Juventude e morte: indicadores de (des)legitimação do sistema penal em Belém/Pará

Jorge Luiz Aragão Silva

Formado em Direito (2009) e Mestre em Segurança Pública (2021) pela Universidade Federal do Pará. Ocupa o posto de Coronel da Polícia Militar do Pará, estando comandante do Batalhão de Polícia Rodoviária. Desenvolve trabalhos e docência voltados à qualidade na gestão de polícia ostensiva e estratégias de prevenção da violência e da criminalidade.

País: Brasil Estado: Pará Cidade: Belém

Email: afisicavive@gmail.com Orcid: https://orcid.org/0000-0001-8454-6585

Marcus Alan de Melo Gomes

Doutor e mestre em Direito (PUC-SP). Pós-doutorado pelo Centro de Direitos Humanos da Universidade de Coimbra. Professor Associado do Instituto de Ciências Jurídicas da UFPA. Professor permanente no Programa de Pós-graduação em Direito e no Programa de Pós-graduação em Segurança Pública da UFPA. Juiz de Direito.

País: Brasil Estado: Pará Cidade: Belém

Email: marcusalan@ufpa.br Orcid: https://orcid.org/0000-0002-3699-5164

Contribuições dos autores:

Jorge Luiz Aragão Silva: desenvolvimento da pesquisa bibliográfica e documental; redação do texto; realização dos ajustes metodológicos e de revisão do texto recomendados pelo coautor. Marcus Alan de Melo Gomes: definição dos aspectos metodológicos do trabalho (problema, referencial teórico, metodologia, etc); orientação da redação e revisão final do texto.

Resumo

O artigo examina a política pública de segurança no estado do Pará face ao contexto dos homicídios de jovens em Belém no ano de 2018, à luz das premissas teóricas críticas da criminologia da libertação. Os pressupostos que orientam a análise são: a) a seletividade do sistema penal; b) a deficiência dos mecanismos de controle social; e c) a ênfase em medidas de repressão. As reflexões partem da pesquisa sobre a distribuição territorial dos homicídios nos bairros Cabanagem, Telégrafo, Paracuri e Nazaré; sobre o perfil criminal e socioeconômico de 26 vítimas jovens (18 a 29 anos); de estudos sobre o perfil criminal das vítimas de homicídios em Belém; e de análises sobre as ações do planejamento estadual interagências nas áreas de segurança pública, saúde e educação; aliados à análise da atuação do policiamento ostensivo nos quatro bairros. Os resultados alcançados indicam que a incidência dos homicídios obedeceu a uma lógica de prática punitiva, com seletividade socioeconômica das vítimas, definindo a concentração dos casos em áreas periféricas da capital paraense, bem como que o perfil criminal e socioeconômico das vítimas sinaliza para falha dos mecanismos locais de controle social, e também que os resultados concretos das políticas de segurança pública, materializadas nos programas dos Planos Plurianuais do Estado, refletiram a carência de coordenação intersetorial entre as políticas públicas de segurança, restando por evidenciar apenas o reforço de ações repressivas pela polícia ostensiva nos bairros. Com base nas análises cartográficas e nos indicativos da criminologia da libertação, verificou-se a oportunidade de sistematização da metodologia de análise dos homicídios pela cartografia criminológica para a polícia ostensiva.1

Palavras-chave: Violência Urbana. Crítica Criminológica. Polícia Militar. Violência Parainstitucional.

Youth and death: indicators of (de)legitimization of the Penal System in Belém/Pará

Abstract

The article examines the public security policy in the state of Pará in view of the analysis of homicides in Belém in a period of the year 2018, facing of the critical theoretical premises of Liberation Criminology. The assumptions on which this analysis is based are: a) the penal system selectivity; b) the lack of social control mechanisms; c) the emphasis on the repressive measures. The reflections start from studies on the territorial distribution of homicides in Belém, specifically in the neighborhoods of: Cabanagem, Telégrafo, Paracuri, and Nazaré about a criminal and socioecomonic profile of 26 young victims aged 18 -29 years old.; study on a criminal profile of homicide victims in in Belém; also a study of the analyzes of the actions of state inter-agency planning in the areas of public security, health and education, coupled with the analysis of the performance of ostensive policing in the four neighborhoods. The results achieved indicate that the incidence of homicides followed the logic of a punitive practice, which has socioeconomic selectivity of the victims, defining the concentration of cases in peripheral areas of the capital Pará, as well as the criminal and socioeconomic profile of the victims signals for failure of local social control mechanisms, also that the concrete results of public security policies, materialized in the Multiannual Plan of Pará, reflected of a necessity about cross-sectoral coordination among public security policies, remaining to show only the reinforcement of repressive actions by the ostensive police in the neighborhoods. Based on the cartographic analyzes and indications of liberation criminology, there was an opportunity to systematize the homicide analysis methodology by criminological cartography for the ostensive police.2

Keywords: Urban Violence. Critical Criminology. State Police. Parainstitutional Violence.

Data de Recebimento: 04/04/2021 – Data de Aprovação: 29/09/2021

DOI: 10.31060/rbsp.2023.v17.n1.1470

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

O sistema penal é uma complexa manifestação de poder social cuja legitimidade depende do funcionamento racional das agências que o compõem (ZAFFARONI, 2017). Ele exprime o controle punitivo institucionalizado que se manifesta desde a ocorrência – ou suspeita de ocorrência – de um crime até a execução da sentença condenatória. Segundo Batista (2007, p. 25), o sistema penal é constituído pelas instituições policial, judiciária e penitenciária, responsáveis pela operacionalização do direito penal, e que atuam em três estágios diferentes e sucessivos: a polícia é responsável pela investigação dos crimes; a justiça pela interpretação e aplicação da lei; e a instituição penitenciária pela execução das penas aplicadas pelo judiciário.

O sistema penal se manifesta em três dimensões: a dogmática jurídico-penal, a política criminal e a criminologia. Segundo Aguiar (2016), a dogmática jurídico-penal constitui o saber da ciência penal que estabelece critérios para compreensão do fenômeno criminal e interpretação da lei. A política criminal, por sua vez, deve ser compreendida como o conjunto de estratégias e mecanismos de controle social que perpassam o processo de elaboração da norma penal (processo legislativo) e as ações concretas das agências executivas, sobretudo das polícias e dos órgãos de justiça (AGUIAR, 2016). E a criminologia é a ciência que, além de se propor ao estudo do delito, do delinquente e da delinquência, busca compreender a dinâmica da criminalização (CASTRO, 2015). São por esses processos que as agências policial e judicial selecionam um reduzido número de pessoas que submetem a sua coação com o fim de lhes impor uma pena, em regra privativa de liberdade (ZAFFARONI et al., 2011, p. 43).

Os processos de criminalização se desenvolvem, basicamente, em duas diferentes fases. Na primeira, designada criminalização primária, dá-se a criação da lei que incrimina um comportamento e permite, portanto, a aplicação de uma sanção penal. Essa etapa é cumprida pelas agências políticas (parlamentos) e dela resulta um programa criminalizante, isto é, a definição do espaço normativo em que o controle penal será exercido. Na segunda fase, chamada de criminalização secundária, dá-se a ação persecutória e punitiva propriamente dita. É quando pessoas são concretamente submetidas à intervenção coativa da polícia e da justiça (ZAFFARONI et al., 2011, p. 43).

Da criminalização primária resulta um programa tão vasto, por serem tantas e tão variadas, em conteúdo, as leis penais, que é praticamente impossível cumpri-lo em toda a sua extensão. A quantidade de fatos puníveis é imensamente superior à capacidade das agências policial e judicial de investigar, processar e punir seus autores. A consequência mais expressiva dessa disparidade é a seletividade do sistema penal, que precisa escolher um número suportável de fatos cujos autores serão punidos para representar, simbolicamente, a eficiência das agências.

A deslegitimação do sistema penal, de sua dinâmica seletiva e de seus efeitos meramente simbólicos e estigmatizantes tem sido a maior preocupação da criminologia crítica nos últimos quarenta anos. Castro (2015) ressalta que o encontro no 23º Curso Internacional de Criminologia (1974), em Maracaibo, na Venezuela, fez surgir a ideia de realizar uma pesquisa comparada entre os países latino-americanos, levando à formação do grupo latino-americano de criminologia comparada do qual decorreu outro grupo, militante de uma criminologia da libertação. Partindo do escopo de estudar e defender a necessidade de um saber criminológico próprio para a realidade latino-americana, esse grupo passou a elaborar uma teoria crítica do controle social na América Latina (CASTRO, 2015).

