VIOLÊNCIA DE GÊNERO E A LEI Nº 11.340/2006: OLHARES SOBRE A VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES EM AUDIÊNCIAS DE RETRATAÇÃO
Giovana Ilka Jacinto Salvaro
Doutora em Ciências Humanas (UFSC). Pós-Doutorado pela Universidade do Porto (UP), Portugal. Professora do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Socioeconômico (PPGDS), do Programa de Pós-Graduação em Direito (PPGD), dos cursos de graduação em Psicologia e Direito da Universidade do Extremo Sul Catarinense (UNESC).
País: Brasil Estado: Santa Catarina Cidade: Criciúma
Email de contato: giovanailka@gmail.com; ORCID: https://orcid.org/0000-0003-0884-1923
Ismael Gonçalves Alves
Doutor em História, pela Universidade Federal do Paraná, UFPR (2014); Mestre em História pela Universidade do Estado de Santa Catarina, UDESC (2009) e graduado em História. Na Universidade do Extremo Sul Catarinense é docente permanente do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Socioeconômico (PPGDS) e do Curso de História.
País: Brasil Estado: Santa Catarina Cidade: Criciúma
Email de contato: iga@unesc.net ORCID: https://orcid.org/0000-0003-3580-9101
Monica Ovinski de Camargo Cortina
Doutora e mestra em Direito (UFSC). Graduada em Direito (UEPG). Professora do curso de Direito da UNESC. Membro do NIEGen (Núcleo Interdisciplinar de Estudos de Gênero), da UNESC. Extensionista do Projeto Amora - Capacitando pessoas em Direitos Humanos das Mulheres
País: Brasil Estado: Santa Catarina Cidade: Criciúma
Email de contato: monicaovinski@gmail.com ORCID: https://orcid.org/0000-0001-9417-1465
Taiana de Oliveira
Historiadora. Mestranda em Desenvolvimento Socioeconômico (PPGDS/UNESC)
País: Brasil Estado: Santa Catarina Cidade: Criciúma
Email de contato: odtaiana@gmail.com ORCID: https://orcid.org/0000-0001-8997-5143
Marina da Silva Schneider
Mestra em Desenvolvimento Socioeconômico pela Universidade do Extremo Sul Catarinense. Graduada em História pela Universidade do Extremo Sul Catarinense.
País: Brasil Estado: Santa Catarina Cidade: Araranguá
Email de contato: msshis@outlook.com ORCID: https://orcid.org/0000-0002-7437-6970
Patrícia Machado Martins
Graduanda em Direito (UNESC).
País: Brasil Estado: Santa Catarina Cidade: Criciúma
Email de contato: patricia.mmachado@hotmail.com ORCID: https://orcid.org/0000-0002-4087-703X
Contribuição de cada autor: Giovana Ilka Jacinto Salvaro, Monica Ovinski de Camargo Cortina e Ismael Gonçalves Alves atuaram como orientadores da pesquisa, na discussão dos resultados, redação e revisão do manuscrito.
Patrícia Machado Martins, Taiana de Oliveira e Marina da Silva Schneider realizaram a pesquisa de campo, atuaram na análise, discussão dos resultados e elaboração do manuscrito.
RESUMO: O texto busca analisar como as violências contra as mulheres se configuram nas audiências de retratação previstas no art. 16 da Lei nº 11.340/2006. A investigação articulou pesquisas bibliográfica, documental e de campo, pelo acompanhamento de audiências de retratação envolvendo crimes de violência doméstica e familiar contra as mulheres, na comarca de Criciúma-SC, bem como pela aplicação de questionários. A pesquisa evidenciou que a maioria das mulheres que responderam aos questionários tinham relações afetivas de intimidade e de longa duração com o acusado, em alguns casos, há mais de 11 anos; no caso dos homens, os relacionamentos de mais de seis anos predominaram. As audiências acompanhadas demonstraram a complexidade de tais relacionamentos e os desafios que se atualizaram na análise das violências contra as mulheres, os quais sugerem interrogar os limites da própria legislação em contextos de naturalização das violências de gênero.
Palavras-chave: Violência contra as mulheres. Violência de gênero. Lei nº 11.340/2006.
ABSTRACT:
GENDER VIOLENCE AND LAW Nº 11.340/2006: VIEWS ON VIOLENCE AGAINST WOMEN IN RETRATION HEARINGS
The text seeks to analyze how violence against women is configured in retraction hearings provided for in art. 16 of Law nº 11.340/2006. The research articulated bibliographical, documentary and field research by following retraction hearings, involving crimes of domestic and family violence against women, in the district of Criciúma-SC, as well as by applying questionnaires. The survey showed that most of the women who answered the questionnaires had long-term and intimate affective relationships with the accused, in some cases, over 11 years; in the case of men, relationships over six years predominated. Hearings accompanied demonstrated the complexity of such relationships and the challenges that have been updated in the analysis of violence against women, which suggest questioning the limits of the legislation itself in contexts of naturalization of gender violence.
Keywords: Violence against women. Gender violence. Law nº 11.340/2006.
Data de recebimento: 14/01/2020 Data de Aprovação: 30/11/2020
DOI: 10.31060/rbsp.2021.v15.n2.1251
INTRODUÇÃO
O texto busca analisar como as violências contra as mulheres se configuram nas audiências de retratação previstas no art. 16 da Lei nº 11.340/2006 (BRASIL, 2006), popularmente conhecida como Lei Maria da Penha (LMP). Trata-se de parte das reflexões elaboradas em pesquisa que teve como objetivo geral construir indicadores de violência contra as mulheres na Comarca de Criciúma-SC. As audiências de retratação1 estão previstas no art. 16 da Lei nº 11.340/2006 e são cabíveis nos casos em que a mulher renunciou expressamente ao desejo de prosseguir com a ação penal contra o agressor, na fase policial. Determina o art. 16: “Art. 16. Nas ações penais públicas condicionadas à representação da ofendida de que trata esta Lei, só será admitida a renúncia à representação perante o/a juiz/a, em audiência especialmente designada com tal finalidade, antes do recebimento da denúncia e ouvido o Ministério Público” (BRASIL, 2006).
