O nascimento do Estatuto do Desarmamento: justificativa parlamentar e contexto social da sua promulgação
Rodrigo Marchetti Ribeiro
Advogado, mestrando em Direito na Universidade de São Paulo, com graduação em Direito pela mesma Universidade. Dupla titulação em andamento pela Université Lumière Lyon II (licence en droit).
País: Brasil Estado: São Paulo Cidade: São Paulo
Email: rodrigomr99@usp.br Orcid: https://orcid.org/0000-0002-4333-9376
Resumo: O presente artigo visa a compreender a visão do parlamento, em relação a realidade social, que deu origem, em 2003, ao Estatuto do Desarmamento. Para isso, a presente pesquisa se serve de uma metodologia de revisão de documentos e codificação de argumentos parlamentares para visitar as notas taquigráficas da discussão do projeto no Congresso Nacional, visando a encontrar os argumentos que justificavam e alicerçavam a medida. Uma vez encontrada esta visão justificadora, o artigo, por meio de uma revisão bibliográfica, confronta-a com o contexto social de então, visando a definir se tal visão estava ou não de acordo com a realidade social. A resposta, com ressalvas, é positiva.
Palavras-chave: arma de fogo; processo legislativo; Estatuto do Desarmamento; violência; crime organizado; tráfico de drogas; urbanização.
The birth of Brazil’s Statute of Disarmament: parliamentary debate and the social context of its promulgation
Abstract: The present article seeks to understand the parliamentary vision, concerning the social reality, that, in 2003, gave birth to the Statute of Disarmament. To do so, the research uses documents review and legislative arguments coding methodology to visit the shorthand notes of the discussion of the disarmament project in the National Congress, seeking to find the arguments that justified the measure. Once this information is found, the article, using of a literature review, confronts it with the social reality of the moment, seeking to determine if this vision was according to the social context. The answer, with reservations, is positive.
Keywords: firearms; legislative process; Statute of Disarmament; violence; organized crime; drug trafficking; urbanization
Data de Recebimento: 06/04/2021 – Data de Aprovação: 27/10/2021
DOI: 10.31060/rbsp.2023.v.17.n 1.1473
Introdução
Com as eleições de 2018 e a subsequente eleição do ora presidente da República Jair Bolsonaro, ficou claro que a discussão sobre armas de fogo voltaria à centralidade da ordem do dia do debate político (verdadeiramente, tal debate nunca sequer saiu da ordem do dia, ainda que a atenção, ao longo dos anos, que se deu ao tema, tenha mudado). Em 2019, com o então presidente e a nova Legislatura empossados, alterou-se a regulamentação da matéria (por força de atos normativos do presidente da República), a aplicação da lei pelos servidores públicos (especialmente a Polícia Federal e o Exército) e a própria legislação (ainda que de forma pontual); no Congresso Nacional, mais de 100 iniciativas foram propostas. O desarmamento voltou para o centro do debate político.
Durante toda essa batalha (política) ao redor do tema, cujos lances ainda estão sendo dados, um ponto comum dos críticos é sempre a inadequação do Estatuto como instrumento de combate à criminalidade; o que gera uma interessante indagação de pesquisa.
Pode-se propor, aqui, um pressuposto (questionável, afinal implica em uma visão instrumental do Direito): as políticas públicas, como regra, são criadas para lidar com problemas sociais ou para fomentar mudança social1 (MADER, 2001, p. 121-122). O domínio econômico dá exemplos claros disso. Se, e.g., o governo deseja industrializar o país, ele pode criar instrumentos jurídicos que fomentem a indústria, tais como as linhas de crédito ou a taxação de mercadorias importadas. O que, porém, determinará o sucesso ou o fracasso da política pública é quão firmes são os seus alic erces na realidade. Se a visão que fundamenta a política é bem fundamentada (isto é, consciente da realidade em que está imersa e do problema enfrentado), é de se esperar uma chance maior de sucesso. Em relação à violência, é razoável esperar um fenômeno semelhante: se Estado almeja controlar a violência – e ser bem-sucedido nisso – é necessário, antes, que entenda a violência (isto é, que tenha um alicerce firme na realidade).
Mas qual foi a visão que deu origem ao Estatuto do Desarmamento? Esta visão estava bem alicerçada no contexto social em que estava imersa? Estas são as duas questões que este artigo visa responder. Para isso, antes há duas seções dedicadas a explicar os procedimentos da investigação empírica que dão resposta à primeira pergunta. Para resolver a segunda, o artigo se serve de uma revisão bibliográfica.
Metodologia adotada: pesquisa de documentos, protocolos, codificação
Para apurar os dados necessários à pesquisa, em primeiro lugar, buscou, no acervo da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, os projetos apresentados, as atas e as notas taquigráficas das sessões em que o projeto do Estatuto do Desarmamento foi discutido (e, subsidiariamente, quando as atas e as notas estavam indisponíveis e as gravações das sessões2), os pareceres apresentados em relação ao projeto e as emendas.3 Como salienta Gilberto de Andrade Martins (2008, p. 46), trata-se de um exercício similar a um levantamento bibliográfico tradicional.
Todavia, apesar de o levantamento ser tradicional, o tratamento dos documentos apresentados se faz de forma heterodoxa. Uma vez coletados todos os documentos necessários, foi importante reduzir as informações nos documentos a uma quantidade trabalhável, mas sem prejudicar a pesquisa. Para isso, a pesquisa, baseando-se em Martins (2008, p. 67-78), construiu e serviu-se de um protocolo. Pareceres seriam objeto de uma revisão bibliográfica tradicional (leia-se: um simples fichamento), enquanto as posições de parlamentares registradas nas notas taquigráficas e os áudios seriam objeto de uma codificação (mais sobre isso abaixo).
Os discursos das notas taquigráficas e os áudios não foram codificados na sua íntegra (todos os discursos dos dias em que os documentos foram apurados), mas sim, dentro do documento, foi feita uma seleção de momentos de maior relevância, a saber: as notas taquigráficas das sessões das comissões foram codificadas inteiras (sem seleção de trecho), enquanto, nas datas em que a discussão se deu no plenário (ou da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal), além da discussão do projeto em si (a discussão do item da pauta), foi dedicada atenção também aos outros discursos sobre o tema do desarmamento, encontrados ao longo do dia na casa legislativa em que o projeto estava sendo discutido; o que não aconteceu em relação às datas de discussão em comissões, pois tal material (outros discursos ao longo do dia, fora do contexto de discussão específica do projeto) se revelou, em uma análise prévia, de baixo interesse, por ser constituído, majoritariamente, de repetições ou de excrescências em relação ao restante do debate.
Entretanto, mesmo com tal recorte, o material apurado das notas e das atas taquigráficas ainda sofria o grave defeito de ser demasiado repetitivo e volumoso para uma adequada compreensão da tramitação do projeto e dos argumentos usados. Para sanar esse problema, o levantamento final (o qual serve de alicerce documental para este trabalho) foi focado na inovação argumentativa entre as sessões, mas salientando, sempre que necessário, a repetição.