Por controle social entende-se:

o conjunto de sistemas normativos (religião, ética, costumes, usos, direito) cujos portadores, através de processos seletivos (estereotipia e criminalização) e estratégias de socialização (primária e secundária e substitutiva), estabelecem uma rede de contenções que garantem a fidelidade (ou, no fracasso dela, a submissão) das massas aos valores do sistema de dominação; o que, por motivos inerentes aos potenciais tipos de conduta dissonante, se faz sobre destinatários sociais diferentemente controlados segundo a classe a que pertencem. (CASTRO, 2015, p. 53).

A própria Lola Castro figurou como um dos nomes expoentes desse grupo e registrou as bases teóricas da criminologia da libertação em livro de igual título, de sua autoria, em 1987.

Esses pesquisadores latinos, inspirados nos trabalhos de Alessandro Barata sobre a criminologia crítica (ANDRADE, 2012), que compreende o fenômeno da delinquência a partir do contexto social que envolve a prática do delito (histórico constituído), mas principalmente das forças propulsoras que produzem essa realidade (história constituinte), estudaram alternativas para a América Latina à legitimação de um sistema penal de desigualdade corroborada pelo papel subalterno que a criminologia tradicional vinha desempenhando (CASTRO, 2015).

Assim, a criminologia da libertação se apoia na criminologia crítica, denunciando a deslegitimação do sistema penal, ao passo que traz ao debate a formação do saber criminológico na América Latina, propondo a evolução das concepções engendradas à realidade europeia e assimiladas nas antigas colônias sem considerar as necessidades decorrentes do processo de formação e desenvolvimento desses povos, para uma nova leitura das necessidades latentes, com vistas ao enfrentamento mais coerente dos fenômenos da violência e da criminalidade.

Em seu livro, Castro (2015) discorreu sobre pressupostos que fundamentam a crítica ao sistema penal diante dos quais a criminologia da libertação busca alternativas com atuação mais voltada à prevenção dos delitos do que ao encarceramento em massa. Dentre esses pressupostos, destaca-se a seletividade do controle penal em relação ao crime e ao criminoso, a ênfase em medidas de repressão ao delito, a influência dos meios de comunicação e a deficiência dos mecanismos de controle social informal (CASTRO, 2015).

Chagas (2014) investigou a lógica de disseminação da criminalidade na região metropolitana de Belém/Pará, entre 2011 e 2013, analisando a distribuição da delinquência pelo território urbano da cidade, dividido em bairros, e constatou que nas áreas periféricas os crimes violentos eram mais frequentes, enquanto que nas regiões elitizadas econômica e socialmente prevaleciam os delitos contra o patrimônio. Nesse sentido, passou a investigar a dinâmica da produção do espaço urbano e de seu território, das novas territorialidades e o seu impacto na elevação e distribuição da criminalidade (homicídios) na região metropolitana de Belém (CHAGAS, 2014).

Em linha convergente de investigação, Vilaça (2016) analisou a vitimização por homicídios em Belém/PA também no intervalo compreendido entre 2011 e 2013, com base na identificação do perfil socioeconômico e criminal das vítimas, visando elucidar a relação entre antecedentes criminais; práticas criminais recorrentes; e condições de vulnerabilidade socioeconômica (VILAÇA, 2016).

Trindade (2019) também abordou os homicídios em Belém/PA, mas sob o enfoque do planejamento das ações do estado a partir dos Planos Plurianuais do Pará (PPA), com o objetivo de verificar se houve implementação concreta de ações intersetoriais/transversais por meio dos programas do PPA nas áreas de segurança pública, saúde e educação que abrangessem políticas de contenção de homicídios, drogas e evasão escolar (TRINDADE, 2019).

Assim, utilizando os métodos de análise cartográfica da lógica de distribuição territorial das vítimas de homicídios em Belém, associada ao exame estatístico desses perfis e ao levantamento das ações intersetoriais/transversais do estado por meio dos programas do PPA, esta pesquisa discute a realidade dos homicídios em Belém/PA, à luz da criminologia da libertação.

A reflexão aqui proposta parte das seguintes premissas caracterizadoras do controle penal: a) a seletividade do sistema penal; b) a deficiência dos mecanismos de controle social; e 3) a ênfase em medidas de repressão ao delito. Neste sentido, com o objetivo de confirmar a verificação dessas três premissas, foram aplicadas as metodologias desenvolvidas por Chagas (2014), Vilaça (2016) e Trindade (2019).

Inicialmente, para investigar a premissa da seletividade do sistema penal, foi realizada a análise cartográfica da difusão espacial dos homicídios em Belém no ano de 2018, seguindo o método de Chagas (2014). Já a premissa da deficiência dos mecanismos de controle social foi investigada a partir dos perfis criminais e socioeconômicos das vítimas de homicídios, conforme método de Vilaça (2016). Por fim, a verificação da premissa de ênfase em medidas de repressão ao delito foi feita a partir dos Planos Plurianuais do Pará no tocante à intersetorialidade/transversalidade das políticas públicas relacionadas à prevenção do homicídio, com base em Trindade (2019).

A seletividade nos homicídios em Belém

Conforme firmado por Castro (2015), a criminologia da libertação denuncia a seletividade como característica deslegitimante do sistema penal, que inicia na criminalização de determinadas condutas pela atividade legislativa que valora as infrações penais conforme interesses classistas e vai avançando com a aplicação da função punitiva do Estado pelas instâncias de controle, que exercitam critérios de escolha dos sujeitos que serão alvo desse poder punitivo.

Contudo, corroborando com Morais (2016), verifica-se que na dinâmica do espaço, outros agentes territoriais também passam a exercitar o poder punitivo, tais como as empresas de segurança, o tráfico de drogas, os parapoliciais (milícias), os capatazes, etc. Esses atores vão se apropriar da seletividade para exercer seu poder no território, diante do qual muitas vezes o sistema penal mostra certa complacência.

Outro aspecto apontado pela criminologia é que o controle social realizado pelas organizações comunitárias vem sendo enfraquecido, resultando com ênfase cada vez maior nas ações repressivas das agências do sistema penal (ZAFFARONI, 2017).

Torna-se aqui fundamental para o desenvolvimento deste estudo compreender o homicídio não apenas enquanto evento desviante, mas também como expressão de uma função punitiva, exercida dentro do território estabelecido nos bairros de Belém/PA. Daí a necessidade de se entender melhor a dinâmica de distribuição de poderes no território, onde o Estado também os exerce, porém não os monopoliza.

O processo acelerado de urbanização no Pará, notadamente a partir dos anos 60, culminou na intensificação da migração inter-regional, fazendo com que cidades como Marabá, Parauapebas e as da área metropolitana da capital emergissem como cidades com altos índices de violência e criminalidade (CHAGAS, 2014). Ainda segundo Chagas, a dinâmica de acelerado crescimento urbano empurrou populações mais pobres para os espaços periféricos, acentuando a precariedade de infraestrutura, moradia e indicadores sociais, o que o levou a analisar a criminalidade a partir do processo de reprodução do espaço urbano, com destaque para a periferização.

Considerando essa produção diferenciada do espaço em Belém, para análise da incidência dos homicídios em 2018, foram selecionados os bairros: Cabanagem, Telégrafo, Paracuri e Nazaré, como representantes de quatro categorias de bairros a partir dos índices de homicídios na série histórica de 2012 a 2019. Nessa classificação, o bairro Cabanagem representa o Grupo 1, com os bairros na faixa acima de 200 homicídios na série histórica. Telégrafo representa o Grupo 2, com os bairros que registraram de 101 a 200 homicídios. Paracuri representa o Grupo 3, com os bairros que registraram de 51 a 100 eventos na série. Nazaré representa o Grupo 4, com os bairros que apresentaram de 11 a 50 eventos. Os bairros com índices inferiores a 11 homicídios na série foram excluídos da análise por constituírem bairros de distritos do município de Belém, em virtude da localização geográfica e da baixa população, e por apresentarem dinâmica muito distinta dos demais.