Observa-se que somente alguns crimes relacionados à violência doméstica e familiar contra as mulheres, previstos no Código Penal, exigem a representação da ofendida para que a ação penal seja movida. Essas ações são chamadas de ações penais públicas condicionadas à representação. O mecanismo está registrado na regra do art. 100 do Código Penal Brasileiro2. São exemplos de crimes de ação penal pública condicionada à representação relacionados à violência doméstica e familiar contra as mulheres: ameaça (art. 147 do CP), perigo de contato venéreo (art. 130 do CP), dano (art. 163, caput e parágrafo único, IV), entre outros.
O art. 16 da referida lei visa evitar que a renúncia da mulher seja tomada apenas na fase policial, chamada de renúncia extrajudicial, bem como também a renúncia tácita (quando a mulher não se apresenta perante a autoridade policial para expressar sua renúncia), sendo necessário que ela confirme a decisão de renunciar mediante o/a Juiz/a de Direito ou ali externe sua vontade de promover a ação penal contra o agressor. Essa audiência deve ocorrer quando a mulher representou contra o agressor durante a fase do inquérito policial e depois deseja renunciar à representação. Não pode ser aplicada apenas para ratificar a representação feita na fase policial. A renúncia à representação pode ser pedida pela mulher ainda na fase policial ou em juízo e somente nesses casos é que será marcada a audiência prevista no art. 16, sempre antes do recebimento da denúncia. Sem dúvida, é um mecanismo importante de proteção às mulheres em situação de violência, já que evita que renunciem à ação por força ou influência do agressor. A audiência deve ser feita para que o/a juiz/a se convença de que a renúncia é espontânea, resultado da livre vontade da mulher.
Anteriormente à edição da Lei nº 11.340/2006, os casos denunciados de violência doméstica contra as mulheres acabavam, em sua maioria, tipificados como de “lesão corporal leve” e “ameaça”, portanto eram remetidos aos JECrim3. Nesse espaço, “a vítima de sujeito de direitos é constituída em esposa ou companheira; da mesma forma que o agressor passa a ser marido ou companheiro” (DEBERT; OLIVEIRA, 2007, p. 330), isto, então, tencionava para a não conformação do caso em crime ou violência, mas como um "problema familiar", a ser resolvido de forma a acalmar os ânimos e manter os relacionamentos, uma vez que os casos eram vistos como problemas de cunho social, não criminal. É irrefutável a contribuição da Lei Maria da Penha no que concerne a uma politização feminista do Sistema de Justiça; no entanto, faz-se necessário investigar as mudanças e as permanências nos processos criminais relativos à violência de gênero.
Em linhas gerais, esclarecemos que esta pesquisa teve um caráter local, mas vem ao encontro de um campo de estudos que busca a construção de subsídios para o enfrentamento da violência doméstica e familiar contra a mulher, que “configura [...] qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial [...]”, conforme materializado no art. 5º da Lei nº 11.340/2006, sancionada em 2006 (BRASIL, 2006). Além disso, de acordo com o art. 6º da referida lei, “a violência doméstica e familiar contra a mulher constitui uma das formas de violação dos direitos humanos” (BRASIL, 2006).
No contexto da aplicabilidade da Lei nº 11.340/2006, da implementação de políticas públicas para a prevenção e o enfrentamento de todas as formas de violência contra as mulheres, evidenciamos a necessidade de construção de indicadores, locais e regionais, de violência contra as mulheres na Comarca de Criciúma-SC. Entre outros, os resultados alcançados através de pesquisas publicadas mostraram que o número de denúncias de violência feito por mulheres no município é alto (262 ao todo em tramitação, incluindo autos de processos judiciais, inquéritos policiais e autos de prisão em flagrante delito entre janeiro de 2008 e janeiro de 2009) e, ao mesmo tempo, a análise dos processos demonstrou que havia pouco conhecimento sobre os mecanismos jurídicos de proteção às mulheres previstos pela lei (CAMARGO; CECHINEL, 2011).
Dados recentes do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) indicam que o Estado de Santa Catarina concentra uma alta litigiosidade de processos de violência doméstica contra as mulheres, com 15,6 processos a cada 1.000 mulheres residentes no Estado, atingindo o 9º lugar no país no ano de 2017 (BRASIL, 2017)4, dado que deve ser mais alto se for levado em conta a provável existência de cifra oculta5, ou seja, de casos de violência contra as mulheres que não foram judicializados e nem sequer constam nas demais estatísticas oficiais. Outro dado relevante é trazido pelo Mapa da Violência de 2015 (WAISELFISZ, 2015), quando o município de Criciúma-SC figurou na 8ª posição do Estado com a maior taxa de homicídios contra mulheres, dado que concentra, em grande medida, os casos de feminicídio6. No ano de 2017, houve um decréscimo desse dado, mas não é possível que isso figure como uma tendência, pois só no primeiro trimestre de 2019 o número de feminicídios em Santa Catarina dobrou em relação a 2018: foram 16 casos registrados em 2019, contra 8 casos em 20187 (G1 SANTA CATARINA, 2019).
O empenho do governo brasileiro em traçar e implementar políticas de enfrentamento a essa modalidade de violência é resultante também da necessidade de cumprir as recomendações de organismos internacionais, como o Comitê CEDAW, da Organização das Nações Unidas, e o MESECVI8, da Organização dos Estados Americanos, que renovam constantemente em seus relatórios a preocupação em diminuir os índices e os impactos sociais resultantes da violência perpetrada contra as mulheres. Com efeito, os projetos desenvolvidos por grupos de pesquisa devem estar em sintonia com os problemas sociais e atender a essa demanda de produzir informações que possam nortear as políticas públicas, acompanhadas de adequada pesquisa teórica que fundamente tanto o diagnóstico das informações, como a apresentação de alternativas possíveis para orientar futuras decisões políticas.
A visibilidade da violência de gênero praticada contra as mulheres começa na década de 1980, a partir da criação das Delegacias Especiais de Atendimento à Mulher e da promoção de campanhas publicitárias governamentais e de organizações da sociedade civil que informam sobre o alcance da proteção legal dada às mulheres nesses casos. O aumento considerável da estatística oficial forneceu um parcial vislumbre quantitativo dos casos. De acordo com pesquisa publicada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública em 2019, “[...] quase 60% da população, sem diferença expressiva entre homens e mulheres, reportou ter visto situação de violência e assédio contra mulheres nos últimos doze meses em seu bairro ou comunidade [...]” (FBSP, 2019, p. 10). Dentre as mulheres ouvidas pela mesma pesquisa, 27,4% relataram ter sofrido algum tipo de violência ou agressão no último ano. O perfil dessas mulheres é jovem, sendo que 42,6% estão na faixa etária entre 16 e 24 anos de idade, com prevalência de vitimização entre mulheres negras.
