Cem anos de Proibicionismo no Brasil: uma análise neo-institucionalista das políticas sobre drogas

Herbert Toledo Martins

Doutor em Sociologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Professor da Universidade Federal do Sul da Bahia – UFSB. Membro Colaborador do Programa de Pós-Graduação em Estado e Sociedade e Permanente do Programa de Pós-Graduação em Ciências e Sustentabilidade ambos da UFSB

País: Brasil Estado: Bahia Cidade: Teixeira de Freitas

Email de contato: herbert@ufsb.edu.br ORCID: https://orcid.org/0000-0002-4096-6104

Rosilene Oliveira Rocha

Doutora em Sociologia pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia (PPGS) da Universidade Federal de Pernambuco – UFPE. Docente na Faculdade Maurício de Nassau – Grupo Ser Educacional. Pesquisadora do Grupo de Estudos Sociedade Brasileira Contemporânea: Cultura, Democracia e Pensamento Social.

País: Brasil Estado: Pernambuco Cidade: Recife

Email de contato: rosilene.rocha@ufpe.br ORCID: https://orcid.org/0000-0002-4096-6104

Contribuição de cada autor: Ambos os autores contribuíram com a sua construção; Rosilene Oliveira Rocha (Co-autora) contribuiu com o levantamento e análise da legislação sobre drogas no país elaborando texto inicial sobre cada uma das legislações consultadas. Contribuiu também com a discussão sobre o papel das Comunidades Terapêuticas na atualidade.

Resumo

O artigo analisa historicamente a política sobre drogas no Brasil e parte do Decreto-Lei nº 4.294, de 14 de julho de 1921, que inaugurou o proibicionismo no país e completará 100 anos em 2021. A partir de um recorte teórico-metodológico do neo-institucionalismo histórico, argumenta-se que a trajetória das políticas públicas de drogas no país é dependente do legado estabelecido pelo decreto proibicionista mencionado, que estabeleceu um sistema misto (público e privado) de assistência às pessoas usuárias de substâncias psicoativas (lícitas ou ilícitas) em situação de abuso. Além do referido decreto foram analisadas as políticas de drogas do período militar, o Sisnad e o Decreto nº 9.761, de 11 de abril de 2019. Com base em crônicas, artigos e documentos oficiais foram reconstituídos os momentos históricos em que tais políticas foram promulgadas. Conclui-se que as consequências dessa herança residem na emergência e no fortalecimento das instituições da sociedade civil (clínicas particulares e comunidades terapêuticas) que, com o tempo, passaram a ser financiadas pelo governo federal, em detrimento do SUS.

Palavras-chave: Proibicionismo. Drogas. Políticas públicas.

Abstract

One hundred years of Prohibitionism in Brazil: a neo-institutionalist analysis of drug policies

The article historically analyzes drug policy in Brazil, and part of Decree-Law nº 4.294 of july 14, 1921, which inaugurated prohibitionism in the country and will complete 100 years in 2021. Based on a theoretical-methodological approach of neo-institutionalism history, it is argued that the trajectory of public drug policies in the country is dependent on the legacy established by the aforementioned prohibitionist decree, which established a mixed system (public and private) of assistance to users of psychoactive substances (licit or illicit) in abuse situation. In addition to the aforementioned decree, the drug policies of the military period, the Sisnad and the Decree nº 9.761, of april 11, 2019, were analyzed. Based on chronicles, articles and official documents were reconstructed the historical moments in which such policies were enacted. It is concluded that the consequences of this inheritance lie in the emergence and strengthening of civil society institutions (private clinics and therapeutic communities) that, over time, started to be financed by the federal government, to the detriment of SUS.

Keywords: Prohibitionism. Drugs. Public policy.

Data de recebimento: 19/02/2020 Data de aprovação: 28/05/2021

DOI:10.31060/rbsp.2021.v15.n2.1262

Introdução

Em 2021, a primeira lei brasileira sobre drogas, o Decreto-Lei nº 4.294, de 14 de julho de 1921, que inaugurou o proibicionismo no Brasil, completará 100 anos1. O que mudou nas políticas de drogas relativas às interações entre usuários/as, comerciantes/traficantes, agências estatais e de assistência privada ao/à usuário/a de substâncias psicoativas em situação de abuso, ao longo desse quase um século? Essa é a indagação motivadora do presente estudo. Nesta perspectiva, o artigo analisa a política de drogas brasileira com ênfase em quatro versões distintas, a saber: o decreto-lei acima referido, a Lei nº 6.368, de 21 de outubro de 1976 (Ditadura Militar), a Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006 (Sisnad), e o Decreto nº 9.761, de 11 de abril de 2019. O objetivo geral da análise é compreender a trajetória e as consequências da política de drogas proibicionista inaugurada em 1921, e que persiste até os dias atuais. Parte-se aqui do pressuposto teórico do novo institucionalismo de que as políticas de drogas representadas e estabelecidas por leis, consideradas aqui como uma instituição, deixam sua marca e estruturam o comportamento e as estratégias de usuários, comerciantes, agências estatais e do mercado assistencial, ao longo da história. E a história é importante aqui, pois imprime nas instituições uma trajetória, no sentido do que ocorre antes, condiciona o que ocorre depois (PUTNAM, 2002, p. 23).

A abordagem neo-institucionalista oriunda da ciência política e muito divulgada nas décadas de 1980 e 1990, não deve ser considerada uma teoria social, mas “um conjunto de argumentos que frequentemente se associa a teorias diferenciadas” (MENICUCCI, 2007, p. 21). Desse modo, há pelos menos três escolas de pensamento ou modelos de análise que reivindicam o título de neo-institucionalismo, a saber: o institucionalismo histórico, o institucionalismo da escolha racional e o institucionalismo sociológico (HALL; TAYLOR, 2003). Para o espaço delimitado deste artigo, esta análise concentra-se nos argumentos do institucionalismo histórico2.

No âmbito do institucionalismo histórico, a definição de instituição inclui organizações formais, regras, leis, normas, protocolos, convenções e procedimentos informais inerentes à estrutura organizacional da comunidade política. No entanto, “é na perspectiva mais ampla de instituições como regras do jogo ou como limites que estruturam a interação humana que o conceito de instituição é incorporado à análise de políticas públicas” (MENICUCCI, 2007, p. 25), e é dessa forma que incorporamos o conceito na análise das políticas sobre drogas. Desse modo, considera-se as políticas públicas como instituições que estabelecem as regras do jogo em uma sociedade, e são capazes de constituir instituições/organizações para viabilizar sua implementação e seus objetivos, ao tempo em que o legado, por exemplo, de políticas públicas de drogas anteriores, são capazes de influenciar o desenvolvimento futuro em razão de suas consequências institucionais. Neste aspecto, os institucionalistas históricos são defensores ardentes de uma causalidade social dependente da trajetória percorrida (path dependent) por uma determinada política pública. As políticas públicas herdadas influenciam e estruturam as decisões futuras (HALL; TAYLOR, 2003, p. 201). Umas das consequências de políticas públicas já estabelecidas “é a formação de grupos de interesse e, em decorrência, a organização e constituição de atividades desses grupos, podendo ainda, ao contrário, inibir a formação ou expansão de outros grupos” (MENICUCCI, 2007, p. 26).

