PADRÕES DE MOBILIDADE E MODUS OPERANDI DOS CRIMES DE ESTUPRO EM MACEIÓ (AL)

Fillipi Lúcio Nascimento

Doutorando em Sociologia pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Mestre em Sociologia e Bacharel em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Alagoas (UFAL). Pesquisador do Laboratório de Estudos de Segurança Pública (LESP/UFAL).

País: Brasil Estado:Alagoas Cidade: Maceió

Email de contato: filli.nascimento@gmail.com ORCID: https://orcid.org/0000-0003-1478-534X

Resumo: O artigo apresenta uma caracterização da mobilidade criminal e do modus operandi dos crimes de estupro ocorridos na cidade de Maceió (AL) entre os anos de 2015 e 2017. Os dados reunidos no estudo foram cedidos pelas Polícias Civil e Militar do Estado de Alagoas e pela Secretaria de Estado de Ressocialização e Inclusão Social. Recorreu-se à abordagem descritiva para descrever os aspectos configuracionais dos crimes sexuais notificados na cidade e no período supracitados. Na análise dos resultados foi possível identificar padrões na forma de atuação dos agressores, nos perfis da vítima e do autor do crime e nas configurações espaço-temporais dos crimes de estupro sobre o perímetro urbano da capital alagoana.

Palavras-chave: Mobilidade criminal. Modus operandi. Estupros. Maceió.

Abstract:

MOBILITY PATTERNS AND MODUS OPERANDI OF RAPE CRIMES IN MACEIÓ (AL)

The article presents a characterization of criminal mobility and modus operandi of rape crimes that occurred in the city of Maceió (AL, Brazil) between the years 2015 and 2017. The data gathered in the study were provided by the Civil and Military Police and by the Alagoas State Re-socialization and Social Inclusion Secretariat. A descriptive approach was used to describe the configurational aspects of rapes reported in the city in the period mentioned above. In the analysis of the results, it was possible to identify patterns in the way in which the aggressors acted, in the profiles of the victim and of the offender and in the spatiotemporal configurations of rape crimes on the urban perimeter of the capital of Alagoas State.

Keywords: Criminal mobility. Modus operandi. Rape crimes. Maceió.

Data de recebimento:27/03/2020 Data de aprovação:10/12/2020

DOI: 10.31060/rbsp.2021.v15.n2.1280

INTRODUÇÃO

É de se lamentar que os casos de violência sexual tenham se tornado cada vez mais recorrentes no Brasil. No ano de 2018, foram registrados em todo o país 66 mil casos de estupro, um aumento de 4,6% em relação ao número de ocorrências registradas em 2017 (FBSP, 2019). Entre 2012 e 2016, cerca de 175 mil casos de exploração sexual contra crianças e adolescentes foram relatados por meio do Disque 100, serviço do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (BRASIL, 2020). Projeções que reconhecem a subnotificação desse tipo de ocorrência apontam para um número 10 vezes maior (CERQUEIRA; COELHO, 2014). O uso da expressão “cultura do estupro” tem marcado os debates sobre violência sexual no Brasil para se referir a um conjunto de comportamentos e ações que toleram o estupro praticado contra crianças, adolescentes e adultos (ENGEL, 2017).

Na esfera jurídica, avanços significativos podem ser observados, sobretudo a partir das “recentes” atualizações do Código Penal brasileiro (CP). A Lei nº 12.015, de 7 de agosto de 2009, ampliou o conceito de estupro, incluindo no rol da prática crimes antes enquadrados como atentados violentos ao pudor. O crime de estupro passou a possuir pena de 6 a 10 anos de prisão. Para os casos que envolvem vítimas com idade entre 14 e 17 anos, a lei passou a prever pena de 8 a 12 anos de reclusão. Nas situações configuradas como “estupro de vulnerável”, isto é, casos cujas vítimas são menores de 14 anos ou pessoas com algum tipo de enfermidade ou deficiência mental, incapazes de discernir sobre a prática do ato, ou ainda, pessoas que, por qualquer causa, não possam oferecer resistência (pessoas em estado vegetativo ou em coma, por exemplo), tal como previsto no art. 217-A da lei supracitada, a pena se elevou para 8 a 15 anos de reclusão.

A Lei nº 13.718, de 25 de setembro de 2018, trouxe seis importantes mudanças no CP relacionadas aos crimes contra a dignidade sexual, a saber: I) a inserção do crime de importunação sexual1; II) a inserção do crime de divulgação de cena de estupro ou de cena de estupro de vulnerável, de cena de sexo ou de pornografia2; III) a alteração no crime de estupro de vulnerável (revisão do art. 217-A do CP); IV) nova causa de aumento de pena para os estupros coletivo e corretivo (revisão do art. 226 do CP); V) novas causas de aumento de pena para os crimes contra a dignidade sexual (revisão do art. 234-A do CP); e VI) o embasamento para ações penais nos crimes contra a dignidade sexual (nova redação do art. 225 do CP). A proposição e a consequente aprovação da Lei nº 13.718/2018 esteve associada a grande repercussão na mídia de casos de homens que se masturbavam e ejaculavam em mulheres em ônibus (ENTENDA, 2019).

A produção acadêmica em torno dos crimes sexuais aumentou consideravelmente no país ao longo dos últimos 20 anos. Uma busca na base ScienceDirect revela que até o início dos anos 2000, publicavam-se em média 642 artigos por ano sobre o tema. Em dez anos, expandiu-se a quantidade de escritos, saltando, em 2010, para 2.327 artigos, chegando aos 4.873 escritos registrados ao final do ano de 2018. Esse dado reflete a relevância que este problema-objeto de pesquisa tem adquirido, principalmente, no que se refere à garantia de direitos fundamentais e às consequências psíquicas e sociais da violência sexual. Mas em que pese o número crescente de trabalhos sobre a referida temática no Brasil, ainda são relativamente escassos os estudos que se dedicam a analisar os padrões de atuação de criminosos sexuais e o perfil de autores e vítimas de crimes sexuais. Essa escassez se deve, fundamentalmente, à dificuldade de se obter dados consistentes e confiáveis sobre os casos em questão.

Neste artigo apresentamos resultados parciais de uma pesquisa mais ampla, conduzida em nível de mestrado no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal de Alagoas3. Propusemo-nos a identificar e descrever as principais tendências inscritas na dinâmica espaço-temporal intraurbana e no modus operandi dos crimes de estupro ocorridos na capital alagoana entre os anos de 2015 e 2017. Utilizamos dados secundários cedidos pelas Polícias Civil (PC/AL) e Militar (PMAL) do Estado de Alagoas e pela Secretaria de Estado de Ressocialização e Inclusão Social (Seris). O método, de ordem quantitativa, consistiu de testes estatísticos, técnicas de georreferenciamento e análises descritiva e inferencial. Para este escrito reservamos a exposição dos principais resultados relacionados aos casos de estupro4.

O artigo encontra-se dividido em três partes, para além desta introdução e das considerações finais. Na primeira parte elaboramos uma síntese teórica em torno do modelo de análise da mobilidade criminal (modelo a partir do qual são reconhecidos os elementos que delimitam o modus operandi dos criminosos, especificamente, para os casos de estupro) sobre o qual o estudo é conduzido. Na segunda parte descrevemos as notas metodológicas da pesquisa. Trata-se de uma breve exposição sobre os dados utilizados e os parâmetros definidos para seu tratamento; os testes e técnicas aplicadas; e as principais hipóteses de trabalho. Os resultados do estudo são apresentados na terceira parte em duas seções, sendo a primeira seção reservada para a caracterização das ocorrências de estupro, cujo objetivo consiste em identificar as tendências que se inscrevem nesse tipo de ocorrência; e a segunda, para descrição da mobilidade criminal.

