Autor: Jorge André de Carvalho Mendonça
Mini-Bio: Doutor em Direito Processual pela UNICAP; Visiting Scholar na Universidade de Duke-EUA (doutorado sanduíche); mestre em Direito Penal pela UFPE; especialista em Direito Processual Público pela UFF/RJ. Professor do mestrado da Faculdade Damas, juiz federal em Pernambuco, conteudista e tutor da ENFAM.
Titulação: Doutor
País: Brasil
Estado: Pernambuco
Cidade: Recife
E-mail de contato: jorge.andre@jfpe.jus.br
ORCID:
Criminal Writ of Mandamus: situations in which it can be sued
DOI:
Data de recebimento: 27/03/2019
Data de aprovação: 09/06/2020
Apesar de o tema do mandado de segurança ser bastante estudado no
âmbito do processo civil, o mesmo não acontece quando entramos no campo
criminal brasileiro. Embora até existam alguns livros específicos sobre
o instituto, eles não são muitos, além de geralmente se limitarem à
revisão da literatura, inclusive mais focados em aspectos não exclusivos
do processo penal. Na maior parte, efetuam uma descrição geral da sua
história, natureza jurídica, competência, legitimidade, hipóteses
“normativas” de cabimento, processo e recursos, reservando um menor
espaço para a apreciação do instituto contra os mais diversos atos
praticados no âmbito criminal, situação semelhante à que ocorre com os
artigos jurídicos correspondentes. Ademais, as publicações não são
recentes, algumas sendo inclusive bastante antigas, inexistindo obras
específicas sobre o tema que sejam mais atualizadas do que as que
estamos citando
Situação não muito diferente acontece com os manuais de processo
penal no nosso país. A despeito de estarem mais atualizados, eles têm se
dedicado à matéria muito
brevemente
Aí não vai nenhuma crítica aos autores nacionais, já que existe uma disciplina praticamente comum entre o mandado de segurança cível e criminal. Considerando, porém, algumas especificidades deste ramo do direito, restringiremos nossa atenção a um aspecto dos mais relevantes para ele, ainda que seja inevitável, algumas vezes, tecer considerações que pertençam igualmente a outras áreas jurídicas.
Abordaremos o cabimento do instituto no âmbito do processo penal. É que enxergamos um problema relacionado ao citado remédio constitucional nesse ponto, sobretudo quando direcionado à impugnação de decisões judiciais proferidas no processo penal: já são inúmeras as possibilidades de combate a decisões criminais, o que nos provoca uma reflexão sobre a real possibilidade de mais um meio de impugnação.
Claro que a dificuldade aqui verificada talvez decorra de uma atuação na magistratura há vários anos, o que certamente faz nossa ideologia inconsciente também entrar em campo. É possível que o problema seja exacerbado por uma intenção subconsciente, criada ao longo dos anos, de reduzir as “reclamações” contra nossos próprios atos.
Acontece que o escritor nunca enunciará sua obra num contexto neutro
e estável. Também a sua vida influencia sobremaneira a produção, suas
experiências de algum modo sempre estão presentes no discurso. O
contexto em que vive o autor, como figura humana, real, se perpetua, em
muitos aspectos, nos fatos que narra (CAVALCANTE; SANTOS, 2012, p. 667,
669, 671). Isto é, o inconsciente de qualquer pesquisador sempre estará
presente, inexistindo pronunciamentos totalmente
objetivos
Ademais, qualquer explicação só surge em função de um determinado contexto, o que justifica como um mesmo evento merece explicações alternativas, de acordo com os fatores considerados relevantes, podendo resultar várias delas adequadas ao mesmo tempo (BOSSIO, 2007, p. 140-155). Inclusive, essa possibilidade de explicações alternativas ao mesmo tempo gera uma estranheza sobre uma orientação de certa forma tranquila e uniforme da doutrina processual penal brasileira atual, que caminha geralmente no mesmo sentido quanto ao assunto abordado.