VIOLÊNCIAS DE GÊNERO, VIOLÊNCIAS CONTRA AS MULHERES E A LEI Nº 11.340/2006: APORTES TEÓRICOS E LEGISLATIVOS
O aporte teórico que orienta o estudo segue uma perspectiva feminista interdisciplinar, que busca escapar das armadilhas de um olhar essencialista e determinista a respeito da violência de gênero vivenciada pelas mulheres. O pensamento feminista, que nos desafia e instiga, requer, conforme explicitado por Heloisa Buarque de Hollanda (1994, p. 9), “uma abordagem teórica e metodológica em que a questão da mulher, como todas as questões de sentido, seja, de forma sistemática, particularizada, especificada e localizada, historicamente, opondo-se a toda e qualquer perspectiva essencialista ou ontológica”.
Ademais, argumentamos a respeito da urgente necessidade de articulação do estudo sobre a violência contra as mulheres no campo dos Direitos Humanos e das diversidades, de modo a compreendê-la como uma violência de gênero e uma violação de direitos humanos. Para esclarecer e sustentar o argumento em questão, elencamos conceituações e problematizações preliminares ao debate da violência contra a mulher, manifestadas nos campos de estudos feministas e de gênero. Não se trata de retomar as trajetórias dos feminismos (que, por ora, constitui-se como uma tarefa impraticável), mas de evidenciar a emergência, nos e pelos debates feministas, de conceitos, questionamentos e lutas concernentes à temática da violência contra a mulher.
Em âmbito internacional, observamos que os diferentes movimentos feministas que emergiram nas últimas décadas devem ser entendidos a partir de acontecimentos históricos e demandas sociais. De uma forma resumida e para ilustrar diferentes demandas que se colocaram aos debates feministas, pode-se fazer referência aos feminismos de “primeira e segunda onda”. Joana Maria Pedro (2005), historiadora brasileira, destaca que, ao final do século XIX, o feminismo de “primeira onda” demandava lutas inicialmente em favor do sufrágio feminino, sobretudo, em defesa da participação social das mulheres como eleitoras e como candidatas; depois da Segunda Guerra Mundial, no denominado feminismo de “segunda onda”, foram organizadas lutas pelo direito ao corpo, ao prazer e contra o patriarcado.
Sustentado por essa posição contestadora, o feminismo provocou uma das mais profundas rupturas epistêmicas no âmbito das ciências humanas e sociais. Ampliando profundamente sua base conceitual, o feminismo desestruturou o conhecimento científico produzido sob os signos ocidentais em benefício de uma inserção mais pluralista das ciências. Desse modo, as teorias feministas ancoradas no Women’s Studies, desenvolvido durante os anos de 1960, empenharam-se não somente em desentronizar o sujeito universal masculino, mas também questionaram o determinismo biológico que essencializava uma suposta identidade feminina, negada como uma construção sociocultural definida por relações e práticas disciplinarizadoras, imbuídas de intencionalidades.
Buscando problematizar o papel feminino na produção do conhecimento, Arllen Dallery (1997) denuncia que as teorias comportamentais nas ciências sociais, as periodizações da historiografia, a crítica literária, entre outras, haviam sido estabelecidas sem qualquer referência às experiências femininas como objetos de pesquisa, como agentes da história ou como escritoras de textos literários. Frente a essa constatação, inúmeras as feministas, em diferentes partes do mundo, que trabalharam em reivindicações voltadas para igualdade de direitos, questionando, inclusive, as origens culturais dessas desigualdades.
Na linha do tempo apresentada por Joana Pedro, a utilização do gênero como categoria analítica foi atribuída ao feminismo de segunda onda. Em relação à determinada definição conceitual do gênero, faz-se menção à compreensão apresentada por Joan Scott (1995, p. 86), envolvendo duas proposições: “(1) o gênero é um elemento constitutivo das relações sociais baseadas em diferenças percebidas entre os sexos e (2) o gênero é uma forma primária de dar significado às relações de poder”. A definição de gênero proposta por Scott envolve quatro elementos inter-relacionados: o primeiro abrange os símbolos culturais, os quais evocam representações, às vezes, contraditórias e dicotômicas; os conceitos normativos, como segundo elemento, dizem das interpretações dos símbolos expressos pela religião, educação, ciência, política e característicos de posições dualistas; as organizações e as instituições compreendem o terceiro elemento, de forma a indicar que o gênero é construído na economia e na organização política; o quarto elemento diz respeito à identidade subjetiva.
Certamente, a atribuição da emergência de conceito de gênero ao feminismo de segunda onda não encerra a discussão, do mesmo modo que a classificação dos feminismos em “duas ondas” não representa um consenso nos campos feminista e intelectual, não indica a importância de um conjunto específico de lutas ou anuncia a conquista de todos os direitos em pauta. Todavia, permite dizer das persistentes e não superadas desigualdades entre mulheres e homens, enquanto desigualdades históricas de gênero, as quais mobilizam questionamentos e enfrentamentos feministas.
A respeito da problematização da violência contra a mulher como violência de gênero, no âmbito das lutas feministas, é importante fazer referência aos aspectos da cronologia (1832-1997) apresentada por Celi Regina Jardim Pinto (2003, p. 13) com relação ao movimento feminista brasileiro. De acordo com a autora, no ano de 1972, formaram-se os primeiros grupos da nova onda feminista no Brasil; na década de 1980, o movimento feminista no Brasil se institucionaliza e, ao lado de ações políticas, grupos autônomos se organizam em torno de temáticas como violência e saúde9. Desse modo, ao longo das décadas de 1980 e 1990, vê-se o surgimento de um “feminismo profissional das organizações não-governamentais”, voltadas para as temáticas da violência e da saúde da mulher – entre outras demandas, ressaltam-se os cuidados com a maternidade, a prevenção do câncer, o planejamento familiar, a sexualidade e o aborto (PINTO, 2003, p. 82-83). Anota-se também a emergência dos feminismos negros que no Brasil trilham um caminho peculiar, “enegrecendo o feminismo”. As feministas negras brasileiras trazem a ruptura interna aos feminismos, ao demarcarem presença e atuação em espaços onde foram invisibilizadas durante séculos, e atuam decisivamente na desconstrução de discursos que tentam negar a existência do racismo, no chamado “racismo cordial” (CARNEIRO, 2003).
