UMA RAZOÁVEL QUANTIDADE DE DOR: UMA CRÍTICA DO SISTEMA PENAL BRASILEIRO A PARTIR DE NILS CHRISTIE
Matheus Sardinha da Motta
Mestre em Segurança Pública pela Universidade Vila Velha (UVV/ES). Especialista em Direito Penal e Criminologia pela UNINTER-PR. Graduado em Direito pela Faculdade de Direito de Vitória (FDV/ES). Advogado.
País: Brasil Estado: Espírito Santo Cidade: Vitória
Email: msmotta.adv@gmail.com ORCID: https://orcid.org/0000-0001-8645-2101
RESUMO
O presente trabalho parte das reflexões de Nils Christie, buscando compreender como a dor orienta o funcionamento do sistema penal no Brasil. Partindo de uma desconstrução das categorias fundamentais do sistema penal, como as noções de crime, criminoso e pena, este estudo discorre sobre algumas das manifestações mais claras da produção de dor pelas agências do poder punitivo, salientando o papel desempenhado pelo Poder Legislativo, que atendendo as demandas punitivas, ignora todos esses problemas e propõe maneiras de elevar os níveis de inflição de dor. Ao final, buscou-se apresentar propostas para limitar e superar a produção de dor e morte pelo sistema penal.
Palavras-chave: Inflição de dor. Sistema penal. Limitação. Nils Christie.
ABSTRACT
A REASONABLE AMOUNT OF PAIN: A CRITIQUE OF BRAZIL’S CRIMINAL SYSTEM BASED ON NILS CHRISTIE
The present paper is based on Nils Christie reflections, aiming to comprehend how does the pain orientates Brazil’s penal system functioning. Starting from the deconstruction of the criminal system central categories, such as crime, criminal and punishment, this study exposes some of the most clear manifestations of the production of pain by the criminal system agencies, but also pointing the role of the Legislative, as being the responsible for attending the demands for more punishment, ignoring the catastrophic effects of Brazilian’s criminal system and proposing ways to increase the infliction of pain. In the end, the research tries to propose ways to limit and overcome the production of pain and death by the criminal system.
Keywords: Infliction of pain. Criminal system. Limitation. Nils Christie.
Data de Recebimento: 28/07/2021 – Data de Aprovação: 24/08/2022
DOI: 10.31060/rbsp.2023.v17.n2.1568
INTRODUÇÃO
Em sua obra Limites à dor (2017), o criminologista norueguês Nils Christie, de pronto, alerta seus leitores: “Este é um livro sobre a dor” (op. cit., p. 23). Pois, na mesma linha, o presente artigo se ocupa da dor. E mais, é um texto sobre a redução ao máximo da dor, aos níveis de uma possível quantidade razoável de dor. Dessa forma, partindo das reflexões críticas de Nils Christie ao sistema penal, tem-se por objetivo compreender o seguinte: Como a dor orienta o funcionamento do sistema penal no Brasil? A hipótese adotada neste trabalho é que a produção e a elevação dos níveis de dor ocupam uma posição central nas políticas penais brasileiras, bem como no próprio funcionamento (ir)regular do sistema penal.
Nesse sentido, no primeiro tópico deste trabalho, as discussões teóricas, que têm na obra de Nils Christie seu eixo central, giram em torno da desconstrução e desnaturalização de conceitos fundamentais do direito penal, quais sejam: crime, criminoso e pena. As discussões teóricas passam também pelo diálogo com outros autores, tais como: Michel Foucault, Howard Becker, Sebastian Scheerer, Friedrich Nietzsche, Alessandro Baratta, entre outros.
Em um segundo momento, partindo de relatórios formulados pela Pastoral Carcerária, pelo Conselho Nacional de Justiça, das bases de dados do Departamento Penitenciário Nacional e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, são expostas algumas faces da dor produzida pelo sistema penal, bem como são mencionados e discutidos alguns projetos legislativos que, ignorando o funcionamento e as condições do sistema penal, pugnam por mais dor.
Por fim, no último tópico, adota-se uma postura crítica e propositiva. Não há, porém, pretensões de esgotar as discussões e as propostas, mas refletir sobre possíveis transformações e formas de reduzir e sistematicamente superar o sistema penal e a produção de dor que lhe é característica.
O CRIME, O CRIMINOSO E A PENA NA OBRA DE NILS CHRISTIE
Nils Christie foi (e permanece sendo) um dos principais expoentes do pensamento crítico sobre a questão criminal. Situado por muito tempo entre os pensadores abolicionistas, em Uma quantidade razoável de crime (2011), o criminologista norueguês recuou em direção ao minimalismo, entendendo não ser possível “abolir totalmente o sistema penal” (op. cit., p. 130), pois essa postura de erradicar a pena criminal, levada ao extremo, poderia nos conduzir a graves problemas (ibid., p. 124).
Porém, parece impossível negar que o autor mantém em sua obra uma perspectiva radicalmente crítica aos fundamentos que sustentam o sistema penal, sobretudo às consagradas e naturalizadas noções de crime (infração penal), criminoso e pena (punição).
Em verdade, muito se diz sobre essas categorias e, em geral, as discussões se mostram pouco profundas. Os debates intelectuais, sobretudo jurídicos, sobre a pena de prisão, segundo Mathiesen (2003, p. 99), parecem evitar as premissas que sustentam o sistema penal, de modo que a doxa tenta, incansavelmente, silenciar e sufocar o debate heterodoxo.
Essa forma de silenciamento da crítica radical à pena de prisão e aos dispositivos punitivos parece ter sido herdada dos debates da própria discussão originária, que acompanha o surgimento da prisão como modalidade punitiva por excelência. Como recorda Foucault (2014, p. 259), logo após o surgimento da pena de prisão, surgiram as denúncias de seu fracasso quanto às suas funções manifestas. Porém, se a denúncia de seu fracasso foi imediata, por outro lado, sua permanência como mecanismo punitivo por excelência evidencia que, ao supostamente fracassar em seus objetivos manifestos, a pena é um verdadeiro sucesso quanto às suas funções ocultas (ibid., p. 271).
Dessa forma, os conceitos de pena e crime naturalizam-se no corpo social como realidades ontológicas, desprovidas de qualquer historicidade, dimensão política, racial, econômica e social que as sustentam, processo este (de naturalização) que constitui “o pilar mais poderoso desta instituição social” (SCHEERER, 2020b, p. 15).
O CRIME EXISTE?