A codificação (CAPPI, 2014) propriamente dita constitui um processo trifásico: (i) na primeira etapa, os argumentos são agrupados por semelhança, mas sem processamento; (ii) na segunda etapa, são construídos argumentos-síntese dos argumentos apurados na primeira etapa; e (iii) na terceira etapa, o pesquisador articula os diferentes argumentos-síntese em eixos principais e acessórios e monta a sua grounded theory (ou, em outras palavras, faz o processo analítico de construção e narração do estudo de caso) (CAPPI, 2014; MARTINS, 2008, p. 81-85; MACHADO, 2017, p. 363; 383).
Para os fins desta pesquisa, os argumentos-síntese foram articulados por eixos temáticos e tais eixos foram articulados ao redor de dois outros eixos: (1) discussão sobre o contexto da discussão, i.e., visão dos parlamentares sobre a realidade nacional; e (2) discussão sobre os impactos da medida, i.e., possíveis efeitos da legislação que era discutida. Entre eles (gravitando ao redor dos dois) foi colocada uma zona interpolar para discussões que, simultaneamente, discutiam contexto e efeitos. Por fim, para lidar com argumentos que se colocavam externamente ao debate, foi criada uma rubrica tangencial.
Evidentemente a pesquisa trabalha também com a análise do discurso e, como dito, com uma revisão bibliográfica tradicional (ALMEIDA et al., 2016; MARTINS, 2008, p. 55-66).
Marco teórico: sociologia da legislação, avaliação legislativa e a abordagem metódica de elaboração de conteúdos legislativos
Cabe salientar que o presente artigo se insere dentro daquilo que Luzius Mader (2001, p. 121), pesquisador da legística, chama de sociologia da legislação, que pode ser descrita como o campo das ciências jurídicas e das ciências sociais que se dedica ao estudo do processo de formulação e implementação da lei, para além do aspecto meramente formal. É necessário mencionar, porém, que, enquanto o artigo de Mader se limita a dar diretrizes gerais, aqui a sociologia da legislação, evidentemente, ganha um aspecto de concretude (distinta, no entanto, da concretude dada por Salinas (2008)4, quando tratou de transferências para o terceiro setor), de procedimento, sem, porém, se desviar daquela diretriz inicial dada pelo referencial da sociologia da legislação e pelas diretrizes de avaliação e elaboração legislativa propostas, também, por Mader (2001, p. 121-125), dentre as quais se destaca a busca dos liames causais entre a realidade social observável e a disposição jurídica sendo elaborada ou em análise; e a busca pelo objetivo e o problema com o qual a legislação visa lidar.
Enquanto, contudo, Mader (2001, p. 123-124) diz que mais interessante do que avaliar o acerto dos pressupostos da legislação seria explicitar aquilo que fundamenta o conteúdo normativo5 e garantir, por conseguinte, a sua acuidade (mas note-se que o ponto nevrálgico segue sendo a explicitação), aqui o que se busca, em uma perspectiva retrospectiva, é o acerto ou não-acerto do legislador frente à realidade que o circunda. Isto, pois, como pressuposto, admite-se que, se a legislação é bem fundamentada na realidade, então ela tem mais motivos para ser um sucesso. Contrario sensu, uma legislação feita de forma alienada teria mais motivos para ser um fracasso. Consequentemente, é imperativo dizer que a presente pesquisa conserva distância dos objetivos da avaliação legislativa e da elaboração de conteúdos normativos, nos moldes em que Mader (2001, p. 123-124) os coloca.
Cumpre salientar ainda que seria pueril pensar que um processo racional e metódico de elaboração legislativa (com elementos avaliativos), proposto por um autor suíço, se aplica à práxis do Parlamento brasileiro contemporâneo. Sem embargo, as diretrizes propostas por Mader (2001, p. 121-122) para a abordagem metódica de elaboração de conteúdos normativos têm, dentro de uma concepção instrumental de Direito (usada, aqui, para pensar a política pública do Estatuto do Desarmamento), um aspecto inescapável intrínseco que a faz um poderoso instrumento de direcionamento de esforços de pesquisa dentro da pesquisa de sociologia da legislação (em outras palavras, ela responde à pergunta: “o que buscar?”). É inegável que, dentro de tal concepção instrumental (da qual os legisladores brasileiros certamente não escapam), a elaboração da legislação deve ter um problema; um objetivo; deve lidar com os instrumentos jurídicos possíveis, etc. (os quais, eles mesmos, são objetos de disputa, como expor-se-á abaixo).
Transpondo o raciocínio para uma comparação (talvez um pouco pedante), pode-se dizer que a realidade é um feixe de luz não decomposto; as diretrizes de Mader são um prisma; os feixes de luz que saem do outro lado do prisma são os dados a serem apurados, à luz do referencial teórico; e o procedimento, por seu turno, é uma forma de apreender esses feixes que saem do prisma. O papel do pesquisador é colocar esse aparelho em funcionamento e traduzir o resultado final em uma imagem inteligível.
O debate parlamentar sobre a justificação e o contexto social do Estatuto
Para conhecer a visão parlamentar que justificou e fundamentou o Estatuto do Desarmamento, não importa a narração do processo legislativo como um todo, mas sim um panorama do caminho que levou à consolidação (isto é, a cessação da inovação argumentativa dos parlamentares) de determinada visão ao redor do eixo do contexto. Em outras palavras, qual o problema que os parlamentares, defensores (ou, ao menos, não-opositores) do desarmamento, visavam atingir e como chegaram a uma consolidação e cristalização desta visão?
Três iniciativas6, propostas no ano de 1999, que conservavam entre si vários denominadores comuns, deram origem ao processo legislativo que culminou, no ano de 2003, com o Estatuto do Desarmamento. Segundo os três senadores-proponentes, o Brasil sofria, naquele momento, com um quadro calamitoso na segurança pública, que conservaria alguma forma de liame (de causa ou de consequência) com a profusão de armas de fogo, legais ou ilegais (ambas teriam efeitos negativos para o quadro da segurança pública. Segundo os parlamentares, a profusão de armas de fogo legais estaria relacionada a um crescimento dos homicídios por motivação trivial).
Diante disso, visando garantir a execução do dever (jurídico) do Estado brasileiro de garantir a segurança pública7 e os direitos fundamentais, os proponentes alegavam que os índices de criminalidade deveriam ser controlados e mantidos dentro de um nível manejável. Para fazê-lo, o que os três projetos propunham era o desarmamento da população e a proibição de uso, posse, porte, propriedade, transporte, fabrico, venda e situações análogas de armas de fogo para os cidadãos comuns (com algumas divergências entre os PLSs, das quais a mais importante, sem dúvidas, é a inclusão ou exclusão das empresas de segurança privada).
Todavia, tal projeto, de proibição do uso de armas de fogo, estava longe de ser um coro uníssono no parlamento e encontrava forte oposição. Não era, todavia, uma oposição reacionária ao projeto, negando-se a discutir a questão do aumento da violência e sua possível relação com as armas de fogo, mas sim uma oposição-proponente8, segundo a qual a questão não se resolveria com o mero desarme da população e, na verdade, deveria aliar a proibição (excepcionada) do porte de arma a uma maior restritividade nas normas de registro de armas (e, portanto, na propriedade de armas) e a uma anistia nos registros (o que serviria, segundo esses parlamentares, para tirar as armas da esfera da ilegalidade e as reintegrar dentro da esfera de controle do Estado).