As políticas públicas muitas vezes geram o que os institucionalistas denominam de efeito lock-in. Além de propiciar a emergência e/ou o desenvolvimento de atores e interesses, as políticas públicas fomentam o surgimento de “redes sociais e econômicas, levando os indivíduos a fazerem compromissos, a desenvolverem habilidades específicas e a comercializarem determinados bens etc., em resposta a tipos de ação governamental”, difíceis de serem mudados ou transformados (PIERSON, 1993, 1994 apud MENICUCCI, 2007, p. 30). Em outras palavras, as políticas públicas definidas em uma determinada época estruturam o processo de tomada de decisões e criam fortes coalizões de proteção dos arranjos e interesses estabelecidos, reforçando os efeitos de feedback do processo político.

Nesta perspectiva, do ponto de vista teórico-metodológico, argumenta-se aqui que o legado proibicionista do Decreto-Lei nº 4.294, de 14 de julho de 1921, explica, em grande parte, o desenvolvimento das políticas sobre drogas subsequentes, acima apontadas. Em outras palavras, o decreto proibicionista de 1921, além de inaugurar a política de proibição e criminalização das drogas ilícitas, estabeleceu a distinção entre usuário e comerciante/traficante ao determinar tratamento médico em clínicas ou hospitais de recuperação aos primeiros, e prisão para os últimos; prescrever que o Estado deve lidar de maneira diferenciada com os usuários e, por fim, inaugurar a rede de atenção particular ou privada aos usuários de substâncias psicoativas em situação de abuso, cuja consequência, como será visto ao longo do artigo, foi a abertura à época de um mercado rendoso de sanatórios particulares (atualmente clínicas ou comunidades terapêuticas). No entanto, a distinção entre usuários e comerciantes provocou ainda um outro tipo de consequência, isto é, a diferenciação classista entre usuários pobres e ricos, tema que os cronistas da época registram com fina e arguta ironia como será demonstrado. Desse modo, a trajetória das políticas públicas sobre droga no país sofrerá o efeito de dependência (path dependent) da política proibicionista inaugurada na Belle Époque sob a pressão de organismos internacionais, na medida em que as políticas subsequentes experimentam o efeito lock-in dos interesses econômicos que as redes privadas de tratamento do/as usuário/as de substâncias psicoativas passam a defender, e cuja consequência última e contemporânea são as comunidades terapêuticas compartindo orçamento idêntico ao da rede de atenção psicossocial do SUS. Por fim, as mudanças legais ocorridas na trajetória das políticas de drogas no país não significam uma ruptura efetiva com o proibicionismo, e nem com o modelo de atenção ao usuário dependente proposto pelo decreto de 1921, desde então caracterizado como um sistema misto de atenção, com a participação de agências de assistência estatais e de agências privadas. Em muitos aspectos, a política de drogas atual é uma continuação do que foi estabelecido a partir de 1921, sobretudo, no que se refere ao tipo de assistência ao usuário dependente.

Tendo em vista o argumento acima proposto, o artigo analisa as políticas de drogas em tela utilizando-se de fontes diversas e buscando, na medida do possível, reconstruir o contexto histórico em que as referidas políticas foram elaboradas e promulgadas em forma de lei. Assim, o artigo encontra-se dividido em seis seções, além desta introdução. Na primeira seção, são apresentados os percursos metodológicos da pesquisa que sustenta o artigo. Na segunda seção, analisa-se o decreto proibicionsita de 1921, concentrando-se na reconstituição da Belle Époque brasileira como pano de fundo de uma época em que não havia repressão ao consumo de drogas no país, bem como no exame das influências do estamento médico, do discurso eugenista e da pressão norte-americana para que o Brasil adotasse a política proibicionista. Por intermédio de cronistas consagrados da vida efervescente e nervosa do bairro da Lapa carioca (João do Rio, 1910; Lima Barreto, 1915 e Benjamim Constallat, 1924 apud RESENDE, 2006), demonstra-se as consequências do tratamento diferenciado entre dependentes judiciários e voluntários (intoxicados) estabelecido pelo decreto em tela, e que favoreceu a emergência de um mercado de sanatórios (clínicas, atualmente) particulares que, conforme o argumento teórico acima proposto, irá se fortalecer ao longo do tempo e permanecer em todas as edições das políticas sobre drogas no país.

Na terceira seção, examina-se a Lei nº 6.368, de 21 de outubro de 1976 (Ditadura Militar), que definiu regras extremamente repressivas ao crime de tráfico de entorpecentes. O contexto histórico que predomina naquele momento é o da “guerra às drogas”. Assim, do ponto de vista das relações entre traficantes e usuários, a lei em tela foi um retrocesso, na medida em que igualava traficantes e usuários com penas altíssimas.

Na quarta seção, reflete-se sobre a Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006, (Sisnad), como herança das versões que a antecederam e da política proibicionista que a molda. A lei está fundamentada na lógica da repressão e tem viés punitivo para o consumo de determinadas drogas, ao não estabelecer quantidades mínimas para que se possa definir a separação entre ‘usuários’ e ‘traficantes’ no que se refere ao porte de drogas consideradas ilícitas. Tem continuidade a ideia matriz de que o ‘traficante’ seja punido e o ‘usuário’ seja tratado. O viés punitivista da referida lei reside na subjetividade da mesma registrada no parágrafo 2º do art. 28, conforme veremos. Assim, tanto o usuário quanto o traficante permanecem à mercê do crivo subjetivo dos juízes e dos preconceitos que, eventualmente, podem afetar suas decisões.

Na quinta seção, examina-se o Decreto nº 9.761, de 11 de abril de 2019, sob a lavra do governo Bolsonaro. O referido decreto não revoga a lei de drogas anterior, mantendo o viés punitivista e a subjetividade das decisões judiciais, ao tempo em que orienta que o tratamento, a recuperação e a reinserção social sejam feitas por intermédio da rede de atenção psicossocial do SUS, mas acrescenta as Comunidades Terapêuticas, como aptas a receber recursos técnicos e financeiros por parte do Estado, nas esferas federal, estadual, distrital e municipal. Finalmente, na última seção são apresentadas as considerações finais do artigo.