MOBILIDADE CRIMINAL: CONTEXTO TEÓRICO DA DISCUSSÃO

Em estudo seminal intitulado Crime displacement: what we know, what we don't know, and what it means for crime reduction (2014), Johnson, Guerette e Bowers definem a mobilidade criminal como o deslocamento de crimes e criminosos sobre o espaço geográfico. Muito embora econômica, essa definição condiz objetivamente com os níveis de análise sobre os quais o conceito é operacionalizado: um nível agregado, que verifica a mobilidade a partir da redefinição dos pontos quentes (ou hot spots), que são aquelas regiões que, em um recorte espaço-temporal específico, registram uma alta incidência de crimes; e um nível desagregado, que se refere aos sentidos e à extensão das jornadas para o crime (ou journey to crime), isto é, os trajetos percorridos pelos criminosos de suas residências aos locais do crime (WEISBURD, 2018; WEISBURD; ECK, 2017; BEAUREGARD; MARTINEAU, 2016; NEE, 2015; JOHNSON; GUERETTE; BOWERS, 2014; BEAUREGARD; BUSINA, 2013).

Esse modelo está pautado em um conjunto de teorias reconhecidas como “teorias da oportunidade para o crime”, a saber: a teoria das atividades rotineiras (COHEN; FELSON, 1979); a teoria da escolha racional (CORNISH; CLARKE, 2003); e a teoria dos padrões criminosos (BRANTINGHAM; BRANTINGHAM, 1984). Muito embora essas teorias disponham de instrumentais distintos para a análise dos processos de tomada de decisão e de ação do criminoso, conserva-se em cada uma delas o pressuposto de que as estruturas de oportunidade servem como elemento precipitador dos eventos delitivos e que, portanto, a dinâmica do crime está fortemente relacionada à disposição dessas estruturas no tempo e no espaço (TILLYER; WILCOX; WALTER, 2020).

Nos estudos que descrevem a mobilidade criminal duas conclusões são bastante recorrentes: I) a de que os crimes ocorrem em locais próximos de onde residem os criminosos, o que sugere que eles tentam minimizar seus esforços e que atuam sob as condições que lhes parecem mais favoráveis (notadamente, as situações que lhes demandam menores deslocamentos); e II) a de que a distância percorrida pelo criminoso varia de acordo com a natureza do delito: crimes como roubos (a transeunte) e homicídios (dolosos) tendem a ocorrer com maior frequência nas proximidades da residência do criminoso, diferentemente de outros, como tráfico de drogas, cujas distâncias entre os marcos de origem (domicílio dos infratores) e os marcos de destino (local do crime) tendem a ser maiores.

A mobilidade nos casos de crimes sexuais reserva características peculiares. Isso se deve, fundamentalmente, à natureza individual e interpessoal dos fatores que a condicionam5. Por exemplo: estudos como os de LeBeau (1987), Leclerc e Tremblay (2007) e Duwe, Donnay e Tewksbury (2008) exploram a relação entre as jornadas para o crime e o tipo de vínculo entre criminoso e vítima: os autores constatam que as maiores distâncias compreendidas entre a residência do criminoso e o local do crime são percorridas por agressores que possuem vínculo familiar direto com as vítimas (parentesco por consanguinidade). A extensão do trajeto percorrido por eles, nesses casos, está diretamente relacionada à possibilidade de garantir o contato sexual com a vítima sem correr o risco de ser surpreendido por familiares ou conhecidos que residem nas proximidades de seu domicílio (que, em muitos dos casos, também é o domicílio da vítima).

Walker, Golden e VanHouten (2001) e Tewksbury e Mustaine (2006), por sua vez, observam que a distância percorrida por um criminoso sexual influencia no tipo de “local para o crime”: seus estudos demonstram que quanto maior o distanciamento da residência do criminoso sexual, maior a probabilidade de que esse criminoso cometa o estupro em locais abertos, como terrenos baldios ou vias públicas.

Leclerc et al. (2009) verificam a relação entre a mobilidade e o número de vítimas de um criminoso sexual: os autores percebem que os agressores que percorrem maiores distâncias para consumar o ato tendem a se concentrar em uma única vítima, diferentemente daqueles que “optam” por cometer os delitos em locais próximos de suas residências, que estão mais propensos a diversificarem suas vítimas.

Leclerc, Wortley e Smallbone (2010) apontam a redefinição das tendências de deslocamento de criminosos sexuais pelo fator “disposição de carro de passeio”: os autores observam que o fato de possuir um carro permite ao agressor não somente fazer uso de múltiplas localizações para obter contato sexual com uma ou com várias vítimas, mas também perdurar o contato (prolongando a opressão sobre a vítima), considerando que, ao perceber o risco de apreensão em determinado local, o agressor se desloca para outro, mais oculto (onde, no próprio carro, perpetra o contato sexual).

Durante o crime, os criminosos precisam tomar uma série de decisões, dentre elas, a de onde cometer o crime (CORNISH, 1994). Os criminosos podem planejar fazer uso de um local particular para fins específicos (minimizar os riscos de serem flagrados, por exemplo) ou, simplesmente, tomar a decisão no local, seja porque não dispõem de um espaço próprio, seja porque não contemplam alternativas possíveis. Petrosino e Brensilber (2003), Bernasco e Nieuwbeerta (2005) e Coupe e Blake (2006) apontam sentidos distintos na relação entre o processo decisório do criminoso e a escolha do local do crime em algumas modalidades de crimes contra o patrimônio e de crimes sexuais. Como afirmam os autores, nos casos de furto de automóveis ou de residências, os criminosos decidem primeiramente sobre uma área adequada e depois selecionam um alvo específico nessa área. Nos estupros, o processo de tomada de decisão é diferente: somente depois de selecionar a vítima (o “alvo”), o criminoso procura um local “seguro” para obter o contato sexual. Esse modus operandi serve a um propósito utilitarista, qual seja, o de obter gratificação sexual com a vítima sem ser surpreendido.

Nos casos de estupro em que as vítimas são crianças (casos que poderiam ser configurados como estupros de vulnerável), as pesquisas sobre mobilidade criminal apontam diferenças notáveis: um caso típico de estupro de vulnerável envolve um agressor que conhece a vítima antes de cometer o crime. Diferentemente de outros crimes sexuais, casos de estupro de vulnerável tendem a ocorrer com maior frequência em locais fechados. Esse tipo de crime contempla, geralmente, três estágios de manipulação da vítima, a saber: I) ganho de confiança; II) condescendência; e III) manutenção do silêncio (LECLERC; WORTLEY; SMALLBONE, 2010; LECLERC; TREMBLAY, 2007). Ao contrário de outros delitos como, por exemplo, homicídios, que se tratam de eventos singulares em uma localização singular, nos crimes sexuais, especificamente os de estupros contra crianças, um agressor pode obter vários contatos com uma mesma vítima em múltiplas localizações em um dado período de tempo (semanas, meses ou até anos).

Lussier, Bouchard e Beauregard (2011) desenvolvem modelos descritivos da atuação de criminosos sexuais. Estes modelos, denominados “roteiros”, são basicamente três, a saber: I) o roteiro agressivo ou coercitivo; II) o roteiro manipulador; e III) o roteiro não-persuasivo.

