CRIMES EM ASSENTAMENTOS RURAIS: REGISTRAR OU NÃO REGISTRAR?1
Aurélio Mendanha da Silva
Mestrado em Sociologia – UFMT (2019); Pós-Graduação em Gestão Pública – UNOPAR (2017); Pós-Graduação em Gestão de pessoas – Faculdade Católica de Anápolis (2012); Graduado em Administração – Faculdades Alfredo Nasser (2009); Técnico em Segurança do Trabalho – SENAC (2010); Servidor da Polícia Judiciária Civil em MT. Foi professor nas áreas de Administração e Segurança do Trabalho no SENAC (GO).
País: Brasil Estado: Mato Grosso Cidade: Água Boa
Email: aureliosilva@pjc.mt.gov.br ORCID: https://orcid.org/0000-0002-6082-6408
André Luís Ribeiro Lacerda
Biossociólogo e psicólogo, atua principalmente nas áreas de sociologia econômica e das organizações, biossociologia das crenças, estratégias de grupo. Professor do programa de mestrado em Sociologia da UFMT.
País: Brasil Estado: Mato Grosso Cidade: Cuiabá
Email: ribeirolacerda66@gmail.com ORCID: https://orcid.org/0000-0002-6145-4810
Contribuições dos autores:
Aurélio Medanha da Silva: o artigo é uma síntese da dissertação de mestrado que ele defendeu no Mestrado em sociologia/UFMT. André Luís Ribeiro Lacerda: foi o orientador do Aurélio e contribuiu principalmente com as discussões sobre a dimensão metodológica dos dados e com a teoria.
RESUMO
A presente pesquisa buscou entender por que os moradores dos assentamentos rurais do município de Água Boa/MT tendem a não registrar ocorrências criminais. Com base na teoria da escolha racional, defende-se a hipótese de que o assentado faz um cálculo racional para determinar as ações de registrar ou não registrar as ocorrências criminais. Acredita-se que variáveis como a localização geográfica dos assentamentos, o tipo de crime do qual o indivíduo foi vítima e a sua posição na estrutura social do assentamento tendem a explicar por que ele registra ou não as ocorrências criminais. Quanto ao procedimento metodológico da pesquisa, utilizaram-se dados secundários oriundos de levantamento de informações nos órgãos públicos do Incra, na delegacia municipal de Água Boa, no Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, na prefeitura de Água Boa e as informações dos sistemas de registros de ocorrências SROP-MT. Ainda, foram utilizados dados primários coletados a partir de pesquisa de campo, tendo sido realizadas 67 entrevistas estruturadas junto aos assentados. A pesquisa verificou que, quanto mais próximos os assentamentos de Água Boa, mais propensos os assentados estão a registrar ocorrências. A partir de algumas constatações, como a maioria dos fatos criminosos nos assentamentos serem furtos, ameaças e danos e haver maior tendência a registrar crime em assentamentos mais estruturados, é possível concluir que os determinantes que motivam o indivíduo a registrar ou não o crime dependem de avaliações pessoais, da percepção da gravidade do fato criminoso ou violento e da avaliação do custo e do benefício do registro.
Palavras-chave: Assentados. Crimes. Escolha racional. Registros de ocorrências.
ABSTRACT
CRIMES IN RURAL SETTLEMENTS: TO REGISTER OR NOT TO REGISTER?
This study sought to understand why residents of rural settlements in the municipality of Água Boa/MT tend not to registrar police reports. Based on the theory of rational choice, we defend the hypothesis that the settlement individual makes a rational calculation to determine their actions of registering or not criminal occurrences, which includes variables such as the geographical location of the settlements, the type of crime of which the individual was a victim, and their social position in the settlement, as possible reasons of why these individuals register or not police reports. Regarding the methodological procedure, secondary data were used by collecting information in the public agencies of Incra, the municipal police station, the Brazilian Institute of Geography and Statistics, and The Municipality of Água Boa to analyze the documents and information of the systems of police reports. The primary data was acquired from field research with 67 structured interviews with the settlement individuals. The results showed that the closer the settlements were to Água Boa, the more individuals registered police reports. The findings pointed to most criminal facts in the settlements being thefts, threats, and property damage and that in more structured settlements, there is a greater tendency for individuals to register crimes. It is possible to conclude that the determinants that motivate the individual to register or not register crimes depend on personal assessments and the perception of the severity of the criminal or violent occurrence by calculating the cost and benefit of registering the police report.
Keywords: Settled people. Crimes. Rational choice. Police reports.
Data de Recebimento: 06/07/2021 – Data de Aprovação: 24/08/2022
DOI: 10.31060/rbsp.2023.v17.n2.1557
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
A presente pesquisa tem como objetivo entender por que moradores dos assentamentos rurais do município de Água Boa/MT tendem a não registrar ocorrências criminais. Desta maneira, com a análise de dados secundários e a produção de dados primários, busca contribuir para a compreensão do fenômeno de subnotificação de registros e seus determinantes.
Água Boa é uma cidade brasileira localizada no estado de Mato Grosso, situada na porção média do Vale do Araguaia. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2018), em 2018, a população estimada do município era de 25 mil habitantes, distribuída na cidade e no campo. Sua área territorial é de 7.510,635km2, ocupando a posição de 39º (trigésimo nono) maior município do estado de Mato Grosso.
O município de Água Boa possui divisão territorial em zona urbana e rural. A zona urbana é dividida em 22 bairros e a zona rural compreende grandes fazendas, pequenas propriedades rurais, distritos, agrovilas e seis pontos de assentamentos2: Jaraguá, Jandira, Jatobazinho, Martins, Serrinha e Santa Maria, os quais, segundo dados do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA, 2020), totalizam cerca de 1.247 lotes de terras.