Diante do problema apresentado, indagamos: é mesmo viável, filosófica e dogmaticamente, a impetração de mandado de segurança criminal no Brasil? A nossa hipótese, que era negativa, terminou sendo apenas parcialmente confirmada. Principalmente diante da negativa parcial, que será devidamente explicada, encerramos o estudo enfrentando os exemplos casuísticos mencionados pela doutrina nacional, sem pretensão de exauri-los, confrontando-os com as explicações teóricas gerais sobre o tema.
A despeito de o mandado de segurança ter natureza jurídica de ação, não se pode negar que sua impetração contra decisão judicial penal visa primordialmente a modificação do pronunciamento emitido. Ainda que sua finalidade formal seja a proteção dos indivíduos contra os abusos e ilegalidades do Estado, quando esse abuso ou ilegalidade é oriundo de um ato jurisdicional a intenção do impetrante é verdadeiramente “reformá-lo”, ainda que por meio de uma nova relação processual e de rito procedimental diferente.
A obra de Grinover, Gomes Filho e Fernandes (2005, p. 400), na linha de toda doutrina que conhecemos, defende que o mandado de segurança criminal sempre será uma ação autônoma de impugnação, distinguindo-se nitidamente, por suas características, dos recursos. Mesmo assim, não deixa de admitir que a impetração contra ato jurisdicional dá à sua utilização os contornos de uma via de impugnação, com função recursal. Mirabete (2007, p. 764), por sua vez, dizia que o mandado de segurança poderia ser utilizado como recurso para provocar o reexame de uma decisão ou ato judicial. E, com muita precisão, Camargo Aranha (2010, p. 374) assenta que o mandado de segurança é, doutrinariamente, ação, mas guarda faticamente a função de recurso.
Diante da semelhança entre a finalidade dos recursos e do mandado de
segurança contra ato judicial, passemos a uma breve análise dos
fundamentos dos primeiros, aplicáveis igualmente ao segundo, visando
descobrir uma razão filosófica que tente embasar a admissão do
Para justificar a existência dos “recursos”, Tourinho Filho (2018, p. 887-888) diz que, na generalidade dos casos, são dirigidos a órgãos superiores, constituídos de juízes mais velhos, mais experimentados, mais vividos, com tal circunstância oferecendo-lhes maior penhor de garantia. Por outro lado, sabendo os juízes que suas decisões poderão ser reexaminadas, procurarão ser mais diligentes, mais estudiosos, buscando fugir do erro e da má fé. Em outras palavras, para o autor são dois os fundamentos dos recursos: 1) instâncias revisoras compostas por juízes mais experientes; 2) maior comprometimento do juiz ao saber que sua decisão poderá ser reexaminada. A esses dois fundamentos, podemos acrescentar mais dois, também apresentados pela doutrina nacional: 3) os recursos servem para atender à natural inconformidade do vencido; e 4) para corrigir uma decisão injusta ou incorreta (GRINOVER; GOMES FILHO; FERNANDES, 2005, p. 23-24).
Tratando dos recursos criminais nos Estados Unidos da América (EUA),
Poulin (2008, p. 4) também lhes aponta quatro funções, embora não sejam
exatamente as mesmas elencadas no Brasil. Para ela, em primeiro lugar,
eles servem para corrigir os erros cometidos pela instância inferior;
segundo, para orientar os Judiciário, Ministério Público e acusados,
promovendo uniformidade em casos futuros; terceiro, para manter os
juízes responsáveis por suas sentenças; por fim, para moldar o direito
para que ele reflita a política pública. Assim, a autora ratifica os
fundamentos 2 e 4 apontados no parágrafo no Brasil, não tratando
daqueles apontados nos itens 1 e 3
Inicialmente, não concordamos que os recursos sejam julgados sempre
por juízes mais experientes, ainda que muitas vezes isso também ocorra.