Tabela 1: Caracterização da incidência de homicídios nos bairros Cabanagem, Telégrafo, Paracuri e Nazaré, na série histórica de 2012 a 2019

Bairros População

Faixa de homicídios do Grupo

2012 a 2019

Número de homicídios na série

2012 a 2019

Taxa média de homicídios por 10mil hab.

2012 a 2019

Número de registros de homicídios 2018
Cabanagem 27.781 Acima de 200 326 14,67 32
Telégrafo sem Fio 42.953 De 101 a 200 183 5,33 20
Paracuri 9.934 De 51 a 100 70 8,81 2
Nazaré 20.504 De 11 a 50 14 0,85 3

Fonte: Elaboração dos autores a partir de dados do IBGE (2010) e da SIAC (2021) .

A partir dos dados da SIAC de 57 homicídios em 2018, cruzados com dados da Perícia Científica e da Polícia Civil, verificou-se que os quatro bairros apresentaram juntos 52 registros, dos quais 26 foram de jovens na faixa de 18 a 29 anos. Conforme o método de Chagas (2014), o conceito de aglomerados subnormais, aliado à distribuição dos homicídios nos bairros, ajuda a compreender alguns aspectos dessa dinâmica em Belém.

Os aglomerados subnormais (AGSN) são um conceito utilizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) desde 1991, o qual, segundo Borges (2017), busca apresentar uma leitura sobre as desigualdades no país, especialmente relacionadas à habitação, e compreendidos como:

Um conjunto constituído de, no mínimo, 51 unidades habitacionais (barracos, casas etc.) carentes, em sua maioria de serviços públicos essenciais, ocupando ou tendo ocupado, até período recente, terreno de propriedade alheia (pública ou particular) e estando dispostas, em geral, de forma desordenada e densa. A identificação dos aglomerados subnormais deve ser feita com base nos seguintes critérios: a) Ocupação ilegal da terra, ou seja, construção em terrenos de propriedade alheia (pública ou particular) no momento atual ou em período recente (obtenção do título de propriedade do terreno há 10 anos ou menos); e b) Possuírem pelo menos uma das seguintes características: urbanização fora dos padrões vigentes – refletido por vias de circulação estreitas e de alinhamento irregular, lotes de tamanhos e formas desiguais e construções não regularizadas por órgãos públicos; ou precariedade de serviços públicos essenciais (IBGE, 2011).

Figura 1: Mapa da localização dos bairros Cabanagem, Telégrafo, Paracuri e Nazaré, e seus aglomerados subnormais, 2020

Retângulo

Fonte: Elaboração dos Autores (2021), a partir de dados do IBGE (2010) e do Observatório da Violência GEOCAM (2021).

Na Figura 1, as áreas sombreadas nos mapas mostram os aglomerados subnormais dos bairros, verificando-se que Cabanagem apresenta sua área com 100% de AGSN, denotando um perfil de precarização das condições de vida no bairro. No Telégrafo, com 60% de AGSN, é possível verificar um importante fenômeno da consolidação do espaço urbano que é o deslocamento das áreas de AGSN acompanhando a linha de expansão da 1ª légua territorial de Belém. Paracuri, com 70% de AGSN, também reflete a precarização das condições do bairro; e Nazaré, sem registro de AGSN, evidencia um processo de consolidação do espaço urbano mais antigo.

Figura 2: Mapa de localização dos aglomerados subnormais e dos homicídios nos bairros Cabanagem, Telégrafo, Paracuri e Nazaré, 2018

Fonte: Elaboração dos Autores (2021), a partir de dados do IBGE (2010); do PCE (2020); da SIAC (2021); e do Observatório da Violência GEOCAM (2021).

Na Figura 2, as manchas de calor nos mapas representam a concentração dos homicídios de jovens nos bairros. Verifica-se que no bairro Cabanagem, que possui 100% de AGSN, todos os homicídios estão em área de aglomerados. Já no Telégrafo, que possui 60% de AGSN, praticamente todos os homicídios registrados em 2018 estão em área de aglomerados. No Paracuri, com 75% de AGSN, não houve identificação precisa da localização dos homicídios em 2018. No bairro Nazaré, que não possui registro de AGSN, não houve registro de homicídios na faixa etária de 18 a 29 anos em 2018.

A análise de Chagas (2014) ajuda a perceber que a lógica de ocupação do espaço em Belém, com a formação de aglomerados subnormais que reúnem largas zonas de exclusão social, coincidiu com as áreas de concentração dos maiores índices de homicídios na cidade no período de 2011 a 2013. Essa conclusão também se verificou na distribuição dos homicídios nos bairros em 2018, onde Cabanagem, que possui 100% de sua área constituída por aglomerados subnormais, apresentou as maiores taxas de homicídios na série histórica, em contraponto a Nazaré, que não registra aglomerados e apresentou uma das menores taxas de homicídios da capital, sem registros de vítimas jovens em 2018.

Telégrafo também ilustrou bem a verificação do método, visto que os homicídios de 2018 apresentaram distribuição quase total dentro das áreas de aglomerados do bairro.

Paracuri possui uma área de aglomerados quase de 75%, onde foi localizado seu único homicídio registrado em 2018. O bairro apresentou índices e comportamento semelhantes aos demais do Grupo 3 e, de 2017 para 2018, apresentou queda de 11 para 2 registros na base da Secretaria Adjunta de Inteligência e Análise Criminal (SIAC), sendo que apenas um registro foi confirmado nesta pesquisa, mas não de pessoa jovem (18 a 29 anos).

Borges (2017) defende que as disparidades do mercado imobiliário intensificam as desigualdades socioespaciais e interferem nas políticas públicas de habitação. Segundo esse autor, tais políticas públicas acabam por priorizar o lucro e atendem mais aos interesses do capital imobiliário privado do que às demandas sociais, o que leva pessoas em situação de vulnerabilidade econômica e social a se instalarem em áreas clandestinas, em espaços precários, que vão constituir as “periferias” das cidades.

Nesse sentido, o processo de periferização, com a formação dessas grandes zonas de exclusão, obedece a uma lógica de desenvolvimento dos grandes centros urbanos, que tem por fundamento um sentido econômico de ocupação do espaço como estratégia de desenvolvimento urbano do território.

Da mesma forma como identificado na pesquisa de Chagas (2014), os homicídios em Belém no ano de 2018 se concentraram nas áreas de aglomerados subnormais nos bairros pesquisados. E é exatamente nesses espaços organizados segundo a lógica econômica de urbanização da cidade que as vítimas são encontradas e apresentam perfis socioeconômicos semelhantes.

Esses fatores não condicionam o comportamento dos moradores nas áreas periféricas, mas refletem as condições em que vivem. As restrições de acesso a moradias mais condignas, com melhores condições estruturais e serviços públicos refletem a menor presença do Estado e favorece o exercício de outros poderes punitivos territoriais.

Isso poderia explicar a concentração dos homicídios de jovens nesses bairros, visto que a propensão de condutas desviantes por parte da juventude, independentemente do local de residência, é mais esperada do que em adultos, em razão do menor convívio daqueles com o sistema de regras e instâncias de controle social.

Na base de dados da SIAC sobre os homicídios nos quatro bairros pesquisados em 2018, 96% dos homicídios de jovens (18 a 29 anos) apresentaram características de execução, com suspeitos encapuzados, em grupos pequenos, abordagens rápidas às vítimas, evadindo-se sem subtrair pertences, etc.

Quanto ao perfil criminal das vítimas de homicídios em Belém, verificou-se uma sugestiva relação com os antecedentes criminais positivos em 50% delas (Tabela 2), ressaltando-se que esse percentual, segundo Vilaça (2016), pode ser subnotificado por limitação operacional da polícia diante da demanda cotidiana, falha nos atendimentos, descrença e medo. Assim, a verificação de que 50% das vítimas de homicídios apresentaram antecedentes positivos permite suscitar que as mortes, em sua maioria revestida de características de execução, tenham relação com esse histórico de antecedentes criminais das vítimas, considerando a estigmatização pelo que praticaram ou pela ameaça potencial de virem a praticar.