O roteiro agressivo compreende duas faixas6 de operação: a) “estupros em invasão domiciliar”; e b) “estupros ao ar livre”. Ambas as faixas apresentam os mesmos métodos de busca e ataque, mas diferem em termos da extensão do trajeto percorrido e do local do crime. Os estupros em invasão domiciliar são, na grande maioria dos casos, cometidos por criminosos que residem próximos às vítimas. Portanto, tendem a ser crimes de “curta mobilidade”, com ocorrência em locais reconhecidos tanto pelas vítimas (sua residência) quanto pelo criminoso. Agressores com esse perfil agem em função da análise das atividades rotineiras de seus alvos (são stalkers) e tendem a ser extremamente violentos. A agressividade é também um traço daqueles que cometem estupros ao ar livre. Esta “modalidade”, contudo, está comumente associada a deslocamentos de grande extensão, o que, segundo os autores, sugere que o local onde o crime ocorre seja um local desconhecido pelo criminoso.

No roteiro manipulador também se observam duas faixas de atuação: a) “abordagem sofisticada”; e b) “infiltrado na família”. A faixa de abordagem sofisticada é caracterizada pela grande quantidade de tempo investido pelos criminosos na preparação de seus crimes e na seleção de suas vítimas. Segundo Lussier, Bouchard e Beauregard (2011), uma vez que esses criminosos encontram suas vítimas (principalmente em locais públicos), tentam convencê-las a acompanhá-los para um local privado (sua casa, seu veículo ou qualquer outro local reconhecido somente pelo agressor), onde perpetram o ato criminoso. Esse “oportunismo premeditado” também caracteriza a atuação de agressores infiltrados na família. Esta faixa compreende indivíduos que se utilizam de sua ocupação para ter acesso às vítimas, infiltrando-se em suas famílias como um prestador de serviço, a exemplo de babás. Crianças e adolescentes constituem os alvos preferenciais desse tipo de criminoso. A afinidade que os agressores desenvolvem com suas vítimas os permite atraí-las para locais que são reconhecidos somente por eles. São criminosos de alta mobilidade, sendo esta facilitada pela disposição de um veículo.

O estupro de ação direta é a única faixa do roteiro denominado não-persuasivo. Esse tipo de crime é espontâneo. O processo de seleção das vítimas reflete um baixo ou nenhum investimento de tempo por parte do criminoso. Este tende a operar em função da visibilidade local. Segundo os autores, os crimes cometidos por indivíduos inscritos nessa faixa de atuação ocorrem com maior frequência em vias públicas. A abordagem, o ataque e a liberação da vítima acontecem no mesmo lugar. A principal diferença entre o estupro de ação direta (do roteiro não-persuasivo) e o estupro ao ar livre (do roteiro agressivo) consiste no tempo investido na consecução do ato, que é muito maior neste último (portanto, um ato mais planejado) em relação àquele primeiro (mais oportunista) (LUSSIER; BOUCHARD; BEAUREGARD, 2011).

Como dito alhures, a despeito de não ser nenhuma novidade conceitual (BEATO et al., 2001), no Brasil, ainda são escassas as pesquisas que partem da descrição da mobilidade criminal para a interpretação do modus operandi e da configuração espaço-temporal dos crimes (NASCIMENTO, 2020; 2019; CECCATO, 2005). No que se refere aos crimes sexuais, os estudos locais são ainda mais raros. Estes se atém aos grandes centros urbanos brasileiros (notadamente, São Paulo) e, em síntese, exploram a capacidade preditiva de variáveis situacionais sobre as ocorrências de violência sexual (MOREIRA; CECCATO, 2020; MELO; BEAUREGARD; ANDRESEN, 2019). Por outro lado, não se tem registros de estudos que analisem a mobilidade criminal nos casos de crimes sexuais em pequenas capitais (como o que esta pesquisa se prestou a fazer) ou em cidades interioranas, seja para fins prospectivos ou comparativos. Dessa forma, o presente trabalho reveste-se de maior relevância.

NOTAS METODOLÓGICAS

Em função das restrições operacionais para realizarmos um levantamento dos registros de todos os crimes ocorridos na cidade de Maceió (AL) no intervalo de uma década7, tomando os inquéritos policiais como fontes primárias de informação, optamos por delimitar o recorte temporal de nossa pesquisa ao triênio 2015-2017 e utilizar dados das bases informacionais das Polícias Civil e Militar de Alagoas e da Secretaria de Estado de Ressocialização e Inclusão Social (Seris). Pelo Sistema Eletrônico do Serviço de Informação ao Cidadão do Estado de Alagoas, o e-SIC Alagoas, requeremos aos referidos órgãos que nos encaminhassem por e-mail, na forma de planilha do Excel (.xls), as informações disponíveis relativas a todos os crimes ocorridos na cidade de Maceió entre os anos de 2015 e 2017. Nas requisições, solicitamos para que fossem retirados todos e quaisquer dados que possibilitassem a identificação dos criminosos ou das vítimas (como nome completo ou filiação, por exemplo), em respeito aos termos do art. 7º, inciso IV e do art. 11, inciso II, alínea “c” da Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018.

Obtivemos três grandes bases brutas de dados. A primeira foi concedida pelo Núcleo de Estatística e Análise Criminal (Neac) da Polícia Militar. A segunda, e a mais densa, foi disponibilizada pela Assessoria Técnica de Estatística e Análise Criminal (ASSTEAC) da Polícia Civil. A terceira foi cedida pela Gerência de Pesquisa e Estatística do Sistema Prisional de Alagoas (GPESP) da Seris. No caso da base da Seris, os dados prestados (dentre os quais informações sobre o perfil social do criminoso e seu domicílio) se referiam apenas a casos ocorridos no ano de 2017. Isso se deveu ao fato de que, segundo a assessoria de comunicação do órgão, os registros anteriores a abril de 2016 ainda não haviam sido inseridos por completo no sistema da GPESP, o que condicionou a resposta ao pedido de acesso à informação à concessão dos dados do ano de 2017 (que já tinham sido integralmente computados).

Utilizamos macros para manipular as três bases simultaneamente. Padronizamos os campos e a forma de descrição dos dados em cada uma das bases para podermos sintetizá-las em um único banco consolidado denominado “base matriz”. Para este artigo, revisitamos a matriz a fim de analisar os dados relacionados aos casos de estupro. A exemplo do que foi feito no estudo do qual deriva este escrito, aplicamos três filtros sobre a base. O primeiro consistiu na redução das duplicidades (casos idênticos presentes nas três bases). Nessa etapa, tomamos como referência o registro da base com o maior número de informações sobre cada caso analisado, inclusive, nas situações de múltiplos casos similares em uma mesma base. Aplicado o primeiro filtro, obtivemos na matriz 34.141 registros de crimes notificados na capital alagoana entre os anos de 2015 e 2017.

O segundo filtro compreendeu a redução dos casos analisados aos de crimes de estupro. Com esse filtro o universo da pesquisa reduziu-se significativamente, de 34.141 registros para 3.311.

O terceiro filtro constou na redução dos registros incompletos. A fim de que pudéssemos compor um perfil sólido das ocorrências, das vítimas e dos criminosos optamos por trabalhar com os casos que dispusessem do maior volume de informações possível sobre os fatos notificados. Ao reconhecermos que uma parcela expressiva dos registros jaziam incompletos, selecionamos apenas aqueles que não comprometessem a elaboração dos mapas (portanto, que contivessem as informações sobre o local do fato, basicamente) ou a identificação do perfil integral das ocorrências, das vítimas e dos criminosos para cada ramo ilícito. Uma vez aplicado o terceiro filtro obtivemos um total 1.827 registros úteis.