O ministro Dias Toffoli, por exemplo, tomou posse na mais alta instância
do Judiciário brasileiro aos 42 anos de
idade
Na verdade, os tribunais brasileiros de 2ª instância são compostos apenas na sua menor parte por juízes mais experientes, já que o critério de exclusiva antiguidade na carreira gira em torno de apenas 40% das vagas, considerando que outros 40% são preenchidos por merecimento, enquanto 20% é reservado para membros oriundos da advocacia e do Ministério Público. Por sua vez, não existe o critério de exclusiva “experiência” para nomeação de juízes para os tribunais superiores.
Por outro lado, não vemos como discordar do segundo fundamento acima exposto. Ciente de que sua decisão será passível de reanálise, é provável que o magistrado se esforce mais para fazer um bom trabalho. É óbvio que em algum momento isso não mais ocorre, quando a decisão for tomada pela última instância, mas nestes casos a fiscalização decorre da natureza dos órgãos, que são colegiados, com uns pares, ao menos em tese, conferindo e fiscalizando o trabalho dos outros.
Pensamos de forma diferente em relação ao terceiro fundamento supramencionado. É verdade que o ser humano expressa um inconformismo sempre que derrotado, em qualquer área da sua vida. Permitir-lhe tentar reverter a situação até é válido, mas tal possibilidade não pode ser levada ao exagero, sob pena de nunca ser encerrado o “jogo”. Se uma parte puder recorrer ilimitadamente, sem nenhum ônus, certamente o fará, nunca se conformando com a derrota.
Em quarto lugar, não vemos sentido em fundamentar os recursos no
valor “justiça”. Deveras, não é possível identificar com precisão ou
segurança o que é justo e injusto, concepção que varia de pessoa para
pessoa de acordo com as respectivas ideologias. Aliás, a subjetividade
do conceito de justiça vem variando ao longo de várias teorias
filosóficas, como explicado por Michael J. Sandel (2012) em seu
consagrado livro intitulado
Da mesma forma, não se pode afirmar que as decisões proferidas no julgamento das impugnações a atos jurisdicionais são as mais corretas, porque inexiste qualquer tipo de prova empírica nesse sentido, inclusive sendo muito difícil essa forma de investigação. Na ciência, certezas absolutas já não são consideradas um atributo (FREITAS, 2006, p. 188-230). De fato, chegou ao fim a metafísica das entidades que se propõem como um saber total da realidade, um saber fundamental, fundante e autofundado. Com a queda do ser no tempo e o fracasso do programa de fundação do conhecimento, todo projeto de um saber absoluto fica irremediavelmente comprometido (DOMINGUES, 1991, p. 379). E se não há certeza absoluta, não há como assegurar que o pronunciamento do tribunal, em grau de recurso, é mais certo ou mais errado, configurando-se apenas como um outro modo de ver a questão.
De forma contrária, porém, os recursos realmente servem, em tese,
para a promoção de uniformidade em casos futuros, já que os seus
julgamentos de maneira congruente devem alterar as orientações diversas
dos juízos recorridos. Embora isso seja típico de um sistema de
precedentes, inicialmente inerente apenas aos países do
Por fim, parece-nos que o último fundamento apresentado por Poulin, o
de que o recurso é apto a moldar o direito, para que ele reflita a
política pública, pode caracterizar um excessivo ativismo judicial,
mesmo não discordando que haja espaços de decisão judicial
discricionária, quando não houver prévia norma de interpretação fechada
a ser aplicada
Assim, em resumo, na nossa visão os recursos se fundamentam apenas na necessidade de maior comprometimento do juiz, como também na promoção de uniformidade em casos futuros. Em nada mais que isso.
Estamos cientes de que cabe ao legislador eleger as hipóteses que admitem a refutação das decisões judiciais, sendo sua a atribuição de escolher os tipos de recursos e ações autônomas de impugnação. Porém, isso não nos impede, ainda que tendo em vista os fundamentos filosóficos acima apresentados, de considerar abundante a quantidade já prevista no processo penal brasileiro, o que questiona uma justificativa para o mandado de segurança criminal da forma ampla como ela vem sendo aceita.