Considerando as características de execução e a potencial relação com o estigma desviante, os homicídios em Belém podem deixar de representar apenas um fenômeno violento para expressar uma função punitiva, perpetrada por meio da seleção de vítimas estigmatizadas (MORAIS, 2016) e pela ação de um sistema penal subterrâneo, conforme alertava Zaffaroni (2017).

Por essa análise, mais de 96% dos homicídios havidos de jovens nos bairros Cabanagem, Telégrafo, Paracuri e Nazaré em 2018 apresentam características de seletividade de suas vítimas, visto que os fatores de ocupação do espaço urbano, que são forte expressão de uma lógica de expansão do mercado imobiliário, da exclusão social e da perda do direito à cidade, contribuem para a concentração de sujeitos estigmatizados pela atuação das agências do sistema penal em áreas com menor presença do Estado, dinâmica que confirma o primeiro pressuposto de orientação da presente análise, qual seja, a presença da seletividade do sistema penal nos homicídios em Belém/PA, em 2018.

O controle social e o perfil das vítimas de homicídios

Com base no método de Vilaça (2016), foi realizada a análise dos perfis das vítimas jovens de homicídios ocorridos em 2018, nos bairros Cabanagem, Telégrafo, Paracuri e Nazaré. Segundo Vilaça (2016), os antecedentes deveriam corresponder apenas às condenações em 1º grau por infração penal de mesma natureza. Nada obstante, será aplicado aqui um critério mais amplo, que abrange também os registros policiais referentes à prática de infrações penais, ainda que distintas.

O objetivo desse elastecimento atende aos objetivos desta pesquisa em buscar apreender um pouco da dinâmica social que envolve as vítimas, visto que os registros policiais passam a efetivar a estigmatização denunciada pela criminologia crítica, notadamente pela categoria do labelling approach, segundo a qual o indivíduo passa a ser reconhecido pelas agências do sistema penal a partir de um rótulo atribuído pelos processos de criminalização.

A população foi constituída por cadáveres de vítimas de homicídio com idade de 18 (dezoito) a 29 (vinte e nove) anos, submetidos à necropsia em 2018 no Instituto Médico Legal do Centro de Perícias Científicas Renato Chaves, constituída de 26 casos de óbitos registrados em Belém/PA.

Ao analisar os dados socioeconômicos de jovens vítimas de homicídios nos bairros Cabanagem, Telégrafo, Paracuri e Nazaré, em 2018, no que se refere à escolaridade, a Tabela 2 revela que a maioria das vítimas tinha Ensino Fundamental incompleto, com 57,69% dos registros; seguidas daquelas que possuíam Ensino Médio completo, com 23,08%; e Ensino Médio incompleto, com 15,38%.

Vilaça (2016) esclarece que os dados a respeito da escolaridade da população paraense evidenciam que mais da metade (56,40%) daqueles que possuíam 25 anos ou mais não concluíram o Ensino Fundamental, enquanto que apenas 6,20% tinham escolaridade superior completa (IBGE, 2010).

Ao verificar a evolução dos crimes de homicídio na Região Metropolitana de Belém, entre os anos de 2010 a 2017, Trindade (2019) constatou que o acúmulo de vulnerabilidades sociais possuía relação direta com o crime, impactando na qualidade de vida da população, sendo, portanto, fator de risco que podia influenciar na ocorrência dos homicídios.

Diante das considerações relativas à escolaridade das vítimas, depreende-se que educação é um importante instrumento ao estabelecimento do processo de socialização do indivíduo. Portanto, a limitação ao acesso e à permanência escolar de um dado sujeito pode ser “um fator determinante para um defeituoso condicionamento do seu processo de socialização”, podendo também interferir no seu processo de desenvolvimento moral e cognitivo (GUIMARÃES; BARAÚNA; SILVA, 2015, p. 185 apud VILAÇA, 2016).

Tabela 2: Percentual de jovens vítimas de homicídios ocorridos nos bairros Cabanagem, Telégrafo, Paracuri e Nazaré, no município de Belém, em 2018, por sexo, raça/cor, estado civil, grau de escolaridade, bairro de residência, caracterização preliminar do homicídio e antecedentes criminais

Variável Categoria Percentual
Sexo Masculino 100,00
Cor/Raça Parda 100,00
Estado Civil Solteiro 92,31
União estável 7,69
Grau de Escolaridade S.E. 3,85
E.F.I. (I e II) 57,69
E.M.I. 15,38
E.M.C. 23,08
Bairro de Residência Cabanagem 53,85
Pedreira 15,38
Telégrafo 11,54
Sacramenta 3,85
Barreiro 3,85
Coqueiro 3,85
Jaderlândia 3,85
Levilândia 3,85
Caracterização preliminar do homicídio

Características de execução

Violência doméstica

96,15

3,85

Antecedentes criminais

SIM

NÃO

50,00

50,00

Nota: S.E.: Sem Escolaridade; E.F.I.: Ensino Fundamental Incompleto; E.M.I.: Ensino Médio Incompleto; E.M.C.: Ensino Médio Completo.

Fonte: Elaboração dos autores (2021) a partir de dados do PCE (2020), da SIAC (2021) e da PCPA (2021).

Na Tabela 2, dos 26 homicídios de jovens nos quatro bairros em 2018, verifica-se que: 1) 57,69% das vítimas jovens apresentava nível de escolaridade com Ensino Fundamental e 38,46% apresentava Ensino Médio completo e incompleto, o que representa que a grande maioria teve contato com a escola (96,33%), corroborando com as conclusões de Vilaça (2016) de que considerável percentual das vítimas de homicídio evidenciou contato mais prolongado com a escola; 2) 96,15% dos registros apresentam como descrição do fato características de execução, com suspeitos encapuzados, grupos pequenos, abordagens rápidas, fuga sem subtrair pertences, etc., o que corrobora com Morais (2016), de que os homicídios de jovens se apresentam como expressão de uma função punitiva; e 3) 50% das vítimas apresentaram antecedentes criminais positivos, sendo os delitos mais recorrentes roubo e envolvimento com drogas (tráfico e consumo).

Quanto ao perfil socioeconômico dessas vítimas jovens de homicídios em 2018, os dados corroboram com o perfil identificado por Vilaça (2016), de predominância do sexo masculino, raça parda, estado civil solteiro e nível de escolarização fundamental (I e II).

Quanto ao perfil criminal, o resultado de 50% de antecedentes positivos desta pesquisa coincide com os 52% de Vilaça (2016), cabendo revisitar a assertiva dessa autora de que os números de antecedentes registrados podem não traduzir a realidade, visto a subnotificação por limitação operacional da polícia diante da demanda cotidiana, como também em razão da falha nos atendimentos, descrença, desinteresse ou medo.

Assim, a verificação de 50% de antecedentes positivos entre as vítimas jovens de homicídios, aliada às características e execução desses eventos em 2018 (96%), permite suscitar uma relação entre as mortes e o histórico de antecedentes criminais das vítimas, considerando a estigmatização promovida pelo sistema penal.

Para a criminologia da libertação, a escola tem um importante papel no controle social preliminar, por promover a “emissão de mensagens que devem ser aprendidas, às quais se retorna diversas vezes para memorizar” (CASTRO, 2015, p. 155).

Assim, a maioria das vítimas de homicídios aqui consideradas teve contato com as estruturas de controle social, escola e sistema prisional que, segundo Castro (2015), constituem, respectivamente, ambientes de socialização primária, ao estabelecerem padrões de comportamento para a adequação aos valores e às normas definidas socialmente, e de socialização secundária, encarregada da repressão e tratamento das condutas desviantes.

Tendo em vista que 96% das mortes apresentaram características de execução sobre considerável percentual de 50% das vítimas com antecedentes positivos, percentual este que pode ser ainda maior, os homicídios demostram relação significativa com o perfil criminal das vítimas. Assim, o processo de socialização preconizado pelo sistema penal pode ser percebido tanto pelo tradicional efeito de adequação ou readequação de condutas; mas neste caso, de forma bem particular, como mecanismo de prevenção dos próprios homicídios desses jovens, considerando que o histórico criminal parece estar impulsionando as execuções.