Percursos metodológicos

Para o desenvolvimento do presente artigo dispusemos de materiais de fontes diversas, entre os quais, legislações, que regularam e regulam as políticas de drogas no país, além das crônicas da época escritas por cronistas famosos, como João do Rio, Benjamin Costallat e Lima Barreto, e que foram compiladas no livro de Beatriz Resende (2006), com o título Cocaína, e no livro de Isabel Lustosa (2001), intitulado Lapa do Desterro e do Desvario: uma antologia. A leitura desses cronistas foi utilizada como pano de fundo para descrever o ambiente social da Belle Époque brasileira configurada no bairro da Lapa carioca. Por sua vez, tais leituras ilustram a argumentação teórica que sustenta e informa o artigo. Aqui, o argumento teórico tem uma importância crucial, pois é por seu intermédio que o artigo é construído. As leituras dos trabalhos de Hall e Taylor (2003), Menicucci (2007), e March e Olsen (2008) foram fundamentais para a apropriação do argumento teórico que permitiu o insight para a escrita do artigo. Basicamente, sustentamos a partir das contribuições do institucionalismo histórico que as políticas de drogas do país, isto é, do proibicionismo brasileiro, são influenciadas pelo Decreto-Lei nº 4.294, de 14 de julho de 1921. O passado exercendo influência sobre o presente. As políticas sobre drogas subsequentes sofrem o efeito de dependência (path dependent) da política proibicionista inaugurada na Belle Époque.

Nesse sentido, lançamos mão das obras dos cronistas para demonstrar por intermédio de suas crônicas os diferentes modelos de tratamento aos traficantes e aos usuários de substâncias psicoativas que se desenhou naquela época, e que irá consequentemente influenciar no futuro, com a emergência e o fortalecimento de uma rede social e econômica (mercado) de instituições (clínicas particulares, hospitais privados, comunidades terapêuticas) com habilidades técnicas específicas no atendimento e na atenção aos usuários de substâncias psicoativas em situação de abuso, o denominado efeito lock in das políticas públicas sobre drogas.

A análise documental recaiu sobre a legislação com destaque para as principais políticas sobre drogas do país. Desse modo, a cada legislação analisada buscamos demonstrar os efeitos de dependência da legislação proibicionista da Belle Époque brasileira.

A Belle Époque e os primórdios do proibicionismo brasileiro

A Belle Époque foi um período cultural e cosmopolita na história da Europa que teve início no fim do século XIX e durou até a eclosão da Primeira Guerra Mundial. Foi uma fase de intenso desenvolvimento das nações europeias favorecido por um longo período de paz entre as nações. Nessa época, inovações tecnológicas surgiram, como o telefone, o telégrafo, o cinema, a fotografia, o automóvel e o avião, com repercussões práticas na vida cotidiana das pessoas, contribuindo para uma expansão considerável da vida intelectual e artística dos países europeus. As principais cidades europeias, como Berlim, Paris, Londres e Milão cresceram e modernizaram-se com a construção de ruas e avenidas pavimentadas, com a chegada da iluminação pública, da coleta de lixo, da água encanada, da rede de esgotos e dos transportes públicos. Foi uma época de acumulação capitalista e de consolidação do modo de vida burguês. No entanto, apenas uma pequena minoria desfrutava dos avanços trazidos pelo progresso. A classe média lentamente melhorava o seu padrão de vida, mas a imensa maioria dos trabalhadores e camponeses permanecia penando à margem das conquistas daqueles tempos. Nesse sentido, a visão otimista desse período deve ser relativizada (MÉRIAN, 2012).

Contudo, apesar de todas as contradições da Belle Époque “a imagem da França como modelo, de Paris como capital da Cultura, das artes, da ciência e da tecnologia se impôs na França, na Europa e no mundo” (MÉRIAN, 2012, p. 146). A cidade de Paris ditava a moda da burguesia e da nobreza europeia. Nas cidades europeias as pessoas passaram a frequentar teatros, cafés, clubes de festas, cabarés, bailes e jardins. A vida luxuriosa e boêmia contaminava homens e mulheres da burguesia em busca de novos prazeres. A Belle Époque francesa exportou para o mundo o estilo de vida moderno caracterizado pela “intensificação da vida nervosa”, agitada, rápida, como nos fala Simmel (2000, p. 316). E não resta nenhuma dúvida que em solo brasileiro a cidade que melhor absorveu esse novo estilo de vida moderno foi o Rio de Janeiro, sobretudo, representada pela vida efervescente e nervosa do bairro da Lapa. O estilo de vida que as pessoas levavam na Lapa nas primeiras décadas do século XIX, caracterizado e representado nas crônicas de João do Rio (1910) e de Benjamim Costallat (1924), por exemplo, ilustram um tempo em que não havia repressão ao consumo de drogas no país. Ao mesmo tempo em que

nos dão elementos para inquirir sobre a iminência de estatutos normativos definidos naquela historicidade do qual é exemplo o arranjo imaginário que articulou a construção da criminalização das substâncias entorpecentes no Brasil – posta aqui sob o foco desde já – iniciada na bela época carioca (SILVA, 1999, p. 10).

Em 1910, João do Rio (apud RESENDE, 2006, p. 44) descrevendo o cotidiano de uma prostituta das pensões da Lapa narra que “para encher o vazio, os vícios bizarros surgem. Elas tomam ópio, ou cheiram éter, ou se picam com morfina, e ainda assim, nos paraísos artificiais, são muito mais para rir”. Em 1924, Benjamim Costallat se referia ao bairro da Lapa como “O bairro da Cocaína”, e acrescentava que “nos clubs, nas alcovas das horizontais, nos cafés noturnos, nas pensões chics, toda a Lapa e toda a Glória tomam cocaína em suas noites lúbricas e inquietas” (apud LUSTOSA, 2001, p. 40).

Nas primeiras décadas do século XX, havia claramente uma distinção entre “vícios elegantes” (cocaína, morfina, ópio, éter, lança-perfume) e “vícios deselegantes” (maconha), o que irá representar “uma diferenciação no tipo de repressão estabelecida e da população-alvo da repressão” (ADIALA, 2011, p. 24). Na capital paulista, por exemplo, os “vícios elegantes” eram restritos “a alguns círculos de intelectuais, médicos, dentistas, farmacêuticos e prostitutas, sem maiores impactos sociais” (RODRIGUES, 2004, p. 128). Os adeptos dos vícios elegantes são em grande parte oriundos das classes altas e os dos vícios deselegantes são pobres e negros das periferias.

Até então, o Estado se encarregava da vigilância sobre drogas por intermédio das leis sanitárias, na medida em que o exercício da medicina e da farmácia era regulado pela Diretoria Geral de Saúde Pública (DGSP), regulamentada pelo Decreto-Lei nº 2.458, de 10 de fevereiro de 1897. Nas décadas de 1910 e 1920, a venda de drogas psicoativas como a cocaína, a morfina e o ópio não era proibida, mas estava sob o controle de profissionais da medicina, e nem havia ainda do ponto de vista jurídico uma tipificação que representasse a figura do usuário como criminoso, e nem do traficante3; não obstante já estar configurada na sociedade a figura do viciado.

Dessa maneira, nos primeiros anos do século XX estabeleceu-se um pacto médico-estatal que conferia aos médicos a prerrogativa de receitar fármacos psicoativos sem “uma efetiva fiscalização por parte do Estado”. Desse modo, o acesso via receituário médico se transformava em algo fácil, e o “tráfico propriamente dito fica restrito aos profissionais da área da saúde, que falsificam receitas ou desviam medicamentos sob sua responsabilidade” (RODRIGUES, 2004, p. 129-130). Corroborando essa relação entre profissionais da saúde e o “desvio” de drogas, em uma crônica escrita em 1915, Lima Barreto registra que:

o governo não é assim um negociante ganancioso que vende gêneros que possam trazer a destruição de vidas preciosas; e creio que não é, porquanto anda sempre zangado com os farmacêuticos que vendem cocaína aos suicidas. (BARRETO, 1915 apud RESENDE, 2006, p. 50).

