte: Elaboração própria com base nos dados da pesquisa.
*Dentre a amostra de entrevistados, 1 guarda civil é do sexo feminino, e 2 policiais militares são do sexo feminino, todos não identificados em razão do sigilo ético.
Na sequência, as características dos entrevistados da PMMG são apresentadas no Quadro 2 abaixo:
PMMG 01 | Cabo | Inteligência | Patrulhamento ordinário; Tático Móvel; administrativo | 17 anos |
PMMG 02 | Sargento | Patrulhamento ordinário motorizado | Patrulhamento ordinário; Administrativo; Policiamento montado (Cavalaria); Comunicação Institucional; | 22 anos |
PMMG 03 | Sargento | Tático Móvel | Patrulhamento ordinário motorizado | 12 anos |
PMMG 04 | Sargento | GEPAR | Choque, policiamento a pé, posto de Observação e Vigilância (POV) e no atendimento de polícia comunitária. | 4 anos |
PMMG 05 | Cabo | Administrativo (Recursos Humanos) | GEPAR | 14 anos |
PMMG 06 | Tenente | Comando de Setor na região Central | Patrulhamento ordinário; GEPAR; Policiamento Comunitário | 17 anos |
PMMG 07 | Tenente | Comando de Setor na região Central | Trânsito; Inteligência; Operacional no /Policiamento ordinário | 14 anos |
PMMG 08 | Tenente | Comando de Setor na Região Central | Postos Fixos, POV, Sentinela, Policiamento a pé, de eventos, Rádio Patrulha, | 10 anos |
Fonte: Elaboração própria com base nos dados da pesquisa.
*Dentre a amostra de entrevistados, 1 guarda civil é do sexo feminino, e 2 policiais militares são do sexo feminino, todos não identificados em razão do sigilo ético.
Respaldado na análise das narrativas dos agentes, o estudo buscou
aprofundamento sobre a execução das tarefas e rotinas de trabalho
(SKOLNICK; BAYLEY, 2002), bem como sobre a maneira como elaboram as
representações sobre os indivíduos em situação de rua (SILVA; MACIEL,
2020), e como esse juízo influencia suas atuações cotidianas,
especialmente no contexto crítico da pandemia (ALCADIPANI
A coleta de dados no campo ocorreu durante a pandemia da COVID-19, período em que na cidade de Belo Horizonte estavam vigentes as restrições sanitárias relacionadas com obrigatoriedade do uso de máscaras, proibição de aglomeração, limitação de funcionamento do comércio e horários restritos de circulação do transporte público (BELO HORIZONTE, 2020).
As entrevistas ocorreram no período de janeiro a junho de 2021 e tiveram a duração média de 69 minutos, sendo 15 delas gravadas e, posteriormente, transcritas e analisadas. Dentre os entrevistados, somente um não autorizou o registro da entrevista por meio de gravação, procedendo-se às anotações em caderno de campo. No texto, optou-se pela inserção dos excertos das falas dos entrevistados em seu modo mais completo para o sentido da análise, o que propiciou inserções mais longas para a manutenção da essência e descrição do fenômeno estudado. Utilizou-se a análise de conteúdo para interpretação das entrevistas nos moldes propostos por Bardin (1994), uma vez que vincula um conjunto de significações produzidas no âmbito das comunicações entre os sujeitos, de modo a ampliar a exploração de tal fenômeno (SILVA; GOBBI; SIMÃO, 2005).
A seleção dos temas e das categorias para análise dos dados neste artigo foram estabelecidos a partir do contexto da pesquisa e da literatura (CRESWELL, 2007; 2014). Desse modo, a análise de conteúdo interpretou a perspectiva dos entrevistados, cujos relatos foram tratados em fases, quais sejam: pré-análise, exploração do material ou descrição analítica, e tratamento dos resultados ou interpretação referencial, segundo destacam Godoy (1995) e Triviños (1987). No Quadro 3, são apresentadas, a seguir, as respectivas dimensões de análise, seus elementos principais para fins deste artigo e o suporte teórico básico utilizado.
Pandemia da COVID-19 | Percepção dos agentes sobre o sujeito em situação de rua | Vieira |
Percepção dos agentes sobre o contexto pandêmico | Alcadipani; Cabral; Lotta; Fernandes, 2020; Alcadipani;
Matarazzo; Fernandes, 2020; Davidovitz |
|
Procedimentos policiais e protocolos institucionais de prevenção e controle à doença |
Fonte: Elaboração própria com base no suporte teórico
A seguir, são apontados os principais aspectos levantados na coleta de dados relacionados à percepção sobre o trabalho policial e o modo como se comportam os agentes da Guarda Civil e da Polícia Militar, num contexto crítico que exige uma maior aproximação com a comunidade e com os públicos vulneráveis.