Assim, os dados da escolarização dos 26 jovens vítimas de homicídios em 2018 com o perfil de antecedentes criminais confirmam o 2º pressuposto teórico considerado nesta pesquisa: os instrumentos de controle social não tiveram efetividade em relação aos homicídios em Belém/PA.

Cabe destacar que Castro (2015) reconhece que essa discussão não se limita apenas à qualidade do ensino ou às condições materiais da escola que, segundo ela, são precárias em seu país. A autora ressalta que “a desnutrição e as condições sociais em geral (estímulo, meio ambiente, saúde, etc.) determinam diferenças de desenvolvimento mental e de linguagem e são causa de fracasso e evasão escolar” (CASTRO, 2015, p. 160), reforçando a percepção de Vilaça (2016) e de Chagas (2014) quanto à necessária análise do fenômeno a partir de elementos socioeconômicos e estruturais presentes na realidade das vítimas.

As respostas do sistema

As Ações Intersetoriais

Examinando a evolução dos homicídios na Região Metropolitana de Belém no período de 2000 a 2017, Trindade (2019) traçou o objetivo de averiguar se havia implementação prática de ações intersetoriais/transversais por meio dos programas do Plano Plurianual (PPA) nas áreas de segurança pública, saúde e educação no Pará. A autora investigou os três últimos ciclos dos Planos Plurianuais (PPAs), de 2008 a 2019 – PPA 2008-2011; PPA 2012-2015; PPA 2016-2019 –, analisando as diretrizes e estratégias do estado do Pará na saúde, na educação e na segurança pública, para observar a incorporação da intersetorialidade nos programas de enfrentamento de homicídios, drogas e evasão escolar no Ensino Médio, visto que o PPA é um dos principais instrumentos da gestão das políticas públicas, instituído pela CF de 1988, estabelecendo ações governamentais por quadriênios (TRINDADE, 2019).

Considerando o objetivo específico desta pesquisa de analisar o pressuposto da criminologia da libertação de ênfase do sistema penal em ações repressivas diante dos homicídios em Belém/PA em 2018, procedeu-se apenas à análise do último ciclo do PPA estudado pela autora (PPA 2016-2019) com recorte em 2018; para fins de ilustração do trabalho de análise comparativa realizado no referido estudo, foram resumidas as considerações sobre os programas afeitos ao presente escopo, ao longo desse último ciclo.

Quadro 1: Avaliação de Programas Plurianuais (PPA-PARÁ) – Quadriênio 2016-2019

PPA 2016-2019
ÁREA Segurança Pública e Defesa Social
DIMENSÃO Inclusão Social
PROGRAMA Segurança Pública
OBJETIVO Reduzir a violência e a criminalidade
Indicadores META Resultados Executores Observação
2016 2017 2018 2019
Taxa de Identificação de Autoria de Procedimento (TIAP) Homicídio 24,0 (prevista)/ 26,10 (realizada) 27,0 (prevista)/ 24,0 (realizada) 30,0 (prevista)/ 38,0 (realizada) 33,0 (prevista)/ NA (realizada) Atingiu a metas nos anos de 2016 e 2018 PC, SUSIPE, DETRAN Demais órgãos do SIEDS como a PM e o CBM e não possuem indicadores, apenas ações no programa.
ÁREA Direitos Humanos
DIMENSÃO Proteção e Desenvolvimento Social
PROGRAMA Cidadania e Direitos Humanos
OBJETIVO Promover os direitos humanos
Indicadores META Resultados Executores Observação
2016 2017 2018 2019
Incremento do número de pessoas atendidas em ações de cultura de paz 10,0 (prevista)/ 20,75 (realizada) 10,0 (prevista)/ -13,0 (realizada) 10,0 (prevista)/ 38,80 (realizada) 10,0 (prevista)/ NA (realizada) Atingiu a metas nos anos de 2016 e 2018 Fundação Pró-Paz, SEJUDH, SUSIPE, PM e PC A avaliação destaca a necessidade de ações integradas, maior articulação com outras políticas sociais e setoriais e análise conjunta deste programa com o de outras áreas.

Continua.

Cont. Quadro 1

Indicadores META Resultados Executores Observação
2016 2017 2018 2019
Índice de Reincidência dos Egressos da Fábrica Esperança

1,4

(prevista)/ 0,49 (realizada)

1,3

(prevista)/ - 1,94 (realizada)

1,0

(prevista)/ 2,19 (realizada)

0,5

(prevista)/ NA (realizada)

Ficou abaixo da meta em 2016 e 2017 Fundação Pró-Paz, SEJUDH, SUSIPE, PM e PC Em 2017 o indicador foi substituído por Percentual de Migrantes identificados e atendidos pela REDE, o qual não atingiu a meta prevista. Descontinuidade de aferição dos indicadores. Somente Pró-Paz, SUSIPE e SEJUDH figuram com indicadores, os demais somente com ações.
Percentual de pessoas em situação de tráfico e trabalho escravo identificado e atendido na rede 40,0 (prevista)/ 36,4 (realizada)

60,0 (prevista)/

-9,5 (realizada)

- - Abaixo do esperado na Região Guajará
Percentual de Migrantes identificados e atendidos pela rede - - 60,0 (prevista)/ 51,85 (realizada) 80,0 (prevista)/ NA (realizada)
Taxa de Cobertura das Ações de Capacitação dos Profissionais da Rede de Atenção aos Usuários de Drogas 100,0 (prevista)/ 40,0 (realizada) Não previsto (prevista)/ 100,0 (realizada) Não previsto (prevista)/ 20,0 (realizada) Não prevista/ NA (realizada)
ÁREA Promoção Social
DIMENSÃO Educação Básica
PROGRAMA Proteção e Desenvolvimento Social
OBJETIVO Fortalecer a implementação de políticas públicas voltadas à redução do analfabetismo e à universalização da educação infantil em cooperação com os entes federados
Indicadores META Resultados Executores Observação
2016 2017 2018 2019
Taxa de reprovação do Ensino Fundamental 21,3 (prevista)/ 14,43 (realizada) 18,9 (prevista)/ 14,53 (realizada) 17,7 (prevista)/ NA (realizada) 16,6 (prevista)/ NA (realizada) Houve melhoria de desempenho do indicador nos anos de 2016 e 2017 SEDUC O programa contou com parceria público-privada, para atingimento de seu objetivo setorial. 73% dos recursos foram aplicados na RMB e 39% das matrículas do estado na RMB.

Continua.

Cont. Quadro 1

Indicadores META Resultados Executores Observação
2016 2017 2018 2019
Taxa de reprovação do Ensino Médio 53,7 (prevista)/ 15,5 (realizada) 47,7 (prevista)/ 16,83 (realizada) 44,07 (prevista)/ NA (realizada)

41,7 (prevista)/ NA

(realizada

Houve melhoria de desempenho do indicador nos anos de 2016 e 2017 SEDUC O programa contou com parceria público-privada, para atingimento de seu objetivo setorial. 73% dos recursos foram aplicados na RMB e 39% das matrículas do estado na RMB.
Taxa de abandono do Ensino Fundamental

7,4

(prevista)/

6,8

(realizada)

6,8

(prevista)/ 4,32 (realizada)

6,0

(prevista)/ NA (realizada)

5,6

(prevista)/ NA (realizada)

Houve melhoria de desempenho do indicador nos anos de 2016 e 2017
Taxa de abandono no Ensino Médio 17,9 (prevista)/ 14,1 2 (realizada) 16,4 (prevista)/ 11,85 (realizada) 15,1 (prevista)/ NA (realizada) 14,3 (prevista)/ NA (realizada) Houve melhoria de desempenho do indicador nos anos de 2016 e 2017
ÁREA Assistência Social
DIMENSÃO Desenvolvimento Econômico e Meio Ambiente
PROGRAMA Trabalho, Emprego e Renda
OBJETIVO Fomentar a economia solidária e o empreendedorismo
Indicadores META Resultados Executores Observação
2016 2017 2018 2019
Incremento do emprego formal de jovens de 18 a 29 anos 0,3 (prevista)/ -8,60 (realizada) 0,5 (prevista)/ 0,91 (realizada) 0,7 (prevista)/ -4,38 (realizada) 10,0 (prevista)/ NA (realizada) Alcançou a meta apenas no ano de 2017 SEASTER Jovens são os mais atingidos pelos piores índices de desemprego, de evasão escolar, de falta de formação profissional, mortes por homicídio, envolvimento com drogas e com a criminalidade. Necessário integrar programas e ações voltadas à promoção e inserção social dos jovens por meio do trabalho.
Indicadores 2016 2017 2018 2019 Resultados Executores
Taxa de Aproveitamento dos Trabalhadores encaminhados ao mercado de trabalho

12

(prevista)/

20 (realizada)

17 (prevista)/ 15,9 (realizada) 22,0 (prevista)/ 12,30 (realizada) 27,0 (prevista)/ NA (realizada) Baixa execução das metas do programa. Somente em 2016 alcançou a meta

Fonte: Trindade (2019).