Como em outras cidades do Brasil, na zona urbana e em pequenas propriedades rurais, nos assentamentos e nas agrovilas de Água Boa, existe um comportamento de subnotificação de registro de ocorrências criminais por parte de seus moradores, conforme dados da Pesquisa Nacional de Vitimização (BEATO, 2012). De acordo com Souza, Brito e Barp (2011, p. 85): “subnotificação é o acontecimento que não chega ao conhecimento da instituição, pública ou privada, encarregada de empreender medidas previstas em lei a partir das informações recebidas sobre determinado evento”.
Segundo Dirk (2007, p. 40), existem duas dimensões da subnotificação. A primeira, denominada subnotificação desconhecida, ocorre quando nenhum dos agentes da segurança pública tomou conhecimento do fato, ou ainda quando o evento ocorreu e não houve nenhum acionamento institucional. A segunda, denominada subnotificação conhecida, ocorre quando o evento criminoso chegou ao conhecimento das autoridades, mas não foi registrado por diferentes motivos.
A subnotificação desconhecida também pode ser denominada cifra negra, entendida como os delitos que efetivamente não chegam ao conhecimento das forças policiais. Já as cifras brancas são aqueles delitos que chegam ao conhecimento das autoridades, mas, por problemas burocráticos, imperícias ou negligência, não são investigados, conforme expõem Souza, Brito e Barp (2011).
A Pesquisa Nacional de Vitimização (BEATO, 2012)3, divulgada pela Secretaria Nacional da Segurança Pública do Ministério da Justiça, aponta que a subnotificação média para a vitimização4anual no Brasil – considerando os 12 tipos de crimes ou ofensas definidas pelo estudo, como furto e roubo de automóveis, motocicletas ou bens, sequestro, fraudes, acidentes de trânsito, agressões, ofensas sexuais e discriminação – é de 80,1%. De acordo com a mesma pesquisa, no estado de Mato Grosso, somente 29,1% dos delitos tiveram ocorrências registradas. Isso significa que grande parte dos fatos criminosos, ou seja, 70,9% deles, não foram registrados, razão pela qual não compõem as estatísticas oficiais das instituições policiais do estado.
Nos assentamentos do município de Água Boa, esses índices de registros são ainda mais baixos. Conforme dados da Delegacia Municipal de Água Boa, oriundos do Sistema de Registro de Ocorrências Criminais do Estado de Mato Grosso (SROP-MT) da Polícia Judiciária Civil, no ano de 2018 foram registrados 3.108 boletins de ocorrências, considerando todos os tipos de delitos criminais. Desses registros, 2.834 possuem local do fato na zona urbana e 274, na zona rural. Especificamente sobre os dados da zona rural, dos registros de ocorrência com endereço ou local do fato criminoso, somente 28 registros de ocorrência são oriundos de assentamentos.
Para analisar o fenômeno de subnotificação, em especial a do tipo desconhecida, conforme descrita por Dirk (2007), formulou-se o seguinte problema de pesquisa: Por que os assentados dos diferentes assentamentos rurais localizados no município de Água Boa (MT) tendem a não registrar ocorrências criminais? Para responder ao questionamento proposto, foram elaboradas algumas hipóteses, que serão abordadas na próxima seção, juntamente com o aporte teórico que as sustenta.
QUADRO TEÓRICO E HIPÓTESES
As razões que levam um indivíduo a registrar ou não uma ocorrência criminal podem ter origens variadas. Mas, independentemente de suas origens, todas elas desaguam em um cálculo situacional do indivíduo. Um dos caminhos teóricos que abordam o cálculo situacional do indivíduo é a teoria da escolha racional.
Falar em cálculo situacional do indivíduo pode levar a certos mal-entendidos em relação a versões da teoria da escolha racional. Então, antes de qualquer coisa, alguns esclarecimentos se fazem necessários. Uma crítica sobre a escolha racional centra-se na falta de realismo na sua suposição de que os seres humanos calculam as consequências esperadas de suas opções e escolhem a melhor delas. Temos aqui uma incompatibilidade com o ator social real. Se as pessoas fossem os agentes informados e calculistas que os teóricos da escolha racional supõem que eles sejam, tais decisões não seriam particularmente dolorosas. Uma vez que estas escolhas muitas vezes tomam uma dimensão emocional, é fácil concluir que a teoria seja inverosímil (HECHTER; KANAZAWA, 1997).
Esse tipo de raciocínio é construído sobre um equívoco comum quanto à natureza
da escolha racional. A teoria não pretende explicar o que uma pessoa racional
fará em uma situação específica; este pressuposto está firmemente no domínio da teoria da decisão. As teorias da escolha racional genuínas, pelo contrário, estão mais preocupadas com resultados sociais do que individuais (HECHTER; KANAZAWA, 1997). Dado que cada indivíduo age racionalmente, será o resultado agregado, portanto, “racional” ou desejável? Não necessariamente. Os resultados sociais podem ser tanto não intencionais quanto indesejáveis.Ao contrário da teoria da decisão, a teoria da escolha racional é inerentemente um empreendimento multinível. Os modelos da escolha racional também contêm especificações de estruturas sociais. Estas estruturas sociais servem tanto no contexto social quanto no material para a ação individual. Dado que as normas e outros tipos de instituições inserem os modelos, tanto enquanto contextos como resultados da ação, as teorias da escolha racional não descansam nas premissas pertencentes exclusivamente aos indivíduos (HECHTER; KANAZAWA, 1997).