Com efeito, além do
Na Alemanha, país do
É verdade que nos EUA há algo semelhante ao nosso mandado de
segurança criminal, o
Mas é importante percebermos, em primeiro lugar, que a admissão desse
remédio decorre da vedação, nos EUA, ao recurso contra os vereditos
absolutórios finais, o que não acontece no Brasil. Na verdade, até a
primeira metade do século XX a possibilidade de impugnação de uma
decisão criminal pelo Estado era muito restrita naquele país. Em razão
de uma alteração legal, principalmente em 1970, permitiu-se que ele, o
Estado, recorresse contra algumas decisões anteriores ao veredito final,
como também em casos de absolvição ou determinação de novo julgamento,
por deficiência probatória, após uma decisão condenatória, para pedir o
seu restabelecimento. Quando o caso não for passível de apelação, aí
sim, o Estado pode obter apreciação de certas questões por meio do
Em segundo lugar, a impetração é aceita de forma moderada, e desde
que atendendo os seguintes requisitos: inexistência de outro meio para
buscar o objetivo desejado; futuro dano ou prejuízo não corrigível pela
apelação; decisão impugnada claramente equivocada sob o ponto de vista
jurídico; decisão impugnada repetitivamente equivocada ou persistente na
desconsideração das regras federais. O acesso ao
Não fosse o bastante, apesar de alguma crítica doutrinária, há situações que permanecem inimpugnáveis, como acontece com muitas questões processuais, certas decisões interlocutórias sobre matéria probatória, e aspectos relativos às instruções dos jurados sobre o direito material (POULIN, 2008, p. 4, 50-54).
Daí se vê que, a despeito da possibilidade de impetração do
Ora, comparando o Brasil aos Estados Unidos e à Alemanha, verificamos
que as espécies de recursos criminais previstas legalmente por aqui já
são bastante excessivas, afastando qualquer sentido na admissibilidade
do mandado de segurança como mais um tipo genérico de impugnação das
decisões judiciais não recorríveis. Além de o
Com efeito, uma leitura do quadro da população prisional no Brasil
demonstra que ela quase triplicou entre os anos 2000 e 2014, sendo
importante notar que os encarcerados, em geral, cometem crimes mais
visíveis e/ou mais violentos, tendo passado pelos filtros do sistema de
justiça criminal, sobrando os criminosos não brancos, do sexo masculino,
mais pobres, menos escolarizados, com pior acesso a defesa e
reincidentes
Dogmaticamente também tínhamos a hipótese, ao iniciar esta pesquisa,
de que o mandado de segurança criminal não se sustentaria, o que
certamente decorria, inconscientemente, da análise dos fundamentos
filosóficos, bem como da comparação, efetuada acima. Apesar da sua
previsão constitucional, a própria Constituição também já teria previsto
que as impugnações contra decisões judiciais se dariam mediante a
interposição dos recursos legais. Se a lei não prevê efeito suspensivo,
ou mesmo se não prevê recurso, a opção legislativa não poderia ser
suprida pela impetração da segurança, que anularia a opção legislativa
por via transversa
Porém, esta nossa hipótese não se confirmou diante de uma interpretação histórica e teleológica do sistema jurídico brasileiro.
Após longa discussão sobre o cabimento do
Todo direito pessoal, líquido e certo, fundado na Constituição ou em lei federal, e que não tenha como condição de exercício a liberdade de locomoção, será protegido contra quaisquer atos lesivos de autoridades administrativas da União, mediante o processo dos artigos seguintes. (TUCCI, 1978, p. 17).
Importante notar, para a finalidade do nosso trabalho, que a ideia original era voltada para a impugnação de atos de autoridades administrativas, o que excluiria o mandado de segurança contra decisão jurisdicional criminal.
Depois de outros projetos, a Comissão encarregada de elaborar o anteprojeto constitucional em 1934 fez a proposição da seguinte maneira:
Toda pessoa que tiver um direito incontestável ameaçado ou violado por ato manifestamente ilegal do Poder Executivo poderá requerer ao Poder Judiciário que a ampare com um mandado de segurança. (TUCCI, 1978, p. 19).