Por fim, tornamos a dividir a base matriz em três bases, uma para cada ano do triênio, para que pudéssemos verificar possíveis variações ao longo do período selecionado para o estudo. A composição das bases finais encontra-se esquematizada na Tabela 1.

Em 431 dos 859 registros úteis de casos de estupro ocorridos em Maceió (AL) no ano de 2017 tivemos acesso à informação do domicílio do agressor. Portanto a análise da jornada para o crime foi realizada apenas sobre esses casos.

Georreferenciamos as 1.827 ocorrências de estupro. Para todos os casos, utilizamos os recursos do software Arcmap® para converter os endereços identificados em coordenadas geográficas e compilá-las em arquivos no formato comma-separated values (.csv). As bases cartográficas da cidade de Maceió para as unidades de bairro foram obtidas no site do IBGE, todas em formato shapefile (.shp) e processadas a partir do software QGIS® em sua versão 2.18.

Elaboramos dois tipos de mapas temáticos: mapas de distribuição das ocorrências por bairro e mapas de densidade Kernel. Nos mapas de distribuição, as proporções das ocorrências foram padronizadas em quintis, conforme os valores máximo e mínimo, e em escalas cinza, com tons mais claros para os menores valores e tons mais escuros para os maiores valores. No caso dos mapas de Kernel, serviu-nos apenas a configuração primária dos pontos georreferenciados para gerar um raster da concentração dos casos.

Com relação às jornadas para o crime, mostrou-se mais útil a ligação direta dos marcos de origem (domicílios dos criminosos) e dos marcos de destino (locais do crime). Utilizamos os recursos do QGIS® para estimar a distância em quilômetros entre os marcos. Reiteramos que a análise das jornadas foi feita sobre os 431 casos do ano de 2017 sobre os quais tivemos acesso à informação do domicílio do agressor.

Recorremos à abordagem descritiva para caracterizar os aspectos configuracionais dos crimes sexuais notificados. Na análise dos perfis da vítima e do criminoso optamos por descrever as variáveis selecionadas comparativamente entre grupos definidos pela modalidade do crime (estupro e estupro de vulnerável) e aplicar testes estatísticos que nos permitissem confirmar se as diferenças observadas eram estatisticamente significantes. Utilizamos o teste qui-quadrado para as variáveis qualitativas e a análise de variância (Anova) para as quantitativas. Ambos foram operacionalizados a partir do software SPSS® em sua versão 25.

Nenhum dos dados empregados na pesquisa permitiu a identificação das pessoas às quais as ocorrências se referiam, dispensando-nos da necessidade de submeter o estudo à apreciação de comitês de ética conforme os termos do inciso V do art. 1º da Resolução nº 510, de 7 de abril de 2016, da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Modus operandi dos crimes de estupro

A Tabela 2 apresenta a variação percentual do número de ocorrências de estupro notificadas ao longo do triênio. Entre os anos de 2015 e 2016 observamos um aumento expressivo no número de casos, seguido de uma leve alta entre os anos de 2016 e 2017. A variação geral no triênio é positiva e deveras elevada: há um aumento de 148,3% nas ocorrências de estupro notificadas na cidade de Maceió (AL) entre os anos de 2015 e 2017.

A Tabela 3 descreve a distribuição mensal das ocorrências de estupro. Podemos observar que, no triênio, o mês de fevereiro concentra o maior número de ocorrências de estupro, respondendo por 22,8% dos casos registrados em 2015, por 18,7% em 2016 e por 20% das ocorrências notificadas no ano de 2017. É possível que essa tendência esteja associada às festividades carnavalescas, pois nesse período, tal como demonstra Fontes (2020), em todo o Brasil são percebidos aumentos significativos nos casos de violência e importunação sexual. Para além dessa tendência, com poucas exceções, o que se percebe é um aumento pouco expressivo do número de casos nos meses que antecedem ou precedem imediatamente o mês fevereiro. Não observamos outra tendência marcante ao longo do período analisado.

O Gráfico 1 ilustra a frequência diária dos crimes de estupro. Podemos observar que, diferentemente dos casos de roubo a transeunte e homicídio doloso, os quais, a exemplo do que descreve Nascimento (2020), apresentam tendências definidas em relação aos dias da semana (tendo os casos de roubo uma maior incidência entre segundas e quartas-feiras; e os casos de homicídio nos sábados e domingos), nos crimes de estupro não há padrão que se evidencie a partir da distribuição diária das ocorrências.

Em linhas gerais, o que se nota é uma distribuição “regular” dos casos, isto é, apresenta valores muito próximos ao valor da média semanal, a despeito de observarmos uma leve diferença no número de casos notificados entre os dias de segunda e quarta-feira em relação aos demais dias da semana. Mesmo assim, essa não é uma tendência que se sustenta ao longo do triênio, percebendo variações.

No Gráfico 2 encontra-se descrita a distribuição dos casos de estupro em função da faixa horária, conforme dados do triênio 2015-2017.

Como apreendemos do Gráfico 2, os períodos da manhã (das 6h às 12h) e da tarde (das 12h às 18h) são aqueles em que os crimes de estupro são mais recorrentes. É possível que a frequência desses casos nessas faixas esteja associada à “disponibilidade” das vítimas, sobretudo nos casos de estupro de vulnerável, tal como relatado por Petrosino e Brensilber (2003): as faixas da manhã e da tarde são os horários em que os pais não estão em casa, seja porque estão trabalhando ou realizando qualquer outro tipo de atividade. Nesses horários as crianças tendem a estar na escola ou em casa, sozinhas ou acompanhadas por parentes ou conhecidos, dentre os quais, potenciais criminosos sexuais.

Devemos atentar para o fato de que a alta frequência dos casos de estupro notificados se dá exatamente nos períodos com maior disposição de luz natural. Essa variável tem sido reconhecida por diversos autores como uma variável interveniente sobre a ocorrência de certos crimes, notadamente, aqueles que são mais frequentes em vias públicas, como os crimes de roubo a transeunte e homicídios dolosos (NASCIMENTO, 2020; 2019). Reconhece-se a tendência geral de que os criminosos privilegiam os horários de baixa luminosidade para cometerem os crimes. Essa tendência está associada a um traço do modus operandi desses agentes, qual seja, o de executar o crime sem ser reconhecido ou surpreendido.

Em relação aos estupros ocorridos em Maceió (AL), essa tendência se mostra diretamente relacionada aos locais em que os crimes ocorreram, notadamente, espaços fechados como a própria residência do criminoso ou estabelecimentos comerciais. Esse dado denuncia a preocupação dos criminosos com a exposição, tal como relatado por Walker, Golden e VanHouten (2001) e Tewksbury e Mustaine (2006). Abordaremos os dados sobre os locais de ocorrência do crime posteriormente.

A Tabela 4, por sua vez, apresenta a distribuição do número de ocorrências de estupro em função do instrumento empregado no fato.

