Escorregadios e aderentes: trajetórias de pessoas incriminadas por tráfico e sua classificação no sistema de justiça criminal1
Izabel Saenger Nuñez
Doutora em Antropologia pelo PPGA/UFF (2018). Doutoranda em Direito pela UERJ. Mestre em Ciências Jurídicas e Sociais pelo PPGSD/UFF (2012). Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela PUCRS (2007). Atualmente é pesquisadora de pós doutorado (PNPD/CAPES) no PPGA/UFF e pesquisadora do INCT-InE
País: Brasil Estado: Rio de Janeiro Cidade: Rio de Janeiro
Email de contato: izabelsn@gmail.com ORCID: https://orcid.org/0000-0003-4985-9054
Marcos Alexandre Veríssimo
Doutor em Antropologia pelo Programa de Pós-graduação em Antropologia da UFF; Professor de Sociologia na SEEDUC RJ; Pesquisador associado ao INCT-InEAC, ao LABIAC, ao PsicoCult e ao LEPIC.
País: Brasil Estado: Rio de Janeiro Cidade: São Gonçalo
Email de contato: maverissimo.silva@gmail.com ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5996-8284
Contribuição de cada autor: Ambos contribuíram igualmente na elaboração do texto e realização do trabalho de campo de observação de audiências criminais.
Resumo:
O objetivo deste artigo é contribuir para os estudos de antropologia jurídica a partir de uma discussão sobre processos de incriminação de pessoas que participam de redes de comércio clandestino de drogas, e que por isso são enquadradas na lei como “traficantes”. Para estudarmos esse fenômeno, utilizamos duas categorias: “escorregadios” e “aderentes” (em relação ao sistema de justiça criminal). Nossa estratégia de trabalho consistiu em uma combinação de métodos que incluiu: 1) leitura de processos envolvendo “tráfico drogas” (comuns e internacionais); 2) etnografias realizadas no âmbito dos tribunais no Rio de Janeiro; e 3) interlocução com advogados que atuam nesta área, incluindo a realização de entrevistas gravadas.
Palavras-chave: Etnografia. Práticas judiciais. Representações sociais. Método contrastivo.
Abstract:
Slippery or adherent: how does the criminal justice system deals with people accused of drug trafficking
The purpose of this article is to contribute to the studies of legal anthropology from a discussion of criminalizing people processes participating in illegal drug trade networks, and therefore are covered by the law as “dealers”. To study the phenomenon, we employ two categories: “slippery” and “supporters” (in relation to mesh the criminal justice system). Our work strategy consisted of a combination of methods that included: 1) reading processes involving “trafficking drugs” (common and international); 2) ethnographies carried out under the courts in Rio de Janeiro; and 3) dialogue with lawyers who are active in this area, including conducting recorded interviews.
Keywords: Ethnography. Legal practice. Social representations. Contrastive method.
Data de recebimento:04/02/2020 Data de aprovação:10/12/2020
DOI:10.31060/rbsp.2021.v15.n2.1288
Introdução
Esta produção parte de trabalho de campo por nós desenvolvido ao longo de nossas pesquisas individuais nas Varas Criminais Comuns e no Tribunal do Júri, nos anos de 2014 e 2015 e, em parceria, de entrevistas realizadas para este artigo. Nesse sentido, observamos a realização de audiências criminais comuns na Comarca do Rio de Janeiro e de Niterói, acompanhando o fazer judicial (EILBAUM, 2012), isto é, as interações entre agentes do poder judiciário, acusação e defesa, bem como sua relação com réus, testemunhas e vítimas. Ainda, fizemos entrevistas com advogados criminalistas, especialmente os que atuam nos casos que tramitam na Justiça Federal por nós analisados. Os casos, nesse sentido, surgem como uma ferramenta empírica e analítica para a compreensão e a explicitação das práticas que observamos. Além de ordenadores do material de campo, partem do exame de uma série de incidentes específicos ligados às mesmas pessoas e grupos, no decorrer da observação de seu trabalho (GLUCKMAN, 1975), e se ligam ao desenvolvimento das relações sociais estabelecidas entre eles. Ou seja, explicitam as relações entre as pessoas do grupo e, embora sejam apresentados isoladamente, permitem demonstrar as rotinas e as exceções identificadas nas práticas que acompanhamos durante o trabalho de campo intensivo. Buscamos então contrastá-los entre si para pensar como eram administrados, demonstrar como acionavam determinadas reações nos agentes e, assim, o que explicitavam. Dessa forma, seus elementos ultrapassam e excedem os processos judiciais, pois compreendem práticas até mesmo externas à sua dimensão burocrática.