Ao redor destes dois projetos (desarmamento ou proibição do porte), a discussão contextual (que, cabe ressaltar, não era a única discussão) se estruturava ao redor de três questões maiores.
Primeira questão. Os parlamentares discutiam quais eram os crimes que estavam impactando as taxas de homicídios (ou, em um sentido lato, as taxas de violência) por arma de fogo. Para os desarmamentistas deste momento, defensores da proibição do uso e comércio de armas de fogo pela população civil, as taxas de homicídios com arma de fogo estariam associadas à profusão de armas de fogo entre a população e aos conflitos cotidianos, principalmente entre os jovens (além, evidentemente, da violência perpetrada por criminosos habituais).
A violência, portanto, não seria, segundo essa visão, obra apenas de criminosos profissionais (i.e., que levam o crime como forma de sustento de vida), mas sim – e talvez principalmente – de cidadãos comuns que, pela presença (física) da arma de fogo em suas vidas, em um momento de conflito (cotidiano), com emoções exacerbadas e descontrole, utilizariam a arma na solução do conflito. É o que aconteceria, e.g., nos conflitos entre vizinhos, nas discussões do trânsito, no conflito doméstico9, etc. A sequência lógica deste argumento, trilhada pelos parlamentares, é de que tirando a arma destas cenas de conflito se impediria, pelo menos em parte, que o resultado deles fosse a morte.
Do outro lado, os armamentistas de então, defensores da restrição do porte, propunham três críticas a essa narrativa.
Em primeiro lugar, eles argumentavam que muitas seriam as outras possíveis causas de um conflito cotidiano terminar em violência e, quiçá, morte, além da presença da arma de fogo (como, e.g., o consumo de álcool). Nem pela conhecida associação entre álcool e violência, argumentavam, se proibiria a venda de bebida alcoólica. Ademais, a existência do crime, segundo eles, estar ligada a uma série de outros fatores, como narcotráfico, causas econômicas, sociais, etc.
Em segundo lugar, mesmo quando reconheciam a existência do problema da violência cotidiana agravada pela presença da arma de fogo, estes armamentistas questionavam a sua magnitude. Seriam tantos quanto alegavam os desarmamentistas os homicídios por motivação trivial? Para eles, a resposta era negativa.
Finalmente, os armamentistas imaginavam um quadro diferente em relação à violência. O problema não seria, segundo eles, o homicídio com arma de fogo de motivação trivial, perpetrado pelo cidadão ordinário, mas sim o crime organizado transnacional, que promovia, na visão deles, um quadro de guerra urbana nas cidades brasileiras, com armamento bélico importado pelas fronteiras de forma ilegal ou roubado das próprias forças armadas.
Segunda questão. Ainda que se discutisse, naquele momento, a relação proporcional entre os homicídios por motivação trivial e os homicídios cometidos por criminosos eram consensos (i) a incapacidade da atuação do Estado no combate à violência e (ii) a existência de uma atividade criminosa perpetrada por criminosos habituais (ou profissionais) organizados e armados. Uma vez reconhecida a existência destes criminosos “profissionalizados”, o que os parlamentares debatiam era como o crime se armava. Duas respostas foram formuladas.
A primeira, mais simples – nem por isso necessariamente equivocada –, resposta dos armamentistas era de que as armas do crime teriam origem ilegal, i.e., teriam sido ou transportadas ilegalmente pelas fronteiras ou furtadas dos depósitos do Estado. Este tipo de arma, ressaltavam, não seria um reles revólver calibre .38, mas sim um armamento bélico, pesado, de uso restrito ou proibido. Ou seja, se o problema estava no controle de arsenais e de fronteiras, pouco importava – poderia, inclusive, ser contraproducente – a proibição do uso e comércio de armas de fogo legais.
A segunda resposta, principalmente dos desarmamentistas, mas com a qual os armamentistas concordavam em parte, era de que existiria uma incapacidade do Estado de lidar com a questão da violência. Percebendo a violência e a incapacidade do Estado de combatê-la, o cidadão buscaria modos de garantir a sua segurança10, dentre os quais estaria a compra da arma de fogo. O grande problema é que o cidadão comum, além de ser inapto (em regra, por não dispor da habilidade técnica) para promover a sua autodefesa, perderia a sua arma para criminosos, ao tentar reagir, ou em assaltos à residência, ou furtos, etc. Em outras palavras, as armas legais, compradas por pessoas bem-intencionadas, armariam – inintencionalmente – os criminosos. A questão das armas legais usadas nos homicídios de motivação trivial e, portanto, também usadas no cometimento de crimes (e, neste sentido, armas do crime), já foi exposta acima.
Terceira questão. Evidentemente, se o lado desarmamentista colocava como pressuposto lógico de um de seus argumentos que o cidadão comum não teria a aptidão técnica para o manejo da arma de fogo, então cabia ao lado armamentista (por óbvio mais aberto ao manejo de armas pela população, ainda que defendesse o endurecimento das condições de registro como projeto) desmontar tal tese.
Para os desarmamentistas, além do risco de o cidadão “de bem” perder sua arma para o criminoso, existiria, também, baseado nas estatísticas policiais, um maior risco à vida na autodefesa. Em outras palavras, quem reage teria mais chance de morrer.
Os armamentistas, entretanto, encontravam, nesse raciocínio, a seguinte falha: baseando-se nas estatísticas policiais, o raciocínio permite perceber apenas aquilo que foi registrado. Se o cidadão “de bem” repeliu com sucesso o criminoso e preservou seus bens e as pessoas ao redor com as quais ele se importa, não teria ele motivos para ir à delegacia passar pela desagradável experiência burocrática de fazer o registro da ocorrência. Ademais, ao se considerar apenas o universo de ocorrências registradas, perder-se-ia de vista, também, as quase ocorrências, i.e., os casos em que o criminoso não chegou a agir, por ter percebido a vítima armada.
Foi nesses termos o debate de contextualização dos projetos ou de desarmamento ou de restrição do porte de armas de fogo, que tramitou até 2003, quando foi convocada, Pelo Poder Executivo Federal (2003), sessão legislativa extraordinária do Congresso Nacional que tinha como alguns dos itens de pauta os projetos que tramitavam no Senado Federal e na Câmara dos Deputados versando sobre armas de fogo.
Em resposta à convocação, os presidentes da Câmara e do Senado realizaram um ato conjunto criando uma comissão mista entre as duas casas legislativas para consolidar os projetos existentes em um único substitutivo. Durante a tramitação na Comissão Mista (BRASIL, 2003c), foi formulado o novo substitutivo, que adotava não a posição pela proibição do comércio, mas sim pela restrição (proibição como regra, no art. 6º do Estatuto do Desarmamento) do porte de arma de fogo e endurecimento das condições de registro. Em uma solução feita para agradar a gregos e troianos, a possibilidade de proibição do comércio foi colocada no projeto de lei, mas ficou condicionada à aprovação e referendo (o que não aconteceu).