Portanto, para atender um dos objetivos deste trabalho, ponhamos em discussão, à luz do pensamento de Nils Christie, a noção de crime: O que é o crime?
Em primeiro lugar, a resposta a essa pergunta se daria em uma esfera negativa, ou seja, o crime não é. Dito de outro modo, ele “não existe como realidade estável”, sendo uma espécie de “conceito livre para manobras” (CHRISTIE, 2011, p. 16). Mais especificamente, segundo o autor:
O crime não existe. Existem somente atos, aos quais frequentemente são atribuídos diferentes significados em cenários sociais diferentes. Os atos e seus significados são os nossos dados. Nosso desafio é seguir o caminho dos atos pelo universo de significados. Em particular, quais são as condições sociais que estimulam ou evitam que a certos atos seja atribuído o sentido de criminoso? (CHRISTIE, 2011, p. 20).
E mais:
O crime não existe até que a conduta seja submetida a um processo altamente especializado de atribuição de sentido e, em casos extremos, acabe como ocorrências certificada por juízes criminais como o tipo particular de condutas indesejadas chamadas de crimes. Crime é uma, apenas uma, das inúmeras formas de classificar atos deploráveis. (ibid., p. 24-25).
Tal afirmação, aparentemente inovadora e revolucionária justamente por desafiar o olhar sobre o crime e o castigo enquanto fenômenos naturais (naturalizados), está presente na própria noção jurídica de crime que se pauta no princípio da legalidade. Nesse sentido, o Código Penal brasileiro prevê em seu art. 2º que: “Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal”, previsão legal também encontrada no art. 5º, XXXIX, da Constituição Federal de 1988. Essa noção (jurídica e política) de infração penal, longe de ser uma característica própria de nosso tempo, possui raízes históricas de um processo de confisco do conflito.
Como evidenciou Michel Foucault, na Europa, a noção de infração surge por volta do século XII, substituindo o antigo direito germânico que se pautava na perspectiva de dano, cuja resolução se dava mediante conflito direto entre partes. Interessa notar como, nessa forma de organização jurídica (direito germânico), não há de se falar, salvo raras exceções, em ação penal pública. Aqui, Direito e Guerra não se opõem, sendo o primeiro a forma ritualizada do segundo e, do mesmo modo que se admitia uma guerra entre as partes envolvidas, assumia-se a possibilidade de ela ser interrompida, a qualquer momento, por meio de um pacto entre as partes (FOUCAULT, 2013, p. 59-61).
Contudo, o processo de acumulação da riqueza e de concentração da coerção, bem como a formação de um poder judiciário concentrado em poucas pessoas, alcança seu ápice no século XII (ibid., p. 68). Tais fatores promovem mudanças relevantes no sistema judicial, que se pautará no confisco do conflito pelo soberano.
Primeiramente, surge um modelo de justiça vertical, que “vai-se impor, do alto, aos indivíduos, aos oponentes, aos partidos. Os indivíduos então não terão mais o direito de resolver, regular ou irregularmente, seus litígios” (ibidem).
Em segundo lugar, decorrem desse movimento de verticalização duas alterações significativas que permanecem em voga em nosso ordenamento jurídico. A primeira diz respeito ao surgimento da figura do procurador, que “se apresenta como representante de um poder lesado pelo único fato de ter havido um delito ou um crime”. Dessa forma:
O soberano, o poder político vem, desta forma, dublar e, pouco a pouco, substituir a vítima. Este fenômeno, absolutamente novo, vai permitir ao poder político apossar-se dos procedimentos judiciários. O procurador, portanto, se apresenta como o representante do soberano lesado pelo dano (FOUCAULT, 2013, p. 68).
A segunda alteração – e que para os fins deste trabalho é a que mais nos interessa – gira em torno do surgimento da infração. Essa noção, que ainda permanece viva no ordenamento jurídico brasileiro, foi responsável por uma mudança significativa no processo de resolução dos conflitos. Como demonstra Foucault:
Enquanto o drama judiciário se desenrolava entre dois indivíduos, vítima e acusado, tratava-se apenas de dano que um indivíduo causava a outro. A questão era a de saber, se houve dano, quem tinha razão. A partir do momento em que o soberano ou seu representante, o procurador, dizem “Também fui lesado pelo dano”, isso significa que o dano não é somente uma ofensa de um indivíduo a outro, mas também uma ofensa ao Estado, ao soberano, como representante do Estado. Assim, na noção de crime, a velha noção de dano será substituída pela de infração. A infração não é um dano cometido por um indivíduo contra outro; é uma ofensa ou lesão de um indivíduo à ordem, ao Estado, à lei, à sociedade, à soberania, ao soberano. A infração é uma das grandes invenções do pensamento medieval. Vemos assim, como o poder estatal vai confiscando todo o procedimento judiciário, todo o mecanismo de liquidação interindividual dos litígios da Alta Idade Média. (FOUCAULT, 2013, p. 68-69).
Portanto, nota-se como o crime, enquanto uma realidade ontológica, não existe. É um processo de classificação político e jurídico, que surge a partir de um determinado período histórico (séc. XII), de determinar que a alguns atos tidos por deploráveis ou negativos – não necessariamente por todos ou pela maioria dos membros do corpo social – será atribuída uma pena pelo Estado (que se apropria do conflito e da sua resolução) e imposto ao indivíduo que o lesou o rótulo de criminoso.
Cumpre, agora, tratar dessas duas categorias (criminoso e pena).
QUEM É O CRIMINOSO?
Como se nota desde a introdução, e fica mais evidente no tópico anterior deste estudo, não há aqui qualquer apego a essas concepções que buscam vincular o crime e a pena a uma realidade ontológica, dotadas de um sentido natural. Da mesma forma, a definição de criminoso, ou seja, de um sujeito que pratica ato(s) definido(s) como crime(s), tal qual uma pessoa que por razões biológicas ou sociais possui maior tendência à prática desses atos deve ser rechaçada.
Apesar de interessante e necessária, não cumpre aqui, dados os objetivos deste trabalho, realizar uma história do saber criminológico e das diversas noções sobre o crime, o criminoso e as funções atribuídas à pena. Limita-se nesta ocasião à desconstrução dessas categorias concebidas ontologicamente, partindo de uma teoria que promoveu um giro histórico nas pesquisas criminológicas: a teoria do labeling approach.