Contudo, as causas do advento da legislação proibicionista no Brasil não se vincula apenas com a questão das relações entre o Estado e o estamento médico. No entanto, é certo que os médicos apoiaram o proibicionismo na medida em que a repressão ao uso hedonista de drogas psicoativas reforçava o monopólio dos mesmos sobre as drogas controladas. Considera-se ainda a emergência do discurso eugenista da época por parte do estamento médico – “preocupado com a tutela física e moral da população e com a defesa da raça” –, cuja resultante persecutória recai sobre os negros usuários de maconha (ADIALA, 2011, p. 25). Além disso, é preciso considerar a influência da política externa norte-americana para a adoção do proibicionismo, sobretudo, após a adesão do Brasil à Convenção do Ópio, assinada em Haia em 1912. Por último, a atuação de movimentos sociais conservadores com o apoio dos principais jornais do país, entre eles:

a Loja Cruzeiro do Sul, seção brasileira da Ordem Internacional dos Bons Templários, e a Liga de Defesa Nacional, reflexo paulista da Liga Nacionalista de Olavo Bilac [...] que defendia a intervenção do Estado na resolução dos problemas socais; a “regeneração social do Brasil” seria conquistada pelo combate aos vícios, que dissolvem costumes e tradições, pela erradicação do analfabetismo, da ignorância e da vagabundagem. (RODRIGUES, 2004, p. 133).

Desse modo, a legislação proibicionista brasileira é inaugurada com a promulgação do Decreto-Lei nº 4.294, de 14 de julho de 1921, que estabelecia penalidades para aqueles que vendessem cocaína, ópio, morfina e seus derivados; além de criar um estabelecimento especial (sanatório) para a internação dos intoxicados pelo álcool ou pelas substâncias venenosas, e estabelecia a forma de processo e julgamento dos vendedores (contraventores). Essa lei foi regulamentada pelo Decreto-ei nº 14.969, de 3 de setembro de 1921, que, por sua vez, regulava a entrada no país de substâncias tóxicas, determinava as penalidades impostas aos vendedores e a construção de um sanatório para os toxicômanos (MACHADO; MIRANDA, 2007). Note-se que, desde a sua gênese, a legislação proibicionista brasileira sobre drogas estabelece uma diferenciação entre vendedores/comerciantes/traficantes e usuários/consumidores.

Considerada pela historiografia a primeira lei brasileira que proíbe o uso e o comércio de drogas, o referido decreto focaliza muito mais o álcool do que as chamadas, naquela época, substâncias venenosas. Ao todo são 13 (treze) artigos, sendo que somente o art. 1º diz respeito às ditas substâncias venenosas, e não faz distinção entre substâncias venenosas (não especifica quais sejam) e substâncias venenosas com qualidade de entorpecente (ópio, cocaína e seus derivados). Trata as primeiras como contravenção, cuja penalidade é uma multa de 500$ a 1:000$000 réis para o ato de vender, expor à venda ou ministrar substâncias venenosas; e as segundas como crime, ao estabelecer no parágrafo único do mesmo artigo que “se a substância venenosa tiver qualidade entorpecente, como ópio e seus derivados; cocaína e seus derivados”, a pena será de prisão celular por um a quatro anos. Ou seja, claramente a inteligência da lei visava reprimir os vendedores ilegais, sobretudo, de ópio, cocaína e morfina. A lei traz ainda uma novidade que é a introdução do termo entorpecente. Uma expressão genérica, mas que reflete a classificação científica das drogas daquela época. No entanto, a grande novidade do referido decreto reside na proposta de criação de estabelecimento especial de internação dos intoxicados pelo álcool ou pelas substâncias venenosas. O art. 6⁰ estabelece que “o Poder Executivo criará no Distrito Federal um estabelecimento especial, com tratamento médico e regime de trabalho, tendo duas secções; uma de internados judiciários e outra de internados voluntários” (Decreto-Lei nº 4.294, de 14 de julho de 1921, grifo nosso).

Desse modo, a legislação brasileira estabelecia pela primeira vez uma diferenciação entre vendedores e usuários, sobretudo os viciados – chamados naquela época de intoxicados. Aos vendedores, comerciantes de ditas substâncias venenosas (ópio, cocaína, morfina e seus derivados), pena de prisão celular por um a quatro anos, conforme art. 1º, parágrafo único. O art. 3º determinava “internação de três meses a um ano em estabelecimento correcional adequado”, àqueles que “embriagar-se por hábito, de tal modo que por actos inequívocos se torne nocivo ou perigoso a si próprio, a outrem, ou à ordem pública” (Decreto-Lei nº 4.294, de 14 de julho de 1921). Desse modo, aos usuários dependentes a lei prescrevia tratamento médico estabelecido. No art. 6º, § 1º, da secção judiciária farão parte: os condenados, na conformidade do art. 3º (internados judiciários), os absolvidos com fundamento em moléstia mental, resultante de abuso de bebida ou substância inebriante, ou entorpecentes como ópio, morfina e cocaína. Da outra secção (internados voluntários) farão parte os intoxicados pelo álcool, por substância venenosa (ópio, morfina, cocaína),

que se apresentarem em juízo solicitando a admissão, comprovando a necessidade de um tratamento adequado e os que, a requerimento da família, forem considerados nas mesmas condições (letra a), sendo evidente a urgência da internação, para evitar a prática de atos criminosos ou a completa perdição moral. (§ 2º do art. 6º do Decreto-Lei nº 4.294, de 6 de julho de 1921).

Registra-se que o § 3º do art. 6º determina que o processo de internação na segunda secção, isto é, dos intoxicados por álcool, cocaína, ópio ou morfina, transcorreria “com base em exame médico”. Observa-se, portanto, que o estamento médico, sobretudo a psiquiatria, impõe-se sobre a Justiça “como autoridade única nas questões de responsabilidade penal: é ela quem vai apontar, para a Justiça, o grau em que a capacidade de discernimento do criminoso está afetada” (RAUTER, 2003, p. 44).

Muito embora não tenhamos dados empíricos sobre a matéria, é possível admitir que com todos esses dispositivos a internação em sanatório público era algo muito pouco provável de ocorrer para aqueles que possuíam recursos, posto que a internação para tratamento poderia ocorrer inclusive em estabelecimentos particulares, como previsto no § 5º, do art. 9º do Decreto-Lei nº 14.969, de 3 de setembro de 1921, que regulamentava o Decreto-Lei nº 4.294, de 14 de julho de 1921, objeto da nossa análise, e que seria incompleta sem analisar o decreto que o regulamenta. Diz o mencionado decreto regulamentador, no § 5º, do art. 9º:

Enquanto o Sanatório não tiver prédio próprio, com as necessárias instalações, a internação dos intoxicados, para tratamento médico, far-se-á nas Colônias de Alienados em secções distintas, segundo sua classificação, observadas as disposições regimentais destes estabelecimentos, podendo ser feita também a internação dos voluntários nos estabelecimentos particulares, desde que observem fiscalização, as leis e regulamentos vigentes. (§ 5º, do art. 9º do Decreto-Lei nº 14.969, de 3 de setembro de 1921, grifo nosso).