Observamos que a força física é o principal meio utilizado pelos criminosos para coibir a vítima nos casos de estupro, sendo relatado em 47,7% do total dos registros. As armas brancas assumem a segunda posição do ranking, descritas em 30,6% dos casos, seguidas das armas de fogo, constantes em 10,6% das ocorrências. É notável o fato de a força física se constituir um traço recorrente do modus operandi nos casos de estupro ocorrido em Maceió (AL) entre 2015 e 2017, a despeito do aumento considerável de ocorrências que apontam o uso de armas brancas (aumento de 363,5%) e de outros meios de coerção, dentre os quais, o uso de entorpecentes (aumento de 841,7%) ao longo do triênio.

Para autores como Maddan e Pazzani (2017) e Lussier, Bouchard e Beauregard (2011), a recorrência à força física como instrumento de coação pode indicar uma despreocupação por parte do criminoso com relação à resistência da vítima. Isso porque “They are so convinced that they will not be surprised, they are so comfortable with the situation, that they even take the risk of physical combat with the victim” (LUSSIER; BOUCHARD; BEAUREGARD, 2011, p. 436). Conforme Maddan e Pazzani (2017), que fundamentam uma análise a partir dos pressupostos da teoria da escolha racional, nesses casos o agressor assume os custos de um combate físico com a vítima porque reconhece uma compensação desses custos. Essa compensação pode ser traduzida na certeza de que ele não será incriminado ou de que o contato sexual não será frustrado. Não à toa, esse traço do modus operandi se expressa de forma preponderante nos casos em que o agressor planeja minuciosamente o crime.

A Tabela 5 descreve a distribuição dos registros de estupro pelo número de autores do fato.

Nos crimes de estupro, os casos em que se observa a participação de um único autor são mais recorrentes, representando 82,2% do total das ocorrências. Estupros coletivos, isto é, casos cuja autoria é atribuída a dois ou mais agentes (tal como tipificado no art. 226, inciso IV, alínea “a”, do Código Penal brasileiro, inserido pela Lei nº 13.718, de 24 de setembro de 2018) correspondem a 13,9% dos registros analisados. Os dados apontam um aumento de assombrosos 193% nos registros desse tipo de ocorrência na capital alagoana ao longo do período selecionado para o estudo.

A Tabela 6 apresenta a distribuição das ocorrências de estupro em função do meio de locomoção utilizado pelo criminoso.

Conforme os dados dispostos na Tabela 6, a categoria “outros meios” é relatada em 45,7% dos casos analisados. Desse universo, cerca de 82% (ou 686 casos) indicam o carro como principal meio de locomoção do criminoso. A categoria “a pé” responde pela segunda maior parcela dos registros, ou 29,8% dos casos. Entre os meios de locomoção mais utilizados pelo agressor, as motocicletas aparecem na terceira posição do ranking, respondendo por 10,5% dos casos. Pouco mais de 5% dos registros analisados não dispunham dessa informação.

Em linhas gerais, os dados indicam uma outra tendência restrita aos crimes de estupro distinta daquelas descritas por Nascimento (2020) em relação aos casos de roubo a transeunte e homicídio doloso, onde o uso de motocicletas se mostra mais recorrente. O uso de carros de passeio, a exemplo daquilo que é relatado por Leclerc, Wortley e Smallbone (2010), é um outro traço do modus operandi de criminosos sexuais que visam reduzir o risco de exposição e prolongar o abuso sobre a vítima.

Na Tabela 7 encontram-se distribuídos os casos de estupro pela natureza do local do crime.

Os estupros ocorridos em vias públicas representam 41,5% do total. Em 41,1% dos casos, os crimes se deram no interior de uma residência. Casos notificados em estabelecimentos comerciais representam 12,8% do total. A predominância das categorias “vias públicas” e “interior de residência” como locais do crime nos casos de estupro notificados em Maceió (AL) se conserva ao longo do triênio, com variações pouco expressivas, exceto no ano de 2017, quando o número de casos ocorridos no interior de residência supera o número de casos ocorridos em vias públicas.

Contemplamos, a princípio, duas possibilidades de interpretação das tendências observadas a partir da Tabela 7. A primeira delas se refere ao número de casos que ocorrem em vias públicas. Se associada aos dados da Tabela 6, podemos sugerir uma relação entre a incidência dos crimes de estupro em vias públicas e a disposição de um carro, a exemplo do que é descrito por Leclerc, Wortley e Smallbone (2010). A disposição de um veículo permitiria ao agressor percorrer maiores trajetos para executar o crime. Este poderia ser cometido dentro do carro ou em via pública, uma vez reconhecido pelo agressor o baixo risco de apreensão.

A segunda possibilidade de interpretação, que em alguma medida também está relacionada à primeira, diz respeito à preocupação do criminoso com sua exposição. Se refletirmos a partir da frequência expressiva de casos de estupro ocorridos em espaços fechados, notadamente, no interior de residências (que podem ser tanto do criminoso quanto da vítima8), também é possível sugerir que haja uma relação entre esse dado e as ocorrências que descrevem a categoria “a pé” como meio de locomoção do criminoso, tal como identificado por Walker, Golden e VanHouten (2001) e Tewksbury e Mustaine (2006).

De forma geral, com base nas principais tendências observadas sobre a amostra, o que se verifica é que os estupros notificados na capital alagoana ocorrem preponderantemente no período da tarde e em vias públicas. Tratam-se de casos que envolvem um único agressor que se desloca fazendo uso de um automóvel. Sua abordagem, na maioria dos casos, tende a ser extremamente violenta9, pois recorre ao uso da força física como instrumento de coerção da vítima.

Os perfis da vítima e do criminoso, que passamos a descrever nesse momento, são delimitados a partir de sua frequência na análise dos casos. As características inscritas nesses perfis dispensam qualquer tipo de determinismo de inspiração lombrosiana. Elas, antes, constituem indicativos da probabilidade de vitimização ou de fatores complexos associados à sujeição criminal (MADDAN; PAZZANI, 2017). Para todos os casos, não pretendemos nos estender para além da análise descritiva, a despeito de toda pertinência que a problematização dos elementos relacionados à composição desses perfis possa ter.

Tanto para a descrição do perfil da vítima quanto do agressor subdividimos as ocorrências em função da modalidade do crime de estupro cometido, isto é, entre casos de estupro (art. 213 do CP) e de estupro de vulnerável (art. 217-A do CP). O objetivo dessa classificação é verificar, a partir de testes estatísticos, se há diferenças estatisticamente significativas entre a modalidade do estupro e as características dos perfis da vítima e do criminoso. Como alhures dito, utilizamos o teste qui-quadrado para as variáveis qualitativas e a análise de variância (Anova) para as quantitativas.

A Tabela 8 apresenta o perfil sociodemográfico das vítimas dos crimes de estupro ocorridos na cidade de Maceió (AL) entre os anos de 2015 e 2017.

De acordo com os dados inscritos na Tabela 8, as vítimas dos crimes de estupro de vulnerável são preponderantemente do sexo feminino (70,8%), não-brancas (78,8%) e com idade entre 10 a 14 anos (52,5%). O nível de instrução fundamental (45%) e o estado civil de solteiro (notadamente, em função da faixa etária, muito embora este dado careça de maior objetividade) (100%) são outras características inscritas no perfil dessas vítimas. Nos casos de estupro, as vítimas são, majoritariamente, do sexo feminino (98,3%), não-brancas (75,6%), com idade entre 25 e 29 anos (30%). O nível de instrução fundamental (29,3%) e o estado civil de casado (47,1%) também definem o perfil das vítimas desse tipo de crime.