O estudo revelou alguns reflexos do cenário pandêmico da COVID-19 nas dimensões individuais, operacionais e sociais, que permeiam o encontro cotidiano entre os agentes das forças públicas pesquisadas e as pessoas em situação de rua, no cenário urbano circunscrito ao município de Belo Horizonte, Minas Gerais.
De modo geral, os agentes das forças públicas de segurança ouvidos nesta pesquisa evidenciaram que, ao agirem, seguem seus próprios critérios de discricionariedade, no sentido de cumprirem satisfatoriamente as exigências institucionais e da comunidade, considerando as condições de incerteza e eventual falta de recursos inerentes à sua atividade, bem como suas prioridades pessoais. Os protocolos legais e institucionais são, portanto, parcialmente (e às vezes, minimamente) determinantes do processo decisório dos agentes. A investigação sinalizou ainda importantes elementos associados à difusão da cultura policial, da doutrina, da falta de formação permanente e do aprendizado pelo hábito no bojo das duas instituições, aproximando das proposições de Costa (2021), Kopittke (2016), Poncioni (2021) e Batitucci (2019), mesmo no contexto de crise pandêmica.
Destaca-se também que as entrevistas traçam com riqueza de atributos a caracterização do trabalho policial, que incluem a imprevisibilidade, a exposição aos riscos iminentes e um contexto de insegurança, além de outras peculiaridades relacionadas com as atividades de polícia no seio da sociedade – conflito, desordem e crime, delineados em Skolnick e Bayley (2002) e Lipsky (2019), como ilustra o Entrevistado PMMG 4, expondo que sua unidade lida com “problemas comuns às grandes cidades, como manifestações, alto número de moradores de rua e muitos crimes”. Enquanto o Entrevistado PMMG 8 menciona percepções ambivalentes geradas por sua inserção na área da Segurança Pública, especialmente nesse momento de pandemia:
Eu às vezes me sinto um pouco exposto, porque poderia tá em casa, poderia estar sem circular, mas a nossa atividade é presencial. Não tem como abrir mão dessa condição e quando a gente faz o compromisso, mesmo com o sacrifício da própria vida, eu acho que nós estamos no momento de teste disso. Será que você tá mesmo, mesmo com sacrifício da própria vida? Então eu me sinto indo pra guerra, entendeu? Todo dia, todo dia... Eu vou ter que abordar uma pessoa, eu tô me expondo. Quando o soldado vai pra guerra, não corre risco de tomar um tiro? Hoje eu tô correndo risco de pegar um COVID, entendeu? E eu não sei se eu já peguei, se eu já me curei, eu ainda não me vacinei, então eu me sinto exposto, né, mas eu me sinto exposto mas na sincera convicção que eu sei que tem que ser feito isso e eu me sinto orgulhoso de tá participando disso, entendeu? Eu tenho essa sensação, de exposição e orgulho ao mesmo tempo... Medo e orgulho ao mesmo tempo. Então é esse meu sentimento. (Entrevistado PMMG 4).
Alcadipani (2020) e Alcadipani, Cabral, Fernandes e Lotta (2020) mencionam pesquisas sobre o valor do culto à masculinidade como eixo estruturante dessa lógica de cultura ocupacional, reforçando que nas organizações policiais prevalecem ações, valores e crenças associados à dimensão masculina. Os agentes das duas instituições citadas se autopercebem como heróis masculinos, que assumem os perigos de manter a ordem e lutar contra o mal comum, personificado na figura do “criminoso”, do “infrator”, segundo uma lógica hegemônica de masculinidade, nos termos discutidos nas pesquisas de Connell e Messerschmidt (2013).
Há que se ressaltar que os relatos das agentes do sexo feminino entrevistadas denotaram maior aderência à atuação legal e legítima das instituições policiais, maior foco na qualificação e no aprimoramento dos agentes, bem como sugeriram a necessidade de maior proximidade com a comunidade.