Howard Becker, em Outsiders: estudos de sociologia do desvio (2008, p. 18-21), discorre sobre as teorias estatísticas, biológicas e relativísticas do desvio, até então dominantes, e percebe que elas têm em comum a busca das causas que levam alguém a delinquir, ou seja: essas formulações teóricas partem do crime como uma realidade ontológica, vinculada a um sujeito que por fatores biológicos, morais ou sociais pratica esses atos. O autor estadunidense, então, observa que um fator central sobre o desvio é ignorado: “ele é criado pela sociedade” (ibid., p. 21):
Não digo isso no sentido em que é comumente compreendido, de que as causas do desvio estão localizadas na situação social do desviante ou em “fatores sociais” que incitam sua ação. Quero dizer, isto sim, que grupos sociais criam o desvio ao fazer regras cuja infração constitui desvio, e ao aplicar essas regras a pessoas particulares e rotulá-las como outsiders. (BECKER, 2008, p. 21-22) – destaque do autor.
Dessa forma, o que há em comum entre “os criminosos”, é justamente “o rótulo e a experiência de serem rotuladas como desviantes” (ibid., p. 22). Portanto, em Outsiders, “é possível ver um processo, uma construção processual e relacional de etiquetas que naturaliza sujeitos e grupos dentro de categorias, entre elas a de ‘anormais’” (ROSA et al., 2017, p. 82). E é justamente nessa transformação do olhar sobre o crime e o criminoso que Alessandro Baratta vê a maior importância do labeling approach:
O ponto mais avançado desta consciência da autonomia do próprio objeto em face das definições legais é alcançado, na criminologia liberal contemporânea, pela teoria do labeling. Negando qualquer consistência ontológica à criminalidade, enquanto qualidade atribuída a comportamentos e a pessoas por instâncias detentoras de um correspondente poder de definição e de estigmatização, a teoria do labeling deslocou o foco da investigação criminológica para tal poder. O direito penal torna-se, assim (como, por um outro lado, ocorrera na teoria psicanalítica da sociedade punitiva), de ponto de partida para a definição do objeto da investigação criminológica, no objeto mesmo da investigação. (BARATTA, 2011, p. 148-149) – destaque do autor.
Acompanhando a transformação no olhar sobre o crime e o criminoso, a criminologia crítica reconhece e denuncia os limites da perspectiva formulada por Becker e, lançando um olhar macrossociológico, compreende o papel do sistema penal na
reprodução das relações sociais e de manutenção da estrutura vertical da sociedade, criando, em particular, eficazes contraestímulos à integração dos setores mais baixos e marginalizados do proletariado, ou colocando diretamente em ação processos marginalizadores. (ibid., p. 175).
Nesse processo de manutenção das desigualdades racial, social, econômica e de gênero marcantes, as agências do sistema penal evidenciam todo seu esplendor seletivo no processo de criminalização secundária. Esse processo, diferentemente da criminalização primária, entende-se como sendo
a ação punitiva exercida sobre pessoas concretas, que acontece quando as agências policiais detectam uma pessoa que supõe-se tenha praticado certo ato criminalizado primariamente, a investigam, em alguns casos privam-na de sua liberdade de ir e vir, submetem-na à agência judicial, que legitima tais iniciativas e admite um processo (ou seja, o avanço de uma série de atos em princípio públicos para assegurar se, na realidade, o acusado praticou aquela ação); no processo, discute-se publicamente se esse acusado praticou aquela ação e, em caso afirmativo, autoriza-se a imposição de uma pena de certa magnitude que, no caso de privação da liberdade de ir e vir da pessoa, será executada por uma agência penitenciária (prisonização). (ZAFFARONI et al., 2011, p. 43) – destaque do autor.
A forma como as agências punitivas atuarão na seleção das pessoas, contudo, não deixa de ser influenciada por critérios sociais, econômicos e raciais. Roberto Kant de Lima, após notar a influência do pensamento de Nina Rodrigues no final do século XIX, que orientou o projeto de reforma penal em que se estabeleciam graus de responsabilidade criminal diversos a brancos e negros, verificou a permanência dessa mentalidade em juristas brasileiros, ainda que de forma não unânime, mas concebendo pessoas negras e pobres como “social e culturalmente inferiores” (KANT DE LIMA, 2019, p. 190-191).
Ademais, o autor descreve o caso de um sujeito detentor de status social “superior” que foi vinculado à prática de crime violento contra a ex-esposa e o magistrado que atuou na causa não soube dar uma resposta satisfatória à demanda:
No caso do ex-marido, ele estava usando violência física num conflito de família. A lei não tinha “previsto” essa situação porque presumiu que as classes altas não resolvem seus conflitos familiares pelo uso da violência. Tão pouco a polícia poderia fazer alguma coisa, dado o status social da pessoa envolvida, o que também ocorria no caso da ex-esposa do filho do ministro de Estado. (KANT DE LIMA, 2019, p. 165).
Para além da construção do criminoso a partir do processo de criminalização secundária, há outro elemento apresentado por Christie, quando descreve a dinâmica de seu bairro, em Oslo, que no âmbito das relações sociais parece crucial para que segmentos da sociedade definam alguém como criminoso, que é a proximidade e o nível de interação social entre os indivíduos em uma dada comunidade:
Isso também significa que há menos comunidades como a minha em outras partes mais afluentes da cidade. Evidentemente, com essa afirmação, não pretendo dizer que no meu bairro haja menos furtos do que em outros. Nem que haja menos violência. Talvez ambos ocorram até com maior frequência. O que quero dizer é que tais atos adquirem outro significado na minha “ilha”. Não temos tanto medo, na medida em que conhecemos nossos vizinhos. São grandes as chances de que conheçamos as pessoas – ou pelo menos de que alguém as conheçam – envolvidas em algum crime. Portanto, as designações oficiais, como “furto” ou “lesões corporais”, são artificiais para nós. O crime é um fenômeno criado pelo homem. Entre pessoas que se conhecem, é menos natural aplicar categorias criminais. Podemos não gostar do que fizeram e até tentar evitá-lo, mas não sentimos necessidade de usar as categorias simplórias da lei penal. Se aplicados, esses rótulos não aderem com a mesma amplitude. (CHRISTIE, 2011, p. 106-107).
Portanto, podemos concluir que, tal o crime, a noção de criminoso não é um dado natural, mas uma forma de se atribuir um rótulo a alguém, que se constrói através das interações sociais, mas, também, a partir da mentalidade e da atuação seletiva das agências do sistema penal no processo de criminalização secundária.