Por intermédio do Decreto-Lei nº 14.969, de 3 de setembro de 1921, o Estado fortalecia a sua política repressiva ao mesmo tempo em que selava um pacto com o estamento médico e odontológico, ao dar aos mesmos a prerrogativa de prescrever receitas das ditas substâncias venenosas ou entorpecentes (anestésicas ou analgésicas), como o ópio, a cocaína e a morfina. Além disso, fortalecia a Polícia Sanitária ao fortalecer o Departamento Nacional de Saúde Pública.

Os farmacêuticos não poderão vender, nem ministrar, as substâncias referidas no art. 1º, sem prescrição de médico ou de cirurgião dentista, nos termos do Regulamento do Departamento Nacional de Saúde Pública, ficando os infratores incursos na multa de 500$ a 2:000$ e o dobro nas reincidências, sem prejuízo da pena criminal devida (Art. 6º do Decreto-Lei nº 14.969, de 3 de setembro de 1921, grifo nosso).

O art. 8º do Decreto-Lei nº 14.969 regulamentava os atos de autoria e as penas estabelecidas no art. 1º do Decreto-Lei nº 4.294, de 14 de julho de 1921. São objetos de atenção da lei: o droguista – pessoa física ou jurídica com licença do Departamento Nacional de Saúde Pública para importar drogas e/ou vender aos farmacêuticos, médicos e dentistas, conforme legislação vigente. Além do droguista, o referido artigo pune o farmacêutico ou o prático em farmácia, e qualquer outro comerciante, o particular, o portador e o entregador, que vender ou ministrar as ditas substâncias previstas no art. 1º do Decreto-Lei nº 4.294, ou seja, cocaína, ópio e morfina. De acordo com art. 8º do decreto regulamentador incorrem, como autores, nas penas estabelecidas no art. 1º do Decreto-Lei nº 4.294, de 14 de julho de 1921:

a) o droguista que vender ao público qualquer das substâncias venenosas ou entorpecentes ali previstas;

b) o farmacêutico, ou prático que o substitua legitimamente, que vender ou ministrar as ditas substâncias sem observância do disposto no art. 6º deste Regulamento;

c) qualquer outro comerciante que expuser à venda, vender ou ministrar as ditas substâncias;

d) o particular que as vender ou ministrar;

e) o portador, o entregador ou outro, quando sua participação no tráfico das aludidas substâncias se verifique pelo modo previsto no art. 18, § 3º, do Código Penal. (BRASIL, Decreto-Lei nº 4.294, de 14 de julho de 1921).

Dessa maneira, a análise dos decretos-lei acima discutidos aponta para o fato de que desde os primórdios do proibicionismo no Brasil havia uma representação social que impunha uma diferenciação entre traficantes/comerciantes e consumidores/usuários. Aos primeiros, os rigores da lei: a pena de prisão ou pesadas multas. Sobre esses há de recair o direito penal cuja finalidade é reprimir aqueles que violaram as normas de conduta da sociedade (DURKHEIM, 1984). Aos segundos, a internação, o tratamento em local adequado. Neste sentido, a representação social é de que são vítimas e por isso merecem um tratamento que os retire do domínio das substâncias venenosas, dos entorpecentes. No entanto, por trás dessa representação há que se analisar o tipo de tratamento diferenciado permitido pelo Estado à época e, dessa maneira, as consequências sociais do mesmo. Ao permitir a internação dos dependentes judiciários e dos voluntários (intoxicados) em estabelecimentos particulares, a legislação termina por distinguir o rico do pobre, o dependente com recursos financeiros e o sem recurso algum. Aos dependentes pobres sem recursos a internação judiciária ou voluntária se daria nas Colônias de Alienados da Ilha do Governador ou do Engenho de Dentro. Ao passo que nos casos de internação de algum indivíduo das classes mais favorecidas ou burguesas, “a orientação de internação não era para o hospício, nem para as colônias de alienados, mas sim para os estabelecimentos privados, e o Sanatório Botafogo foi a principal instituição que cuidou desse tipo de paciente” (ADIALA, 2011, p. 146). Esta, talvez, seja a maior herança da primeira lei que proíbe o uso e o comércio de drogas no Brasil.

Desse modo, finalizamos essa seção com um trecho do conto O Segredo dos Sanatórios, de Benjamin Costallat, escrito em 1924, que, de certa forma, ilustra o argumento acima exposto:

– Onde estiveste?

– Estive em São Paulo...

Eles não podem dizer que estiveram em um sanatório, presos, como criminosos, curando um vício. Não. Eles não podem confessar... Desaparecem de circulação. E têm que dar uma desculpa, qualquer que seja. A desculpa é sempre a mesma, como o vício que a provoca. O fato é que – e o fenômeno se produz assustadoramente na alta sociedade – de um dia para outro desaparecem criaturas muito conhecidas.

Morreram?...

Não.

Estão internadas em sanatórios particulares. [...] Em plena cidade, nos bairros elegantes, os sanatórios, ferozmente, guardam, o seu segredo [...]. A sociedade não se vexa com os seus vícios, vexa-se com a divulgação do seu tratamento [...]. O aspecto externo do sanatório não revela nem de longe o que se passa lá por dentro. É uma casa de família. Absolutamente. Igual às outras.

(COSTALLAT, B. O Segredo dos Sanatórios (1924) apud RESENDE, 2006, p. 116-118).

A Política Proibicionsita da Ditadura Militar

Retomando o argumento analítico que informa o presente artigo, a política proibicionista inaugurada com o Decreto nº 4.294, de 14 de julho de 1921, irá explicar, em grande parte, as políticas sobre drogas subsequentes que sofreram o efeito de dependência (path dependent) do proibicionismo instituído em 1921, sobretudo no que tange à diferenciação repressiva e terapêutica entre traficantes/comerciantes e usuários/dependentes. Outra dependência importante reside no fato de que a legislação brasileira sobre o tema mantém, e de certo modo amplia, a influência da medicina, “que passou a contribuir com subsídios tecnocientíficos para a legitimação do controle do uso de drogas” (MACHADO; MIRANDA, 2007, p. 804). Além disso, as políticas posteriores experimentaram o efeito lock in dos interesses econômicos que a legislação proibicionista criou, no que diz respeito à emergência futura de um mercado de clínicas privadas e/ou comunidades terapêuticas de reabilitação ou desintoxicação química.