Em um âmbito internacional mais amplo, na década de 1990, os debates e enfrentamentos feministas, no tocante à violência contra a mulher, impulsionaram mudanças no campo jurídico. A Conferência Mundial de Direitos Humanos realizada em Viena (1993), conforme destacam Jacqueline Pitanguy e Dayse Miranda (2006), foi um marco no campo dos direitos humanos das mulheres e na responsabilização do Estado na elaboração de ações pelo fim da violência doméstica10; na mesma década, em 1994, foi realizada a Convenção de Belém do Pará (Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher). Lourdes Maria Bandeira e Tânia Mara Campos de Almeida (2015) fazem o seguinte registro acerca do pioneirismo da Convenção de Belém do Pará no tratamento da violência como uma violação de direitos humanos:
A Convenção de Belém do Pará estabeleceu, pela primeira vez, o direito das mulheres viverem uma vida livre de violência, ao tratar a violência contra elas como uma violação aos direitos humanos. Nesse sentido, adotou um novo paradigma na luta internacional da concepção e de direitos humanos, considerando que o privado é público e, por consequência, cabe aos Estados assumirem a responsabilidade e o dever indelegável de erradicar e sancionar as situações de violência contra as mulheres. (BANDEIRA; ALMEIDA, 2015, p. 506).
Nesse caminho, a Lei nº 11.340/2006 inaugurou uma nova era para as mulheres em situação de violência doméstica, que até então silenciavam as agressões sofridas diante da pouca efetividade do sistema de justiça criminal e da frágil proteção ofertada pela lei. Com a vigência da Lei Maria da Penha foram estabelecidos instrumentos legais para que o Poder Judiciário adote medidas urgentes e efetivas para evitar que novas agressões sejam cometidas, protegendo as mulheres em situação de violência, além de poder definir a punição para o agressor.
Claro que uma lei com muitas inovações traz também inúmeras discussões a respeito de sua constitucionalidade no âmbito nacional, as quais foram afastadas pelo Supremo Tribunal Federal nos julgamentos da Ação Direta de Constitucionalidade nº 19 e da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4424, o que não é oportuno trazer à tona no presente momento, mas que trouxeram maior certeza ao manter os contornos fixados da lei. Com efeito, a Lei Maria da Penha se constitui como um símbolo importante da luta feminina contra a violência, a qual durante muito tempo as mulheres aguentaram caladas/silenciadas diante do medo e da pressão exercida pelos agressores. Por isso, faz-se necessária a reflexão sobre a lei, no sentido de buscar compreender alguns dos avanços conquistados.
Cumpre nesse momento definir que: “o uso de ‘gênero’ enfatiza todo um sistema de relações que pode incluir o sexo, mas não é diretamente determinado pelo sexo, nem determina diretamente a sexualidade” (SCOTT, 1995, p. 76). Portanto, “o termo convencionado significa a dimensão dos atributos culturais alocados a cada um dos sexos em contraste com a dimensão anatomofisiológica dos seres humanos” (HEILBORN, 2004, p. 19). De acordo com Saffioti (2004, p. 45), a categoria gênero emana de uma construção histórica, social e cultural do masculino e do feminino. A partir do gênero pode-se definir a relação estabelecida na sociedade entre homens e mulheres.
A Lei Maria da Penha não traz de forma mais preponderante o viés punitivo, pelo contrário, está estruturada na prevenção, na proteção e na assistência às mulheres em situação de violência, ressaltando-se que os mecanismos protetivos são os mais presentes (PASINATO, 2015). Daí a importância de se estudar a aplicação de outros mecanismos jurídicos de enfrentamento da violência que não são focados no agressor e sim na mulher e em seus filhos, prevendo formas de protegê-los contra futuras agressões e de possibilitar que ela rompa o ciclo da violência, provocado pela dependência financeira e emocional. Essas medidas concretizam compromissos assumidos pelo Estado brasileiro em tratados internacionais, como a Convenção de Belém do Pará, e dependem da construção de uma rede de atendimento, que inclui Centros de Referência, Casas Abrigos, Juizados de Violência Doméstica, dentre outros. Eis algumas medidas protetivas prevista pela Lei nº 11.340/2006:
Art. 23. Poderá o juiz, quando necessário, sem prejuízo de outras medidas:
I – encaminhar a ofendida e seus dependentes a programa oficial ou comunitário de proteção ou de atendimento;
II – determinar a recondução da ofendida e a de seus dependentes ao respectivo domicílio, após afastamento do agressor;
III – determinar o afastamento da ofendida do lar, sem prejuízo dos direitos relativos a bens, guarda dos filhos e alimentos;
IV – determinar a separação de corpos. (BRASIL, 2006).
Observamos, portanto, que a referida legislação se faz realmente inovadora, focando a mulher em situação de violência nas resoluções dos casos de violência, além de se preocupar com uma perspectiva social, objetivando não somente a punição, mas igualmente a prevenção dos altos índices de violência. Importa considerar que a categoria de gênero não deve ser empregada como a única matriz teórica para compreender o fenômeno da violência contra as mulheres. Estudos apontam que a violência contra as mulheres, em que pese ser multifacetada e afetar indistintamente mulheres de todas as raças, etnias, classes e gerações, é antes de tudo uma modalidade de violência interseccional, que afeta com mais severidade mulheres pobres pertencentes a minorias étnicas raciais, que residem em regiões urbanas com índices de problemática social (LARRAURI, 2007, p. 30). Isso porque tais aspectos acentuam a discriminação sofrida e, por vezes, ampliam a dificuldade de acesso à justiça, além de revelarem o déficit de políticas públicas para redução das desigualdades sociais.