Por sua vez, os sujeitos em situação de rua são caracterizados pelos agentes das forças públicas de segurança como poluidores do ambiente urbano, como aqueles que reviram o lixo da cidade, que atrapalham a circulação das pessoas e que infringem as normas do ordenamento do espaço urbano, nos mesmos termos indicados por Rui, Martinez e Feltran (2016). Sua presença gera degradação, sujeira, odor, caos e tensão. E quando os mecanismos de higienização, de afastamento e restrição sociais não funcionam de modo adequado, as forças públicas de segurança são chamadas a neutralizá-los e mantê-los distantes.
Dentre as principais barreiras ou entraves que interferem no modo como os agentes das forças públicas de segurança atuam diante das pessoas em situação de rua, foram detectadas nas entrevistas a referência às suas condições de higiene pessoal, à sua posse de materiais ilícitos ou que possam causar lesões aos agentes, à presença delas em grupo, além de outros, sinalizando a necessidade de maior cautela ou de uma postura mais ofensiva dos agentes:
Eles estão muito sujos. Então, querendo ou não, toda vez que a gente chega, tem que usar a luva. Antes de abordar, eu já coloco. Se já sabe que vai abordar, já coloca a luva dentro da viatura mesmo, para evitar. Então, a questão da higiene corporal deles e do lugar que eles ficam, das coisas que eles jogam. (Entrevistado PMMG 3).
[...] mas talvez se fosse uma outra equipe, tinha deixado passar batido, porque é o morador de rua e está fedendo. A gente imaginava, né, ele tava, o pé dele tava… Nossa!! Ele fedeu a viatura, fedeu a delegacia inteira… Em outra oportunidade, talvez a gente não teria abordado. “Mexer com morador de rua? Deixa pra lá, sô”; a Guarda evita e eu acredito que as outras instituições também evitam o confronto, evitam a abordagem, porque ele tá fedendo, ele não toma banho, ele tá sujo, é essa a avaliação que eu faço, a gente evita o contato [...] (Entrevistado GMBH 4).
Os agentes da Guarda Civil e da Polícia Militar inserem-se num
contexto excepcional de insegurança e exposição ao risco de
contaminação, em que parece se desenhar um novo fluxo de demandas
direcionadas a essas organizações, que ultrapassam o controle e a
contenção do crime. Poucos trabalhos analisam como esses profissionais
lidam com o cidadão e como se ajustam a momentos críticos ou de
emergência, como é o caso dos agentes das forças públicas de segurança
durante a pandemia (ALCADIPANI, 2020; LOTTA
Considerando, em regra, a impossibilidade de atuar em
Os relatos indicaram que, com a pandemia, houve um agravamento das circunstâncias críticas a que normalmente os agentes das forças públicas de segurança já se encontravam expostos, como escassez de recursos, intensa jornada de trabalho, imprevisibilidade, risco e novas demandas da comunidade e do poder público. Num contexto de pandemia, o Estado se viu pressionado a dar respostas urgentes de controle à doença, que incluem ações de fiscalização ao cumprimento das medidas de distanciamento social, sobretudo no que se refere aos estabelecimentos comerciais (bares, restaurantes, lojas, espaços de festas), bem como ações humanitárias e de proteção aos cidadãos mais vulneráveis (ALCADIPANI; MATARAZZO; FERNANDES, 2020).
Assim, inicialmente, na lide com a população, os agentes das forças públicas estavam diariamente expostos ao vírus, sem vacina durante a maior parte do período endêmico, tendo que realizar ajustes na operacionalização de suas atividades e rotinas diárias. O Entrevistado PMMG 7 questiona: “a gente deveria tá atuando? Sim, mas eu acho que a gente deveria ter uma prioridade maior em ser vacinado, pra proteção da tropa”. Já os agentes da GMBH mencionaram que passaram a atuar constantemente no apoio aos fiscais municipais (na restrição e no fechamento de comércio), em razão dos decretos da Prefeitura de Belo Horizonte, repassando orientações, sanando dúvidas e explicando os modos de funcionamento autorizados.
O estudo indicou a existência de diversos protocolos de atuação relacionados à pandemia da COVID-19 voltados para as forças públicas de segurança, que incluem procedimentos operacionais padrões (POP), memorandos, resoluções, protocolos conjuntos entre instituições de Justiça e Segurança Pública, planos de contingenciamento nas esferas estadual mineira e municipal de Belo Horizonte, para além da regulamentação já prevista e estabelecida por autoridades internacionais, federais, estaduais e municipais no enfrentamento à COVID-19.