Nesse aspecto, há que se ressaltar que a Lei nº 6.368, de 21 de outubro de 1976, que regula a política de drogas da Ditadura Militar, aborda o uso e a dependência de drogas no campo médico-psiquiátrico, e introduz propostas assistenciais que aprofundam a tendência à medicalização, entre elas: a substituição do termo “viciado” por “dependente de drogas”. Embora não faça nenhuma referência explícita às comunidades terapêuticas, no seu art. 10, § 2º, estabelece que o tratamento e a recuperação dos dependentes de substâncias entorpecentes poderão ser feitos em “estabelecimentos hospitalares e clínicas, oficiais ou particulares” (Lei nº 6.368, de 21 de outubro de 1976, grifo nosso).

Dessa maneira, mantinha-se a porta aberta para o florescimento das clínicas privadas e comunidades terapêuticas. Infelizmente, não há dados confiáveis e disponíveis sobre o número de clínicas particulares de tratamento da dependência química existente daquela época, e nem da atual. O que nos impede de afirmar com evidências um efeito lock in dos interesses econômicos das clínicas de recuperação particulares. Mas é plausível afirmar que a quantidade de clínicas particulares aumenta pari passu com as comunidades terapêuticas. Registra-se que na década de 1970, havia apenas 7 (sete) comunidades terapêuticas no país, a saber: Movimento Jovens Livres, de 1968 em Goiânia-GO; Comunidade Cristã S8, de 1971 em Niterói-RJ; Desafio Jovem, de 1972 em Brasília-DF; Movimento para Libertação de Vidas, de 1975 em Maringá-PR; Clínica Pinel, de 1975 em Porto Alegre-RS e Fazenda do Senhor Jesus, de 1978 em Campinas-SP. Em 2011, o Censo das Comunidades Terapêuticas no Brasil registrou a existência de 1.795 unidades (FRACASSO, 2017).

Desse modo, a distinção feita pela legislação de 1921 entre usuários (intoxicados) e traficantes/comerciantes permaneceu. Contudo, a Lei nº 6.368/1976 substituiu o termo “viciado” por “dependente de drogas”. Aos primeiros o Estado deveria prover tratamento e recuperação. O art. 9º da lei em tela previa “as redes dos serviços de saúde dos Estados, Territórios e Distrito Federal” (Lei nº 6.368, de 21 de outubro de 1976), mas enquanto não se criassem os estabelecimentos referidos, os dependentes seriam adaptados na rede já existente. O art. 10 determinava que “o tratamento sob regime de internação hospitalar será obrigatório quando o quadro clínico do dependente ou a natureza de suas manifestações psicopatológicas assim o exigirem” (Lei nº 6.368, de 21 de outubro de 1976). A decisão sobre a “natureza de suas manifestações psicopatológicas” ficava a cargo de um médico perito, conforme art. 29. Dessa forma, mantinha-se o poder médico em parceria com o judiciário, conforme estabelecido pela política proibicionista de 1921.

A Ditadura Militar, conforme definição do art. 3º da lei em tela instituiu o Sistema Nacional Antidrogas, e definiu regras extremamente repressivas ao crime de tráfico e uso de entorpecentes, inclusive com a prisão em flagrante (art. 21). O contexto histórico que predominava naquele momento e que informava a política era o da “guerra às drogas”, que se torna mais severo no ambiente da ditadura militar instalada desde 1964. Assim, do ponto de vista das relações entre traficantes e usuários, a lei em tela foi um retrocesso, pois nivelava ambos com penas altíssimas. O art. 12 não fazia distinção entre indivíduos que importavam ou exportavam, produziam, vendiam, forneciam, transportavam, traziam ou guardavam drogas consigo. Dessa maneira, para quaisquer dessas situações a pena de reclusão era de 3 (três) a 15 (quinze) anos, e pagamento de 50 (cinquenta) a 360 (trezentos e sessenta) dias-multa. Havia, portanto, um grau de subjetividade enorme entre saber se o indivíduo trazia ou guardava drogas consigo para uso próprio ou para comercializar. No caso de uso próprio, o art. 16 estabelecia para quem guardasse ou trouxesse consigo, “para o uso próprio, substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar” (Lei nº 6.368, de 21 de outubro de 1976), a pena de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e pagamento de 20 (vinte) a 50 (cinquenta) dias-multa.

Do ponto de vista do argumento que sustentamos no presente artigo, a política de drogas na Ditadura Militar sofreu o efeito de dependência do proibicionismo inaugurado em 1921, como tentamos demonstrar. No entanto, as consequências do efeito lock in ainda não se faziam tão poderosas como nas políticas subsequentes, quando o mercado privado de clínicas de tratamento e as comunidades terapêuticas se transformaram em verdadeiras indústrias. Corroborando essa ideia, Machado e Miranda (2007, p. 805) afirmam que “as orientações legislativas previstas na Lei 6.368/1976 favoreceram o surgimento da assistência à saúde para usuários de drogas a partir da década de 1980, quando foram criados os primeiros centros de tratamento (públicos ou religiosos) no Brasil, ligados direta ou indiretamente ao poder público”.

A política de drogas da democracia: o Sisnad

O retorno da democracia em 1985 no país não significou uma ruptura com o passado proibicionista no que se refere à política de drogas, muito embora o tema tenha conquistado a agenda do governo federal que, em 1993, no governo Itamar Franco, criava a Secretaria Nacional de Entorpecentes. Em 2000, o presidente Fernando Henrique Cardoso instituiu o Sistema Nacional Antidrogas (Sisnad), composto pela Secretaria Nacional Antidrogas (Senad) e pelo Conselho Nacional Antidrogas (Conad), por intermédio do Decreto nº 3.696, de 21 de dezembro de 2000.

Em 2004, no primeiro mandato do presidente Luís Inácio Lula da Silva, a Senad iniciou um processo efetivo de debate da Política Nacional Antidrogas, com a realização de fóruns regionais e nacional, com o envolvimento da comunidade científica e de segmentos da sociedade civil. Dessa dinâmica resultou a mudança de denominação, no governo Lula, para Política Pública Sobre Drogas.