A CONSTRUÇÃO DA PESQUISA E O PERFIL DAS/OS PARTICIPANTES
Para o alcance do objetivo delineado na proposta de investigação, foram realizadas pesquisas bibliográfica, documental e de campo. A pesquisa de campo, previamente aprovada institucionalmente, envolveu, por meio da observação, o acompanhamento e o registro escrito relativos aos processos/procedimentos envolvendo violência doméstica contra a mulher em audiências de retratação previstas no art. 16 da Lei nº 11.340/2006, realizadas no período de agosto a novembro de 2017 na Comarca de Criciúma-SC, somando um total de 16 dias, sendo um dia por semana. O registro das audiências foi feito com base em roteiro elaborado para tal fim, constituído por pontos que possibilitaram a obtenção de informações sobre o fato e seus desdobramentos no decorrer do processo, tais como o local e a violência sofrida e o histórico de violência entre a mulher e o acusado. A pesquisa de campo foi orientada por pressupostos apresentados por Roberto Cardoso de Oliveira (2006), no texto intitulado O trabalho do antropólogo: olhar, ouvir e escrever.
Além do acompanhamento e do registro escrito das audiências, na ocasião, as mulheres em situação de violência e os homens acusados foram convidados a responder um questionário, mediante o aceite e a assinatura prévia em termo de consentimento livre e esclarecido, que prevê o sigilo total sobre a identidade dos/as sujeitos de pesquisa (o projeto foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição de vínculo das/os pesquisadoras/es e aprovado). O questionário incluiu perguntas relativas ao perfil sociodemográfico e econômico dos/as envolvidos/as, e ao tipo e tempo de relacionamento com o acusado e com a mulher em situação de violência. Os questionários foram respondidos por 37 mulheres e 20 homens.
As audiências tinham duração de 15 (quinze) minutos e eram agendadas em sequência; às vezes, os/as envolvidos/as não compareciam. Os questionários foram realizados após o término das audiências e os devidos esclarecimentos sobre a pesquisa. A maioria dos/as envolvidos/as aceitou participar e os questionários foram aplicados em uma sala reservada, de modo a garantir o sigilo da pesquisa em relação à identificação do/a participante.
Acerca do perfil das mulheres em situação de violência que responderam ao questionário, apontamos alguns aspectos passíveis de reflexão. No que se refere à faixa etária das mulheres pesquisadas, dezesseis tinham idades entre 40 e 65 anos, dezoito entre 20 e 39 anos, e apenas três declararam ter entre 15 e 19 anos. Sobre a escolaridade, do total, o índice maior estava entre as que afirmaram ter o ensino fundamental incompleto, contando com 12 mulheres; 5 informaram ter completado o ensino fundamental e 8 responderam ter o ensino médio incompleto, totalizando 25 mulheres que não completaram o ensino básico; 6 afirmaram ter finalizado o ensino médio e 5, o ensino superior completo; e uma mulher informou que estava cursando ensino superior.
Do total, 32 mulheres declararam ter filhos/as, sendo que 22 tinham de dois a sete. Quando questionadas sobre filhos/as com o acusado, 6 afirmaram ter pelo menos um filho/a com o acusado e 13 tinham de dois a sete filhos/as gerados/as durante o relacionamento. Entre as mulheres, 18 afirmaram não ter filhos com o acusado, sendo que 10 mulheres não estavam em relações afetivas com os acusados. A maioria das mulheres que teve filhos/as com o acusado optou por representar e dar início ao processo criminal.
Entre outros aspectos, tal indicador pode estar relacionado à renda, uma vez que, de acordo com as informações obtidas por meio dos questionários, 17 mulheres declararam ter renda de 1 a 2 salários mínimos e 7 mulheres afirmaram receber de 2 a 6 salários. Isso contribui para indicar que, embora a mulher tenha filhos/as com o acusado, a sua independência financeira serve como um impulso na decisão de representação. Do total, 12 mulheres, respectivamente, relataram que atuavam nas seguintes profissões: assistente social, auxiliar de cozinha, auxiliar de produção, camareira, cozinheira, doméstica, empresária, esteticista, fisioterapeuta, professora, frentista e psicóloga. Quatro mulheres ressaltaram que eram “Do lar” e duas não tinham nenhum tipo de vínculo ocupacional ou empregatício. Quatro mulheres declararam trabalhar em serviços gerais, três costureiras, três cuidadoras ou babás, duas balconistas e duas passadeiras. Uma mulher relatou que estava aposentada, três desempregadas e uma afastada do trabalho por problema de saúde.
Das 37 mulheres que responderam ao questionário, 27 casos eram de relações afetivas de intimidade; desse total, 12 mulheres declararam que estavam em relações há mais de 11 anos com o acusado, sendo que 6 mulheres declararam estar no relacionamento há mais de 20 anos. Esses dados fomentam reflexões acerca do ciclo da violência comum em casos de relações violentas de longa duração. Conforme o estudo realizado por Silva et al. (2016), as mulheres em relacionamentos violentos de longa duração procuram o apoio estatal com o objetivo de quebrar o ciclo da violência a que estão expostas, sendo que buscam pelos serviços de segurança pública e de justiça com expectativa de uma resposta eficiente para a violência.
Essa análise, no entanto, não oferece resposta efetiva para o ciclo da violência a que se submetem as mulheres em relações violentas. A respeito disso, Miriam Pillar Grossi (1998) ressalta que entender a procura pelo aparato da lei como uma resposta concreta pelo fim da violência sofrida é desconsiderar as subjetividades incumbidas em cada caso que chega ao tribunal, portanto despreza a “circulação de poder” outorgada no ato de denúncia do agressor.
Quanto ao perfil dos homens que responderam aos questionários, seis tinham entre 30 e 34 anos, quatro entre 25 e 29 anos, dois entre 35 e 39 anos, dois entre 55 a 59 anos; seis estavam em faixas etárias diferentes, entre 15 e 19 anos, 20 e 24, 40 e 44, 50 e 54, 60 e 64, e um tinha mais de 65 anos. No grupo pesquisado, percebe-se que o homem acusado de violência é cada vez mais jovem, o que contribui para afastar a ideia de senso comum de que a prática da violência contra as mulheres é um padrão de comportamento relacionado a homens mais velhos, de uma geração onde tais condutas eram normalizadas.
Em relação à escolaridade, o índice maior pertenceu ao grupo de homens que declararam possuir ensino fundamental incompleto, somando um total de 8. Em segundo lugar, 4 declararam possuir o ensino superior incompleto. Entre aqueles que declararam possuir ensino médio completo e incompleto, somaram 3 indivíduos para cada grupo. Um declarou ter ensino superior completo e outro, ensino fundamental completo.