Assim como a redação do primeiro projeto, mais uma vez ficava
excluída a possibilidade de impetração do
Dar-se-á mandado de segurança para a defesa de direito certo e incontestável, ameaçado ou violado por ato manifestamente inconstitucional ou ilegal de qualquer autoridade. (TUCCI, 1978, p. 20).
Notemos que, diferentemente dos projetos citados, não houve limitação do sujeito passivo, não mais restrito a um órgão administrativo ou ao Poder Executivo. Pelo contrário, foi admitida a impetração contra “qualquer autoridade”, o que demonstra a intenção ampla do legislador constituinte de então, amplitude que também foi adotada na atual redação (art. 5º, LXIX):
Conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e
certo, não amparado por
Parece-nos claro, então, que uma interpretação histórica e teleológica da Constituição demonstra facilmente que o mandado de segurança é admitido contra ilegalidade ou abuso de poder de qualquer autoridade, o que permite a impetração contra decisão judicial de magistrado criminal no exercício da sua jurisdição.
Seguindo essa linha de raciocínio, a Lei 1.533/51, no seu art. 5º,
II, estabelecia que não caberia mandado de segurança contra decisão
judicial quando ela pudesse ser impugnada por recurso ou correição
previstos em lei.
Azevedo Neto (2012, p. 123-124) defende ser preciso ter cautela ao ler o artigo 5º, II, da Lei atual do mandado de segurança, que teria uma má-redação. Segundo ele, a interpretação conjunta com o inciso III estabelece três requisitos para a admissibilidade do remédio constitucional: ausência de recurso idôneo, ausência de coisa julgada e existência de uma decisão teratológica.
Na nossa visão, uma decisão teratológica não é apenas ilegal, mas
somente aquela “manifestamente” ilegal, assim entendida como absurda,
evidente sem nenhum esforço maior de raciocínio. Uma simples
interpretação diversa, de lei ou de precedente, não é suficiente para a
impetração, porque aí a questão não é de teratologia. Decisão
teratológica num processo criminal seria, por exemplo, aquela que diz
que o réu não poderá se manifestar em fase de alegações finais, por não
ter se comportado “bem” no curso da lide. Mesmo nos casos em que o
tribunal concordar com a posição jurídica do impetrante, o
Por isso, gostaríamos muito de concordar com a exigência do terceiro
requisito indicado por Azevedo Neto (2012), o que restringiria o
cabimento do mandado de segurança criminal, indo ao encontro da nossa
posição ideológica apontada anteriormente. Porém, não é isso o que diz a
Constituição, tampouco a Lei 12.016/19. Ambos os diplomas falam apenas
em “ilegalidade” ou (alternativamente) “abuso de poder”. Não exigem
“manifesta” ilegalidade, o que poderia corresponder à teratologia.
Talvez por isso, Camargo Aranha (2010), depois de citar doutrina que
também reclama esse requisito mais rigoroso, apresenta seu pensamento
dizendo ser cabível o
Essa admissibilidade dogmática ampla, por sua vez, é capaz de ensejar inúmeras impetrações no âmbito do processo penal brasileiro, muitas vezes apenas para o fim de dar efeito suspensivo a recurso que não o tenha legalmente. No âmbito civil tal questão há tempo teve sua importância reduzida, diante da possibilidade de o relator conceder efeito suspensivo ao recurso interposto. Todavia, o mesmo não acontece no âmbito criminal (ARANHA, 2010, p. 377).
Portanto, embora a previsão legal termine anulando a intenção da lei
processual penal de não admitir recurso em algumas hipóteses, ou de não
permitir recurso com efeito suspensivo em outras, está muito clara a
intenção do legislador: é cabível o remédio constitucional quando não
houver previsão legal de recurso, ou para dar efeito suspensivo a
recurso que não o tenha
Obviamente não é possível descrever todas as hipóteses que desafiam mandado de segurança criminal, já que a dinâmica social e a incerteza do futuro, com reflexo nos processos judiciais, nos impedem de prever todas as situações que podem surgir no bojo de uma lide penal. De qualquer forma, mesmo sem capacidade de exaurir tais hipóteses, passemos ao estudo daquelas mais citadas na doutrina nacional.