Segundo o teste qui-quadrado, a diferença nas duas distribuições mostrou-se estatisticamente significante, indicando uma associação entre a modalidade do crime de estupro e o sexo da vítima, confirmando, portanto, que a proporção de vítimas do sexo masculino nos casos de estupro de vulnerável é maior em relação ao número de vítimas de mesmo sexo nos casos de estupro. Contudo, esse resultado só nos permite testar a hipótese de que há diferença na distribuição da variável “sexo” segundo a modalidade do crime de estupro, não sendo possível confirmar que indivíduos do sexo masculino estão mais sujeitos ao crime de estupro de vulnerável que indivíduos do sexo feminino.

A composição etária das vítimas apresentou um perfil diferenciado, claramente definido pela modalidade do crime. Ou seja, as vítimas com faixas etárias mais jovens, entre 0 e 14 anos, se concentram nos casos de estupro de vulnerável (com raras exceções, a exemplo dos 2 casos enquadrados na faixa de 30 a 39 anos, que representam casos cujas vítimas possuem deficiência mental). Por outro lado, as faixas etárias “mais velhas”, sobretudo a partir de 20 anos, apresentam maiores proporções nos casos de estupro. No intervalo intermediário, entre 20 e 29 anos, não há diferença estatisticamente significante. A idade média das vítimas de estupro de vulnerável era de 10 anos, ao passo que a das vítimas de estupro, de 29 anos, diferença também confirmada por meio da análise de variância que indicou significância estatística.

As demais características sociodemográficas (escolaridade, estado civil e “cútis”) não apresentaram diferenças estatisticamente significantes.

Esses dados são úteis na compreensão do modus operandi dos criminosos sexuais que atuam na cidade de Maceió (AL). Chama-nos atenção, a princípio, o recorte de gênero. Do ponto de vista da operacionalidade do crime, autores como Felson e Boba (2010) explicam essa “preferência” em função da percepção de vulnerabilidade que o criminoso tem sobre sua vítima: o agressor (que na maioria dos casos é do sexo masculino) tende a enxergar as vítimas do sexo feminino como mais vulneráveis10, porque sob a ótica do agressor elas oferecem menos resistência ou podem ser mais facilmente contidas que as vítimas do sexo masculino. Na medida em que “elas” oferecem menos riscos à operação criminosa, também tendem a ser tomadas como alvos potenciais da abordagem.

Segundo Mogavero e Kennedy (2017), no caso de crimes sexuais, o pressuposto da percepção de vulnerabilidade também se mostra associado a outras características do perfil social da vítima, como a cor negra e as faixas etárias mais jovens (30 anos ou menos), atributos que parecem se aplicar ao caso maceioense. É preciso reiterar que essas características se reservam aos casos de estupro, de modo que para outros tipos de crime a percepção de vulnerabilidade se relaciona a outros elementos.

A Tabela 9, por sua vez, descreve o perfil sociodemográfico do autor do crime de estupro na cidade de Maceió (AL) com base em dados do ano de 2017.

Conforme os dados dispostos na Tabela 9, os autores do crime de estupro de vulnerável são, em sua maioria, do sexo masculino (92,1%), não-brancos (72,5%), com idade entre 30 e 39 anos (38,2%). Eles possuem o ensino médio como grau de instrução (40,1%) e ostentam o estado civil de casado (45%). Cerca de 42% dos casos de estupro de vulnerável ocorridos em Maceió (AL) no ano de 2017 foram cometidos por indivíduos sem vínculo familiar, contudo conhecidos da vítima (como vizinhos, amigos, namorados e afins).

Boa parte das características que se inscrevem no perfil do criminoso nos casos de estupro de vulnerável também se inscrevem no perfil do criminoso nos casos de estupro: tratam-se de indivíduos do sexo masculino (96,6%), não-brancos (84,4%), com idade entre 30 e 39 anos (42,8%). Possuem o nível de instrução de ensino fundamental (30,2%) e são casados (37,1%). Em 43,3% dos casos de estupro analisados, o crime foi cometido por um agressor que não possuía qualquer tipo de vínculo com a vítima, portanto, um desconhecido.

Com relação ao perfil do autor do crime, o teste qui-quadrado também aponta diferenças estatisticamente significantes nas duas distribuições, apontando uma associação entre a modalidade do crime de estupro e o vínculo entre criminoso e vítima: o teste indica que a proporção de agressores que possuem vínculo familiar direto (vínculo por consanguinidade) com as vítimas é muito maior nos casos de estupro de vulnerável que nos casos de estupro. Por outro lado, o teste também demonstra que a concentração de agressores cujo vínculo familiar com a vítima é do tipo indireto (vínculo por afinidade) é maior nos casos de estupro que nos casos de estupro de vulnerável. Mas a exemplo do que verificamos em relação ao perfil da vítima, o resultado do teste qui-quadrado somente nos permite aferir a hipótese de que há diferença na distribuição da variável “natureza do vínculo” segundo a modalidade do crime de estupro, não sendo possível confirmar que agressores com vínculo familiar direto com a vítima cometam mais crimes de estupro de vulnerável, ou, no caso de possuir vínculo familiar indireto, cometam mais crimes de estupro.

As demais características sociodemográficas (sexo, “cútis”, escolaridade e estado civil) não apresentaram diferenças estatisticamente significantes. As tendências que se observam no perfil do criminoso correspondem àquelas descritas por Cerqueira e Coelho (2014) em ampla caracterização das ocorrências de estupro no Brasil.

Na seguinte seção, caracterizamos a mobilidade criminal nos casos de estupros ocorridos em Maceió (AL) entre os anos de 2015 e 2017.

Mobilidade criminal nos casos de estupro

A Figura 1 representa o mapa da distribuição espacial das ocorrências de estupro na cidade de Maceió (AL), por bairros, ao longo do triênio 2015-2017.

Ao longo do triênio, três bairros concentraram cerca de 38% do total dos casos de estupros ocorridos na cidade de Maceió (AL). São eles: Cidade Universitária e Benedito Bentes, na parte alta da cidade, e Jacintinho, na parte baixa. Este assume a primeira posição do ranking, com 323 ocorrências de estupro notificadas no triênio 2015-2017, seguido dos bairros de Benedito Bentes, com 193 ocorrências, e de Cidade Universitária, com 178. Tratam-se dos bairros de maior densidade populacional da capital alagoana, o que, ao menos parcialmente, justifica a elevada concentração dos casos de estupro nessas localidades.

A configuração dos crimes de estupro analisados sobre o perímetro urbano da capital alagoana se conforma à descrição geral do triênio, de modo que não há variações expressivas na distribuição dessas ocorrências, por bairro, nos anos de 2015, 2016 e 2017, diferentemente do que se observa em relação aos crimes de roubo e de homicídio (NASCIMENTO, 2020). Esse dado constitui um forte indicativo de que a mobilidade criminal em nível agregado dos casos de estupro é pouco significativa, o que, por sua vez, sugere um certo grau de dependência espacial que pode estar relacionado com as características ambientais ou estruturais das localidades onde são registrados com maior recorrência os crimes em questão. Não exploramos essa hipótese neste estudo.

Muito embora o bairro de Jacintinho se sobressaia entre os demais como o bairro que registra mais de 168 ocorrências de estupro por ano no curso do triênio, a variação do número desses registros nesse bairro é negativa: apresenta uma queda de 5%. Na Tabela 10 descrevemos o ranking dos 10 bairros maceioenses com os maiores números de estupros registrados entre os anos de 2015 e 2017. Não desconsideramos a hipótese de subnotificação desses registros, sobretudo nos bairros de maior densidade populacional, onde, como vimos, a incidência desse tipo de crime demonstra ser mais intensa. Também reconhecemos que os números expostos dizem respeito aos registros “selecionados” para este estudo.