O que resta, nesse primeiro momento, é compreender a resposta dada a essas pessoas e a essas ações: a pena.
O QUE É A PENA?
Como já explicitado na introdução deste texto, não trataremos aqui de desenvolver a desconstrução dos discursos oficiais que almejam conferir à pena qualquer caráter racional (ressocialização, retribuição, prevenção geral – positiva e negativa – e prevenção especial – positiva e negativa). Isso porque, em diversos outros trabalhos, a falência e a falsidade desses discursos já foram denunciadas.
A pena, apesar de ter seus discursos legitimantes rechaçados ou, no mínimo, sem qualquer sustentação empírica, permanece produzindo efeitos naturalizantes na sociedade. Como lembra Sebastian Scheerer (2020a, p. 39), por “conhecermos castigos desde a infância, acreditamos que eles são naturais – talvez não em todas as suas formas e a qualquer pretexto, mas em princípio temos consciência (e também inconscientemente) de que eles são indispensáveis”. Contudo, lembra o criminologista alemão que:
Condutas sociais indesejadas e reprováveis e sanções negativas são, na verdade, “fenômenos sociais totais” (Marcel Mauss), mas a punição no sentido restrito do direito penal e o próprio direito penal não o são. Eles não se tratam de formações universais, mas específicas, que historicamente são relativamente recentes e que há muito tempo atuam de modo obsoleto, razão pela qual a postulada pretensão de eternidade exposta por Baumann deve ser consideravelmente relativizada. (SCHEERER, 2020a, p. 43).
Quando tratamos do cárcere, modalidade punitiva contemporânea por excelência, tal fato se torna ainda mais claro, pois, como lembra Foucault:
A prisão não pertence ao projeto teórico da reforma da penalidade do século XVIII. Surge no início do século XIX, como uma instituição de fato, quase sem justificativa teórica.
Não só a prisão – pena que vai efetivamente se generalizar no século XIX – não estava prevista no programa do século XVIII, como também a legislação penal vai sofrer uma inflexão formidável com relação ao que estava estabelecido na teoria. (FOUCAULT, 2013, p. 85).
Além de situar historicamente o surgimento da prisão como modalidade punitiva, o filósofo francês evidencia que o estabelecimento da pena de prisão não teve qualquer suporte teórico racional. Irracional desde sua gênese, essa instituição volta-se ao controle de determinados sujeitos pelo critério da periculosidade, ou seja: não se trata meramente de apenar alguém por aquilo que foi feito, mas de controlar a possibilidade de que determinados sujeitos possam vir a fazer algo (ibid., p. 86).
A prisão possui um papel fundamental no que diz respeito à dor. Ao substituir historicamente os suplícios, acabou por quase fazer desaparecer por completo o fenômeno da dor do âmbito da punição:
Através da linguagem e do ritual, a dor desapareceu da vida pública. Como também desapareceram as dores da punição. Quando utilizávamos a flagelação, mutilando partes do corpo, ou matando para punir o sofrimento era mais óbvio (exceto para o malicioso grupo que enganava as autoridades para os executarem, sendo poupados do pecaminoso ato de suicídio). Correntes pesadas simbolizavam a degradação. Era um retrato claro da tristeza e da miséria. Hoje, algumas prisões parecem hotéis modernos, outras internatos. Comida decente, trabalho ou educação, homens e mulheres no mesmo espaço na pecaminosa Dinamarca, bem como visitas íntimas na Suécia. Tudo parece como férias às custas dos contribuintes. (CHRISTIE, 2017, p. 29).
Contudo, lembra o criminologista norueguês:
o castigo, como manejado pelo sistema penal, significa infligir dor conscientemente. Aqueles que são punidos devem sofrer. Se eles, em geral, gostassem, deveríamos mudar o método. As instituições penais assumem que os destinatários das sanções devem ser retribuídos com algo que os torne infelizes, algo que faça doer.
O controle do crime se tornou uma operação limpa, higiênica. A dor e o sofrimento desapareceram dos manuais e das etiquetas aplicadas. Contudo, não desapareceram da experiência daqueles punidos. Os alvos das medidas penais continuam como costumavam ser: assustados, envergonhados, infelizes. (ibid., p. 30).
Alessandro De Giorgi, por sua vez, partindo da criminologia crítica, notou a correlação entre o sofrimento produzido pelo sistema penal e as condições materiais das classes pobres:
As diversas orientações da política penal se articulam a partir das condições materiais das classes pobres. Para serem eficazes, as instituições e práticas repressivas devem impor, a quem ousa violar a ordem constituída, condições de existência piores do que as garantidas a quem se submeter a ela. (DE GIORGI, 2006, p. 39).
E conclui que:
São as dinâmicas invisíveis e anônimas do mercado que conferem à força de trabalho o seu “preço justo”, e é uma lei econômica que orienta a fixação do preço: quanto maior for a oferta de trabalho, menor será o seu valor e piores serão as condições do proletariado. Daí deriva, de acordo com o princípio da less eligibilitu, que os períodos históricos em que ocorre um surplus de força de trabalho serão necessariamente caracterizados por um agravamento das penas. (ibid., p. 40).
Assim, conclui Nils Christie (2011, p. 119) que sociedades marcadas por um modelo de justiça vertical e por um distanciamento social entre seus membros criam situação totalmente favorável à imposição de sofrimento. Isso porque a imposição intencional de dor torna-se mais suportável quanto maior a distância entre aquele que aplica o sofrimento e aquele que é seu destinatário (id., 2017, p. 112). Também nesse sentido Nietzsche, quando afirma que:
Se crescem o poder e a consciência de si de uma comunidade, torna-se mais suave o direito penal; se há enfraquecimento dessa comunidade, e ela corre grave perigo, formas mais duras desse direito voltam a se manifestar. [...] Não é inconcebível uma sociedade com tal consciência de poder que se permitisse o seu mais nobre luxo: deixar impunes seus ofensores. [...] A justiça, que iniciou com “tudo é resgatável, tudo tem que ser pago”, termina por fazer vista grossa e deixar escapar os insolventes – termina como toda coisa boa sobre a terra, suprimindo a si mesma. (NIETSZCHE, 2009, p. 56-57) – destaque do autor.