Em 2006, foi sancionada a Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006, que institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas (Sisnad). Todavia, a referida lei sofre o efeito da trajetória de dependência do proibicionismo das legislações anteriores, na medida em que está fundamentada na lógica da repressão e tem um viés classista ao atribuir à subjetividade do Juiz a decisão se a droga se destina ao consumo pessoal ou não. Para Campos e Alvarez (2017, p. 47), a referida lei “buscou, por um lado, endurecer o combate ao tráfico e, por outro, eliminar o emprego da pena de prisão para usuários, mas sem efetivamente descriminalizar o uso”. Assim, a lei oferece um tratamento diferenciado ao usuário em relação ao traficante. O usuário, por exemplo, não pode mais ser preso em flagrante, e sua pena é alternativa: advertência, prestação de serviços à comunidade ou obrigação de cumprir medidas educativas (art. 28, itens I, II e III). O objetivo é deslocar essas pessoas do âmbito judicial para o âmbito da saúde pública. Além disso, o usuário também deve assinar um termo circunstanciado, uma espécie de boletim de ocorrência para crimes de menor gravidade, perante um Juiz ou, na ausência deste, diante da autoridade policial no local da abordagem. Contudo, tudo depende da interpretação do Juiz ou do policial no momento do flagrante. De acordo com o art. 28, o usuário não será preso em flagrante e será submetido a penas alternativas dependendo da natureza da droga, da quantidade apreendida, do local e das “condições em que se desenvolveu a ação, as circunstâncias sociais e pessoais, bem como a conduta e os antecedentes do agente” (art. 28, § 2º, Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006). Ora, há que se questionar as decisões judiciais sobre as “circunstâncias sociais e pessoais” dos usuários, tendo em vista o histórico de práticas desiguais da justiça brasileira, acrescido do racismo e da criminalização à pobreza sobre os quais se assenta as relações sociais no país. Qual a quantidade de droga que define o que é uso pessoal e o que é tráfico/comércio? Pois no caso de enquadrar por tráfico, o indivíduo infligirá o art. 33, cuja pena de reclusão é de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos, podendo, inclusive, ser preso em flagrante de acordo com o art. 50. A respeito do grau de subjetividade com que policiais e juízes distinguem usuários e traficantes, a pesquisa de Jesus (2020) é esclarecedora ao afirmar “que as provas consideradas pelos juízes e que lhes permitem decidir pela condenação ou absolvição das pessoas acusadas de tráfico de drogas [são] aquelas produzidas pelos policiais do flagrante [...] No limite, é a polícia que define quem é “usuário” e quem é “traficante” (JESUS, 2020, p. 2). 

A lei em destaque traz uma novidade no que diz respeito ao tipo de proteção social que o Estado oferece ao dependente de drogas. O Capítulo II é dedicado às atividades de atenção e de reinserção social de usuários e dependentes. Neste aspecto, permanece a dependência de trajetória da legislação de 1921, com o Estado adotando estratégias diferenciadas de atenção ao dependente de drogas e punindo o traficante/comerciante. Ao dependente de drogas, o Estado disponibiliza as redes dos serviços de saúde da União, Estados, Distrito Federal e municípios, respeitando os princípios e as diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS) e da Política Nacional de Assistência Social (art. 22 e 23). No entanto, estabelece que as mesmas redes “poderão conceder benefícios às instituições provadas que desenvolverem programas de reinserção no mercado de trabalho” (art. 24, Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006). Do mesmo modo, o art. 25 estabelece que:

As instituições da sociedade civil, sem fins lucrativos, com atuação nas áreas da atenção à saúde e da assistência social, que atendam usuários ou dependentes de drogas, poderão receber recursos do Funad, condicionados à sua disponibilidade orçamentária e financeira. (Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006, grifos nossos).

Dessa maneira, estava aberta a porta para o lobby das clínicas particulares e das Comunidades Terapêuticas. Nesse contexto histórico, havia ainda certa precaução imposta por critérios rígidos para que as Comunidades Terapêuticas pudessem receber recursos públicos, mas havia também uma certa resistência por parte daqueles que defendem a autonomia e o fortalecimento do SUS, o que não ocorre com a atual política de drogas, que analisaremos na próxima seção.

No entanto, para a compreensão do processo pelo qual as Comunidades Terapêuticas (CTs) conseguiram o direito de serem financiadas pelo governo federal, temos que retornar no tempo, sobretudo, no contexto histórico da epidemia de aids no Brasil, bem como na atuação do Conselho Federal de Entorpecentes (Confen), órgão criado pela Ditadura Militar por intermédio do Decreto nº 85.110, de 2 de setembro de 1980. O Confen se notabilizou como órgão normativo e de diversas ações programáticas associadas à temática das drogas no país. De perfil conservador e repressivo, o Confen, após a redemocratização do país, ultrapassou a ótica repressiva e passou a favorecer o surgimento de práticas de prevenção, tratamento e pesquisa não orientadas pela visão repressiva. Machado e Miranda (2007) citam dois momentos que demostram as mudanças de orientação do Confen, a saber: o primeiro momento, em 1988, com o documento denominado Política Nacional na Questão de Drogas, que favorece a criação e consolidação de centros de referência em prevenção e tratamento de uso abusivo de drogas lícitas e ilícitas. Esses centros seriam responsáveis pela formação de pessoal qualificado para o atendimento e a realização de pesquisas vinculadas à rede do Sistema Único de Saúde (SUS). Em 1994, o Confen enfrentou resistência da Polícia Federal e do Ministério Público no enfrentamento de um programa de prevenção à aids, baseado na redução de danos com a substituição de seringas descartáveis e o fornecimento de insumos para o uso seguro de drogas, sobretudo, o crack. De acordo com Machado e Miranda,

os projetos de redução de danos deram maior visibilidade à realidade da atenção ao usuário de drogas no setor público de saúde, evidenciando a dificuldade de acesso e de acolhimento, a precariedade dos serviços de apoio e tratamento à dependência, a falta de referencial para os usuários, bem como a desconfiança e o preconceito dos profissionais da área. Além disso, tornou-se visível a quase inexistência de ações destinadas ao enfrentamento desses problemas na década de 1990 (MACHADO; MIRANDA, 2007, p. 810).

Ainda segundo Machado e Miranda (2007), foi durante essa época que se registrou a maior expansão das Comunidades Terapêuticas. No vácuo deixado pelo setor público na prestação de serviços de assistência ao dependente de drogas, prolifera-se uma rede de assistência calcada no voluntariado, com o objetivo de recuperar os dependentes sob uma orientação religiosa e com carências éticas e técnicas graves, como ficou demostrado pelo Relatório da Inspeção Nacional em Comunidades Terapêuticas (2017), do Conselho Federal de Psicologia (CPF; MNPCT; PFDC/MPF, 2018).

O segundo momento ocorre em 1996, quando o Confen propôs o Programa de Ação Nacional Antidrogas. Neste documento manifesta a sua preocupação com a disseminação do vírus HIV, sobretudo, no caso de usuários de drogas injetáveis. Assim, propõe “a substituição do modelo assistencial de saúde mental por serviços específicos de atenção às dependências químicas, o apoio técnico e financeiro às entidades filantrópicas e a promoção de capacitação de recursos humanos” (MACHADO e MIRANDA, 2007, p. 807). Ou seja, o Confen reconhece a importância da atenção prestada pelas comunidades terapêuticas. É justamente aqui que tem início o processo pelo qual as Comunidades Terapêuticas vão aos poucos conquistando espaço e legitimidade para se tornarem instituições credenciadas aptas a serem financiadas pelo governo federal no tratamento e acolhimento de dependentes de drogas. A partir desse momento, as CTs se movimentam e passam a reivindicar financiamento do Estado, inicialmente pelo direito de participar de editais públicos, ao mesmo tempo em que articulam representação política no legislativo federal4. Em 2001, as CTs passaram a ser reguladas por uma Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que estabeleceu parâmetros sanitários mínimos para o funcionamento dessas entidades (IPEA, p. 9).