Uma outra crítica à teoria da escolha racional se concentra em seus pressupostos motivacionais. Teóricos da escolha racional consideram tanto os valores individuais quanto os elementos estruturais como determinantes de resultados igualmente importantes, mas por razões metodológicas suas aplicações tipicamente empíricas colocam maior ênfase nos determinantes estruturais sociais. Como consequência, as explicações da escolha racional, muitas vezes, são consistentes com as de outras perspectivas gerais, como o estruturalismo e a análise de rede (COLEMAN, 1988; HECHTER; KANAZAWA, 1997).
Existem muitas versões da teoria da escolha racional, portanto, estamos falando de uma família de teorias e não de uma teoria única e abrangente. É possível distingui-las, conforme Ferejohn (1991 apud HECHTER; KANAZAWA, 1997), em modelos “magros” e “encorpados”. Os modelos de escolha racional magros não se preocupam com os valores particulares (ou metas) que os indivíduos perseguem. As teorias da escolha racional com base em modelos magros – como os normalmente encontrados em economia e na teoria da escolha social – são altamente universalistas e, nessa medida, se assemelham às teorias em física e biologia sobre o comportamento ideal de átomos e organismos (HECHTER; KANAZAWA, 1997). Os modelos encorpados de ação individual, defendidos há muito tempo por Max Weber, são substancialmente mais ricos, por incorporarem alguns aspectos da intencionalidade. Uma vez que as pessoas têm razões para o que elas fazem, seu comportamento é previsível somente se é conhecido o que as motiva.
As razões que influenciam o não registro de ocorrências têm fundamento estrutural e individual no sentido das teorias “encorpadas”, pois é importante que se leve em consideração os valores e crenças dos indivíduos.
Muitas explicações sobre a criminalidade baseiam-se em modelos magros, como o de Becker (1968), que se amparou na teoria racional para estudar a criminalidade sob o ponto de vista econômico. Coleman (1988) e a perspectiva de modelos “encorpados” é crítico desse tipo de abordagem, apesar de reconhecer sua contribuição. Os trabalhos de Goudriaan (2004) e Skogan (1984) são interessantes para se entender a percepção das vítimas no sentido proposto aqui.
No Brasil, alguns sociólogos têm usado a perspectiva de escolha racional para explicar o perfil das vítimas de furto, roubo e agressão, como Beato Filho, Peixoto e Andrade (2004). O objetivo deste trabalho é usar modelos “encorpados” da teoria da escolha racional para explicar por que moradores de assentamentos rurais localizados distantes de centros urbanos, vítimas dos mais variados tipos de crime, tendem a não registrar as ocorrências.
Para responder ao problema de pesquisa, três hipóteses foram elaboradas. A hipótese geral (HG) desta pesquisa está pautada na ideia de que os assentados do município de Água Boa, em Mato Grosso, tendem a realizar cálculos racionais que explicam o comportamento de não registrarem fatos criminosos à polícia. A teoria da escolha racional emprega o princípio do individualismo metodológico, que considera os fenômenos sociais como sendo decorrentes das ações e das interações individuais (ELSTER,1994).
Desse modo, os indivíduos, segundo a teoria da escolha racional, avaliam e escolhem suas ações não por elas mesmas, mas como meios mais ou menos eficientes para um fim ulterior (ELSTER, 1994). As pessoas avaliam os benefícios e custos vinculados a suas crenças e seus valores ao decidirem. Ou seja, as vítimas racionalizam as implicações de registrar ou não a ocorrência de um incidente criminoso. Segundo a abordagem da escolha racional de Coleman (1988) e Hechter e Kanazawa (1997), os determinantes que motivam um indivíduo a executar ou não uma ação – neste caso, registrar ou não uma ocorrência de crime – dependem de avaliações pessoais, da percepção sobre a capacidade da polícia fazer algo em relação ao crime, dos custos econômicos e das pessoas envolvidas em possíveis problemas gerados após a denúncia do crime à instituição policial e seu registro. Ou seja, consideram tanto valores individuais quanto elementos estruturais.
Seguindo com esse raciocínio, podemos estabelecer a primeira hipótese (H1): a H1 pressupõe que o comportamento de registrar ocorrências criminais por parte dos assentados se deve à distância geográfica dos assentamentos em relação à delegacia municipal. Em função da distância que teriam de percorrer e do custo para realizar a ocorrência, os assentados tendem a não registrar o ocorrido ou a subnotificar as instituições policiais.
Os assentamentos apresentam distâncias variáveis e a H1 sugere que quanto maior a distância do assentamento do perímetro urbano de Água Boa, maior a probabilidade da vítima não registrar a ocorrência de um crime. Ela teria de percorrer uma grande distância, o que envolve recursos como tempo e dinheiro, significativos para os indivíduos que vivem em uma situação em que ambos os recursos são escassos. Além do que, quanto mais distante, mais custoso seria para o indivíduo lidar com as consequências do registro.
A segunda hipótese (H2) refere-se ao tipo de crime praticado. A H2 infere que as ocorrências criminais são registradas de acordo com o tipo de crime praticado, ou seja, presume-se que alguns crimes não compensam o custo (social, psicológico e econômico) de serem registrados. Por isso, os registros variam segundo o tipo de ocorrência criminal, considerando que os mais graves, conforme tipificação e penas determinadas pelo Código Penal Brasileiro, tendem a ser registrados, como furto de um bem de valor expressivo (carro, moto, trator, etc.), roubo (mediante violência ou grave ameaça), lesão corporal grave ou gravíssima e homicídio.