Identificou-se que, em relação às instruções disponibilizadas e
repassadas aos agentes das forças públicas de segurança, de modo a
orientar seu modo de execução das tarefas diárias durante a pandemia, a
maior parte delas se deu pelo ambiente virtual da Intranet, bem como
pelos contatos diários e informais entre os superiores e os agentes de
rua, antes dos turnos, nos procedimentos conhecidos como instrução
pré-turno ou
A orientação voltada para os protocolos institucionais de prevenção e controle à doença, bem como os procedimentos policiais, é mencionada como mais um processo mergulhado na discricionariedade de cada agente, considerando-se que cada policial ou guarda dava o seu tom particular quando da execução de suas atividades diárias, em contato com a população, além de ter trazido à tona que não houve um treinamento formal, direcionado, obrigatório, contínuo e supervisionado pelas duas instituições pesquisadas. Os resultados apontam que mesmo com as normas sobre a COVID-19, os indivíduos das forças públicas de segurança não seguiram rigidamente os protocolos determinados, como argumentado pelo Entrevistado GMBH 2:
Principalmente depois da pandemia, a guarda tem dado aos agentes. Dentro das viaturas a gente sempre tem as máscaras, luvas descartáveis, álcool em gel e é pedido que todos trabalhem com a máscara. Aí, vai também do próprio agente: eu, por exemplo, só trabalho de luva, uma luva tática. E dependendo da situação, eu tiro a luva tática e coloco a descartável. O tempo todo de máscara. Quando eu retorno pra viatura, retiro as luvas descartáveis, uso álcool em gel na mão. Então existe todo um protocolo dentro da instituição, porém mais importante do que esse protocolo é o próprio agente ali fazendo a sua segurança para que não haja nenhum tipo de contaminação (Entrevistado GMBH 2).
Questionados sobre a disponibilização de equipamentos de proteção individual (EPIs) pelas instituições, os agentes foram unânimes em dizer sobre a oferta de instrumentos, como luvas, máscaras e materiais sanitizantes como o álcool 70%, destinados para o uso pessoal dos agentes, a limpeza dos ambientes e das viaturas utilizadas (volantes, encostos, bancos, maçanetas etc.), mencionando ainda eventuais repasses para os cidadãos, quando necessário, em razão de abordagens ou mesmo de campanhas de distribuição voltadas para a população.
Ao longo do tempo, verificou-se a partir do relato dos entrevistados que o temor e o receio iniciais foram cedendo espaço para certa naturalização e banalização da epidemia, com os integrantes das forças públicas de segurança assumindo suas funções na pandemia como se isso já fizesse parte do contexto e não fosse uma excepcionalidade que mobiliza toda a sociedade. Nesse sentido, o Entrevistado GMBH 2 narra o que sentia:
Muito inseguro, principalmente pelo que está sendo veiculado pela mídia e porque na sua unidade eles trabalham em grupo. São 22 pessoas que trabalham juntas, desde o início do turno até o final do serviço. Além de trabalhar numa viatura externa, fazendo abordagem, acompanhando fiscalização, entrando em tudo que é local, com muita aglomeração, como baile funk. Isso traz uma insegurança muito grande. Além disso, quando chega na unidade, entra em contato com mais 21 agentes que já tiveram contato com inúmeras pessoas. Então, se eu trabalhasse sozinho ou na esfera administrativa, esse receio seria menor. Eu estaria num ambiente controlado. Mas trabalhando no operacional, trouxe uma insegurança muito grande, num primeiro momento. Porém, como depois o tempo vai passando, o ser humano vai se adaptando, vai acostumando à situação. (Entrevistado GMBH 2).
A observação no contexto do levantamento de campo revela a manifestação do receio de contaminação dos agentes em razão da exposição na execução de suas atividades, bem como o discurso de adequação ao recomendado pelas normas das instituições públicas de segurança. Apesar dos relatos, ao longo do tempo da pandemia, a prática no cotidiano mostrou uma postura de relaxamento, seguindo para o desleixo e o descaso, como a recusa de vacinação por alguns agentes, não utilização ou uso compartilhado de máscaras e a não manutenção de regras de distanciamento espacial, como se as forças públicas de segurança estivessem mergulhadas no contexto, que deveria ser enfrentado pelos agentes de modo destemido. Ou seja, a pandemia seria apenas mais uma situação de desafio, restrição e crise.