Rogério Lauria Tucci (1978, p. 176-191) estabeleceu algumas hipóteses casuísticas passíveis de mandado de segurança criminal. Para fins didáticos, visando facilitar a apresentação da matéria, permitimo-nos enumerá-las: 1) contra decisão de tribunal que mantenha “ilegalmente” a apreensão de coisa realizada por autoridade policial, após pedido de restituição negado pelo juiz de 1ª instância; 2) para impugnar extensão de busca e apreensão a peças e produtos que não os suficientes à elaboração de laudo pericial nos crimes contra a propriedade imaterial; 3) contra a apreensão de carteira de motorista por força de sentença condenatória não transitada em julgado, nos casos de lesão corporal culposa no trânsito, diante da ausência de efeito suspensivo ao recurso; 4) contra decisão concessiva de sequestro, ante a ausência de recurso com efeito suspensivo; 5) nos casos de pretensão de inamovibilidade de preso processual; 6) para vista dos autos por advogado não defensor do réu; 7) para questionar a forma de inquirição de testemunhas; 8) para excluir o nome do acusado do rol dos culpados; 9) para permitir a autodefesa pelo acusado; e 10) para anular julgamento proferido em sede de apelação ante a ausência de recurso cabível, ou à míngua de recurso com efeito suspensivo.
Heráclito Antônio Mossin (1996, p. 186-190, 193, 201, 205-209), por
sua vez, acrescenta outras situações que, para ele, ensejam a impetração
do
Os manuais de processo penal brasileiro trazem ainda outras hipóteses
de impetração, além de algumas daquelas já mencionadas acima: 21) contra
identificação criminal daquele já civilmente identificado; 22) para
impedir a produção de prova contra si mesmo; 23) para ser garantido ao
preso provisório o direito de voto (RANGEL, 2006, p. 824, 827, 830); 24)
para impedir injustificada quebra de sigilo fiscal, bancário ou de
outros dados; 25) para permitir o acesso do advogado aos autos do
inquérito ou processo, bem como sua presença durante a produção de
alguma prova
Em função do nosso limite espacial, não temos como abordar individualmente cada uma das situações exemplificativamente enunciadas acima. Mas podemos dividi-las em sete grupos, o que permite que sejam analisadas em blocos. São eles: 1) mandado de segurança contra decisão que denega recuso interposto; 2) contra apreensão de bens; 3) para dar efeito suspensivo a recurso cuja previsão legal é de efeito meramente devolutivo; 4) contra decisões interlocutórias não passíveis de um dos recursos previstos em lei; 5) contra recebimento de recurso; 6) para trancamento de ação penal ou inquérito policial; 7) contra atos judiciais de natureza administrativa.
Não vemos como aceitar a impetração na primeira situação, seja
filosoficamente, seja dogmaticamente. Se a lei prevê os recursos, que
foram devidamente utilizados pela parte, sem obtenção do êxito
pretendido, não se pode admitir o
Para a apreensão indevida de bens a via adequada de impugnação é aquela prevista nos arts. 118 e segs., do Código de Processo Penal (CPP), ou seja, o pedido de restituição de coisas apreendidas, cuja decisão final desafia apelação, na forma do art. 593, II, do CPP. Por isso, igualmente não vemos sentido no mandado de segurança meramente substitutivo da medida prevista em lei, que seria desnecessário – acarretando a falta de interesse de agir.