A respeito das atividades profissionais exercidas, houve empate em três profissões, eletricista, pedreiro de obras e empresários, respectivamente, somando três homens em cada uma. Dois declararam estar atualmente desempregados e outros dois disseram que trabalhavam como ajudantes gerais. Sete homens informaram as seguintes profissões: ex-atleta profissional, operador de sistemas, educador físico, aposentado, policial militar, pintor e padeiro. Sobre a renda, foram apresentadas as seguintes informações: um homem declarou receber entre 8 e 10 salários mínimos; um entre 2 e 4 salários mínimos mensais; três declararam receber entre 4 e 6 salários mínimos; treze declararam receber entre 1 e 2 salários mínimos; e dois declararam não possuir renda alguma naquele momento.
Quanto ao estado civil, oito homens declararam ser solteiros, sete eram casados com a mulher em situação de violência, três viviam em união estável e dois eram divorciados. Quanto ao número de filhos/as, 18 homens se declararam pais, sendo que alguns tiveram filhos/as com a mulher em situação de violência e outros tiveram filhos/as durante os relacionamentos com outras mulheres. Sobre o tipo de relacionamento que mantinham com a mulher em situação de violência, oito se declararam casados com elas, quatro relataram que eram ex-companheiros, dois que eram namorados, dois que eram companheiros, dois que não tinham nenhum tipo de relacionamento com a mulher em questão, um que era ex-namorado e um que se tratava de um relacionamento extraconjugal. Acerca do tempo de relacionamento, sete homens tinham algum tipo de relação afetiva com a mulher em situação de violência entre 2 e 5 anos. Entre aqueles que estavam em relacionamentos de 11 a 20 anos e aqueles que estavam há mais de 20 anos somaram quatro acusados para cada grupo. Três disseram que o tempo de relacionamento durou entre 6 e 10 anos.
Na sequência, trazemos olhares sobre a violência contra as mulheres em audiências de retratação, que se apresentam a partir de algumas das articulações possíveis dos registros individuais e das reflexões coletivas da equipe de pesquisa.
A EXPERIÊNCIA DA PESQUISA E OS OLHARES SOBRE A VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES EM AUDIÊNCIAS DE RETRATAÇÃO
A pesquisa de campo, pela observação das audiências e a elaboração de diários de campo, oportunizou-nos o privilégio de observar aquilo que não estaria documentado a posteriori, com seus filtros, pretensões e abordagens de acordo com o sujeito que escreve. O olhar do campo, das observações das audiências, permitiu-nos enxergar aquilo que não estava sendo dito, experiências singulares e afetivas que podem escapar ao registro escrito de um documento.
Em uma das audiências foi relatado que “palavras”, às vezes, são piores do que um tapa no rosto e aí “a gente não enxerga mais nada”. E uma pessoa que estava vendo tudo claro, em decorrência de uma situação inesperada e estressante, fica com a visão turva e pode reagir de várias maneiras. Como um homem acusado de sessenta e quatro anos, que sempre morou no munícipio e estava entrando no Fórum pela primeira vez na vida. Quando estávamos na sala de audiência, a esposa dele falou que ele ficou muito triste após o falecimento de um de seus filhos. Pensamos que, talvez, ele tivesse encontrado na bebida um afago, um acalento para enfrentar a tristeza que deve ser atravessar o luto após enterrar um ente querido. Ele é comerciante e contou que fez um quarto no espaço em que, anteriormente, a família mantinha como garagem, e, quando chegava do bar, dirigia-se diretamente ao seu espaço, pois não tinha a intenção de causar incômodo aos demais membros da família, que, na maioria das vezes, já se encontravam dormindo quando ele chegava em casa.
Ele contou que, no espaço adaptado como quarto, mantinha um frigobar, contendo suas bebidas alcoólicas favoritas, e um dia foi surpreendido pela chegada da filha e do namorado, solicitando bebidas. Ele disse que não se entendia com a filha e, nas palavras dele, “ela é rebelde, não me respeita”. O que, segundo relatou, é bastante diferente do relacionamento afetivo que mantém com os três filhos da esposa, os quais “assumiu” desde que tinham menos de cinco anos de idade. Eles estão em união estável há trinta e três anos e com ela teve dois filhos. Contou que foram os filhos da esposa que pagaram a sua fiança, que o buscaram e afirmaram que nada havia mudado entre eles, que confiavam no que ele tinha dito. Na audiência, a esposa disse que não desejava dar prosseguimento com a representação e explicou: “Ele é muito bom para mim e para os meus filhos. O problema é a bebida”.
O que houve, então, foi um desentendimento? Ele e a filha começaram a se desentender, porque ela queria pegar as bebidas dele para levar em algum lugar junto com o namorado. A discussão se tornou acalorada e o namorado da garota se meteu na discussão, sendo necessário pegar um “pé de cabra” existente na garagem, para retirar os dois do local. Era noite, a esposa acordou com os gritos. Viu o marido com o pedaço de pau na mão e não hesitou em chamar a polícia. Durante a realização do questionário, ele falou: “Moro há mais de trinta anos no meu bairro, pode ir à minha rua e perguntar para meus vizinhos quem sou eu, essa é a primeira vez em que me envolvo em um caso com a polícia”. Respondeu a todas as perguntas, insistiu em contar nos dedos a sua idade, quando ficou na dúvida fazendo a conta, partindo do ano em que nasceu.
Outra audiência é representativa das singularidades e da complexidade de cada situação presenciada. O crime em questão se referia a danos patrimoniais. A mulher, acompanhada de uma advogada, acusava o ex-namorado de ter quebrado o seu carro a pauladas após uma discussão em que ele não aceitava o término do relacionamento. O ex-namorado, também, estava acompanhado de um advogado. Ela contou que não aguentava mais, que não sabia mais o que fazer para que ele a deixasse em paz. Naquele momento, foi possível questionar se aquele rapaz fazia ideia da gravidade do seu ato, não por ser inocente, mas por acreditar que seus atos não tinham tanta relevância assim para merecer uma audiência no Fórum da cidade. Ela relatou que ele a perseguia o tempo todo: “No trabalho, no mercado, em casa, não consigo mais sair; esses dias tive que ligar para os meus pais, pois ele havia escalado o muro.” Ela fez sinal com as mãos apontando o quanto o muro era alto. “Fiquei apavorada!”. Ele estava na frente dela, ouvindo o seu relato, enquanto girava na mão o boné que tirou da cabeça quando entrou na sala de audiência. Ela seguiu relatando que um dia saiu com umas amigas e quando foi buscar o carro no estacionamento, encontrou o veículo com os quatro pneus furados. Ele achou engraçado e riu.