No que se refere à percepção dos agentes em relação às pessoas em situação de rua, a partir da experiência no cotidiano, as expressões dos agentes da Guarda Civil de Belo Horizonte, bem como da Polícia Militar mineira entrevistados, constataram o expressivo crescimento populacional como reportado por Dias (2021), e relataram um movimento migratório dos sujeitos em situação de rua, ultrapassando os limites do hipercentro do município e avançando para outros bairros, à procura de outros meios de sobrevivência e fonte de renda, como alimentos e materiais recicláveis. Nesse sentido, o Entrevistado GMBH 1 afirmou que:
Com o fechamento da cidade, e consequentemente de fontes de recursos, a dispersão para a periferia foi verificada pela diminuição do controle das posturas, maior proximidade de uma população mais caridosa, e que poderiam obter mais recursos para sua sobrevivência. (Entrevistado GMBH 1).
Em seu relato, o Entrevistado PMMG 6 descreve os fenômenos de crescimento e migração da referida população durante a pandemia:
Eu tô percebendo um fenômeno interessante que hoje... Antigamente os moradores de rua concentravam mais aqui na região da Contorno, Helena Greco, na Praça Rio Branco, mas como essa população tá aumentando muito, eu não tenho, assim, estatística, mas a gente percebe que tá aumentando porque algumas áreas que a gente não percebia a presença deles hoje eles já tão ocupando. Estão em áreas nobres igual bairro Santo Agostinho, onde que tem gente com alto poder aquisitivo, alta renda, né? Já vi morador de rua lá, e a gente vê um conflito, sabe, das pessoas que têm o poder aquisitivo acionando o 190, porque eles não querem o morador de rua na sua porta, né? (Entrevistado PMMG 6).
Importante mencionar ainda que, em que pese durante o período pandêmico estarem ocorrendo simultaneamente diversas ações intersetoriais voltadas para o público em situação de rua, como novos espaços de acolhimento, os agentes das forças públicas de segurança demonstraram estar alheios a tais ações, não mencionando qualquer participação ou envolvimento da PMMG. Em relação à GMBH, somente os Entrevistados GMBH 3 e GMBH 6 citaram ter ciência de tais intervenções sociais, sem, no entanto, mencionarem se houve nem como se deu a participação de sua instituição.
Cabe destacar ainda que foram unânimes os relatos de que não são difundidos organizacionalmente treinamentos e orientações formais para lidar com a população em situação de rua, de modo específico, nem em tempos normais nem em momentos de crise. Levando-se em consideração a pandemia da COVID-19, um contexto de turbulência social com sérias exigências de pronta-resposta e de maior proximidade com a comunidade, principalmente para os agentes públicos vinculados às forças de segurança, não foram identificados nos relatos protocolos de educação formal estabelecendo procedimentos policiais a serem adotados, nem cautelas no trato com as pessoas em situação de rua, sendo a ação policial concretizada, em regra, nos limites da tomada de decisão discricionária pelos agentes, como ilustra o Entrevistado PMMG 6:
Olha, a gente recebeu diversos protocolos de atuação com comerciante, protocolo de atuação pro COVID em geral, mas em específico morador de rua não, protocolo, assim, como proceder, fazer, nada assim, mas a gente teve uma padronização, sim, em relação à pandemia, como atuar em relação aos comerciantes, às igrejas, sempre tem uma preocupação da instituição com relação a esses principais problemas atuais aí. (Entrevistado PMMG 6).
Ademais, o levantamento de campo não identificou aspectos dignos de nota, do ponto de vista dos entrevistados, sobre eventual articulação entre as corporações, notadamente naqueles relacionados com o indivíduo em situação de rua, objeto do estudo. Não houve, ainda, menção a planejamentos conjuntos, seja no nível tático ou no operacional entre as instituições pesquisadas. Tais achados corroboram com os estudos sobre o sistema de justiça “frouxamente articulado”, como no caso brasileiro (SAPORI, 2007).
Por meio da pesquisa foi possível captar um nítido diferencial dos agentes da GMBH e da PMMG quanto à interpretação sobre as questões urbanas, as políticas públicas e os públicos distintos de modo geral. Enquanto os guardas municipais denotam maior grau de imersão e de apreensão das circunstâncias do contexto urbano, indicando zelo, atenção e maior proximidade com a comunidade, por sua vez, os policiais militares apresentam maior aquiescência aos pressupostos afetos ao modelo de policiamento tradicional, de persecução do “inimigo”.