Fizemos então um contraste entre aqueles que optamos por chamar escorregadios e outros que, diferentemente dos primeiros, chamamos aderentes, ambos assim qualificados levando em conta o enquadramento penal e a rotulação social. Escolhemos tais termos para dar conta da interpretação dos dados por nós construídos, sobre práticas jurídicas e representações sociais, igualmente produtoras de “verdades” em vários níveis, ao longo das pesquisas que viemos, os dois, desenvolvendo nos últimos anos. Pretendemos pensar como o processo de incriminação e sujeição criminal (MISSE, 2010) e a reprodução das representações sociais (LENOIR, 1998) se dão nas interações entre agentes das forças policiais e do judiciário e os que são acusados, ou figuram como “réus”, em crimes relacionados ao mercado de drogas postas na ilegalidade.
Os primeiros (os escorregadios) são aqueles em relação aos quais a sujeição criminal, se os afeta, se dá de maneira branda, pois permite desviar da incriminação. Os segundos (os aderentes) são os que, por circunstâncias que pretendemos explorar ao longo deste artigo, o “rótulo” de traficante cola com maior facilidade e, não raro, resulta em seu encarceramento. Como pretendemos demonstrar, este quadro se dá em razão de características pessoais e sociais daqueles formalmente imputados pelo crime de tráfico, e não pelas circunstâncias ou pela natureza dos delitos cometidos. Para tanto, descreveremos casos que acompanhamos em nossas pesquisas de campo, tanto de “tráfico internacional” quando de “tráfico comum”. Os primeiros tramitam na Justiça Federal e, portanto, são processados em um contexto e um lugar diferente dos segundos, que tramitam na Justiça Estadual.
Descreveremos essas duas justiças e as formas pelas quais o fazer judicial (EILBAUM, 2012) nelas se atualiza, bem como a maneira como moralidades situacionais informam o proceder em cada um desses casos. Por fim, descreveremos também os casos em que “chefes” do tráfico, conhecidos nacionalmente, são julgados por crimes de homicídio em que muitas vezes não há provas de que foram efetivamente os responsáveis.
Um caso de tráfico internacional e um sujeito escorregadio
Julio Cesar2 havia embarcado no aeroporto de Amsterdam com destino ao Brasil. Fez uma conexão em Madri, para então desembarcar, no dia seguinte, no aeroporto internacional Antonio Carlos Jobim, conhecido como Galeão, na cidade do Rio de Janeiro. Voltava de uma aventura na Europa, não propriamente turística. Natural de uma cidade de porte médio de Minas Gerais, aceitou o negócio, pelo qual receberia dez mil reais. Sua missão consistia em levar cocaína na mala para a Europa (etapa concluída com sucesso no ato de sua ida) e trazer maconha e haxixe marroquino para o Brasil. Como posteriormente foi constatado pela Polícia Federal, a mercadoria enviada para o Brasil por seu intermédio era de, aproximadamente, oito quilos de maconha e um quilo e meio de haxixe.
Em relação aos mercados do haxixe (um subproduto da maconha), uma amostra considerada de qualidade razoável é costumeiramente vendida por R$ 150,00 o grama, para um seleto público, em capitais como Rio de Janeiro e São Paulo. A mala que Julio Cesar trazia deveria ser entregue na capital fluminense após o desembarque. Contudo, ao chegar ao país e passar pelos trâmites de imigração, sua bagagem foi selecionada por um agente da polícia federal para a realização de procedimento de averiguação, que consiste na utilização do raio X da Receita Federal (e não o da Polícia), “por ser mais eficiente”3. Ao realizar a fiscalização por este meio, o agente percebeu pacotes de “matéria orgânica” envoltos em colchonetes e papel carbono. Em seguida, Julio Cesar foi questionado sobre a procedência do material e disse não saber do que se tratava. Com isso, sua situação foi se complicando ainda mais. Os agentes, fazendo um exame preliminar do material, afirmaram ser Cannabis sativa L. (maconha), e o passageiro foi detido e encaminhado diretamente para o presídio Ary Franco, na zona norte da cidade do Rio de Janeiro.