Apesar de contemplar apenas pela via do referendo o projeto original dos desarmamentistas, eles ficaram satisfeitos com o substitutivo resultado da Comissão Mista e se propuseram a apoiá-lo (o que é, simultaneamente, interessante e revelador sobre o Poder Legislativo, considerando que anos antes os desarmamentistas eram opositores de qualquer iniciativa naquele sentido), com as mesmas justificativas de antes. Como após a Comissão Mista não mais se propuseram substitutivos que alteravam o projeto na sua essência, mas apenas detalhes – ainda que seguramente muitos detalhes – os parlamentares também cessaram de procurar justificativas para o projeto (não surgiram argumentos justificadores novos) e, no restante da tramitação da lei, apenas continuaram a repetir as teses de antes (tanto apoiadores quanto opositores do projeto). Disto decorre ser possível dizer que a Comissão Mista representou a consolidação da justificação (contextualização) do Estatuto do Desarmamento.
Apenas por uma questão de sistematização, podemos, portanto, concluir que se o Estatuto do Desarmamento tivesse no seu texto uma justificativa (como têm, por exemplo, os decretos, dependendo da UF, e que seria, seguramente, a visão vencedora), ela seria redigida nos seguintes termos: trata-se de medida de restrição do porte de armas e endurecimento do registro, visando a controlar as taxas de homicídios por arma de fogo (descontroladas no país). Isto, pois as taxas de homicídios (que vitimam principalmente os jovens) têm uma relação com a taxa de profusão de armas, seja pela migração de armas do mundo legal para o ilegal, seja pelos homicídios de motivação trivial decorrentes do cotidiano, seja pela inaptidão técnica do cidadão médio para promover a sua autodefesa e o maior risco à integridade física e à vida que está exposto, quando tenta se defender de criminosos usando arma de fogo.
O contexto social da promulgação do Estatuto do Desarmamento
Encontrada a visão fundante para o Estatuto do Desarmamento, cabe, agora, procurar entender se a justificativa estava em sincronia com a realidade social ou se foi medida, como alguns creem, alienada da realidade. Permito-me, à título de introdução, um excurso.
Como é fato conhecido, o Brasil era, no início do século XX, um país predominantemente agrário e dominado por uma elite de latifundiários (os chamados coronéis (CARVALHO, 2017). É fato igualmente conhecido que o Brasil terminou o século XX sendo um país predominantemente urbano e democrático – ainda que a democracia brasileira seja frágil em diversos aspectos11. É evidente, portanto, que o século XX foi um século de transformações. Mas tais transformações implicaram em mudanças nas relações sociais entre os indivíduos? Como o Brasil se tornou um país violento?
Há duas ordens de resposta. Para alguns (LIMA et al., 2020, p. 35), a violência (ligada ao traço do autoritarismo) sempre foi aceita como um modo de resolução de conflitos na sociedade brasileira, especialmente em relação àqueles que se encontravam nos estratos mais baixos da sociedade brasileira (e.g. os negros, antes e depois da abolição da escravidão; os índios, na Colônia; os pobres, em diversos momentos da história republicana). É, goste ou não, um fato que impasses para a elite política como o aldeamento de Canudos ou a conspiração dos Malês (BATISTA, 2014) foram resolvidos com grande violência dos dominantes com o dominados.
Por outro lado, deve ser notado que a violência não era, no início do século XX, homogeneamente distribuída. Exatamente em decorrência deste fato, Alba Zaluar (2007, p. 36-38) pensa, quando fala da violência, não em Brasil, mas sim em brasis: urbano e rural. Segundo Zaluar, no primeiro predominam a cultura da tolerância e da civilidade e eram estimuladas as artes da negociação e da conversação (métodos pacíficos para a solução de controvérsias). Já no mundo rural, a esperteza (que sintetiza vários desses traços), diz Zaluar, era festejada e admirada, porém as soluções de controvérsias, fossem entre os grandes senhores de terras com os seus bandos de homens armados ou entre os camponeses, usavam, não raro, da violência.
Zaluar não é a única teórica a ver violência no mundo rural. Maria Sylvia de Carvalho Franco (1997, p. 27-30) aponta, tratando da sociedade do café do Vale do Ribeira, do século XIX, que a violência, pelos motivos mais triviais possíveis, pelas menores desavenças, era um traço distintivo daquela sociedade, mesmo em conflitos que não estavam ligados às possibilidades de sobrevivência das partes querelantes. Nas palavras da autora: “Pode-se [...] propor [...] que a violência seja uma forma rotinizada de ajustamento nas relações de vizinhança. Isto se confirma [...] ao se registrar a violência ocorrendo em relações inteiramente fortuitas (FRANCO, 1997, p. 30).
O quadro que descrevem Zaluar e Franco é muito semelhante com aquele que Norbert Elias (2011b, p. 182-193) descreve nos primeiros estágios do processo civilizador, i.e., no Medievo; segundo Elias, a classe governante secular (a nobreza guerreira, que vivia como bandos armados), os burgueses e as classes subalternas (vilões, servos, etc.) liberavam seus impulsos agressivos com frequência, serviam-se deles, não existia reprimenda para estes comportamentos – pelo contrário, a vida violenta “moldava o gosto e os hábitos dos indivíduos” (ELIAS, 2011b, p. 185). Nas palavras de Elias:
As vinganças entre famílias, as rixas privadas, as vendetas, [...] não ocorriam apenas entre a nobreza. [...] As pessoas humildes, também – os chapeleiros, os alfaiates, os pastores – eram rapidíssimas no sacar a faca. [...] Não que as pessoas andassem sempre de cara feia, arcos retesados e postura marcial como símbolo claro e visível de sua perícia belicosa. Muito pelo contrário, em um momento estão pilheriando, no outro trocam zombarias, uma palavra leva à outra e, de repente, emergindo do riso se veem no meio de uma rixa feroz. (ELIAS, 2011b, p. 189-190).
Os motivos para esse quadro social, segundo Elias (2011b, p. 191-193), são claros, faltava a esta sociedade qualquer tipo de autoridade pública capaz de forçar as pessoas a viverem em paz entre si e controlar seus impulsos violentos. Com a história da formação dos Estados nacionais europeus, de centralização da força física e do poder de tributação, os impulsos violentos teriam sido, segundo Elias, gradativamente, cada vez mais contidos (na contemporaneidade, as emoções violentas têm, também, seu lugar socialmente permitido, e.g., nos esportes). Neste processo, as pessoas foram se tornando, segundo Elias, cada vez mais contidas em relação aos seus impulsos violentos e, assim, a própria maneira de distribuição de bens (e, principalmente, de disputa por bens) mudou do padrão guerreiro do Medievo para a sociedade cortesã do Antigo Regime (ELIAS, 2011).
Voltando a Zaluar (e fazendo, mais claramente do que ela mesma faz, sua intersecção com o processo civilizador), tínhamos, portanto, no início do século XX (com ressalvas), dois brasis: o urbano e cortesão; e o rural e guerreiro. Entretanto, nos idos do século XX, esta divisão desabou.