Ela repetiu que tinha medo, pois morava só e ele não respeitava as medidas protetivas que haviam sido aplicadas a ela. É possível imaginar alguém fechando os olhos e dormindo, pensando que a qualquer momento sua casa pode ser invadida? Inúmeros foram os casos em que uma das pesquisadoras acompanhou e, em sua interpretação, pensou que aqueles homens não se sentiam assim tão culpados pelos seus atos. Muito menos achavam que esses atos mereciam virar caso de polícia e serem tratados de maneira tão formal, com intimação, audiência no Fórum, autoridades e o rigor da lei. “Foi só uma ameaça”; “Ela merecia”. Eles pensavam assim, interpretamos nesse sentido, algumas vezes.
Em muitas audiências ficamos procurando, sem muito resultado, os entendimentos para compreender o que seria essa violência que estávamos observando uma parte do desenrolar. O que tentamos compreender entre uma audiência e outra, ou entre os olhares e os suspiros, era como se dá uma violência que afeta a vida das pessoas que as cometem e das pessoas que são vítimas dela. Iniciamos o campo com um olhar bastante julgador, inquisidor. Somos mulheres e, naquelas audiências como pesquisadoras, compartilhamos das empatias, cada uma com suas especificidades, mas sabíamos que poderia ser qualquer uma de nós a estar sentada ali, ou que poderá ser um dia. Foi um exercício bastante difícil o de não julgar aquele sujeito que estava sendo acusado por violência contra a mulher, mas sabíamos do papel a ser desenvolvido como pesquisadoras e de como nossas análises ficariam comprometidas se nós não nos esforçássemos para nos “despir” do olhar julgador.
É difícil não construir a imagem do homem acusado como alguém perverso, que fez o que fez por maldade, porque não se pode analisar a maldade, ela não é passível de análise. A maldade não parece culpa de ninguém. A maldade se aproxima de algo natural, que não pode ser mudado, que não tem historicidade. Há uma concepção de violência que é construída e que possivelmente foi construída naquele sujeito acusado também. Pareceu-nos que os acusados não se sentiam arrependidos. Sentimos algo como se fossem pessoas desprezando aquele momento, julgando-o desnecessário por considerar suas atitudes como justificáveis.
Realmente a aplicação de punição é a melhor alternativa para resolvermos essa questão? Não é possível falarmos sobre as violências direcionadas às mulheres, baseando-nos somente no que acompanhamos durante os períodos das audiências. É muito mais do que isso. É falarmos, também, dos dados apresentados no Mapa da Violência que indicam que o Brasil ocupa o quinto lugar no índice de países em que mais há casos de mulheres agredidas no mundo (WAISELFISZ, 2015). Criciúma-SC ocupou a oitava colocação entre os municípios catarinenses. É possível questionar se o sistema judiciário é a melhor alternativa quando pensamos em medidas preventivas para conter a violência. Analisamos apenas um momento de todo um processo de violência. Não analisamos relatos de policiais militares que atendem primeiramente as ocorrências e, também, não analisamos os relatos de policiais civis que recebem as denúncias nas delegacias. Também não entrou na pesquisa de campo a análise da pós-audiência e tantos outros momentos de um complexo processo que pode envolver uma mulher em situação de violência. Analisamos apenas uma etapa, um pequeno recorte temporal de uma situação de violência que ocorre de forma processual. Pensando nisso, percebemos que a Lei nº 11.340/2006, provavelmente, enfrentaria outros e tantos percalços para sua total aplicabilidade. Nas audiências, é importante considerar limitações referentes à duração dos processos, o que nos faz entender que a sua aplicabilidade pode ser, de fato, complexa, lenta e com muitos desvios.
Igualmente, é difícil apresentar alternativas ou demonizar o sistema judiciário apontando as culpas e as possíveis soluções. As concepções de violências em uma sociedade engessada e sustentada em raízes machistas e patriarcais tornam a compreensão da violência de gênero como algo extremamente complexo, mas histórico e, por isso, passível de análise. Dessa forma, percebemos com nossas análises e estudos que ser mulher no século XXI, em um país como o Brasil, significa um risco iminente de violação de direitos humanos. As construções de gênero, neste recorte temporal e espacial, representam construções de desigualdades e de inferioridade do feminino, passíveis de todas as formas de violências, da subordinação do feminino e de uma dominação do masculino que tem destinado a si espaços de poder, respaldados, em grande medida, em justificativas morais, culturais, educacionais e sociais, que não naturalizam a opressão, justificando-a em fatores biológicos.
Com isso, observamos que a violência contra as mulheres ultrapassa o viés de classes. A violência de gênero não se limita a um fator de renda ou de escolaridade. Há um risco imensurável na análise dos discursos que constroem ideias de que mulheres pobres apanham mais. Esse discurso não se fundamenta e percebemos pelas audiências acompanhadas. Há uma falsa ideia de que os casos de polícia, viaturas nas casas e “barracos” nas delegacias estão em grande medida restritos a pessoas de baixas renda e escolaridade. Tal discurso serve apenas para aumentar preconceitos. O que ocorre, no entanto, pode ser o encobrimento da violência por mulheres de classes sociais mais altas ou com maior escolaridade que não denunciam as violências sofridas. Muitas vezes, dependendo em qual bairro ocorre uma violência doméstica, vizinhos/as podem acabar não denunciando, auxiliando no silenciamento das violências.
Durante as audiências, entretanto, constatamos que mulheres com maior renda e escolaridade também denunciam, talvez, não em maior número, mas representam de forma significativa o entendimento da violência contra a mulher como um fator que está presente em todas as classes. É importante ressaltar que as violências que acompanhamos, em um pequeno recorte do seu desenrolar, são, o tempo todo e em quase todos os espaços, instigadas e incentivadas. Narrativas comuns formam o entendimento sobre o que significa ser mulher ou ser homem e isso ficou bastante perceptível no acompanhamento das audiências, tornando a violência do masculino imposta ao feminino como algo naturalizado, fundamentado na construção do masculino como aquele que é naturalmente violento, que tem força, virilidade e que é o dominante.