Inicialmente, verifica-se que o PPA 2016-2019 (PARÁ, 2016) estabeleceu quatro dimensões em programas temáticos, tendo indicadores de processo e de resultado. Segundo Trindade (2019), objetivou a redução da pobreza e da desigualdade, contudo, esse PPA não adotou as políticas transversais enquanto diretriz.

Dentro do escopo da pesquisa, de investigar a transversalidade de políticas públicas relacionadas à evasão escolar no Ensino Médio, tráfico de drogas e homicídios, políticas que, segundo a metodologia de Trindade (2019), caracterizariam a intersetorialidade de ações entre as áreas da educação (redução da evasão escolar no Ensino Médio), da saúde (combate ao tráfico de drogas – tratamento de dependentes) e da segurança pública (enfrentamento aos homicídios), foram destacados 4 (quatro) Programas, abrangidos na dimensão Inclusão Social, sendo o da área da Educação classificado como Promoção Social, o da área de Segurança Pública como Segurança Pública e Defesa Social, o programa Cidadania e Direitos Humanos, na Dimensão Proteção e Desenvolvimento Social, e o programa Trabalho, Emprego e Renda, na Dimensão Desenvolvimento Econômico e Meio Ambiente. O Programa Cidadania e Direitos Humanos contemplou ações intersetoriais.

Quanto à análise da dimensão Proteção e Desenvolvimento Social, o programa Cidadania e Direitos Humanos teve quatro indicadores. Em que pese a previsão de execução pelos órgãos Fundação Pró-Paz, SEJUDH, SUSIPE, PM e PC, as ações do programa ficaram praticamente restritas à SEJUDH e às polícias, sem ações do Programa Pró-Paz. E, pela saúde, o indicador de Taxa de Cobertura de Ações de Capacitação dos Profissionais da Rede de Atenção aos Usuários de Drogas não apresentou metas no período de 2017 a 2019, não tendo sido avaliado o desempenho desse indicador. Trindade (2019) enfatiza que houve a ampliação da compartimentação de ações, resultando em políticas fragmentadas, que deveriam ser de mútuo reforço por parte das secretarias.

Outro aspecto ressaltado por Trindade (2019) foi a falta de definição de público-alvo na quase totalidade dos objetivos. Essa ausência leva à deficiência na aferição dos impactos dos resultados pretendidos, notadamente quando se parte de indicadores claros quanto à vulnerabilidade da população juvenil na faixa etária de 18 a 29 anos, conforme reafirmado em vários estudos quanto ao perfil das vítimas de homicídios (SILVEIRA JÚNIOR, 2013; CHAGAS, 2014; TRINDADE, 2019; entre outros), apontando a população masculina jovem como predominante na principal faixa dessa incidência, por exemplo.

Quanto à análise da dimensão Desenvolvimento Econômico e Meio Ambiente, o programa Trabalho, Emprego e Renda, com dois indicadores, foi executado somente pela SEASTER. O caráter eminentemente setorial, sem parcerias público-privadas, restringiu a amplitude das ações, tendo em vista as limitações operacionais da Secretaria, o que pode ser confirmado pelos resultados alcançados, estando abaixo das metas em praticamente todo o ciclo do PPA. O que corrobora com as conclusões de Trindade (2019) de que a ausência de ações intersetoriais coordenadas nesse programa pode ser a grande razão desses resultados.

Quanto à análise da dimensão Segurança Pública e Defesa Social, o programa Segurança Pública teve um indicador para o objeto ora pesquisado, a Taxa de Identificação de Autoria de Procedimento (TIAP) Homicídio, onde apenas a Polícia Civil apresentou indicadores, o que contrasta com o propósito de atuação integrada do Sistema de Segurança Pública e Defesa Social, bem como com as limitações operacionais da Polícia Judiciária em termos de promover a resolutividade dos procedimentos relacionados aos homicídios. As ações deste programa também se mostraram setorizadas, geridas no âmbito de cada órgão. O Pró-Paz, apesar de responsável pelas ações de superação das fragilidades sociais relacionadas aos indicadores de violência e criminalidade, limitou suas ações às instalações de Unidades Integradas (UIPP), reforçando a perspectiva setorial no âmbito do programa Segurança Pública.

Quanto à análise da dimensão da Promoção Social, o programa Educação Básica trabalhou quatro indicadores, as Taxas de Reprovação e Abandono nos Ensinos Fundamental e Médio. Foi um programa desenvolvido apenas no âmbito da SEDUC, que alcançou as metas de melhoria apenas nos anos de 2016 e 2017. Na avaliação do programa, houve a presença de parcerias público-privadas, o que é um fator positivo. Contudo, também apontou sua concentração na Região Metropolitana de Belém (73% dos recursos e 39% das matrículas).

Os quatro indicadores refletem o objetivo de redução do analfabetismo e de universalização da educação infantil em cooperação com os entes federados. Não obstante, os dados apontados por Vilaça (2016), bem como os alcançados nesta pesquisa, mostram que, em que pese o acesso das vítimas de homicídios à escola, verificou-se significativo percentual destes com antecedentes criminais, o que sugere a necessidade de ações complementares e coligadas ao acesso à Educação, como ações da Saúde (combate às drogas) e da Segurança Pública (enfrentamento aos homicídios), para ajudar a Educação diante dos outros fatores sociais que influenciam na dinâmica escolar.

Como conclusão, o estudo mostrou que esse ciclo da política pública no estado do Pará não efetivou a diretriz de transversalidade e intersetorialidade de políticas públicas e nem mesmo um modelo de gestão transversal, havendo apenas a utilização equivocada da terminologia no corpo do planejamento (TRINDADE, 2019).

Outro aspecto destacado pela autora é que os PPAs também não adotaram intersetorialidade de políticas ou articulação intergovernamental para fins de descentralização de programas específicos voltados às políticas públicas de prevenção e repressão ao crime, combate às drogas e evasão escolar, que prestigiasse uma formatação interagências e que levasse à atuação multisetorial dos gestores, fato que aliado à deficiência na metodologia de acompanhamento e avaliação restou por não efetivar os objetivos colimados de integração de esforços para neutralização dos fatores sociais que influenciaram nos índices de homicídios na Região Metropolitana de Belém (TRINDADE, 2019).

A atuação da polícia ostensiva

Para compreender a lógica de atuação do policiamento ostensivo em relação aos homicídios em Belém, é necessário conhecer as disposições legais que orientam essa atividade.

Segundo a Constituição Federal (BRASIL, 2019), a polícia ostensiva é atividade realizada pelas Polícias Militares (art. 144, § 5º), sendo que nos termos da Lei de Organização Básica da Polícia Militar do Pará, constitui-se de ações de prevenção e repressão aos ilícitos penais e às infrações definidas em lei, compreendendo também as ações necessárias ao pronto restabelecimento da ordem pública em locais ou áreas específicas em que se presuma ser possível e/ou ocorra perturbação da ordem pública ou pânico (PARÁ, 2020).

No regulamento de sua organização básica, a Polícia Militar do Pará atribui a seus comandos de policiamento a responsabilidade pela manutenção da ordem pública, competindo-lhes a gestão dos recursos e os esforços policiais na base territorial onde estão situados (PARÁ, 2016).