A terceira hipótese (H3) é uma leitura da escolha racional do modelo “encorpado”. A H3 depreende que os assentamentos mais estruturados e estabelecidos tendem a registrar mais ocorrências criminais. Ou seja, indivíduos que moram em assentamentos mais estruturados tendem a registrar mais ocorrências do que indivíduos de assentamentos menos estruturados.
Desse modo, utilizamos um dos conceitos de estrutura social fundamentado nas cadeias de status sociais de Turner (2000), que estipula que, entre as várias dimensões das estruturas sociais, está a densidade. Assentamentos mais estruturados tendem a ter ocupações mais especializadas e, por isso, tendem a gerar uma maior complexidade social.
Assim, a H3 defende que, nos assentamentos mais estruturados socialmente, os assentados tendem a ser mais integrados, tendo mais a perder se não registrarem ocorrências criminais. Black (1976) defende que, quanto maior o nível de integração social, mais o indivíduo está positivamente relacionado à lei, o que significa que as pessoas mais integradas à sociedade têm maior probabilidade de denunciar crimes do que as menos integradas. Ou seja, quanto mais integrado socialmente ao assentamento, maior a probabilidade de o indivíduo registrar um crime.
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Para sustentar as hipóteses apresentadas, foram coletados dados primários e secundários. Os dados secundários se referem a dados sobre os assentamentos rurais consultados no INCRA (2020), no IBGE (2018), na Polícia Judiciária Civil do Estado de Mato Grosso (PJC-MT) e no Sindicato Rural de Água Boa/MT. Os dados primários foram coletados por meio de 67 entrevistas estruturadas realizadas com moradores dos assentamentos rurais e suas agrovilas.
Para as entrevistas, foi elaborado um roteiro com 37 perguntas divididas em 3 blocos correspondentes às hipóteses apontadas na pesquisa. No primeiro bloco, as perguntas foram formuladas para obtenção de dados relacionados ao distanciamento geográfico e à frequência de circulação dos assentados entre os lotes, a agrovila e a cidade de Água Boa. O segundo bloco contemplou perguntas sobre a interação social dos assentados, a percepção da criminalidade, as ocorrências de crimes, os tipos de fatos criminosos ou violentos e os dados de registros. No último bloco, foram levantados dados referentes a idade, sexo, gênero, escolaridade e renda.
Na pesquisa de campo, estabeleceu-se que o universo da pesquisa seria os moradores dos assentamentos e das agrovilas regulamentados do município de Água Boa (MT), considerando o tamanho da população pesquisada e o número de lotes estabelecidos pelo INCRA (2020). Sendo 6 assentamentos oficialmente constituídos de responsabilidade de Água Boa: Jatobazinho, Jaraguá, Santa Maria, Serrinha, Jandira e Martins. O Assentamento Nacional está em processo de regularização e o assentamento Santa Cruz está na divisa territorial do município, não ficando em sua base de dados. Assim, os assentamentos Nacional e Santa Cruz, não foram investigados.
Descrição da População
Os assentamentos do município de Água Boa, no Mato Grosso, são do tipo Projeto de Assentamento ou P.A. e possuem algumas características específicas e obrigações legais para sua constituição e implantação, como a criação de agrovilas com igreja, comércio, escola e serviços básicos, como posto de saúde.
Jatobazinho
O assentamento Jatobazinho possui 232 lotes, conforme dados de registro do INCRA (2020b). O assentamento está localizado a cerca de 20 km da cidade de Água Boa e, devido à proximidade, os moradores do Jatobazinho tendem a ter sua vida funcional no centro urbano da cidade. Esse fato pôde ser comprovado pela estrutura da agrovila, que conta somente com a igreja em funcionamento. Seus moradores dividem suas vidas entre Água Boa e o assentamento.
Jaraguá
O segundo assentamento mais próximo da cidade de Água Boa, com demarcação de 400 lotes iniciais, sofreu alteração em 12 de setembro de 2007, havendo aumento do número de lotes para 420. O assentamento Jaraguá está localizado a aproximadamente 33 km de Água Boa, porém, por ser o maior dos assentamentos, existem pontos que estão a quase 70 km da cidade.
Santa Maria
O assentamento Santa Maria, com cerca de 217 lotes, é o terceiro mais próximo da cidade de Água Boa, a 40 km de distância, pela BR-158, e teve sua origem na desapropriação da Gleba Santa Maria.
Serrinha
O assentamento Serrinha possui capacidade de 158 lotes e se localiza a 860 km da capital do estado de Mato Grosso e a 90 km da sede do município por estrada de terra.
Jandira
O assentamento Jandira fica 824 km distante da capital Cuiabá e aproximadamente a 100 km da sede do município de Água Boa. Sua capacidade de assentamento é de 150 famílias com lotes, conforme dados do INCRA (2020).
Martins
Sendo considerado um dos mais distantes da cidade de Água Boa, o assentamento Martins é um assentamento federal, com 55 lotes e capacidade para até 70 lotes. Está localizado a 130 km da sede do município.
Nacional
O projeto do assentamento Nacional é o mais recente dos assentamentos, com número de processo de criação 54000.126569/2018-61 e publicação do ato em 21 de agosto de 2018. Localizado a 90 km da sede do município de Água Boa e a 700 km da capital de Mato Grosso, o assentamento ainda não foi regulamentado e não existem moradores em seus lotes, razão pela qual não foi investigado.
Santa Cruz
O assentamento Santa Cruz está estabelecido na divisa dos municípios de Água Boa, Campinápolis e Nova Xavantina, com atribuição legal a este último. No sistema e no site oficial do INCRA (2020b), há o apontamento de sua localização nos três municípios, por isso não foi considerado para esta pesquisa.