Em suma, diante da análise dos elementos demonstrados nas narrativas dos entrevistados, o presente estudo reflete sobre o encontro entre os agentes das forças públicas de segurança e os sujeitos que vivem em situação de rua. A ação concreta e aplicada desses agentes, para além do formalmente prescrito, a partir da leitura do espaço urbano e do modo como percebem os sujeitos que vivem nas ruas, manifesta-se na execução do trabalho policial, essencialmente por meio de sua discricionariedade.
A análise permitiu identificar como os agentes de segurança percebem os vínculos estabelecidos com a organização na qual estão inseridos, como ressignificam sua atuação a partir da aderência aos modelos de policiamento e aos valores da cultura institucional, e que elementos consideram ao estabelecer seus processos decisórios e de ação enquanto lidam com os sujeitos em situação de rua no espaço urbano, especialmente em se tratando de contextos graves, como é o caso da pandemia da COVID-19.
Os principais achados da pesquisa referem-se ao entendimento de que não é possível eliminar a discricionariedade dos agentes, sendo esse um núcleo inerente à atividade das forças públicas de segurança. Considerando-se ainda a complexidade humana e social subjacente a essa atuação e a inexistência de respostas prontas diante de demandas sociais, organizacionais e individuais, constatou-se que os agentes estatais lidam com as pessoas em situação de rua a partir de um viés preconceituoso e estigmatizante, em que o elemento urbano configura e estabelece os contornos da forma de atuação.
O estudo evidenciou ainda que a pandemia da COVID-19, inicialmente, despertou nos agentes certo temor e tensão, ao trazer para perto de si o inimigo desconhecido, o que depois cedeu lugar para certa acomodação e assimilação dos agentes ao contexto. Ainda foi possível identificar que as atuações dos agentes de segurança, quando direcionadas para o público em situação de rua, envolveram, em essência, atuações repressivas e “higienistas”, de fiscalização e controle das pessoas e do espaço urbano, geralmente voltados para outros interesses (comerciantes, agentes imobiliários, residentes...) e não àquelas necessidades das populações vulneráveis.
No plano teórico, a pesquisa permitiu resgatar como as percepções dos agentes se traduzem na prática. Ainda sob o prisma teórico, esta pesquisa lançou bases reflexivas sobre a construção e o delineamento do que pode ser identificado como o perfil ajustado e pertinente de um agente mais próximo do cidadão. Destes se espera atuação pautada em princípios democráticos e no incremento de uma formação humana, técnica e legal continuada, principalmente em tempos de crise, em que a figura do agente estatal sofre novas e constantes demandas e pressões.
Dentre as contribuições empíricas, destacam-se aquelas especialmente voltadas para a importância de novos padrões de formação continuada e de socialização, que incluam um olhar multidisciplinar para as questões sensíveis da sociedade e para os públicos vulneráveis, considerando que as interações desses agentes entre si e com os demais cidadãos afetam o modo como são postas em prática as políticas públicas pelas quais são responsáveis. A atuação dos agentes tem, portanto, interferência na modulação de desigualdades sociais e séria repercussão e impacto sobre a vida dos sujeitos com os quais eles se relacionam.
No que diz respeito às limitações que surgiram no percurso desta pesquisa, vale mencionar que a pandemia da COVID-19 restringiu o escopo da coleta de dados, em termos de interação com os sujeitos da pesquisa. Acrescenta-se a estas particularidades, a dificuldade de incorporar alguns interlocutores no início do levantamento de dados, que se recusaram ou se mostraram indiferentes ao convite de participação na pesquisa.
A pretexto de colaborar com o aprofundamento sobre o tema, propõe-se que pesquisas futuras se debrucem sobre a dimensão formativa e empírica do trabalho dos agentes de segurança enquanto sua relação com grupos em situação de vulnerabilidade, como é o caso dos sujeitos em situação de rua. É possível ainda propor estudos que desvelem como se portam as redes de proteção, atenção e cuidado voltadas para as pessoas em situação de rua, em conexão com as forças de segurança pública, o que ressalta a importância de se pensar sobre a participação desses agentes em políticas e práticas intersetoriais que articulam diferentes organizações e agências público-privadas em prol de um ambiente urbano mais acolhedor e uma sociedade mais igualitária.
Finalmente, na interface entre os três elementos principais, “CIDADÃO”, “ESTADO” e “CONTEXTO”, os indivíduos em situação de rua simbolizam, nesta pesquisa, aqueles “invisíveis vigiados” pelas forças públicas de segurança do Estado, representadas na figura de seus agentes, todos imersos no contexto da crise sistêmica imposta pela COVID-19.
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