A estratégia da polícia, nos aeroportos, para identificar os possíveis suspeitos de trazerem drogas do exterior, consiste em observação dos passageiros, com foco naqueles que viajam sozinhos e são “jovens” (assim como Julio Cesar), vindos de cidades da Europa como, por exemplo, Amsterdam. Os “suspeitos” normalmente viajam sozinhos, e qualquer atitude que denote “nervosismo” diante da espera das bagagens, especialmente quando policiais “infiltrados” estão a observar, pode ser o início de problemas sérios com a justiça. Tal leitura da situação pelos agentes policiais demonstra o quanto essas conexões clandestinas, entre América do Sul e Europa, envolvendo produtos distintos e consumidores refinados, é uma realidade mapeada e reconhecida pelo assim chamado “sistema de justiça criminal”4. As redes através das quais esses negócios circulam, como reflexo, por vezes passam a alterar as rotas, variando os aeroportos de entrada no Brasil. Seus integrantes são oriundos da classe média, jovens, estudantes universitários, que viajam para a Europa, levam e trazem o “carregamento”.
O crime pelo qual Julio Cesar passou então a responder foi o de “tráfico internacional de drogas”, previsto no art. 33 da Lei nº 11.343/2006 (BRASIL, 2006), combinado com o art. 40, I, da referida lei. A pena prevista é de 5 a 15 anos, aumentada de 1/6 a 2/4 pela “transnacionalidade do delito”. Julio Cesar é branco e tem olhos azuis, é fluente na língua inglesa e estudante de educação física. Disse aos seus advogados que era consumidor e cultivador caseiro de maconha. Segundo ele, aceitou o negócio para conhecer a Europa e “fazer uma grana”. Esses mercados, sofisticados, ao mesmo tempo que levam a cocaína produzida na Colômbia ou na Bolívia para abastecer os mercados europeus, trazem mercadoria “especial” de origem marroquina para consumidores brasileiros, revendida em círculos fechados e muitas vezes consolidados por relações de amizade. Conseguir haxixe no mercado brasileiro não é fácil, tampouco barato. Coordenando o empreendimento aventureiro de Julio Cesar, estão pessoas que, embora não tenham sido criminalizadas como ele, contratam seus serviços, fazem palestras aos envolvidos no negócio e ensinam como proceder, garantindo aos iniciados que, caso “caiam” na fiscalização policial, haverá o pagamento de advogados particulares para solucionarem o caso.
Apesar das duras penas legalmente previstas para tal delito, acrescidas pelo agravante da chamada “transnacionalidade”, Julio Cesar passou não mais do que 25 dias na prisão, muito em razão do eficiente trabalho de seus advogados privados, contratados pelo chefe da “organização” para a qual trabalhava quando foi pego. Teve, muito rapidamente, a sua sentença proferida. Dois anos e um mês de prisão e multa, a serem cumpridos em regime fechado. Contudo, a pena pôde ser convertida, de “privativa de liberdade” para “restritiva de direitos5”, em razão de o réu ser primário. Em menos de um mês, voltou para sua cidade natal. Entretanto, com o passaporte detido, não poderá sair do país novamente por dois anos, que foi o tempo de cumprimento da pena. A pessoa da “organização” com a qual ele mantinha contato mora em uma praia distante da capital fluminense, troca de celular semanalmente. Além disso, não viaja mais como Júlio César, mas já viajou, já “caiu” no exterior e sabe que “cair”, aqui ou lá, é parte do negócio6. Quem progride na carreira passa a levar dinheiro, ao invés de drogas, e aqueles que retornam em segurança de uma viagem ficam um período “na geladeira”, isto é, um tempo sem viajar, para evitar que fiquem marcados pela vigilância policial.