Amostragem
Segundo Malhotra (2001, p. 301): “amostra é um subgrupo de uma população, selecionado para a participação no estudo”. Considerando que cada lote possui uma pessoa inscrita/moradora/arrendatária registrada ou não na relação/lista cadastral de assentados do INCRA e que a quantidade de lotes por assentamento não é uniforme, estabeleceu-se o denominador de 5% a 10% de cada assentamento para determinar o número de lotes da amostra de forma mais igualitária possível. Desse modo, o tamanho da amostragem foi de 62,35 lotes, totalizando 67 entrevistas, conforme Tabela 1.
Tabela 1: Registro por localidade
Localidade | Total Registros de Ocorrências 2016, 2017 e 2018 | Distância da cidade Água Boa/MT | Quantidade de lotes | % Registro x P.A. (Projeto de Assentamento) |
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Assentamento Jatobazinho | 9 | 20 km | 232 | 3,87% |
Assentamento Jaraguá | 46 | 33 km | 420 | 10,95% |
Assentamento Santa Maria | 19 | 40 km | 217 | 8,75% |
Assentamento Serrinha | 10 | 90 km | 158 | 6,32% |
Assentamento Jandira | 3 | 100 km | 150 | 2% |
Assentamento Martins | 0 | 130 km | 70 | 0 |
Total | 78 | 1247 |
Fonte: Elaboração própria, a partir de pesquisa de campo (2020).
Entrevistas
As entrevistas foram realizadas em campo, com o acompanhamento do presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Água Boa, Sr. Odair Prioli, de livre e espontânea vontade. As entrevistas foram feitas nos lotes dos assentamentos e nas agrovilas.
Os entrevistados foram escolhidos aleatoriamente, conforme o deslocamento em rotas por vias rurais nos assentamentos, sendo visitadas as residências em que estavam presentes os moradores maiores de 18 anos responsáveis pelo lote, assentado, arrendatário, proprietário novo, responsável legal ou familiar.
Por estarmos em período de pandemia da covid-19, todos os procedimentos de proteção individual do pesquisador e do entrevistado foram tomados, como uso de máscaras, aplicação de álcool em gel nas mãos antes e depois da entrevista e no momento da coleta de assinatura do termo de consentimento, respeito ao distanciamento social durante a entrevista, sem aglomeração ou muita proximidade com o entrevistado, atendendo, assim, ao Decreto Estadual Nº 462, de 22 de abril de 2020.
Após coletados, os dados primários foram tabulados no programa Excel e analisados conforme estatística descritiva e inferencial. Realizou-se a análise dos dados a partir da técnica de análise de conteúdo para verificar quais categorias foram consideradas as mais recorrentes em relação às razões de registrar ou não uma ocorrência criminal.
Ressalta-se que a pesquisa de campo teve como amostragem da população os moradores das agrovilas e os assentados dos assentamentos do município de Água Boa/MT, conforme aconselha Malhotra (2001).
RESULTADOS
Os resultados foram organizados conforme as hipóteses levantadas, sendo a HG pautada no entendimento de que os assentados do município de Água Boa/MT tendem a realizar cálculos racionais que explicam o comportamento de não registrarem fatos criminosos à polícia. As pessoas avaliam os benefícios e os custos ao decidirem suas ações, seguindo as orientações legais ou não. Assim, as vítimas racionalizam as implicações de registrarem ou não uma ocorrência sobre um fato criminoso ou violento.
A H1 estabelece que o comportamento dos assentados registrarem ou não ocorrência provavelmente tem relação com a distância geográfica entre os assentamentos e a delegacia municipal. Os assentados realizam um cálculo racional em função da distância que teriam que percorrer e dos custos para realizá-la, além dos benefícios reais e efetivos na resolução do fato. Por isso, tendem a não registrar uma ocorrência e, assim, à subnotificação dos registros de ocorrências criminais; conforme demonstrado nos resultados das respostas do bloco 1 das entrevistas.
Para sustentar esta hipótese, utilizaram-se os dados secundários do Sistema de Registros de Ocorrência Policial do estado de Mato Grosso (SROP-MT). A análise mostrou que os assentamentos mais próximos da cidade (levando em consideração o percentual de registro por assentamento) tendem a registrar mais ocorrências do que os assentamentos mais distantes, conforme as Tabelas 2 e 3.
Tabela 2: Distância dos Assentamentos até a cidade Água Boa/MT
6. A distância do Projeto Assentamento até a cidade de Água Boa é um problema? | Jatobazinho | Jaraguá | Sta. Maria | Serrinha | Jandira | Martins |
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Sim | 7,70% | 22,70% | 9,10% | 88,90% | 85,70% | 100,00% |
Não | 92,30% | 77,30% | 90,90% | 11,10% | 14,30% | -- |
Fonte: Elaboração própria, a partir de pesquisa de campo (2020).
Segundo a H1, quanto mais próximo o assentamento for do perímetro urbano de Água Boa/MT, maior a probabilidade do assentado registrar uma ocorrência criminal. Em relação aos outros assentamentos, a hipótese parece se sustentar. Embora a taxa de registro seja baixa, em geral, as porcentagens são descendentes conforme o aumento da distância.
É possível ainda sustentar a H1 com os resultados da Tabela 2, que mostram que a distância entre os assentamentos e a cidade de Água Boa é um problema para os moradores dos assentamentos mais distantes da cidade. Sobre esse aspecto, destaca-se o assentamento Martins, que fica a 130 km de distância e apresentou percentual de 100% das respostas, seguido do assentamento Serrinha, com 88,90%, e do Jandira, com 85,70%.