Portanto, no caso específico do cárcere, nota-se como “o sofrimento e a ministração de dor, como penas, não foram interrompidos com o pretenso fim das penas corporais, e que a prisão consiste nas suas substituições” (LEAL, 2021, p. 62). Ademais, essa suposta superação do sofrimento pelo advento de uma modalidade punitiva, em tese mais racional e humana, tem por efeito a naturalização do sistema penal, de modo que apenas quando se almeja “pensar o sistema penal de outra forma” se percebe o quanto ele colonizou “nossa maneira de ver as coisas” (PIRES, 2004, p. 40-41).
Há de se ressaltar que a pena privativa de liberdade, muito embora seja a modalidade punitiva “legalizada”, não constitui a única forma de punição praticada por agentes do sistema penal, muito menos a única modalidade punitiva consistente na produção ou inflição de sofrimento.
É nesse sentido que certas práticas como execuções sumárias e torturas devem ser consideradas – apesar de ilegais – manifestações punitivas (KANT DE LIMA, 2019, p. 174-175) de um “sistema penal subterrâneo” (ZAFFARONI et al., 2011, p. 53). Práticas estas que, muito embora estejam postas na ilegalidade, são legitimadas a depender da condição de sujeição criminal da vítima (MISSE, 1999).
No caso da letalidade policial, isso implica, na prática, que a presença (ou afirmação da presença), no inquérito policial, de elementos materiais que permitam identificar a vítima da letalidade policial como sendo um “bandido” (MISSE et al., 2013, p. 191) legitima a versão de legítima defesa dos policiais envolvidos, ainda que presentes outros indícios que indiquem se tratar de execução sumária (ibid., p. 100). Ademais, tais práticas não apenas se legitimam, mas se expandem de tal forma graças à omissão ou à atuação de outras agências do sistema penal (ZAFFARONI et al., 2011, p. 53), em especial o Ministério Público e o Judiciário. Assim, tem-se que a “polícia não mata sozinha” (D’ELIA FILHO, 2015, p. 23) e, por vezes, a retórica jurídica dos promotores de justiça nesses casos acaba por focar na produção de subjetividades das vítimas (ibid., p. 203).
Em suma, sendo possível sustentar teoricamente que o sistema penal atua pela imposição de sofrimento a alguém, cumpre empreender esforços em denunciar a permanência desse processo na atualidade para, enfim, propor meios de limitar a irracionalidade punitiva.
A DOR NO SISTEMA PENAL BRASILEIRO DO SÉCULO XXI
O processo realizado no tópico anterior destinou-se a desnaturalizar as categorias fundamentais do direito penal (crime, criminoso e pena), com o fim de retomar ao funcionamento do sistema penal o seu sentido originário de imposição de sofrimento a alguém. Neste tópico, visaremos sustentar empiricamente essa afirmação.
Em primeiro lugar, serão tratadas as manifestações extremas de dor produzidas pelo sistema penal: morte e tortura. Essas duas modalidades extralegais não perdem seu caráter de práticas punitivas por agências do sistema penal, mas são sintomas de um exercício descontrolado do poder punitivo.
A letalidade do sistema penal brasileiro, expressa, sobretudo, pelos elevados índices de mortes provocadas em serviço pelas polícias Civil e Militar no Brasil, é de longe um dos problemas mais graves que o país enfrenta em matéria de segurança pública. Nota-se que o país vem se notabilizando por um número elevado de casos. Em 2015, o país havia atingido a marca de 1.599 mortes e seguiu a tendência de crescimento, atingindo, em 2019, 4.018 vítimas. A variação no número de vítimas pode ser verificada no gráfico abaixo:
Gráfico 1: Mortes provocadas por policiais civis e militares em serviço no Brasil (2015-2019)
[CHART]
Fonte: Elaboração própria com base nos dados dos Anuários Brasileiros de Segurança Pública (FBSP, 2017-2021).
Para além dos expressivos números, pesquisas como a desenvolvida pelo Núcleo de Estudos da Cidadania, Conflito e Violência Urbana da Universidade Federal do Rio de Janeiro (NECVU/UFRJ), analisando os “autos de resistência”, puderam verificar a existência de procedimentos com fortes indicativos de execução sumária e que, nesses casos, quando as vítimas possuem antecedentes criminais, policiais civis e promotores entrevistados relataram dificuldade em responsabilizar criminalmente os policiais envolvidos (MISSE, 2011, p. 66; 110).
Assim, tem-se que a “polícia não mata sozinha” (D’ELIA FILHO, 2015, p. 23), afinal, o Ministério Público, constitucionalmente obrigado a realizar o controle externo da atividade policial, acaba se mostrando como mero reprodutor dos discursos policiais (ibid., p. 171), o que se mostra evidente pela existência de uma “tendência hegemônica ao arquivamento” dos procedimentos (MISSE, 2011, p. 135), mesmo nos casos em que se verificam fortes indícios de execução sumária (LEMGRUBER; MUSUMECI; CANO, 2003, p. 40).
Com relação à tortura, nos valeremos de relatórios de pesquisas publicados pela Pastoral Carcerária. O contexto das torturas praticadas por agentes penitenciários denuncia seu caráter punitivo:
Os crimes praticados por agentes penitenciários são geralmente em virtude de castigo, após conflitos entre presos e agentes que resultam em agressões mútuas ou agressões praticadas unicamente por agentes penitenciários. Ocorre geralmente desproporcionalidade de ofensas, pois uma ofensa verbal ou mesmo física praticada por um preso contra um agente penitenciário resulta em múltiplas agressões praticadas por vários agentes, mesmo depois de o preso já estar dominado. (PASTORAL CARCERÁRIA, 2010, p. 36).
Essas práticas, notadamente, não se restringem àqueles presos que receberam sentença condenatória, mas também aos presos provisórios, abarcados pela presunção de inocência (art. 5º, LVII, CF/88).
Um exemplo emblemático para este pesquisador, que teve contato pessoal com o caso na época em que era estagiário na Defensoria Pública do Espírito Santo, foi o do ex-trocador de ônibus Luiz Alves de Lima1.
Investigado e processado por suposta prática de estupro de vulnerável contra sua filha, no contexto da CPI da Pedofilia, conduzida pelo então Senador Magno Malta, o cobrador foi inocentado ao final da persecução criminal, uma vez que ficou comprovado por exame médico externo que a criança possuía, na verdade, oxiúros. No curso do processo criminal, Luiz Alves de Lima ficou preso preventivamente por nove meses no Centro de Detenção Provisória de Cariacica/ES e, durante esse período, sofreu diversas agressões físicas por agentes do sistema prisional, o que resultou na perda completa da visão de seu olho direito e de 25% do seu olho esquerdo.