Como podemos ver, trata-se de um comércio de drogas postas na ilicitude, mas bem diferente daquele que acontece nos morros e nas favelas, na conhecida modalidade das “bocas de fumo”. Seus integrantes são quase todos oriundos da classe média, jovens, estudantes universitários, geralmente fluentes em outras línguas, que levam e trazem o carregamento em viagens para a Europa. A droga é transportada em malas, embalada pelos vendedores do exterior. A carga, não raro avaliada em mais de um milhão de reais, quando entregue ao destinatário, rende ao jovem em torno de 10 mil reais. Já do ponto de vista dos advogados, quando trabalham em um caso como este, em que a condenação é dada como certa, a estratégia costuma circunscrever-se em reduzir a pena e, principalmente, como no caso, os rigores da forma com que esta será cumprida.
Nosso ponto de partida, como já deve ter notado o leitor, é a descrição do caso de Júlio Cesar, enquadrado nas malhas deste sistema penal como um “traficante internacional de drogas”. Como ocorrem os processos de incriminação dos sujeitos, em casos como os de Julio Cesar? Ele aceitou os riscos de ser preso em um aeroporto do mundo, por dias de aventura na Europa e dez mil reais. Foi contratado, através de intermediários, por uma pessoa que nunca vai conhecer, para fazer este serviço. Quase até o seu desfecho final, a aventura foi o tempo todo bem-sucedida. Quando tudo deu errado, esta pessoa oculta, o dono do negócio, encarregou-se de contratar um bom e reconhecido escritório de advocacia, que cobrou caro para tirar Julio Cesar da cadeia, e assim o fez.
Os advogados – que aqui chamaremos de Emerson Leão e Carlos Germano – nos disseram que parte do sucesso, nesse caso específico, se deveu ao processo ter “caído na mão” de um juiz mais liberal e ideologicamente propenso a conduzir a produção judicial da verdade de maneira favorável ao jovem. Este não foi o primeiro caso do tipo em que atuaram, de modo que, aparentemente, sabem mapear as varas em que os juízes são mais ou menos favoráveis em casos análogos aos de Julio Cesar.
Por outro lado, como observaram Leão e Germano quando ouvidos em entrevista, o perfil do réu, sua posição social e os traços étnicos funcionaram a favor da produção da verdade (KANT DE LIMA, 2004), nos termos que lograram estabelecer ao fim: ao acusado, não caberia ficar preso. Ser branco, poliglota, de classe média e estudante universitário são atributos que funcionaram para que o rótulo de “bandido” não colasse com facilidade na sua pessoa. Em função de tais características, o juiz estava propenso a pensar que não seria a melhor medida, enviar uma pessoa assim para um presídio. Aliás, durante a audiência de Julio Cesar, o magistrado indagou-o: “O que te levou a fazer isso? Pergunto porque tenho um filho da sua idade e sabe-se lá o que pode acontecer. Eu, por exemplo, esperei passar no concurso para poder viajar à Europa...”. O homem comparou Julio Cesar a seu próprio filho. Parece-nos, assim, que se acaso o magistrado pensasse diferente disso, o desfecho trágico da viagem desse “jovem” à Europa poderia ter consequências muito mais profundas em sua trajetória pessoal.
Neste sentido, discutiremos na próxima seção sobre os atributos pessoais de ser aderente ou escorregadio à rotulagem social, na carreira criminal, à condição de “bandido”. Os processos judiciais são processos de produção de verdades, nos quais essas características podem significar passar, ou não, anos da vida preso, e em grande medida ter a vida marcada pelo cumprimento dessa pena.
Os aderentes: as relações nos cartórios, corredores e salas de audiência
Nesta seção, descreveremos as audiências que assistimos nas Varas Criminais Comuns. Trata-se de casos nos quais homens eram acusados de “tráfico de drogas” e estavam, já antes das audiências, cumprindo pena por meses, por terem sido presos em flagrante. Portanto, respondiam ao processo já detidos. Em um levantamento que fez em sua tese de doutorado (2016) intitulada As Representações sobre o traficante de drogas em julgamentos na cidade do Rio de Janeiro (2003 – 2016), Artur Dalla chega, entre outros, ao seguinte número: em média, essas pessoas aguardam sete meses presos, esperando o momento da Audiência de Instrução e Julgamento, no qual o juiz definirá sua sentença, e ele saberá quanto tempo ainda mais ficará preso ou se será posto em liberdade.