Nos assentamentos Jatobazinho, Jaraguá e Santa Maria, a distância não se mostrou um impedimento para seus moradores, tendo apresentado, respectivamente, porcentagem de 92,30%, 90,90% e 77,30%.
Tabela 3: Registro de Ocorrência
20. O(A) senhor(a) registrou alguma ocorrência? | Jatobazinho | Jaraguá | Sta. Maria | Serrinha | Jandira | Martins |
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Registrou a ocorrência | 46,20% | 18,20% | 45,50% | 22,20% | 14,30% | 20,00% |
Não registrou ocorrência | 38,50% | 59,10% | 36,40% | 66,70% | 57,10% | 80,00% |
Não respondeu | 15,40% | 22,70% | 18,20% | 11,10% | 28,60% | -- |
Fonte: Elaboração própria, a partir de pesquisa de campo (2020).
Na análise dos resultados apresentados na Tabela 3, referentes à pergunta de número 20 das entrevistas, O(A) senhor(a) registrou alguma ocorrência?, pode-se identificar que, nos assentamentos Martins, Serrinha, Jaraguá e Jandira, respectivamente, 80%, 66,7%, 59,1% e 57,1% dos entrevistados relataram que não registraram ocorrência. Já os assentamentos que mais registraram foram Jatobazinho, com 54,54%, e Santa Maria, com 38,46%. Esses resultados sinalizam que os assentados mais afastados, em sua maioria, tendem a não registrar ocorrências criminais. É importante observar que o assentamento Jaraguá, que tem a sua agrovila a 33 km da cidade, apresenta a porcentagem de 59,10%. Esse resultado se mostra justificável, pois, por ser o maior dos assentamentos, sua extensão territorial, em certos pontos, possui lotes localizados a quase 70 km da cidade de Água Boa/MT.
Os achados revelam que os assentamentos Jaraguá, Santa Maria e Serrinha tendem a registrar mais ocorrências do que Martins e Jandira. O assentamento Jatobazinho se mostrou um caso especial, já que seus moradores podem ser considerados como participantes sazonais da vida social de Água Boa/MT.
Tabela 4: Experiência desagradável envolvendo crime ou violência
17. O(A) senhor(a) já teve alguma experiência desagradável que tenha envolvido violência ou crime no Projeto Assentamento? | Resultado |
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Sim | 81% |
Não | 19% |
Fonte: Elaboração própria, a partir de pesquisa de campo (2020).
A partir da Questão 17 das entrevistas, observa-se pela Tabela 4 que a maioria dos assentados (80,6%) respondeu que teve uma experiência, de fato, violenta ou criminosa.
A H2 estabelece que as ocorrências criminais serão registradas de acordo com o tipo de crime. Ou seja, alguns crimes não compensariam o custo (social, psicológico e econômico) de serem registrados, considerando os tipos de crimes que ocorrem nos assentamentos bem como o quantitativo de suas ocorrências. As Tabelas 5 e 6 apresentam dados que sustentam essa hipótese, com base nas respostas das entrevistas desta pesquisa.
Tabela 5: Tipos de crimes
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Fonte: Elaboração própria, a partir de pesquisa de campo (2020).
A Tabela 5 estipula os tipos de crimes mais comuns. A pergunta formulada foi: O(A) senhor(a) pode dizer do que se tratava? Verificou-se que a maioria dos fatos criminosos nos assentamentos são do tipo furto (57,40%), seguido por ameaça (18,51%) e dano (12,96%).
Tabela 6: Motivos do não registro
21. Se não registrou, por que não registrou? |
Resultado geral |
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Valor baixo ou sem importância para se deslocar até a cidade | 33,33% |
Considera perda de tempo pela relevância do crime | 25,00% |
Resolveu sozinho ou recorreu a terceiros do Assentamento | 11,11% |
Era pessoa conhecida e o fato, de menor gravidade | 11,11% |
Medo de sofrer represálias do autor do delito | 8,33% |
Pelo motivo do objeto ser ilegal | 8,33% |
Não sabe responder | 2,78% |
Fonte: Elaboração própria, a partir de pesquisa de campo (2020).
A sustentação da H2 pode ser atestada pelos dados da Tabela 6. Cerca de 33,33% dos entrevistados declararam que não registraram ocorrência por entenderem que o valor é baixo ou sem importância para o deslocamento até a cidade, seguido de 25% dos entrevistados que responderam não ter registrado ocorrência por considerarem ser perda de tempo pela relevância do crime. Esses resultados parecem sustentar a H2, a qual postula que, de acordo com a importância do ato criminoso, a relevância do crime e o valor do prejuízo, o registro da ocorrência não compensa.
Tabela 7: Comparativo Estrutura vs. Registro
Localidade | Distância da cidade Água Boa | Quantidade de lotes | Registros de B.O. | Estruturas Agrovilas | |||
---|---|---|---|---|---|---|---|
Igreja | Comércio | Posto Saúde | Escola | ||||
Jatobazinho | 20 km | 232 | 9 | 1 | 1 | -- | 1 |
Jaraguá | 33 km | 420 | 46 | 4 | 6 | 1 | 2 |
Santa Maria | 40 km | 217 | 19 | 2 | 7 | 1 | 1 |
Serrinha | 90 km | 158 | 10 | 1 | 6 | 1 | 1 |
Jandira | 100 km | 150 | 3 | 1 | 3 | 1 | 1 |
Martins | 130 km | 70 | 0 | 1 | 3 | 1 | 1 |
Fonte: Elaboração própria, a partir de pesquisa de campo (2020).