Segundo a Diretriz Geral de Emprego Operacional Nº 001/2014, que representa a doutrina operacional da Polícia Militar do Pará, os comandantes territoriais devem realizar acompanhamento constante dos fenômenos criminais, atribuindo-lhes, em grau sucessivo, “a responsabilidade de empreender os esforços em seu nível de competência, bem como assessorar decisões superiores e, em caso de rompimento da malha protetora, solicitar apoio ou recobrimento” (PARÁ, 2014, p. 36). Desta forma, a verificação de elevação na incidência de homicídios nos bairros é percebida pelas unidades de policiamento ostensivo locais como sinal para atuação imediata para reestabelecimento da ordem.

A partir do ano de 2007, a Polícia Militar do Pará passou à utilização do Boletim de Ocorrência Policial Militar (BOPM), instrumento para registro das ocorrências atendidas pelo policiamento ostensivo. Em 2010, com o objetivo de gerar maior conhecimento sobre a atividade policial militar em seu contexto de atendimentos diários e melhoria continuada nos serviços prestados, o BOPM passou a ser denominado de BAPM (Boletim de Atendimento Policial Militar), consolidando o entendimento de que o boletim constituía ferramenta para registro de todos os atendimentos e ações operacionais da Corporação, e não apenas dos que culminassem em procedimento de polícia judiciária.

Em 2015, foi instituído oficialmente o Boletim de Atendimento Policial Militar (BAPM), bem como publicado o respectivo Manual de Preenchimento.

Em 2018, foi publicada a Diretriz de Meritocracia, objetivando o controle de produtividade e a política de valorização e reconhecimento, a partir da qual foi estabelecida a mensuração da produtividade policial militar com base nos BAPMs registrados no Sistema Integrado de Gestão Policial (SIGPOL). O processo de implantação foi gradual e, no ano de 2017, pode-se extrair os primeiros relatórios auditáveis mais completos das ações do policiamento ostensivo na capital (PARÁ, 2018).

Neste sentido, foi extraído um relatório 2018 das ações do policiamento ostensivo nos bairros Cabanagem, Telégrafo, Paracuri e Nazaré. Os dois primeiros com as maiores concentrações de homicídios nos aglomerados subnormais; o terceiro com grande percentual de sua área com AGSB e ausência de registros de homicídios de jovens; e o quarto sem AGSB e sem homicídios de jovens registrados em 2018.

A Tabela 3 demonstra o comparativo entre a distribuição das principais ações do policiamento ostensivo nos bairros Cabanagem, Telégrafo, Paracuri e Nazaré, no ano de 2018. Os onze tipos de atendimentos selecionados representam o maior percentual de ações do policiamento ostensivo, orbitando em torno de 95% do volume total de ações realizadas nesses bairros no período.

Tabela 3: Principais ações do policiamento ostensivo em 2018, nos bairros Cabanagem, Telégrafo, Paracuri e Nazaré, em Belém/Pará

NÚMERO REGISTRADO DE AÇÕES
TIPOS DE AÇÕES CABANAGEM TELÉGRAFO PARACURI NAZARÉ
119. SEGURANÇA DE TESTEMUNHAS OU PESSOAS AMEAÇADAS 22 1 0 0
202. AÇÃO PREVENTIVA EM RESTAURANTES, BARES, CASA DE CÔMODOS 2 12 0 0
205. AÇÃO PREVENTIVA EM MANIFESTAÇÃO PÚBLICA 2 11 2 11
402. ABORDAGEM DE BICICLETA 7 3 0 17
404. ABORDAGEM DE CARRO 57 3 1 10
406. ABORDAGEM DE MOTO 166 6 0 19
409. ABORDAGEM DE PESSOA 266 782 117 1.593
414. ADVERTÊNCIA 9 19 37 21
417. BUSCA SEM ÊXITO DE SUSPEITO 102 401 40 392
602. FLAGRANTE DE CRIME OU CONTRAVENÇÃO 5 15 0 2
603. RECAPTURA DE FORAGIDO 2 13 0 2
Total Principais Ações 640 1.266 197 2.067
Total Geral Ações 2018 703 1.412 202 2.132
Percentual (%) 91,04 89,66 97,52 96,95

Fonte: Elaboração dos autores a partir do SIGPOL-PMPA (2021).

Inicialmente, ressalta-se que a utilização do SIGPOL passou por estágios de apropriação pelos efetivos das unidades policiais, sendo que o tempo de consolidação da prática de registro dos atendimentos no sistema foi diferente em cada unidade de policiamento. Desta forma, mostrou-se mais prudente que as análises fossem feitas comparando os percentuais de registros dentro de cada bairro, na mesma unidade policial, sem comparar, neste primeiro momento, os volumes de registros entre unidades distintas, a fim de evitar interpretações baseadas em práticas de registros diferentes entre elas.

A partir dessas premissas, verifica-se que em todos os bairros de estudo, as ações que concentram o maior esforço das unidades de polícia ostensiva foram: abordagens (em especial a pessoas, mas também a bicicletas, motos e veículos), buscas de suspeitos, flagrantes de crime ou contravenção e recaptura de foragidos, alcançando 90% das ações de polícia ostensiva nesses bairros em 2018, enfatizando ações de enfrentamento a infratores, em detrimento a outros tipos de ações preventivas. O que leva à conclusão de que as práticas adotadas por essa instância potencializam embates com a população, com maior uso da força pela instância policial, sobrecarregando-a e reduzindo a amplitude de controle por outros meios, como pelo engajamento social, preconizado pela criminologia crítica (ZAFFARONI, 2017).

Além disso e não obstante os esforços da polícia ostensiva, suas ações têm clara limitação ao lidar com o problema dos homicídios, evidenciando a necessidade de uma eficiente abordagem intersetorial diante de suas causas. Foi nesse sentido que, ao abordar o tema da política de segurança pública, Rua (2014 apud TRINDADE, 2019) destacou que esta envolve aspectos sociais, econômicos, culturais, carecendo de um tratamento baseado na integração dos esforços de educação, saúde, trabalho, assistência social, para não se limitar-se à repressão.

Nesse sentido, a deficiente articulação nas ações interagências a partir dos Planos Plurianuais do Pará, compreendendo o período de 2018, demonstra reflexos na recorrente ênfase em medidas de repressão ao delito na atuação do Estado em relação ao homicídio em Belém, o que se faz verificar pelos maiores esforços do policiamento ostensivo nos bairros Cabanagem, Telégrafo, Paracuri e Nazaré, restando por confirmar o terceiro pressuposto analisado da criminologia da libertação.

CONCLUSÕES

Visando responder qual a influência das agências do sistema penal na dinâmica dos homicídios de jovens em Belém no ano de 2018, segundo a criminologia da libertação, a presente pesquisa estabeleceu uma metodologia estruturada a partir de três estudos desenvolvidos acerca da análise do homicídio em Belém/PA; são eles: Geografia, Segurança Pública e a Cartografia dos Homicídios na Região Metropolitana de Belém (CHAGAS, 2014); Vitimização por Homicídio: Perfil Socioeconômico e Criminal das Vítimas (VILAÇA, 2016); e Homicídios na Região Metropolitana de Belém: práticas para contenção e vulnerabilidades (TRINDADE, 2019).

Cada pesquisa utilizou métodos específicos para atingir seus próprios objetivos, sendo que essas metodologias foram correlacionadas e serviram de base para a verificação de três pressupostos estruturantes da hipótese desta pesquisa, de que o funcionamento do sistema penal favoreceu os homicídios de jovens em Belém em 2018, em razão de características apontadas pela criminologia da libertação: 1) de seletividade, 2) falha no controle social, e 3) ênfase em medidas repressivas.

As pesquisas fundantes e os pressupostos criminológicos foram assim relacionados: o método de Chagas (2014), utilizado na análise do pressuposto da seletividade; a metodologia de Vilaça (2016), na análise do pressuposto de falha no controle social; e a metodologia de Trindade (2019), na análise do pressuposto de ênfase em medidas repressivas.

Importa, assim, ressaltar que o cerne das análises não contemplou as causas sociais dos homicídios em Belém/Pará, mas o recorte teórico de análise sobre a influência que a atuação do sistema penal exerce sobre o fenômeno.