Em 2011, no âmbito do Plano Integrado de Enfrentamento ao Crack e outras Drogas (Plano Crack), visando desonerar o acesso de usuários problemáticos de drogas a tratamentos, em um momento em que a sociedade e, especialmente, a mídia apontavam a ocorrência, no país, de uma epidemia de crack, ainda que tal epidemia não tenha sido comprovada empiricamente, o governo federal decide apoiar financeiramente as CTs. Estava aberto o caminho para o fortalecimento das CTs e o enfraquecimento das Redes de Assistência Social do SUS e do Sistema Único de Assistência Social (Suas).

O Decreto nº 9.761, de 11 de abril de 2019

Sob a lavra do governo Bolsonaro, o Decreto nº 9.761, de 11 de abril de 2019, fixa as novas diretrizes da política de drogas, sem, entretanto, ser uma “nova” lei de drogas, e nem a lei de drogas vigente. A atual lei de drogas ainda é a Lei nº 11.343/2006. Contudo, do ponto de vista do argumento que sustentamos no presente artigo, o referido decreto é o coroamento dos interesses da rede de assistência privada ao dependente de drogas, pois é quando as Comunidades Terapêuticas são inscritas no texto da lei.

O decreto em tela possui apenas cinco artigos, pois, na verdade, não revoga a lei que instituiu o Sisnad, a Lei 11.343, de 23 de agosto de 2006. No art. 4º revoga o Decreto nº 4.345, de 26 de agosto de 2002, do governo Fernando Henrique Cardoso. Na seção 5 (cinco) do referido anexo, o item 5.1.4. diz respeito à orientação geral de intervenções para tratamento, recuperação, reinserção social dos dependentes de drogas,

por meio das Unidades Básicas de Saúde, Ambulatórios, Centros de Atenção Psicossocial, Unidades de Acolhimento, Comunidades Terapêuticas, Hospitais Gerais, Hospitais Psiquiátricos, Hospitais-Dia, Serviços de Emergências, Corpo de Bombeiros, Clínicas Especializadas, Casas de Apoio e Convivência, Moradias Assistidas, Grupos de Apoio e Mútua Ajuda, com o Sisnad, o SUS, o SUAS, o Susp e outros sistemas relacionados para o usuário e seus familiares, por meio de distribuição de recursos técnicos e financeiros por parte do Estado, nas esferas federal, estadual, distrital e municipal. (Decreto nº 9.761, de 11 de abril de 2019, grifos nossos).

Dessa maneira, do pondo de vista das relações estabelecidas entre o Estado e os usuários e traficantes de drogas, prevalece o que já estava determinado pela Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006. Mantém-se a subjetividade das decisões dos juízes no que se refere ao destino da droga, se para consumo pessoal ou não. Da mesma forma está mantido o viés repressivo estampado no item 6.1.4 da orientação sobre a redução da oferta de drogas, enfatizando que “as ações contínuas de repressão serão promovidas para redução da oferta das drogas ilegais e seu uso, para erradicação e apreensão permanentes de tais substâncias” (Decreto nº 9.761, de 11 de abril de 2019).

Enfim, o Decreto nº 9.761/2019 é um retrocesso ainda maior do que foi a lei anterior que instituiu o Sisnad, a Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006. No entanto, é justamente nele que o efeito lock in das políticas públicas atinge o seu auge, isto é, quando as políticas públicas fomentam o surgimento de redes sociais e econômicas que levam os indivíduos a selarem compromissos, acordos, e a desenvolverem habilidades específicas e comercializarem determinados bens, como a atenção ao dependente de drogas, em resposta aos tipos de ação governamental, difíceis de serem mudados ou transformados.

Considerações finais

Após a análise da trajetória das políticas sobre drogas no Brasil acima referidas, conclui-se que são dependentes do legado proibicionista estabelecido pelo Decreto-Lei de 1921. Em nenhum momento houve ruptura com a política de criminalização ao uso e ao tráfico de drogas ilícitas. Prevaleceu a “cultura” do proibicionismo. Contudo, a contribuição relevante do artigo reside em demonstrar as consequências dessa trajetória de dependência, isto é, os efeitos lock-in do decreto proibicionista de 1921, que ao inaugurar um modelo misto de assistência aos dependentes propiciou a emergência e o desenvolvimento no tempo de atores e interesses econômicos muito bem plantados na política de assistência aos usuários de substâncias psicoativas (as clínicas e os hospitais particulares e as Comunidades Terapêuticas), e que na atualidade da política brasileira compartem o mesmo orçamento da rede de assistência psicossocial do SUS.

Historicamente, os sanatórios particulares da Belle Époque se transformaram em clínicas e Comunidades Terapêuticas, e conquistaram o poder de serem financiados pelo erário público. Desse modo, conclui-se que as políticas públicas definidas em uma determinada época estruturam o processo de tomada de decisões e criam fortes coalizões de proteção dos arranjos e interesses estabelecidos, reforçando os efeitos de feedback do processo político.

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  1. A nível local, a primeira legislação proibicionista foi promulgada em 4 de outubro de 1830, pela Câmara Municipal do Rio de Janeiro, que penalizava o “pito de pango”, denominação dada à maconha, no § 7º da postura que regulamentava a venda de gêneros e remédios pelos boticários (BARROS; PERES, 2011, p. 7). SIQUEIRA (2010, p. 65), desconsidera o Decreto-Lei nº 4.294, de 14 de julho de 1921, e faz vaga referência a uma lei de 1934 como “a primeira versão daquela que se tornaria a primeira ‘Lei sobre Drogas’ do Brasil”. Concluímos que o autor refere-se ao Decreto-Lei n° 24.505, de 29 de junho de 1934, que apenas altera o Decreto nº 20.930, de 11 de janeiro de 1932, passando a considerar os sais da morfina e da cocaína como substâncias tóxicas sujeitas a controle.↩︎

  2. Sobre o institucionalismo da escolha racional e o institucionalismo sociológico ler Hall e Taylor (2003). Sobre a emergência do Neo-Institucionalismo ler March e Olsen (2008).↩︎

  3. No Código Penal de 1830 não consta nenhuma menção proibindo o consumo ou o comércio de drogas ou entorpecentes. Até 1890, o que havia eram posturas municipais, como a da Câmara Municipal do Rio de Janeiro, que proibia a venda e o uso do pito de pango, cachimbo de barro utilizado para fumar maconha. A pena era de 20.000 réis, e para os ex-escravos e demais pessoas, três dias de cadeia. No Código Penal de 1890, o art. 159 prevê como crime: “expor à venda, ou ministrar substâncias venenosas sem legítima autorização e sem as formalidades prescritas nos regulamentos sanitários”. A proibição era destinada aos boticários, para prevenir o uso de veneno para fins criminosos. Nada pronunciava a respeito dos usuários.↩︎

  4. Em 2015, foi criada na Câmara dos Deputados a Frente Parlamentar das Comunidades Terapêuticas Acolhedoras. Em 2019, no Senado Federal foi criada a Frente Parlamentar Mista em Defesa das Comunidades Terapêuticas e Apacs – Associações de Proteção e Assistência aos Condenados..↩︎