Os corredores, um lugar de espera onde outras “partes”, como as vítimas dos casos de roubo e furto e os familiares dos réus, por exemplo, aguardam pelo início das audiências, foram pontos estratégicos para nossa construção de dados. Entre os familiares dos réus envolvidos em crimes de tráfico de drogas que ali se fazem presentes, predomina largamente o gênero feminino. Enquanto aguardam autorização para entrar nas salas de audiência, interagem. Mulheres comentam entre si como é fazer a visita nos variados presídios em que seus filhos, maridos ou outros parentes cumprem pena. Uma “mãe” mostrava a foto do filho, acusado de tráfico. Tratava-se de um retrato em que o réu aparece junto com o filho dele, seu neto, cuja criação passou a se dar sob a sua responsabilidade. Segundo disse-nos em conversa informal sobre a prisão do filho, “tudo foi muito rápido”. De acordo com sua versão, o porte de droga que incrimina seu filho não deveria ter sido interpretado como indício de que o rapaz é “traficante”, e sim “usuário”. Conforme a legislação brasileira, pessoas enquadradas como “usuário” não podem ser punidas com a pena privativa de liberdade.
Enquanto esperávamos pelo início das audiências, chegaram os policiais que efetuaram o flagrante de Barbosa, o filho da mulher descrita acima. A irmã de Barbosa começou a tremer imediatamente após a chegada dos policiais. Disse que ficou nervosa, porque vê-los a fazia reviver toda a cena da prisão. Depois de o policial certificar-se que iria depor naquele lugar, conversou com a mãe, dizendo:
Policial – Mãe sempre vem, né? Tenho pena é das mães e das esposas.
Mãe – Com a graça de Deus, os anjos nos guiam para fazer um milagre e ele recomeçar a vida dele.
P – Ele é primário?
M – Sim.
P – Então tem chance dele sair agora.
M – Eu rezo todos os dias pra Deus proteger vocês, tem que agradecer a Deus que vocês protegeram ele, podia ter sido pior, ele podia ter morrido.
P – Tem muita lágrima dos dois lados, senhora.
M – A gente vive todo o dia entre o bem e o mal.
Destacamos que a mãe, que havia acabado de dizer que o filho fora injustamente preso como traficante, quando na verdade deveria ter sido enquadrado como usuário, diz que reza para que Deus proteja aqueles que o prenderam. Mais do que isso, praticamente agradece aos policiais por não terem matado o seu filho, como se, ao contrário de um direito garantido aos brasileiros na constituição, o direito à vida se tratasse de um privilégio. Desse modo, identificamos a expressão de uma moralidade e uma resignação, dotada de paradoxos e contradições, com as quais a mãe, que declarou viver cotidianamente “entre o bem e o mal”, parece estar acostumada.
Havia três casos semelhantes a esse cujas audiências estavam agendadas para aquele dia, naquela vara, e o caso de Barbosa não era o primeiro da lista. Nos despedimos de sua mãe e ingressamos na sala para assistirmos a primeira audiência. Lá, promotor e juiz conversavam sentados lado a lado. A defensora, a seu turno, acompanhada de sua estagiária, permanecia em silêncio. A entrada de Paulo Victor no recinto, o réu da primeira audiência, que vinha acompanhado de agentes policiais que o escoltavam, não alterou em nada aquele quadro. O que menos parecia importar, naquele momento, era o réu. Havia, entretanto, um tempo a ele destinado quando era interrogado, e então podia falar sobre o que lhe era questionado. Exceto nesse momento, permaneceu calado e de cabeça baixa, assumindo assim a “postura” que se espera dele, etiqueta adotada pelos réus naqueles tribunais.