Contudo, as torturas físicas e psicológicas não se restringem ao ambiente prisional. As delegacias de polícia, por exemplo, são ambientes nos quais essas práticas punitivas extraoficiais são comumente aplicadas (KANT DE LIMA, 2019, p. 185-194; PASTORAL CARCERÁRIA, 2010, p. 35). Relatos de violências físicas praticadas nos atos de prisão em flagrante também não são incomuns. Apenas em 2020, foram registrados no país 44 mil relatos de tortura no ato da prisão (CNJ, 2021, p. 6).
As práticas de violência contra pessoas privadas de liberdade assumem diversas formas, como a instauração de procedimentos administrativos de forma abusiva (PASTORAL CARCERÁRIA, 2010, p. 36). E apesar do prevalecimento da forma física, tomando para si um conceito ampliado de tortura, a Pastoral Carcerária pôde registrar:
Agressões verbais, que englobam ofensas diversas e ameaças, estiveram presentes em 33% dos casos registrados, sendo que em 35% dos registros foram também relatadas ocorrências de tratamento humilhante, como a imposição de revistas invasivas, regras disciplinares desumanizadoras, longos períodos em determinadas posições constrangedoras, agachamentos, nudez forcada, entre outras.
Em 21% dos casos foram relatadas situações de omissão na prestação de assistência médica, algumas resultando no óbito da vítima, e em 20% foi apontada alguma forma de negligência na prestação de assistência material, no que tange a itens básicos de higiene, alimentação e vestuário. Em 25% dos casos, outras condições degradantes de aprisionamento foram denunciadas, como a superlotação, celas pouco iluminadas, sem ventilação ou insalubres.
Nos seis casos em que consta alguma forma de violência sexual, chama atenção que a maioria envolvia mulheres como vítimas. Deste total, constam dois casos de estupro, uma denúncia de empalação, e três casos de “procedimentos” envolvendo nudez forçada diante de outros presos e servidores, inclusive um em que as genitálias das presas teriam sido fotografadas como forma de humilhação e aplicação de castigo. (PASTORAL CARCERÁRIA, 2016, p. 63).
Apesar de constarem relatos de agressão física em 58% dos casos (prática mais comumente relacionada à tortura), 41% das denúncias também apontavam condições degradantes de aprisionamento, especialmente relacionadas com a (in)salubridade das celas e espaços de privação de liberdade. Em 35% delas foi apontada negligência na prestação de assistência material (alimentação, vestuário, produtos de higiene e roupa de cama). Em 33%, negligência na prestação de assistência à saúde, especialmente no que se refere à ausência ou recusa de atendimento médico, de primeiros socorros ou fornecimento de remédios. Além disso, em 15% dos casos foi relatada a utilização de armas de fogo ou de armamento menos letal como instrumento de inflição de sofrimento. (PASTORAL CARCERÁRIA, 2018, p. 22).
As formas de violação à integridade física e psicológica de pessoas privadas de liberdade supracitadas são, evidentemente, as formas mais extremas de inflição de dor. Contudo, a mera privação de liberdade, dolorosa por si só, ganha ares de violação extrema na realidade brasileira. Nesse sentido, (apenas) em setembro de 2015, o Supremo Tribunal Federal reconheceu, em Decisão proferida nos autos da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental Nº 347, que as condições em que se encontra o sistema prisional brasileiro eram as de um Estado de Coisas Inconstitucional2, em absoluta desconformidade com o que manda o ordenamento jurídico brasileiro. Apesar disso, segundo o Conselho Nacional de Justiça:
Cinco anos depois, para além de melhorias incrementais em algumas frentes, não é possível dizer que esse quadro foi superado, especialmente devido à complexidade de fatores causais que incluem desarranjos históricos em nossa sociedade e dinâmicas institucionais que tendem à inércia, incluindo a desarticulação federativa, problemas sociais e supervalorização de soluções em segurança pública. O quadro de fatores se agravou nas últimas três décadas. Embora com uma velocidade menor nos últimos anos, mantêm-se cenários como a superlotação e serviços insuficientes nas áreas de saúde, alimentação e segurança das pessoas privadas de liberdade. (CNJ, 2021, p. 8) – destaque do autor.
O cenário de sofrimento e morte produzidos pelo sistema penal brasileiro deveria suscitar indignação humanitária e implicar em mudanças profundas, destinadas a limitar ao máximo a dor infligida aos setores sociais mais vulneráveis a essas ações. Contudo, a resposta legislativa parece caminhar em outro sentido.
Em 24 de dezembro de 2019, foi publicada, no Diário Oficial da União, a Lei Nº 13.964/2019, que realizou profundas mudanças de impacto no sistema penal, dentre as quais, citam-se: o aumento da pena máxima, que antes era de 30 anos de reclusão, para 40 anos, o aumento dos prazos de privação para progressão de regime prisional, a criação de novos obstáculos legais à progressão, e a possibilidade de execução provisória da pena após julgamento em segundo grau de jurisdição.
É preciso ressaltar, ainda, que em sua formulação inicial o (à época) anteprojeto de lei previa a inclusão de uma excludente de ilicitude específica para policiais e agentes de segurança pública em confronto com “criminosos”, o que sabidamente poderia conferir amparo legal à situação descrita no início deste tópico:
Art. 25. Parágrafo único. Observados os requisitos do caput, considera-se em legítima defesa: I - o agente policial ou de segurança pública que, em conflito armado ou em risco iminente de conflito armado, previne injusta e iminente agressão a direito seu ou de outrem; e II - o agente policial ou de segurança pública que previne agressão ou risco de agressão à vítima mantida refém durante a prática de crimes. (BRASIL, 2019, p. 8).
Interessante notar que o aumento da dose de dor ocorrida em 2019 não parece ser suficiente. Em maio de 2021, foi aprovado na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados o Projeto de Lei Nº 3.492/2019, que prevê o aumento da pena máxima de privação de liberdade para 50 anos.
Além dessa, tramitam, ainda, outros projetos que visam atender demandas por maior recrudescimento na esfera penal, como: a PEC Nº 47/2019, os Projetos de Lei Nº 499/2015, 227/2021, 443/2017, 1029/2019, 1421/2019, 647/2019 e 6471/2019, entre muitos outros. Chama atenção, inclusive, que a iniciativa do Projeto de Emenda Constitucional citado encontra apoio de políticos filiados a partidos progressistas, como o Partido Socialista Brasileiro (PSB), o Partido Democrático Trabalhista (PDT) e o Partido dos Trabalhadores (PT).