Os mapas da distribuição dos casos de estupro por bairros são úteis até certo ponto. Eles não nos permitem verificar, por exemplo, onde se localizam e com que intensidade ocorrem os crimes no interior dos bairros, onde a concentração das ocorrências é maior, pois assumem o pressuposto de uma distribuição uniformizada dos casos. Para uma descrição da dinâmica espaço-temporal dos crimes de estupro no interior dos bairros da cidade de Maceió (AL) utilizamos mapas de densidade Kernel. A análise da intensidade pontual das ocorrências em determinadas localidades dos bairros cuja incidência de estupros é elevada nos permite verificar outras características que conformam o modus operandi e a mobilidade para esses crimes.

A Figura 2 representa o mapa dos pontos quentes de estupro na cidade de Maceió (AL), por bairros, com base em dados do triênio 2015-2017.

Uma visualização preliminar da Figura 2 nos permite verificar um efeito de dispersão no interior dos bairros que não se apreende, por exemplo, na configuração espacial dos crimes de roubo a transeunte e de homicídio doloso (NASCIMENTO, 2020). Esse efeito nos conduz a duas possibilidades de interpretação: I) a do baixo grau de reincidência dos crimes de estupro (não à toa é possível observar por quase toda a extensão do perímetro urbano de Maceió regiões de densidade baixa e muito baixa de ocorrências); e II) a do alto grau de dependência espacial dos casos nos bairros que registram um maior número de ocorrências de estupro. Não dispomos de maiores informações (ou de dados atualizados) sobre as condições de vida da vítima e do criminoso, assim como dos demais elementos circunstanciais que definem cada um dos 1.827 casos analisados de modo a atestar cada uma dessas alternativas.

Os pontos de média densidade para os casos de estupro que se observam em Benedito Bentes e na Cidade Universitária se situam em vários conjuntos habitacionais que se estendem no interior desses bairros. Na parte baixa da cidade, o único ponto de alta densidade, tal como descrito na Figura 2, se circunscreve à parte das grotas que se localizam no bairro de Jacintinho. Por questões éticas, não revelamos com especificidade as localidades nas quais esses crimes ocorreram. A regularidade dos estupros nesses locais se inscreve aos turnos da manhã (das 7h às 11h) e da tarde (das 13h às 17h), com significativa incidência em alguns horários da noite (especificamente, entre 18h e 19h).

As descrições elaboradas por Delfino (2017) acerca das condições infraestruturais dos bairros periféricos maceioenses (como o são Benedito Bentes, Cidade Universitária e Jacintinho) nos permitem alçar algumas explicações em torno dos elementos que podem ter orientado a configuração espacial dos casos de estupro nas localidades indicadas pela Figura 2.

Do ponto de vista da vigilância natural, a caracterização mostrou que as ruas são mal iluminadas e possuem pouca permeabilidade visual devido ao grande número de fachadas cegas (os altos muros fechados das residências e as portas fechadas dos estabelecimentos comerciais). A falta de vigilância natural detectada nas áreas é, possivelmente, o fator de maior impacto provável sobre a incidência de crimes nas áreas estudadas, tornando as barreiras visuais existentes entre as edificações e os espaços públicos um agravante da violência urbana. É possível afirmar que alterações espaciais direcionadas às fachadas dos prédios e à iluminação dos espaços poderiam ser pontos abordados para o aumento da prevenção criminal em áreas hotspots do crime. [...] Em relação ao reforço territorial, a impressão de abandono obtida com as visitas realizadas durante a pesquisa foi atribuída à falta de manutenção – calçadas deterioradas, ausência de acessibilidade, equipamentos defasados – e à ausência de territorialidade – ausência de indícios de apropriação dos habitantes e delimitação entre espaços públicos e privados – observadas nos espaços. Estas duas características, aliadas às interfaces de muros altos e fechados, transmitem o sentimento de insegurança e medo nos usuários, que tendem a evitá-los. Os espaços, então, se mostraram isolados e pouco atrativos, características que facilitam a criminalidade na área. (DELFINO, 2017, p. 144, grifos da autora).

Parte das características infraestruturais descritas por Delfino (2017), como a pouca visibilidade do interior das residências, a iluminação pública deficitária e a baixa vigilância natural, assim como a ausência de territorialidade, são há muito referenciadas pela literatura especializada como fatores que contribuem para a alta incidência de crimes sexuais (WEISBURD, 2018; ECK, 2018; 2002; 1995; 1993; BRANTINGHAM; BRANTINGHAM, 2017; 2008; 1993; CAMPOS, 2010). É possível que a disposição desses fatores ao longo do período analisado tenha contribuído para as configurações dos pontos quentes dos crimes de estupro nas localidades verificadas, o que, justificaria (ao menos parcialmente) a hipótese de um alto grau de dependência espacial dos crimes de estupro naquelas regiões.

Como alhures dito, não nos dedicamos a explorar essa hipótese em função dos limites previamente definidos para este artigo. Uma alternativa de verificação desse dado consiste na aplicação de um teste de autocorrelação espacial, tomando os setores censitários como unidades de análise. A depender da projeção obtida e dos índices de correlação global (Moran I) e local (LISA) observados, poderíamos identificar com maior precisão as localidades que apresentam dependência espacial, o grau e a significância estatística dessa dependência.

Até então, pudemos observar que a mobilidade criminal dos crimes de estupro, em um nível agregado, é pouco expressiva e sugere um alto grau de dependência espacial que pode estar (ou não) aprioristicamente relacionado com características ambientais associadas ao baixo grau de vigilância e de exposição. Entretanto, nem sempre a dimensão macro do fenômeno reproduz as tendências que se verificam em nível micro. A recíproca também é verdadeira. Destarte, trataremos de analisar a dimensão desagregada da mobilidade criminal nos casos de estupro notificados na cidade de Maceió (AL).

A Figura 3 ilustra a jornada para o crime nos casos de estupro, conforme dados do ano de 2017.

Os pontos em azul correspondem aos marcos de origem, os domicílios dos criminosos, e os pontos em verde, os marcos de destino, os locais onde ocorreram os crimes. Muito embora seja possível observar traçados que indicam deslocamentos de média e longa distância, os casos de curta distância se mostram muito mais recorrentes, de modo que as regiões que apresentam um número elevado de ocorrências de estupro são aquelas em que se localizam também as residências dos autores desses crimes. Em comparação com a Figura 2, que representa o mapa dos hot spots de estupro, a Figura 3 reproduz a disposição das manchas criminais identificadas sobre todo o perímetro urbano de Maceió (AL).

Cidade Universitária destaca-se como o bairro com maior atividade externa, ou seja, uma parcela expressiva dos estupros ocorridos no bairro são cometidos por indivíduos que não residem no bairro (sendo, na maioria dos casos analisados, esses autores provenientes do bairro de Benedito Bentes). Os bairros de Benedito Bentes e Jacintinho, por outro lado, são aqueles que apresentam maior atividade interna, isto é, os estupros ocorridos nos bairros são cometidos por indivíduos que residem nos próprios bairros.

Descrevemos no Gráfico 3 a proporção das extensões dos trajetos cursados pelos infratores nos casos examinados.