Já a H3 infere que os assentamentos mais estruturados e estabelecidos tendem a registrar mais as ocorrências criminais, considerando as variáveis de distinção dos assentamentos em mais ou menos estruturados (Tabela 7).
Tabela 8: Escolaridade
28. O(A) senhor(a) estudou até que ano? | Jatobazinho | Sta. Maria | Martins | Jandira | Jaraguá | Serrinha |
---|---|---|---|---|---|---|
Fundamental incompleto | 38,5% | 45,5% | 60,0% | 42,9% | 31,8% | 33,3% |
Médio completo | 30,8% | 27,3% | -- | 14,3% | 31,8% | 55,6% |
Superior completo | 23,1% | 18,2% | -- | 14,3% | 31,8% | 11,1% |
Superior incompleto | 7,7% | -- | 20,0% | -- | 4,5% | -- |
Médio incompleto | -- | 9,1% | -- | 14,3% | -- | -- |
Fundamental completo | -- | -- | 20,0% | 14,3% | -- | -- |
Fonte: Elaboração própria, a partir de pesquisa de campo (2020).
Tabela 9: Profissão
29. Pode dizer qual a sua Profissão? | Jatobazinho | Jaraguá | Sta. Maria | Serrinha | Jandira | Martins |
---|---|---|---|---|---|---|
Agricultor(a) / Lavrador(a) | 76,90% | 36,40% | 45,50% | 66,70% | 57,10% | 60,00% |
Comerciante | 7,70% | 9,10% | -- | 22,20% | -- | -- |
Pedagogo(a) | 7,70% | -- | -- | -- | -- | -- |
Funcionário(a) público(a) | 7,70% | -- | -- | -- | -- | -- |
Mecânico | -- | -- | 9,10% | -- | -- | -- |
Cozinheiro(a) | -- | -- | 9,10% | -- | -- | 20,00% |
Salgadeira(o) | -- | -- | 9,10% | -- | -- | -- |
Técnico(a) de Enfermagem | -- | 4,50% | 9,10% | -- | -- | -- |
Agrônomo(a) | -- | -- | 9,10% | -- | -- | -- |
Pecuarista | -- | -- | 9,10% | -- | 14,30% | -- |
Pedagogo(a) | -- | -- | -- | -- | -- | 20,00% |
Sociólogo(a) | -- | -- | -- | -- | 14,30% | -- |
Agente de Saúde | -- | 13,60% | -- | 11,10% | 14,30% | -- |
Professor(a) | -- | 13,60% | -- | -- | -- | -- |
Agente Comunitário | -- | 9,10% | -- | -- | -- | -- |
Auxiliar de limpeza | -- | 4,50% | -- | -- | -- | -- |
Eletricista | -- | 4,50% | -- | -- | -- | -- |
Motorista | -- | 4,50% | -- | -- | -- | -- |
Fonte: Elaboração própria, a partir de pesquisa de campo (2020).
Tabela 10: Renda Mensal
34. Pode dizer qual a renda média que o(a) senhor(a) tem? | Jatobazinho | Jaraguá | Sta. Maria | Serrinha | Jandira | Martins |
---|---|---|---|---|---|---|
Acima de 1,5 até 3 salários-mínimos | 46,20% | 59,10% | 81,80% | 22,20% | 42,90% | 40,00% |
1 até 1,5 salário-mínimo | 15,40% | 9,10% | 9,10% | 66,70% | 28,60% | 20,00% |
Acima de 3 até 4,5 salários-mínimos | 15,40% | 13,60% | -- | 11,10% | 28,60% | -- |
Acima de 4,5 até 6 salários-mínimos | 7,70% | 4,50% | 9,10% | -- | -- | 20,00% |
Acima de 6 até 10 salários-mínimos | 7,70% | -- | -- | -- | -- | -- |
Não respondeu | 7,70% | 13,60% | -- | -- | -- | 20,00% |
Fonte: Elaboração própria, a partir de pesquisa de campo (2020).
Considerando os resultados para renda mensal apresentados na Tabela 10, temos que a maioria dos assentados participantes da pesquisa possui renda entre 1,5 e 3 salários-mínimos. Os assentamentos Serrinha, Jandira e Martins apresentam uma porcentagem maior de entrevistados que declaram ganhar de 1 a 1,5 salário-mínimo, sendo 66,70%, 28,60% e 20%, respectivamente. Os assentamentos que apresentam porcentagens maiores para rendas acima de 4,5 salários-mínimos são Jatobazinho, Jaraguá e Santa Maria.
Conforme os resultados descritos nas Tabelas 8, 9 e 10, é possível confirmar a H3, pois, com base nos dados de escolaridade, profissão e renda, é estabelecida uma distinção dos assentamentos como mais estruturados e menos estruturados. A análise específica dos assentamentos mostra que os assentamentos Jaraguá, Jatobazinho e Santa Maria possuem porcentagem maior dos entrevistados com Ensino Superior completo, sendo, respectivamente, 31,8%, 23,1% e 18,2%.
Com base na análise comparativa dos dados das entrevistas, pode-se dizer que os assentamentos Jaraguá (36,4 %), Santa Maria (45,5%) e Jandira (57%) apresentam, por um lado, porcentagem menor de entrevistados com atividades profissionais ligadas às atividades de agricultor e lavrador; por outro lado, apresentam os percentuais mais elevados para profissões técnicas e de nível superior. Jatobazinho, Serrinha e Martins apresentam índices com maior porcentagem de profissões voltadas à agricultura, sendo, respectivamente 76,90%, 66,70% e 60,00%.