Essas demandas, normalmente apoiadas em casos de grande repercussão e visando conferir maior reprimenda a crimes hediondos, crimes contra a administração pública ou crimes dotados de violência extremada, parecem ignorar ou não se importar com a realidade do sistema prisional brasileiro.
Nesse sentido, segundo Levantamento de Informações realizado pelo Departamento Penitenciário Nacional, referente ao período de janeiro a junho de 2020, nota-se que: 32,40% da população prisional está presa por crimes relacionados a drogas; 38,69%, por crimes patrimoniais; 15,16%, por crimes contra a pessoa; 5,08%, por crimes contra a dignidade sexual; 0,17%, por crime contra a administração pública; e 8,50%, por outros crimes.
Gráfico 2: Composição do sistema prisional por tipos de crimes (jan./jun. 2020)
[CHART]
Fonte: Elaboração própria com base nos dados do Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN, 2020).
Os representantes eleitos pelo povo parecem ignorar, igualmente, alguns efeitos do encarceramento. Com relação à reincidência, por exemplo, se tomada por base a pesquisa realizada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que consistiu na análise de 82.063 execuções baixadas ou julgadas em 2015 e tomou como parâmetro de reincidência o início de uma nova ação penal no sistema de justiça criminal até dezembro de 2019, a taxa mínima nacional obtida foi expressiva: 42,5% das pessoas que cumpriram suas penas em 2015 haviam sido cooptadas novamente pelo sistema penal, dado que explicita o forte caráter etiquetador e criminogênico do sistema prisional. A unidade federativa com maior índice de reentrada obtido foi Espírito Santo (75%), enquanto o menor foi o de Minas Gerais (9,5%) (CNJ, 2019, p. 49-54).
Com base nos elementos empíricos apresentados neste tópico e diante de um contexto legislativo de ampliação da inflição de dor em um contexto de aprisionamento em condições degradantes, de tortura e letalidade disseminadas, cumpre assumir uma dimensão propositiva, tendo por finalidade a limitação do sofrimento imposto pelas agências do sistema penal.
LIMITES À DOR: POR UMA POSTURA AGNÓSTICA DIANTE DO SISTEMA PENAL
Superar a dor e o sofrimento como elementos do sistema penal em sociedades democráticas deveria implicar na própria superação, pela via da abolição, do sistema penal. Porém, no caso brasileiro, tal superação parece cair por terra sem uma transformação radical do ordenamento jurídico. Nesse sentido, afirma Salo de Carvalho:
Na esteira dos sistemas constitucionais da tradição jurídica ocidental romano-germânica, a Constituição de 1988 define, ao estatuir os direitos e garantias fundamentais, modelo de persecução criminal dos fatos puníveis. Inclusive prevê, na enumeração das sanções, a pena privativa de liberdade em regime fechado. (CARVALHO, 2015, p. 258).
Contudo, a postura adotada pela Constituição Federal nos impõe a limitação da dor, é assim que o art. 5º, XLVII, alíneas “a” a “e”, veda expressamente: a pena de morte (salvo em caso de guerra declarada), a pena perpétua, o trabalho forçado, o banimento e penas cruéis. Ademais, garante às pessoas privadas de liberdade o respeito às suas integridades física e moral (art. 5º, XLIX) e veda expressamente a tortura e o tratamento desumano ou degradante (art. 5º, III).
Como visto, o mero reconhecimento pelo Supremo Tribunal Federal, na ADPF Nº 347, de que há um estado de coisas inconstitucional no sistema prisional brasileiro, ou seja, de que as situações às quais as pessoas privadas de liberdade têm sido submetidas são absolutamente desumanas, por si só, não é suficiente. A demanda por maior encarceramento segue crescendo, na mesma medida em que projetos de lei, que visam o recrudescimento do apenamento e a criminalização de condutas, seguem sendo propostos, discutidos e aprovados.
É preciso caminhar na direção da redução das diversas faces da dor produzida pelo sistema penal, tendo por base os limites constitucionais intransponíveis citados anteriormente. É preciso que transformações no âmbito da política criminal e das políticas de segurança pública se pautem em uma perspectiva agnóstica do sistema penal. Tal concepção, formulada originalmente como teoria negativa da pena, compreende que a sanção penal:
é uma coerção, que impõe uma privação de direitos ou uma dor, mas não repara nem restitui, nem tampouco detém as lesões em curso ou neutraliza perigos iminentes. O conceito assim enunciado é obtido por exclusão: a pena é um exercício de poder [...]. Trata-se de um conceito de pena que é negativo por duas razões: a) não concede qualquer função positiva à pena; b) é obtido por exclusão (trata-se de coerção estatal que não entra no modelo reparador nem no administrativo direto). É agnóstico quanto à sua função, pois confessa não conhecê-la. (ZAFFARONI et al., 2011, p. 99) – destaque do autor.
Dessa forma,
Reduzir a dor, tendo o sofrimento do outro como representação, seria a única alternativa ética, teórica e instrumental possível na atual condição que o direito penal é aplicado. Esta possibilidade emerge da opção de negar qualquer possibilidade de justificação do potestas puniendi. A crítica pressuporia, portanto, direcionar esforços para minimizar os riscos gerados pelos aparatos punitivos, desnudar a retórica penal (discursos declarados e não cumpridos) e retomar a natureza política da pena. Distante de qualquer idealização, seria recolocada no campo político da manifestação de poder. (CARVALHO, 2015, p. 236) – destaque do autor.
Portanto, uma política criminal e uma política de segurança pública que se propõem alternativas devem visar uma “reforma profunda” das agências do sistema penal, que só pode ter qualquer eficácia na medida em que almeja a contração máxima do poder punitivo visando a sua superação (BARATTA, 2011, p. 203-206).
No plano da letalidade policial e da tortura praticadas nas delegacias e nos atos de prisões, propõe-se, a curto e médio prazos, uma reforma de sentido abolicionista que foque, sobretudo, na redução do contato da população com as forças policiais (KABA, 2020). Assim, além de um processo de descriminalização em massa, que reduziria a demanda policial e, por consequência, as possibilidades de usarem a força, seria importante realizar a redução de efetivo policial, possibilitando maior controle dos policiais que atuam na ponta (ZAFFARONI, 2013, p. 311).