Nas décadas de 1940 e 1950, o governo federal envidou – conscientemente – vultosos esforços pela industrialização do Brasil, o que resultou, tal como planejado, em um rápido processo de urbanização e de industrialização, além de um intenso fluxo migratório do mundo rural para a cidade, o que teve como efeito – não planejado – a alteração dos padrões de sociabilidade (ZALUAR, 2007, p. 34-35). Como consequência deste processo o meio urbano não difundiu, para seus novos habitantes, as suas práticas e os seus valores (de tolerância, civilidade, negociação e conversação), nem os valores morais tradicionais, que eram as marcas do Brasil cortesão (ZALUAR, 2007, p. 34-35). Ademais, o processo também desfez as redes de solidariedade, civilidade e reciprocidade, bem com as instituições que promoviam estes valores (ZALUAR, 1997). Ao que se soma, ainda, o quadro de carência material (pobreza) e institucional (falta de serviços públicos, especialmente a escola) (ZALUAR, 2007, p. 34-35).
O resultado final disso: a não introdução dos novos habitantes e, especialmente, dos jovens (note-se, portanto, a importância da escola) aos valores tradicionais do meio urbano e ao seus métodos de resolução de conflitos – segundo Zaluar, não violentos –, o que teve como resultado um crescimento da violência (ZALUAR, 2007, p. 36-38). Ou, nas palavras da própria Zaluar:
o processo civilizador [não] teria atingido com a mesma intensidade todas as pessoas, classes sociais ou sociedades. [...] Onde os laços segmentais (familiares, étnicos ou locais) são mais fortes, o que acontece em bairros e vizinhanças pobres, mas também na própria organização espacial das cidades que confunde etnia e bairro, o orgulho, a defesa e o sentimento de adesão ao grupo diminuem a pressão social para o controle das emoções e da violência física, resultando em baixo sentimento de culpa no uso aberto da violência nos conflitos. (ZALUAR, 2003, p. 6).
Maria Fernanda Tourinho Peres (2004a, p. 66), ao analisar os dados sobre a mortalidade por armas de fogo no período de 1991 a 2000, salienta que os homicídios nas grandes cidades brasileiras se concentravam em áreas de exclusão (caracterizadas por uma série de desvantagens sociais). Nestas áreas, ainda segundo Peres (2004a, p. 66), a inoperância das instituições públicas (em especial a segurança e a justiça) e a convivência com a violência e com a desigualdade abrem margem para a resolução privada dos conflitos, com exposição a situações de alto risco e uso da violência.
No final da década de 70 e durante a década de 80, o Brasil viveu a surgimento do fenômeno do crime-negócio ou crime organizado (leia-se: o nascimento do tráfico de drogas associado, sem dúvidas, com o tráfico de armamentos) (ZALUAR, 2007, p. 36). Como isto se sucedeu? O período do pós-Segunda Guerra Mundial foi marcado por mudanças no estilo de vida e no próprio consumo de estilo, em que o consumo de lazer e de estilo passou a ser mais valorizado. Tais mudanças se aprofundaram durante as décadas de 1970 e 1980, momento no qual a mudança nos modelos de consumo chegou no país, difundindo valores individuais e mercantis, que contribuíram para a ausência de limites morais (que o campo social geralmente dá) (ZALUAR, 2007, p. 34). No mesmo momento, como visto, acontecia o processo de urbanização, com todas as suas repercussões sociais. O resultado último foi o surgimento de um novo ambiente, permissivo e com uma demanda por drogas, o que auxiliou o desenvolvimento do crime-negócio (ZALUAR, 2007, p. 34-36).
É evidente, todavia, que a presença generalizada da droga na sociedade brasileira não implica que o tráfico é igual por toda parte. Luiz Fernando Almeida Pereira (2003), ao estudar o tráfico de drogas no bairro de Copacabana (bairro nobre do Rio de Janeiro) e o comparar com outras regiões da cidade, mais pobres, deixa claro como, dependendo do local, a operação de comprar e usar drogas pode ter dinâmicas diferentes, com maior ou menor presença da violência. Nas palavras dele:
nas imediações das favelas predomina a mesma dinâmica violenta do controle de território de outros bairros da cidade, como foi constatado no trabalho de campo realizado em Madureira e Tijuca [...] o que não ocorre na orla e ruas adjacentes, explicando em parte a menor taxa de crimes violentos em Copacabana. (PEREIRA, 2003, p. 77).
Foi na conjunção entre o processo de urbanização (e o consequente crescimento populacional urbano), o quadro de carência material, a insuficiência institucional e o nascente consumo de drogas que surgiu o espaço para o crime organizado. O jovem, carente, mal inserido na sociedade (não iniciado nos padrões de civilidade, socialização e negociação), se sente atraído pela riqueza e pelo poder do crime organizado (contexto dentro do qual a própria arma assume a função simbólica de poder e de virilidade) (ZALUAR, 2007, p. 31-34). A aliança entre carência institucional, segmentação local rígida das favelas e ruína das associações e instituições comunitárias facilitou a entrada e o domínio do crime organizado nas favelas, bem como o surgimento de chefes como que militares, despóticos: os donos do morro (ZALUAR, 2007, p. 39-40; ZALUAR, 1997, p. 11). A presença do tráfico, por seu turno, funciona como fator de inibição do uso do espaço público; o cerco e a dominação das instituições do Poder Público pelo crime organizado traz o risco de anomia (ZALUAR, 2003, p. 6-7).
Além disso, o crime organizado não restringe suas atividades ao mundo ilegal e informal, mas sim, pelo contrário, habilmente usa das estruturas legais e formais. Trata-se de algo autoevidente, o crime organizado, e.g., precisa de negócios de fachada para lavar o seu dinheiro, promove assistência jurídica para os seus membros (o que não deixa de ser um fator de atração), precisa mostrar a sua riqueza argentária para atrair o jovem marginalizado (ZALUAR, 2007, p. 31-34; 43-47). Ademais, a própria perspectiva da impunidade, seja pela incapacidade – inclusive material – da polícia de apurar as mortes de pequenos traficantes (os jovens que ingressam na vida criminosa e morrem nas guerras entre quadrilhas), seja pela propina (os recursos econômicos do crime-negócio), atua como fator de atração (ZALUAR, 2007, p. 43-47).
O resultado desse quadro resta evidente. O jovem, marginalizado, com poucas perspectivas na vida, sente-se atraído pelo crime-negócio, a carreira, a riqueza e a vida que ele oferece. Todavia, a organização criminosa é complexa e está armada, não resolve seus conflitos pela via da negociação e da conciliação, mas sim pela violência. A resolução dos conflitos pela via violenta, entre quadrilhas, gera um quadro de guerra urbana (em especial, nas áreas mais carentes), no qual os combatentes (e consequentemente os mortos) são os próprios jovens que foram atraídos para o crime (LIMA; FEIGUIN, 1995, p. 69-80; ZALUAR, 2007, p. 31-34; 43-47).