Deste modo, com base nos papéis sociais dos indivíduos, na formação educacional, na atividade profissional e na renda nas agrovilas e nos assentamentos apresentados, percebe-se que os assentamentos Jaraguá e Santa Maria apresentam resultados superiores aos demais, sinalizando serem os mais estruturados socialmente. Esses achados confirmam a hipótese ao estabelecer que os assentamentos Jaraguá e Santa Maria, conforme Tabela 3, são os que mais fazem o registro de boletim de ocorrência de fatos violentos ou criminosos.
DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
Os resultados obtidos reforçam os apontamentos iniciais de que as decisões das vítimas em denunciarem ou não um crime ou uma violência sofrida são condicionadas à sua avaliação de modo racional, mensurando os custos e os benefícios de suas crenças e seus valores associados ao registro de boletim de ocorrência (GOUDRIAAN, 2004; SKOGAN, 1984). Conforme as pesquisas e as obras citadas no referencial teórico, as vítimas de crimes e violência decidem registrar as ocorrências com base em sua avaliação racional, de acordo com o tipo de fato criminoso ou violento, atribuindo a gravidade do ato ao benefício do registro na polícia (GOUDRIAAN, 2004; SKOGAN,1984).
Assim, a partir dos dados da pesquisa, evidencia-se que o furto é o fato criminoso com maior porcentagem de ocorrências nos assentamentos e nas agrovilas pesquisadas, seguido de ameaça e danos. Considerando que o Código Penal Brasileiro tipifica e regula as penas conforme o grau de potencial lesivo, temos que o furto é entendido como o mais grave, com pena de 1 a 4 anos e multa. Em seguida, vêm a ameaça, com pena que varia de 1 a 6 meses ou multa, e os danos, com detenção de 1 a 6 meses e multa.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pode-se considerar que esta pesquisa é compatível com outras pesquisas que exploram os determinantes que influenciam as vítimas em suas decisões de registrarem ou não uma ocorrência criminal. Este estudo constata que os moradores dos assentamentos ou das agrovilas pesquisadas realizam cálculos racionais compatíveis com o que defende o modelo “encorpado” da teoria da escolha racional.
Conforme as várias literaturas existentes e as aqui apresentadas – que consideram a gravidade do crime como determinante para o registro de ocorrência ou sua subnotificação –, pode-se sustentar que tal comportamento está presente nos entrevistados moradores dos assentamentos e das agrovilas do município de Água Boa, no estado de Mato Grosso. Eles decidem considerando a gravidade do fato como um determinante para que seja realizado ou não o registro de boletim de ocorrência.
Constatou-se que quanto mais estabelecidos os assentamentos e as agrovilas, mais essas comunidades tendem a registrar os boletins de ocorrência. Para isso, consideram-se os dados de infraestrutura das agrovilas, a proximidade com a cidade e os tipos de crimes. Isso é compatível com os modelos “encorpados” de escolha racional, pois presume-se aqui que a interação entre os valores e as crenças dos indivíduos tendem a interagir com elementos das estruturas sociais promovendo motivação para o registro.
Uma limitação do trabalho é a ausência de dados estruturais que possam distinguir os assentamentos em termos de ambientes, de estruturas sociais que propiciem motivações diferentes em relação ao registro de crimes. Isso exige do observador maior tempo nos assentamentos, pois presume um tipo de preparo para a coleta de dados próximo às técnicas mais qualitativas.
Pode-se dizer, portanto, que as avaliações dos assentados se baseiam em determinantes individuais e estruturais do cálculo sobre registrar ou não um fato criminoso. É um cálculo situacional que não é realizado simplesmente a partir de um indivíduo abstrato, mas de alguém que mora em um assentamento perto ou longe da cidade mais próxima onde será feito o registro, da vítima de um determinado tipo de crime, de um assentado que ocupa uma posição social em uma estrutura social de um assentamento mais ou menos denso socialmente.
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Este estudo é oriundo de uma dissertação de Mestrado em Sociologia, pela Universidade Federal de Mato Grosso e foi originalmente apresentado no VIII Encontro Brasileiro de Administração Pública, realizado em Brasília/DF, em modalidade virtual, nos dias 3 a 5 de novembro de 2021.↩︎
Um assentamento rural, conforme definição do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA, 2020), é um conjunto de unidades agrícolas independentes entre si. Uma outra definição compatível e complementar a esta está na obra singular de José de Souza Martins, Reforma agrária: impossível diálogo, que faz uma crítica explícita da luta histórica dos trabalhadores rurais na busca por direito à terra. O autor estabelece que a definição de assentamento é a forma da redistribuição da terra, o que, essencialmente, consiste em qualquer reforma agrária. Reforma agrária é todo ato que tende a desconcentrar a propriedade da terra quando ela representa ou cria um impasse histórico ao desenvolvimento social baseado nos interesses pactuados da sociedade (MARTINS, 2004, p. 102).↩︎
A utilização da pesquisa da Secretaria Nacional da Segurança Pública do Ministério da Justiça (2012) se justifica por ter dados sobre a subnotificação em âmbito nacional e referentes ao estado de Mato Grosso, sendo que outros anuários ou pesquisas mais recentes estudadas não abrangeram tais dados.↩︎
A vitimização é um processo pelo qual alguém (e.g., uma pessoa, um grupo, um segmento de sociedade ou país) se torna ou se tornará objeto-alvo da violência por outrem (e.g., uma pessoa, grupo, etc.). Como processo, implica uma rede de ações e/ou omissões interligadas e dotadas de um caráter de historicidade e dinamizadas por interesses, ideologias e motivações conscientes ou inconscientes (SÁ, 1996).↩︎