Além disso, urge superar a lógica de guerra que orienta a atuação das polícias brasileiras como um todo, devido ao seu impacto direto no uso de força letal. Para tanto, tal como propõem Thiago Fabres de Carvalho e Raphael Boldt (2020, p. 282), é preciso “declarar o fim do modelo da guerra às drogas”, superando, assim, a militarização como forma de controle social, na medida em que reduz certas categorias de seres humanos a inimigos desprovidos das mais básicas garantias jurídicas e cria “um estado de acusação virtual e real destes grupos humanos” (ibid., p. 260).
Contudo, não se pode esquecer que evidências históricas apontam que o exercício da função punitiva (policial) foi responsável por diversos crimes de massa cometidos na história da humanidade. Por este motivo, deve ser conferido tratamento voltado, igualmente, à redução dos efeitos daquilo que se denomina por policização, ou seja, “o processo de seleção, treinamento e condicionamento institucional ao qual se submetem os operadores das agências policiais” (ZAFFARONI et al., 2011, p. 56) – destaque do autor.
No plano da justiça criminal, com o intuito de superar a racionalidade penal moderna (PIRES, 2004) e tendo em vista a ressaltada limitação constitucional à abolição completa do sistema penal, pode-se pensar, a partir da visão minimalista adotada por Nils Christie, formas alternativas, horizontais, de justiça, ainda que se admita a existência residual da possibilidade punitiva.
Nessa esteira, a substituição da categoria “crimes” por conflitos forneceria uma perspectiva que libertaria a sociedade da necessidade penal (CHRISTIE, 2011, p. 131). É preciso considerar que as situações que sejam objeto de descriminalização sejam resolvidas por outros mecanismos horizontais não pré-definidos, na medida em que cada conflito seja tomado pela sua particularidade e as soluções conferidas atendam às partes neles envolvidas (ibid., p. 118).
Além disso, nas hipóteses residuais de possibilidade punitiva, a existência de possibilidades de soluções horizontais (compensatórias etc.), a qualquer tempo e para todos os atos – ainda que cometidos com violência ou grave ameaça – e que tenham por consequência a extinção da punibilidade, seria uma medida que possibilitaria a inclusão legal de resoluções dos conflitos sem a sua subversão pelo sistema penal.
Contudo, é preciso ressaltar que a busca pela expansão da justiça restaurativa (e outras modalidades horizontais de resolução dos conflitos) deve ser no sentido da permanente superação (ou substituição) da justiça criminal, e não como uma extensão desse. Afinal,
a justiça restaurativa traz um importante contraponto para o nosso sistema de justiça penal ao ter em seus horizontes de resposta ao conflito a possibilidade da utilização de outras formas de reparação que fogem à lógica punitiva do sistema de justiça criminal moderno. O desafio, entretanto, é lutar para que os rituais alternativos não sejam colonizados por marcas do nosso sistema de justiça comum, tornando-se espaços menos prestigiosos de reprodução da lógica vigente. O perigo consiste na colonização do método alternativo por práticas enraizadas nos procedimentos de justiça formais, com risco de perderem-se as inovações propostas pelo modelo restaurativo. (TONCHE, 2016, p. 142).
Por fim, se a punição deve ser entendida como inflição de dor, o encarceramento preventivo deve ser completamente extirpado do ordenamento jurídico brasileiro, uma vez que é absolutamente incompatível com a presunção de inocência (art. 5º, LVII, CF/88). Tal medida teria impacto significativo no sistema prisional brasileiro, uma vez que essa modalidade, entre janeiro e junho de 2020, privava de liberdade cerca de 209.257 pessoas, o que corresponde a 29,81% da população prisional (DEPEN, 2020).
CONCLUSÃO
O presente trabalho, valendo-se, sobretudo, das reflexões propostas por Nils Christie em seu livro Uma razoável quantidade de crime (2011), busca contribuir para a desnaturalização dos institutos que sustentam o sistema penal.
Compreender o crime como uma mera criação humana, utilizada para categorizar certos atos vistos como negativos ou indesejáveis, e a pena como mera inflição consciente de dor, ambos institutos dotados de historicidade, possui importância para compreender manifestações extraoficiais do poder punitivo como pena, mas, sobretudo, para oferecer, em uma perspectiva radicalmente crítica, alternativas para limitar o sofrimento.
É possível, ainda, com base nas pesquisas conduzidas pela Pastoral Carcerária (2010; 2016; 2018) e pelo Conselho Nacional de Justiça (2019; 2021), verificar como o sistema penal brasileiro atua na produção de mortes e sofrimento. Além disso, chama a atenção que o estágio calamitoso em que se há chegado – índices elevados de letalidade policial, práticas de torturas, permanência de situação de superlotação e de condições degradantes de habitação no cárcere – não tem gerado preocupações no âmbito do poder legislativo. Ao contrário, foi possível pontuar como a atuação política tem centrado esforços na ampliação do nível de dor infligida.
A superação desse quadro só poderá ocorrer com modificações profundas naquilo que se tem entendido por justiça; orientando-se por uma perspectiva agnóstica, toda e qualquer alternativa proposta, em termos de política criminal e de segurança pública, deverá ter em mente a permanente limitação e superação da dor como critério ético e político a nortear novas concepções de justiça.
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O caso recebeu extensa repercussão midiática no ano de 2018. Disponíveis em: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/11/inocentado-homem-torturado-na-prisao-processa-malta-por-associa-lo-a-pedofilia.shtml; https://theintercept.com/2018/11/28/magno-malta-cobrador-acusa-tortura/; https://www.seculodiario.com.br/justica/acusado-de-abuso-por-cpi-da-pedofilia-denuncia-senador-magno-malta; https://veja.abril.com.br/blog/noblat/a-fraude-do-senador-magno-malta/.↩︎
O reconhecimento do Estado de Coisas Inconstitucional constitui medida extrema visando a proteção de direitos fundamentais violados, massivamente, em decorrência da omissão estatal, tendo por pressupostos: “1) quadro de violação massiva e contínua de diferentes direitos fundamentais, que afeta um número amplo de pessoas; 2) omissão reiterada e persistente das autoridades públicas no cumprimento de suas obrigações de defesa e promoção dos direitos fundamentais que culminam em falhas estruturais; 3) medidas necessárias à superação das inconstitucionalidades e falhas estruturais; e, 4) potencialidade de número elevado de outros afetados ajuizarem novas demandas judiciais, o que significa tratar a questão como litígio estrutural, cujas medidas alcançam ampla população de afetados” (RAMOS; ROSÁRIO; LIMA, 2020, p. 277).↩︎