De acordo com o perfil geográfico da cidade de Maceió (AL), caracterizamos como trajetos de curta distância um percurso com até 6 quilômetros de extensão; de média distância, um percurso com extensão de 6 a 12 quilômetros; e de longa distância, um percurso com extensão superior a 12 quilômetros. Em 53% dos casos pudemos observar uma tendência de proximidade do local do crime e do local de residência dos criminosos. Esse dado pode ser interpretado a partir da relação custo-efetividade da operação criminosa, onde o gasto para locomoção e os riscos no momento de fuga se apresentam como variáveis condicionantes da extensão do deslocamento (WEISBURD, 2018; ECK, 2018; VANDEVIVER; DAELE; BEKEN, 2011). Todas as possibilidades que exploramos até então retratam a estrutura racional do crime a partir do ponto de vista do analista, de modo que uma unidade de análise mais objetiva passa pelo crivo dos próprios infratores. Não pretendemos enveredar por essa perspectiva.

Na análise geral das ocorrências, a distância média entre a residência do criminoso, a residência da vítima e o local do crime é de 2,9 quilômetros, sugerindo que, na maioria dos casos, vítima e autor do crime habitam na mesma residência ou residem na mesma vizinhança e que possivelmente se conhecem. Esse dado é reforçado pela natureza do vínculo entre a vítima e o agressor, tal como retratado pela Tabela 9.

Também observamos tendências de deslocamento distintas em relação às faixas horárias: os trajetos de média e longa distância se inscrevem preponderantemente nos registros de estupros ocorridos nos turnos da noite e madrugada (20,2% dos casos), diferentemente dos trajetos de curta distância, associados aos casos ocorridos nos turnos da manhã e da tarde (aproximadamente 62%), reiterando por coesão a tendência descrita no Gráfico 2. Características do perfil sociodemográfico do autor do crime também se mostram relacionadas a algumas tendências de deslocamento, especificamente, as variáveis “idade” e “natureza do vínculo”. A despeito da tendência preponderante de deslocamentos de curta distância, a extensão do deslocamento percorrido pelos criminosos é maior entre os mais jovens (26,8% dos casos) e os indivíduos com vínculo familiar direto (29,2%). Ambas as tendências são há muito reconhecidas na literatura especializada (WEISBURD, 2018; ECK, 2018; MOGAVERO; KENNEDY, 2017; JACOBS, 2017; SUMMERS; ROSSMO, 2015; JOHNSON; GUERETTE; BOWERS, 2014; VANDEVIVER; DAELE; BEKEN, 2011; BLOCK; GALARY; BRICE, 2007; HAGEDORN; RAUCH, 2007; GABOR; GOTTHEIL, 1984;).

Considerando a proporção da amostra (50% do total de casos resgistrados no ano de 2017 ou 23,5% do total de casos registrados no triênio), é possível que as tendências descritas reflitam as configurações do conjunto dos dados analisados.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este artigo teve como objetivo apresentar uma caracterização da mobilidade criminal e do modus operandi dos crimes de estupro notificados no município de Maceió (AL) no período de 2015 a 2017.

Com base nos resultados observados, foi possível concluir que: I) os estupros ocorrem com maior frequências nos meses de fevereiro, todos os dias da semana, no período da tarde; II) o meio utilizado pelos autores do crime para coagir a vítima é a força física; III) em linhas gerais, o autor do delito é do sexo masculino, atua sozinho, se utiliza de um carro como meio de locomoção e não possui qualquer tipo de vínculo com a vítima; IV) os bairros de Jacintinho, Benedito Bentes e Cidade Universitária apresentam os maiores números de ocorrências; V) nesses bairros, as localidades que apresentam maior concentração de ocorrências dispõem de características infraestruturais que favorecem a ocorrência do delito (baixo grau de vigilância natural, iluminação precária, pouca territorialidade), sugerindo dependência espacial; VI) de forma geral, a extensão dos trajetos percorridos pelos agressores tende a ser de curta distância; e VII) a mobilidade de longa distância é verificada com maior recorrência nos casos em que os autores do crime são mais jovens ou possuem vínculo familiar direto (vínculo por consanguinidade) com a vítima.

A despeito dos resultados obtidos no presente estudo com base nos dados cedidos, devemos ressaltar a precariedade de informações em torno dos demais aspectos circunstanciais e relacionais dos crimes de estupro, a fim de correlacionar, em caráter conclusivo, o delito com outros de natureza diversa ou a casos referentes a períodos anteriores àquele selecionado para este estudo. As regularidades que se inscrevem nos resultados obtidos nesta pesquisa não encerram as análises em torno das particularidades do modus operandi de criminosos sexuais. Estupros são delitos de natureza complexa, que envolvem diversos tipos de relações e fatores intervenientes. Estudos futuros podem aliar estudos qualitativos aos instrumentos e às análises alçadas nesta pesquisa a fim de contribuir, de forma ainda mais aprimorada, com o debate em torno dos elementos que contextualizam a ocorrência de crimes sexuais e as motivações de seus autores.

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  1. “Art. 215-A. Praticar contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro: [...] Pena – reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, se o ato não constitui crime mais grave.” (BRASIL, 2018).↩︎

  2. “Art. 218-C. Oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, vender ou expor à venda, distribuir, publicar ou divulgar, por qualquer meio – inclusive por meio de comunicação de massa ou sistema de informática ou telemática –, fotografia, vídeo ou outro registro audiovisual que contenha cena de estupro ou de estupro de vulnerável ou que faça apologia ou induza a sua prática, ou, sem o consentimento da vítima, cena de sexo, nudez ou pornografia: [...] Pena – reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, se o fato não constitui crime mais grave.” (BRASIL, 2018).↩︎

  3. Estudo realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (Capes) - Código de Financiamento 001.↩︎

  4. Muito embora a pesquisa da qual deriva este artigo aborde somente os casos de roubo a transeunte e homicídios dolosos ocorridos em Maceió (AL) entre 2015 e 2017, revisitamos a base de dados primária do estudo a fim de trabalhar com os dados referentes aos casos de estupro e a partir deles verificar padrões de mobilidade e tendências gerais no modus operandi.↩︎

  5. Nos casos de crimes contra a propriedade ou de crimes contra a vida, a mobilidade tende a estar fortemente associada a elementos de ordem estrutural ou situacional (WILCOX; CULLEN, 2018; WEISBURD, 2018).↩︎

  6. Segundo Lussier, Bouchard e Beauregard (2011), “faixas” são variantes de um roteiro mais genérico. Elas denominam estratégias distintas operadas em função de circunstâncias específicas.↩︎

  7. No estudo, a princípio, idealizamos trabalhar com dados de 2007 a 2017.↩︎

  8. Os dados aos quais tivemos acesso não dispunham dessa informação.↩︎

  9. Segundo Mogavero e Kennedy (2017), os casos em que o criminoso se utiliza da força para coagir a vítima tendem a ser, notoriamente, fisicamente mais violentos (pois a probabilidade de reação da vítima é muito maior) que os casos em que o agressor se utiliza de uma arma, seja ela branca ou de fogo, onde a violência psíquica ou simbólica tende a ser mais acentuada (pois nesses casos a vítima é privada da possibilidade de reação, o que eleva a percepção de sua vulnerabilidade e a sujeita aos interesses do agressor).↩︎

  10. Não pretendemos alçar uma explicação em torno das expectativas de gênero que fundamentam a percepção de vulnerabilidade do criminoso, muito embora reconheçamos a importância desse debate.↩︎