É verdade que existem recursos criminais que não possuem efeito
suspensivo. Contudo, se assim optou o legislador processual penal (ainda
que por silêncio eloquente), não deveria haver uma forma de modificação
da opção legislativa por via transversa. Talvez em algumas dessas
hipóteses fosse melhor ter sido prevista a possibilidade de concessão do
efeito desejado a critério do relator, não fazendo sentido a admissão de
uma nova ação, de impugnação, apenas com essa finalidade. Apesar disso,
uma interpretação
No quarto bloco elencamos as decisões interlocutórias não passíveis de recurso previsto em lei. Para elas, todavia, quase sempre há outra solução diversa da admissão do mandado de segurança criminal: a arguição futura de nulidade em preliminar de apelação. Somente nos casos de decisões teratológicas que causassem dano irreparável se poderia cogitar da impetração em tal situação, como na esdrúxula hipótese de inclusão do nome do acusado no rol dos culpados ainda no curso do processo. Todavia, dogmaticamente temos que aceitar a impetração mais uma vez, diante da previsão do art. 5º, II, da Lei 12.016/09.
Mas em nenhuma hipótese podemos aceitar o mandado de segurança contra decisão que recebe recurso. Basta que a parte inconformada tenha alegado a preliminar de não conhecimento em suas contrarrazões, caso em que ela já será obrigatoriamente objeto de análise pelo tribunal, desafiando embargos de declaração em caso de omissão. Neste caso, pensamos faltar interesse de agir na impetração da segurança.
Da mesma forma, não concordamos com a abertura do uso do
No entanto, concordamos com a aceitação generalizada do mandado de segurança “criminal” contra atos de juízes que estejam no exercício de funções administrativas. Nestas situações, suas decisões não são objeto dos recursos previstos em lei, atuando o magistrado impetrado como qualquer outra autoridade pública.
Mossin (1996, p. 70, 73-79) defende ainda o uso do mandado de segurança criminal na fase de inquérito, elencando as seguintes situações: 34) contra indeferimento de requerimento de abertura de inquérito policial; 35) para permitir a comunicação entre o preso e seu advogado; 36) para arguição de suspeição da autoridade policial; 37) contra indeferimento, pela autoridade policial, de confecção de exame de corpo de delito ou outra perícia voltada ao esclarecimento da verdade; 38) contra decisão que concorda com pedido de arquivamento de inquérito formulado pelo Ministério Público (MP); 39) quando o magistrado deixar de atender o pronunciamento do procurador geral que manteve o arquivamento do inquérito.
No entanto, na maioria das situações o problema pode ser facilmente solucionado por meio de pedido ao juiz, ou até ao membro do MP, como também por meio da fiscalização externa feita pelo último (art. 129, VII, da CF). A comunicação entre preso e advogado, por sua vez, já é atendida atualmente pela necessária audiência de custódia, que vedaria citado abuso. A apreensão indevida de bens, como já dito antes, é objeto de pedido de restituição. Por fim, quanto às hipóteses trinta e oito e trinta e nove, a opção legal foi a da sistemática do art. 28 do CPP, o qual, se não atendido ao final pelo juiz, resolve-se simplesmente pelo não oferecimento de denúncia, já que legalmente o inquérito estaria arquivado.
Portanto, embora no plano dogmático tenhamos uma posição teórica até menos restritiva que boa parte da doutrina brasileira, já que não limitamos a impetração do mandado de segurança criminal às decisões teratológicas, as hipóteses casuísticas por ela apresentadas são bem mais amplas, sob um ponto de vista prático, concreto, do que aquilo que pensamos que deveria ser admitido.
Ao verificarmos as razões que fundamentam as impugnações das decisões judiciais, a partir do que entendemos como a base filosófica das impugnações aos atos jurisdicionais, não vemos sentido em admitir a impetração de mandado de segurança criminal, diante da já excessiva previsão de recursos no processo penal brasileiro, ressalvando apenas a difícil situação de decisão teratológica, que cause prejuízo imediato e irreparável, sem que seja passível de recurso previsto em lei.
Dogmaticamente, porém, não temos como inadmitir a impetração nos ritos ordinário, sumário e especial, salvo nos casos de haver previsão legal de recurso com efeito suspensivo ou de decisão transitada em julgado (art. 5º, II e III, da Lei 12.016/09).