O que foi ora narrado se repete na evidência estatística. Sérgio Adorno (2008, p. 17) destaca o crescimento dos crimes e, especialmente, dos crimes violentos entre as décadas de 70 e 2000; bem como, para o período entre 1996 e 2000, a crescente preocupação da população com a segurança. Peres (2004a, p. 12-13), por sua vez, analisando dados de 1991 a 2000, conclui que a maior parcela das vítimas de homicídios são os homens jovens. Peres (2004a, p. 14)12 também destaca que, nos anos 90, as áreas urbanas tinham um problema maior com homicídios do que as áreas rurais e que, ademais, as áreas com piores indicadores socioeconômicos, i.e., áreas de exclusão, também tinham mais homicídios que as demais. Aqui, cumpre mencionar que desde os anos 80 os homicídios são predominantemente com arma de fogo (PERES, 2004a, p. 16-18). Todavia, no período entre 1979 e 2003 (ano da promulgação do Estatuto), os homicídios com arma de fogo cresceram 324,6%, passando de uma taxa de 5 homicídios por 100.000 habitantes em 1979 para 21,3 em 2003 (WAISELFISZ, 2004).
Há, portanto, uma evidente correlação entre o momento da ascensão do crime-negócio (tráfico de drogas) e o momento de crescimento dos homicídios e da violência armada. O que, por sua vez, dá força para a explicação que vê na guerra entre quadrilhas um fator de crescimento dos homicídios e da criminalidade.
O crescimento da violência potencializou – não trouxe – os sentimentos de medo e insegurança entre a população. Não trouxe, pois, outros fatores, como a inflação (que no Brasil assumiu contornos de trauma social) (CALDEIRA, 2011, p. 27-100) e a descrença na capacidade repressiva do Estado (LIMA; FEIGUIN, 1995) – acompanhada de uma efetiva diminuição da capacidade repressiva (ADORNO, 2008, p. 12-17) – que também causam medo e insegurança (LIMA; FEIGUIN, 1995). Enquanto para as classes populares a ação do crime organizado significou a desorganização da vida, tal como ela existia, nas classes média e alta a proliferação do crime significou o crescimento do medo e a emergência de um imaginário de insegurança coletiva (ADORNO, 2008, p. 10-11). O próprio espaço físico das cidades e dos bairros foi seccionado, no imaginário, em zonas do trabalhador, do cidadão “de bem”, etc. e zonas do crime (CALDEIRA, 2011, p. 27-56; SILVA, 2014).
Tomada por esses sentimentos, a população reagiu. Desenvolveu-se, nas palavras de Lima e Feiguin (1995), uma “arquitetura do medo”, composta por muros altos, cercas, seguranças, câmeras, “enclaves fortificados” (os condomínios fechados) (CALDEIRA, 2011, p. 257-300), carros blindados, dentre outros. Zaluar (1997, p. 11), por seu turno, também ressalta o apoio e a defesa do discurso violador de direitos humanos (representado pelo lema “direitos humanos para humanos direitos”) e o apoio aos grupos de extermínio. Ademais – e aqui principal –, este movimento foi acompanhado por um crescimento dos guardas privados e da aquisição de armas de fogo (entre 1988 e 1994, o número de armas registradas em São Paulo dobrou) (LIMA; FEIGUIN, 1995; CERQUEIRA; COELHO, 2013)
Todavia, tais medidas são falhas e têm consequências, especialmente as relacionadas com armas de fogo. O caso dos vigilantes, e.g., é claro: são mal treinados, mal preparados, mas, mesmo assim, armados. Em outras palavras, um vigilante armado é um risco para a segurança dos demais – por vários motivos, dentre os quais apenas um é mal treinamento (LIMA; FEIGUIN, 1995). As próprias armas – que teriam sido adquiridas em massa após o plano real (LIMA; FEIGUIN, 1995) – são um fiasco para a defesa pessoal na rua, e.g., contra um roubo. O cidadão que porta uma arma de fogo durante um assalto não somente tem mais chance de morrer, como também torna mais provável que o assalto tenha mais vítimas (em outras palavras, não coloca apenas a própria segurança em risco, mas a dos demais). Das poucas pessoas que sobrevivem, armadas, a um assalto, a maioria são policiais (LIMA; PIETROCOLLA; SINHORETTO, 2000).
Além disso, mais armas em circulação nas mãos dos cidadãos “de bem”, em um primeiro momento (o que pode acontecer – como vem acontecendo, desde 2019 –, e.g., em decorrência de mudanças no microssistema normativo ou no law in action (POUND, 1910) que acarretem um crescimento nas vendas de armas e autorizações de propriedade e porte), podem significar, com o passar do tempo, mais armas nas mãos de criminosos.13 Com os criminosos armados é de se imaginar (caso se admita como verdadeiro que mais armas causam mais crimes) que cresça o medo, e com o crescimento do medo é de se imaginar que cresça a procura por armas de fogo. Em última análise, portanto, é um ciclo que se retroalimenta: crimes violentos geram medo; o medo leva à aquisição de armas de fogo; mais armas levam a mais crimes violentos e assim sucessivamente.
Além disso, qualquer operação governamental que reconheça e aumente as possibilidades de autotutela – tal como é o estímulo à aquisição de armas de fogo – pode implicar em uma transferência das responsabilidades que, na moderna teoria do Estado, devem ser do Estado. Isto é, no caso normal o Estado é o responsável pela segurança física dos indivíduos e pela tutela dos conflitos (é esta uma das grandes teses dos contratualistas, como Locke e Hobbes, sobre a função do Estado), porém, em um cenário de profusão de armas – com o aval e, talvez, até estímulo do Estado – é irrazoável imaginar que as competências da tutela ainda serão apenas do Estado como regra. Pelo contrário, a profusão de mecanismos de autotutela tende a compartilhar, entre cidadão e Estado, a responsabilidade pela segurança, pois se admite, de antemão, a incapacidade do Estado no desempenho de sua função primacial (LIMA; FEIGUIN, 1995).
Esse quadro social de medo, insegurança, impunidade, crescimento dos homicídios e da violência, crescimento da atividade do crime organizado, proliferação do tráfico de drogas e resolução violenta dos conflitos teve sua repercussão na política. Como lembra Adorno (2008, p. 20), a política de segurança e a justiça penal são influenciadas pelos sentimentos populares quanto à punição. Caso se sinta que os crimes crescem, mas não são punidos, cresce o desejo por uma punição extrema. Em decorrência deste sentimento, é verdade que, como salienta Rafael Diniz Pucci (2006, p. 4), estados brasileiros (como São Paulo) adotaram as chamadas políticas de tolerância zero com o crime, que têm como consequência última o encarceramento em massa. A leitura da série histórica mostra bem a dimensão do problema: no ano de 2000, o Brasil tinha 232.755 pessoas encarceradas para 135.710 vagas, totalizando um déficit de 97.045. Dezessete anos depois (2017), o Brasil tinha 726.354 pessoas encarceradas, mas apenas 423.242 vagas no sistema prisional, totalizando um déficit de 303.112 (FBSP, 2019, p. 200-201).
Ao contrário do que as autoridades que instituíram a política de tolerância zero no Brasil imaginavam, o encarceramento em massa, em verdade, agiu como fator de impulsionamento para o crime organizado, levando-o para as prisões brasileiras (ADORNO, 2008, p. 19). O péssimo cárcere e a gestão inadequada do Poder Público (que, e.g., bem se ilustra pelo episódio do massacre do Carandiru) conseguiram, inclusive, gestar facções criminosas, como, e.g., o PCC (PUCCI, 2006, p. 12).