Os resultados apontaram que dos 52 homicídios, 26 (50%) tiveram vítimas jovens (18 a 29 anos), com 100% desses eventos dentro das áreas de aglomerados subnormais; 65,39% das vítimas eram residentes nos bairros pesquisados; 57,69% desses jovens possuíam Ensino Fundamental incompleto; 23,08% tinham Ensino Médio completo; e 15,38%, com Ensino Médio incompleto.

Outra importante verificação foi que dos 26 homicídios de jovens nos quatro bairros em 2018, 25 (96,15%) apresentaram características de execução, com suspeitos encapuzados, grupos pequenos, abordagens rápidas, fuga sem subtrair pertences, etc., denotando o exercício de função punitiva nesses homicídios, e suscitando práticas de uma dimensão subterrânea do sistema penal, conforme alerta Zaffaroni (2017).

Verificou-se ainda que o ciclo do PPA 2016-2019 (recorte 2018) não efetivou a diretriz de transversalidade e intersetorialidade de políticas públicas de segurança e nem mesmo um modelo de gestão transversal, para fins de descentralização de programas específicos voltados às políticas públicas de prevenção e repressão ao crime, combate às drogas e evasão escolar, que prestigiasse uma formatação interagências e que levasse à atuação multisetorial dos gestores, tanto no planejamento quanto no acompanhamento e na avaliação dessas estratégias, resultando em esforços paralelos no enfrentamento dos fatores sociais relacionados aos índices de homicídios no estado.

Quanto ao pressuposto da seletividade em relação às 26 vítimas jovens, utilizando a metodologia de Chagas (2014) foi possível relacionar os homicídios às áreas de aglomerados subnormais nos bairros. A análise cartográfica possibilitou ainda conhecer melhor as variáveis ligadas ao conceito, revelando condições socioeconômicas que favorecem que as áreas dos aglomerados se tornem palco da expressão de múltiplos poderes punitivos territoriais; os poderes de “p” minúsculos de Raffestin (1993).

Ao discorrer sobre esses poderes (“p”), Raffestin reflete que eles passam a configurar as relações no território. Nesse sentido, Morais (2016) ressalta que os grupos responsáveis pelos homicídios atuam sempre na função punitiva, corroborando que, na dinâmica do espaço, outros agentes territoriais, além do sistema penal (pela instância polícia), passam a exercer esse poder, tais como parapoliciais (milícias), paramilitares, capatazes, grupos de extermínio, esquadrões da morte, bem como a segurança privada, o tráfico de drogas, etc. Esses atores territoriais também se apropriam da mesma seletividade para exercer seu poder punitivo, contando muitas vezes com a omissão de agentes do próprio Estado.

Assim, uma conclusão importante para compreender a seletividade nas práticas de homicídio em Belém/PA é considerá-la enquanto expressão do poder punitivo dentro do território estabelecido nos bairros de Belém, exercido por múltiplos atores, mas a partir de uma mesma lógica criticada do sistema penal, que adota áreas de precárias condições socioeconômicas como palco prioritário para o exercício do poder punitivo. Essa verificação confirma a presença do pressuposto da criminologia da libertação de seletividade em relação aos alvos da ação punitiva, evidenciado no perfil socioeconômico e criminal das vítimas de homicídios em Belém/Pará em 2018, conforme o 1º objetivo específico desta pesquisa.

Observando os dados referentes à escolarização das 26 vítimas jovens de homicídios nos bairros pesquisados de Belém em 2018, verificou-se que a maioria teve contato mais duradouro com a escola (96,33%); bem como pelo percentual de antecedentes criminais (50%) identificados nesta pesquisa, verifica-se a ocorrência de contato com estruturas de controle social, mas que estas não puderam coadunar as condutas às normas e aos valores estabelecidos, levando a confirmação do pressuposto da criminologia da libertação de falha dos mecanismos de controle social para as vítimas de homicídios em Belém/PA em 2018, conforme o 2º objetivo específico desta pesquisa.

Quanto ao pressuposto de ênfase em medidas repressivas, o estudo realizado por Trindade (2019) sobre a intersetorialidade e a transversalidade das políticas públicas no estado do Pará, materializadas em programas no âmbito dos Planos Plurianuais, voltadas à contenção dos homicídios, ao combate às drogas e à redução da evasão escolar no ensino médio, mostra que quanto aos homicídios, os programas foram essencialmente setoriais, mostrando a ausência de integração de esforços entre as áreas da saúde, da educação e da segurança pública no PPA 2016-2019 (recorte 2018).

Em relação à redução dos homicídios, o indicador adotado de “Taxa de Identificação de Autoria de Procedimento (TIAP) Homicídio” restringiu-se às ações de identificação pelos procedimentos da Polícia Civil, da SUSIPE e do DETRAN, onde apenas a primeira apresentou os indicadores, denotando a natureza setorial da política pública diante dos homicídios em Belém/PA no período. Quanto à evasão escolar, as ações ficaram praticamente restritas ao âmbito da SEDUC e os resultados evidenciaram a carência de coordenação intersetorial nas ações. Já no caso do combate às drogas, a análise apontou deficiência na definição de público-alvo e na definição das metas para o período.

Outro importante aspecto complementar nesta análise foi quanto à forma de atuação do sistema penal por meio de uma de suas agências da instância policial, a polícia ostensiva.

Por meio da identificação dos tipos de ações realizadas pela polícia ostensiva registradas no SIGPOL foi possível verificar que nos bairros Cabanagem, Telégrafo, Paracuri e Nazaré, no ano de 2018, as ações priorizam as abordagens (em especial a pessoas, mas também a bicicletas, motos e veículos), as buscas de suspeitos, os flagrantes de crime ou contravenção e a recaptura de foragidos; alcançando 90% das ações de polícia ostensiva nesses bairros em 2018. Este resultado mostra a ênfase em ações de enfrentamento a infratores, em detrimento a outros tipos de ações preventivas, corroborando com os indicativos de Trindade (2019) sobre a ausência de articulação nas ações intersetoriais para o enfrentamento do homicídio.

As práticas adotadas por essa instância policial potencializam embates com a população, com maior uso da força, levando a sua sobrecarga e reduzindo a amplitude de controle por outros meios, como pelo engajamento social. Nesse particular, Zaffaroni (2017) reflete que a dinâmica de controle social realizada pelo sistema penal não produz resultados esperados e acaba enfraquecendo o controle exercido pelas organizações comunitárias, o que leva a uma ênfase cada vez maior das ações repressivas por parte do Estado para conter as condutas desviantes que busca inibir, o que confirma o pressuposto de ênfase em medidas repressivas diante dos homicídios em Belém/PA em 2018.

Neste sentido, a deficiente articulação nas ações interagências a partir das políticas públicas de segurança demonstrou seus reflexos também na forma de atuação da polícia ostensiva nos bairros, potencializando a ênfase em medidas de repressão ao delito na atuação do Estado em relação ao homicídio em Belém/PA, o que confirma também esse pressuposto da criminologia da libertação, conforme o 3º objetivo específico desta pesquisa.

Tais conclusões apontam para a confirmação da hipótese desta pesquisa de que, mesmo não sendo causa, o funcionamento do sistema penal favoreceu os homicídios de jovens em Belém/Pará, em 2018, em razão das características apontadas pela criminologia da libertação: de seletividade, falha no controle social e ênfase em medidas repressivas.

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  1. O presente artigo constitui resultado parcial de projeto de pesquisa desenvolvido pelo autor Jorge Luiz Aragão Silva, sob a orientação do coautor Marcus Alan de Melo Gomes, no Mestrado em Segurança Pública do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal do Pará, e foi concluído em 17/03/2021 com a aprovação da Dissertação intitulada Homicídios de Jovens e o Sistema Penal em Belém-Pará: cartografia criminológica para Polícia Ostensiva. Assim, alguns dados e argumentos desenvolvidos neste trabalho constam também da referida dissertação.↩︎

  2. This article is a partial result of a research project developed by author Jorge Luiz Aragão Silva, under the guidance of co-author Marcus Alan de Melo Gomes, in the Master's degree in Public Security of the Institute of Philosophy and Human Sciences of the Federal University of Pará, which was concluded on 03/17/2021 with the approval of the dissertation entitled Homicides of Young People and the Criminal System in Belém-Pará: criminological cartography for Ostensive Police. Thus, some data and arguments developed in this work are also included in this dissertation.↩︎