Essa naturalização dos fatos impede uma análise crítica e tira a historicidade que a violência de gênero precisa ter, tornando os processos judiciais respaldados na Lei nº 11.340/2006 como, apenas, mais um caso natural do ambiente doméstico e das relações entre homens e mulheres. Apresentar uma saída para a violência de gênero se mostra possível, pois estamos tratando de algo construído e histórico e que, em um movimento oposto, pode ser também desconstruído.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A experiência de conviver diretamente com o reflexo da violência contra a mulher, na prática, na vida das pessoas, aqueles que estavam sendo acusados e aquelas que estavam em situação de violência, bem como a possibilidade de observar a atuação do sistema de justiça criminal como instância de resolução desses conflitos, fez-nos refletir sobre os espaços e as medidas que são realmente necessárias como forma de enfrentamento da violência constante, à qual as mulheres são submetidas. Os espaços físicos de atendimento às mulheres, bem como os mecanismos punitivos, mostraram-se limitados, uma vez que a cultura da violência tem se perpetuado e, como observamos, tem atingido cada vez mais as gerações jovens, o que se constitui em um fator de ampliação de risco, uma vez que há a reprodução da normalidade cruel com que muitas mulheres e hoje, jovens mulheres, ainda vêm sendo tratadas.
Ressalta-se que o número de filhos que convivem em espaços de violência doméstica e familiar se mostrou preocupante, sendo necessário considerar a possibilidade de criação de políticas públicas voltadas para esse enfoque, de forma que alcance não somente os adultos, protagonistas das situações envolvendo as violências no âmbito doméstico, mas igualmente seus filhos, também, envolvidos nos conflitos. Percebemos a existência de uma cultura de violência de gênero tão naturalizada e comum que, no mais das vezes, justifica e incentiva práticas violentas, nesse caso, contra mulheres.
Pensar maneiras preventivas para se evitar a violência mostrou-se como uma iniciativa urgente e necessária, sendo importante trazer essas questões que estão sendo discutidas no sistema de justiça criminal para um contexto social mais amplo, envolvendo todos/as que são responsáveis por garantir o bem-estar coletivo, que são o poder público, a sociedade e a família, representada no ambiente doméstico. A partir dos resultados da pesquisa foi possível trazer reflexões sobre a própria Lei nº 11.340/2006 e sobre as dificuldades para sua aplicabilidade, que passam por diferentes meios.
Desse modo, considera-se que os direitos das mulheres são instáveis, sujeitos a perturbações e extremamente ameaçados. Assim, são relevantes as pesquisas e os estudos que se aprofundam no conhecimento desses direitos, a par da formulação de políticas públicas direcionadas para a equidade de gênero que criem condições para se ampliar a aplicabilidade dos direitos humanos das mulheres e na construção de uma sociedade, sobretudo, que desconstrua o machismo estrutural e a violência dele consequente. É preciso sensibilizar para a luta das mulheres e para as violências por elas sofridas, analisando as subjetividades, descontruindo as desigualdades de gênero e, principalmente, não limitando os estudos de gênero ao ambiente acadêmico e aos grupos de pesquisadoras/es específicos.
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Adota-se aqui o termo retratação para essa audiência, tendo em vista que se refere à retratação de representação, nos termos do art. 16 da Lei nº 11.340/2006, Lei Maria da Penha. Segundo Maria Berenice Dias (2018, p. 131): “[...] atenderia à melhor técnica, tivesse o legislador usado a expressão retratação ou mesmo desistência ao admitir a possibilidade de a ofendida voltar atrás da representação levada a efeito perante a autoridade policial”.↩︎
“A ação penal é pública, salvo quando a lei expressamente a declara privativa do ofendido. § 1º – A ação pública é promovida pelo Ministério Público, dependendo, quando a lei o exige, de representação do ofendido ou de requisição do Ministro da Justiça” (BRASIL, 2017).↩︎
Os Juizados Especiais Criminais, adiante chamados de JECrim, foram estabelecidos pela Lei nº 9.099/95, aplicável para os delitos de menor potencial ofensivo (BRASIL, 1995).↩︎
Em comparação, no mesmo ano de 2017, o Brasil teve uma média de 11 processos a cada 1.000 mulheres residentes. Por outro lado, em que pese a alta litigiosidade, comparado aos demais tribunais estaduais, o Poder Judiciário catarinense apresenta uma baixa taxa de congestionamento, de apenas 31%, o que revela a agilidade na finalização dos processos (BRASIL, 2018).↩︎
A cumplicidade do Sistema Penal, que acoberta certos delitos e delinquentes, é denominada cifra oculta da criminalidade. Isso ocorre devido ao caráter seletivo do Sistema Penal, que não foi feito para atingir todos os tipos de crimes e criminosos (ANDRADE, 1997, p. 262-263).↩︎
Nem todo o caso de morte violenta de mulheres pode ser considerado feminicídio, pois há também casos de mortes resultantes de conflitos outros, que não na esfera doméstica, familiar ou em relações de afeto, como briga entre vizinhos/as, na direção de veículo automotor, entre outros.↩︎
Dos feminicídios ocorridos em Santa Catarina, 5 (cinco) homens acusados de praticar os atos se suicidaram logo em seguida da ocorrência e 10 (dez) seguem presos preventivamente. Só um dos acusados aguarda o processo em liberdade (G1 SANTA CATARINA, 2019). Esse dado revela o quanto a questão da violência doméstica é destrutiva para as famílias.↩︎
Sigla empregada para a versão em espanhol do Mecanismo de Acompanhamento da Convenção de Belém do Pará, instituição ligada ao CIM (Comitê Interamericano de Mulheres).↩︎
A autora ressalta que, “no início da década de 1980 surgiram pelo Brasil inúmeras organizações de apoio à mulher vítima de violência; a primeira delas foi o SOS Mulher, inaugurado no Rio de Janeiro em 1981” (PINTO, 2003, p. 80).↩︎
No Brasil, “antecipando-se a Viena, desde 1988, fruto da ação combinada de movimentos feministas e órgãos governamentais de defesa de suas causas, a Constituição do Brasil reconheceu o dever do Estado de prevenir e atuar diante da violência intrafamiliar” (PITANGUY; MIRANDA, 2006, p. 21).↩︎