Por fim, cabe salientar o papel do Estado no quadro de proliferação da violência. Durante o período do regime militar, cresceu a violência urbana e a violência praticada por agentes públicos (ADORNO, 2008, p. 14-23). Trata-se de algo, em si, bastante evidente, o governo torturava e matava parte dos seus opositores. Ou, em outras palavras, a violência era a forma adotada de resolver parte dos conflitos que surgiam14. Ademais, a ditadura sepultou o que a urbanização vinha matando aos poucos, i.e., a cultura de tolerância e civilidade do meio urbano, o que a democratização – pelos vários motivos supramencionados – não recompôs (ZALUAR, 2007, p. 39-40).
Foi durante a ditadura militar, também, que autoridades do campo da segurança formaram os primeiros grupos de extermínio, se associaram ao jogo do bicho e ao tráfico de drogas, usando práticas que, posteriormente, o crime organizado usou e usa e, assim, abrindo caminho para ele. Uma parte destas ações, todavia, acabou respaldada, em um primeiro momento, pela Lei de Segurança Nacional e, posteriormente, pela Lei de Anistia. Isto é, não encontraram nenhuma forma de resposta do Estado brasileiro, seja durante, seja depois da ditadura (ZALUAR, 2007, p. 39-40).
A ditadura é, também, a autora do atual sistema constitucional do aparelho policial-repressivo brasileiro. Isto é, na Constituinte de 1988, o Ministro do Exército teria proibido alterações nesta parte do texto legal então vigente, que, em decorrência desta proibição – não de direito, mas apenas de fato – permaneceu inalterado. Exatamente por isso permaneceram existindo duas polícias, uma delas, militar, com todos os seus problemas – que fogem ao escopo deste artigo (ADORNO, 2008; KOPITTKE, 2016).
A única alteração concedida aos constituintes, no regime jurídico de então (e, portanto, ora vigente15), foi o texto constitucional conceder aos municípios a faculdade de criarem as suas guardas municipais com o papel constitucional, não de agentes de segurança, mas sim de defesa dos próprios municipais. Em outras palavras, seguranças dos bens municipais, tais como os vigilantes armados, são seguranças dos bancos. A limitação constitucional, todavia, se revelou um fiasco. Na prática, os prefeitos (seja para suprir a falta das polícias militares dos Estados, seja para agradar a população municipal) fizeram com que as guardas encontrassem sua vocação histórica de serem as polícias municipais (KOPITTKE, 2016). Tal tendência se aprofundou, especialmente, pois os especialistas em segurança pública convidados, como regra, para a organização das guardas, são os policiais militares, que, em regra, replicam as estruturas da polícia militar na estrutura organizacional das guardas (KOPITTKE, 2016; OLIVEIRA JÚNIOR; ALENCAR, 2016).
Conclusão
As teses defendidas no parlamento, seja contra, seja a favor do desarmamento, na discussão sobre o contexto social em que a medida era discutida e seria promulgada, encontram respaldo na realidade social, mas sem a excludência mútua que a leitura do debate parlamentar permite imaginar.
Nesse sentido, não se trata, portanto, de discutir se os crimes são decorrência da ação de criminosos ou do cidadão comum, descontrolado, tal como fizeram os parlamentares brasileiros – e, em algum grau, ainda fazem –, mas sim de reconhecer que ambas as causas impactam nas taxas de criminalidade. Seja pelo viés de Zaluar (2007) ou de Lima (2020), é fato que a sociedade brasileira admite a resolução violenta dos conflitos.16 Bem como é igualmente fato que, entre o final da década de 70 e os anos 2000, a violência armada cresceu imensamente no Brasil (WAISELFISZ, 2004), sem que as causas deste movimento estejam limitadas ou ao padrão violento de resolução dos conflitos ou à guerra entre quadrilhas (ademais, é de se reconhecer que o padrão de resolução violenta dos conflitos alguma influência exerce sobre a ação do crime-organizado). A realidade é mais complexa do que isso, há de se reconhecer ambas as causas como presentes.
A mesma coisa vale para as fontes de armas dos criminosos. São elas legais ou ilegais? Ainda que a evidência empírica (INSTITUTO SOU DA PAZ, 2013a; 2013b; 2016; LANGEANI; POLLACHI, 2018) aponte que elas são, majoritariamente (mas não inteiramente, o que já indica a coexistência de problemas), legais, não necessariamente isto acontece como segundo a narrativa de que o cidadão perde sua arma para o crime. Há evidências de desvios de armas legais promovidos por pessoas (físicas e jurídicas) autorizadas a terem armas, e.g., policiais, militares, vigilantes, CACs e comerciantes (JUNGMANN, 2006). Bem como a evidência empírica também aponta que o tráfico de armas de fora para dentro do país existe (JUNGMANN, 2006; INSTITUTO SOU DA PAZ, 2013a; 2013b; 2016; LANGEANI; POLLACHI, 2018).
A narrativa de que o cidadão se arma por ter medo, também, encontra respaldo na realidade social. De fato, as cidades brasileiras assistiriam, durante as décadas de 80 a 2000 – em especial no Sudeste – a um crescimento da violência e este crescimento foi acompanhado por sentimentos de medo e de insegurança, que se manifestaram de diversas formas, dentre elas, a profusão de armas de fogo. Bem como a evidência empírica supracitada aponta que o cidadão perde sua arma para o crime, os estudos sociológicos, como visto, apontam um eventual mal uso da arma, e há indícios de que a arma é um instrumento inadequado para a autodefesa (LIMA; PIETROCOLLA; SINHORETTO, 2000).
Com isso, não se pretende postular aqui que o Estatuto do Desarmamento seja, em matérias de armas de fogo, um juste-milleu (SCHMITT, 1985, p. 51-52), simplesmente porque se encontra respaldo para ambos os lados da discussão. Primeiro, porque ainda que o Estatuto tenha sido, em 2003, uma solução de compromisso entre armamentistas e desarmamentistas, ao contemplar o referendo em seu texto, com a derrota da proibição, em 2005, consolidou-se como o texto do projeto restricionista-armamentista (e não desarmamentista-proibicionista). Ou seja, se ambas as teses tinham bom respaldo, o Estatuto do Desarmamento, em sua versão pós-2005, claramente fez opção por uma delas (quando, na realidade, se ambas têm respaldo na realidade social, deveria lidar com ambas).
Em segundo lugar, tal acerto, de ambas as partes, é, em grande parte, apenas um acidente. O postulado da avaliação legislativa, visando à elaboração de textos normativos, de que mais importante do que o acerto é garantir a boa fundamentação da avaliação na realidade (MADER, 2001, p. 123-124), foi, na tramitação do Estatuto do Desarmamento, letra morta. Foram raros os parlamentares que trouxeram dados e expuseram suas fontes (é perfeitamente possível, inclusive, que vários dos dados citados ao longo do processo sejam meras ficções), assim como foi rara uma compreensão aprofundada do fenômeno da violência (i.e., sem se valer de certos “clichês”). A tônica geral do processo como um todo, para quem lê, é amadorismo, quando, por óbvio, o assunto discutido era da maior seriedade.