Apesar de normativamente o mandado de segurança criminal ser até mais
amplo do que ensina boa parte da doutrina nacional, as hipóteses
casuísticas por ela apresentadas são excessivas, seja por não ser
admissível o
Ao que nos parece, a melhor solução para o problema seria,
ARANHA, Adalberto José Q. T. de Camargo.
ARAÚJO, José Henrique Mouta. Mandado de segurança em matéria penal:
algumas variáveis. In:
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Política: as possibilidades de diálogo interdisciplinar. In:
GRINOVER, Ada Pelegrini; GOMES FILHO, Antonio Magalhães; FERNANDES,
Antonio Scarance.
LIMA, Renato Brasileiro de.
MATURANA, Humberto.
MINÁ, Frederico Ivens.
MIRABETE, Julio Fabbrini.
MOSSIN, Heráclito Antônio.
NUCCI, Guilherme de Souza.
PACELLI, Eugênio.
POULIN, Anne Bowen.
RANGEL, Paulo.
ROMANO, Rogério Tadeu.
ROXIN, Claus.
SANDEL, Michael J.
SCHÜNEMANN, Bernd.
TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues.
TOURINHO, Fernanda Cardoso Castro.
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa.
______.
TUCCI, Rogério Lauria.
VOLK, Klaus.
Ver, por exemplo, TUCCI, 1978; MOSSIN, 1996; MINÁ, 2005; TOURINHO, 2008; ARAÚJO, 2011; ROMANO, 2015.
Assim são as seguintes obras: PACELLI, 2019, p. 1041-1043; TÁVORA; ALENCAR, 2019, p. 1646-1657; RANGEL, 2006, p. 821-833; NUCCI, 2014, p. 908-913.
Mirabete concentrava-se mais nos aspectos ligados ao processo penal, mas não de forma aprofundada (2007, p. 764-768), enquanto Tourinho Filho, mesmo em obra de quatro volumes, sequer tratou do tema (2013).
Humberto Maturana é categórico ao sustentar a “não-objetividade das explicações científicas” (2001, p. 82).
Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Dias_Toffoli>. Acesso em: 1 out. 2017.
Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/poder/2016/03/1749885-filha-de-ministro-fux-toma-posse-como-desembargadora-no-tj-do-rio.shtml>.Acesso em: 1 out. 2017.
Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/poder/2014/03/1427835-filha-de-ministro-do-stf-e-nomeada-ao-trf-apos-derrotar-nomes-experientes.shtml>. Acesso em: 1 out. 2017.
Este assunto, porém, além de complexo, é bastante controvertido, não podendo ser abordado aqui, em função da delimitação do nosso tema.
A eles, há quem acrescente a “objeção”, embora sem destacar um capítulo ou item próprio para abordá-la (VOLK, 2016).
Disponível em: <http://www.justica.gov.br/>. Acesso em: 5 mar. 2018.
Haveria ressalva apenas se existisse alguma sentença criminal final que não pudesse ser objeto de recurso previsto em lei, caso em que haveria ofensa ao duplo grau de jurisdição.
Exceção só se faz nos Juizados Especiais, diante da previsão constitucional específica de um procedimento sumariíssimo (art. 98, I, da Constituição Federal), o que, a nosso ver, autoriza a opção legal de não admitir recurso contra decisões interlocutórias em geral, sob pena de o rito se tornar mais lento que o ordinário.
Insta acentuar, como feito por Renato Brasileiro de Lima (2019, p. 1881), que o direito de acesso aos autos é ressalvado no tocante às diligências em andamento, não documentadas.
Vale ressaltar que segundo a Súmula 604, do STJ, de 28/02/2018, o mandado de segurança não se presta para atribuir efeito suspensivo a recurso criminal interposto pelo Ministério Público. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/docs_internet/SumulasSTJ.pdf>. Acesso em: 24 dez. 2019.