Voltando a atenção para o marco teórico (MADER, 2001, p. 121), nota-se claramente que há um objetivo com a legislação: controlar as taxas de violência e de homicídios. Por outro lado, o próprio problema (i.e., a sua estruturação) se tornou um objeto de debate, bem como o conteúdo do texto e os instrumentos – jurídicos – disponíveis. Isto é algo que o referencial da legística não trata e que mostra, de certa forma, as próprias limitações e aprimoramentos necessários desse ferramental teórico, especialmente tendo em vista a realidade e as particularidades dos diferentes parlamentos ao redor do mundo.
De um ponto de estritamente prático, há algumas consequências para este artigo. Primeiro. O Estatuto é um tema muito discutido – hoje – e ao redor do qual há muito criticismo e tentativas de avaliação (nem sempre com grande rigor metodológico). Dentre outras coisas, argumenta-se que o texto normativo é algo descolado da realidade, fruto de uma série de mentiras desarmamentistas (é este, em grande parte, e.g., o norte do plano de governo do presidente Bolsonaro [2018], quando era candidato), o que, à luz das conclusões a que se chega, não é verdade. Há alicerce na realidade social da época para o texto; bem como, à luz das conclusões da presente pesquisa, nota-se que o Estatuto não é, sequer, o projeto desarmamentista original (ou, em outras termos, o projeto desarmamentista “puro”).
Segundo. São várias as tentativas de avaliar os efeitos do Estatuto do Desarmamento após a sua promulgação. Não adentrarei na discussão delas aqui, mas é certo que o seu sucesso é variado e não há nenhuma prova definitiva em favor ou contra o Estatuto. O presente artigo é uma avaliação do Estatuto, não no sentido tradicional (ao qual os pesquisadores da área estão acostumados), com uso de dados e estatísticas, mas é uma avaliação legislativa (MADER, 2001, p. 121-124), com viés sociológico, versando sobre os alicerces da medida, que chega a uma conclusão clara: o Estatuto é uma norma alicerçada na realidade.
Terceiro. O tema do Estatuto é muito discutido, desde a época da sua formulação. Até hoje, porém, a academia carece de um estudo que aponte as causas da sua promulgação. Nesse sentido, uma das principais contribuições do presente artigo é que ele disponibiliza, para a academia brasileira, uma visão, alicerçada em dados, do processo de gênese do Estatuto do Desarmamento, com ênfase específica na sua justificação para os parlamentares.
Por fim, uma última nota. É muito comum – especialmente em questões ligadas à segurança pública – que ao longo da tramitação de determinada iniciativa legislativa, experts acadêmicos se pronunciem sobre o assunto (criticando ou apoiando a medida). Não gostaria de pregar contra este tipo de comportamento, que não vejo, em si, como repudiável (exceto quando o expert fala única e exclusivamente embasado na sua reputação. De um acadêmico se espera mais), mas aqui apresentei a legística, a sociologia da legislação, a avaliação legislativa e a elaboração metódica de conteúdos normativos. Tudo isso parece ser concernente apenas aos pesquisadores do Direito, i.e., a juristas, mas isso não é verdade. Pelo contrário, em matéria de sociologia da legislação e avaliação legislativa (temas interdisciplinares por natureza), não-juristas podem desempenhar a pesquisa tão bem quanto – e, possivelmente, melhor que – juristas (MADER, 2001, p. 121). Me parece que muito se ganharia se os experts acadêmicos se dedicassem, além de a uma atividade militante em jornais, em revistas, quando há uma iniciativa relevante, a fazer a chamada avaliação legislativa, que pode melhorar – e muito – a qualidade da legislação pátria, mas que resta negligenciada, em grande parte dos casos, pelos legisladores brasileiros. Não que tais avaliações seriam acatadas pelos legisladores – não há, aliás, nenhum motivo válido, além de esperança, para pensar isso –, porém, ao menos, compreenderíamos melhor o processo formativo e os pressupostos de nossa própria legislação.
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É evidente, porém, que uma política pública pode ser criada para fomentar um direito, como, e.g., o acesso à Justiça (BUCCI, 1997, p. 90-91).↩︎
Cumpre mencionar que, em alguns casos (poucos, felizmente), nem as notas taquigráficas, nem o áudio das sessões, estavam disponíveis e, nestes casos, infelizmente a observação da sessão ficou prejudicada (ainda que, por meio de outras sessões, seja possível saber, grosso modo, o que transcorreu).↩︎
Os documentos utilizados foram os que estão anotados nas fichas de tramitação da Câmara dos Deputados (2003) e do Senado Federal (1999).↩︎
Deve-se a Natasha Schmitt Caccia Salinas (2008, p. 21-68; 2013) a introdução dos preceitos contemporâneos da avaliação legislativa e da sociologia da legislação no contexto acadêmico brasileiro.↩︎
Deve-se mencionar, ao menos en passant, que parlamentares brasileiros muito raramente dizem suas fontes, apresentando-se, geralmente, como iluminados que tudo sabem.↩︎
A saber: PLSs 292, 386 e 614 de 1999, de autoria, respectivamente, dos Senadores Gerson Camata (PMDB-ES), Djalma Falcão (PMDB-AL) e José Roberto Arruda (PSDB-DF). O PLS 386/1999 era, na realidade, a reapresentação, no Senado Federal, de um projeto do governo que foi apresentado na Câmara dos Deputados.↩︎
Há vários locais da Constituição Federal (doravante, CF) onde os juristas encontram uma manifestação deste dever. O mais comum é o art. 144, caput.↩︎
Tal posição se encontra expressada principalmente nos pareceres do Senador Pedro Piva (PSDB-SP) e do Senador Roberto Requião (PMDB-PR).↩︎
Após a promulgação da Lei N° 11.340/2006 (Lei Maria da Penha), a discussão sobre a violência contra a mulher ganhou uma certa centralidade No período ora em análise, 1999-2003, não era assim. A violência contra a mulher apareceu, é verdade, nas discussões sobre o desarmamento, mas de forma tangencial, jamais alçando centralidade.↩︎
A segurança privada armada e as más práticas dos vigilantes e das empresas no manejo de suas armas também foram problemas discutidos na tramitação do projeto. Todavia, trata-se de narrativa secundária, que foge dos escopos deste artigo.↩︎
Neste diapasão, faz-se mister mencionar que cada vez mais, no contexto político brasileiro, se discute a relação jus-filosófica (que, de fato, existe) entre armas de fogo, liberdades fundamentais e democracia.↩︎
Ela chega as mesmas conclusões em outro estudo. (PERES, 2004b).↩︎
Há quem diga, tanto academicamente quanto no parlamento, que mais armas significa menos crimes. Cerqueira e Mello (2012) fazem um bom resumo do debate acadêmico.↩︎
Falo em parte dos conflitos, pois é verdade que o regime tinha algumas formas de oposição consentida.↩︎
Ainda que com mudanças a sua essência se conserve.↩︎
Um exemplo disso é a tese de legítima defesa da honra, que durante muito tempo fez sucesso nos tribunais do júri, e somente agora foi declarada inconstitucional.↩︎