Um policial militar, após ser chamado pela funcionária do juiz, entrou na sala de audiências. Foi depor sobre o caso. A secretária lhe perguntou: “Foi ele?”, ao que o policial acenou positivamente com a cabeça. A secretária então afirmou, para que fosse escrito nos autos do processo, que “o policial reconheceu que foi esse o indivíduo preso no dia dos fatos”. O reconhecimento, portanto, não foi feito – em nenhum momento – como determina o Código de Processo Penal – em contraste com outras duas pessoas parecidas, além do réu, que devem ser colocadas lado a lado, para que a testemunha aponte quem é7.
Enquanto aguardavam o início da audiência, promotor e juiz conversavam sobre “drogas” no Rio de Janeiro e sobre a postura de uma determinada magistrada que atua no Juizado Especial Criminal do Leblon. A mulher, segundo o promotor e o juiz, com frequência classificava como “porte para uso próprio” muitos dos casos que chegavam na “sua vara”. Segundo o juiz, em tom crítico, sua postura seria um problema, pois “ela não pode criar uma Amsterdam no Rio de Janeiro!”. Fazia, então, uma comparação com a cidade holandesa onde, desde a década de 1980, foram adotadas formas mais liberais de ordenar o consumo da maconha, a exemplo da venda oficialmente regulada através dos coffeshops, nos quais se pode comprar e consumir maconha.
Dando início à audiência, o juiz perguntou ao policial presente como testemunha, o mesmo que anteriormente havia confirmado à secretária o reconhecimento do réu:
Juiz – Confirmando o que o senhor falou em seu termo, o senhor já reconheceu o réu?
Testemunha (policial) – Sim.
[O juiz passa a palavra para o promotor]
Promotor – O que aconteceu no dia dos fatos? Você se recorda qual era a droga?
T – Maconha e crack.
P – Se recorda a quantia em dinheiro?
T – 40 reais.
Depois, fez uma série de perguntas sobre as circunstâncias em que se efetuou a prisão. Perguntou se o réu era conhecido por algum apelido. A isso, respondeu “negativo”, o policial/testemunha. Perguntou, ainda, se estava armado, e a resposta foi novamente negativa. Indagou, por fim, se o réu dera alguma explicação para o fato de portar quarenta reais. Todos pareciam naturalizar a cobrança feita sobre o réu em relação a uma possível explicação para carregar consigo quarenta reais, fato que, segundo a lei, sob nenhuma circunstância pode ser considerado um indício inequívoco de que seu portador seria um traficante.
Após o depoimento do policial, a defensora saiu para conversar com o réu, no corredor que passa atrás da sala de audiências. Ao retornar, o juiz perguntou: “Ele vai falar?”. Ela respondeu: “Sim, ele quer falar”. Com isso, o juiz iniciou o “interrogatório” e passou a questionar o réu.
Juiz – Paulo Victor, você conhece a acusação que é feita contra você?
Réu – É mentira, eu fui comprar um negócio pra mim.
J – O que o senhor foi comprar?
R – Fui comprar um pó […] Eu não uso maconha, não uso crack […] Tô vivendo há quatro anos no Jacaré8, abandonado […] sem minha mulher.
J – O senhor já respondeu por outro processo criminal antes?
R – Furto e Maria da Penha9 em Minas Gerais.
O juiz encerrou o “interrogatório” e passou a conversar com a defensora e com o promotor sobre a pena que deveria ser aplicada ao caso. A primeira, que passou a maior parte do tempo de cabeça baixa, sem olhar para o réu, em um momento ofereceu a ele um “Guaravita” (refresco de extrato de guaraná industrializado e vendido em copos plásticos), não sem antes alertá-lo que ele não poderia beber “lá embaixo”, isto é, na carceragem do prédio do Fórum Central, orientando-o, desse modo, que tomasse a bebida lá mesmo. O juiz deu início à conversa entre a promotoria e a defesa, por ele intermediada.
Juiz – É, ele é primário mesmo. […] Vocês querem julgar aí mesmo? [Sobre não abrir para alegações finais escritas e resolver o caso durante a audiência].
Promotor – Vambora, vambora – concorda o promotor.
A defensora então voltou-se para o promotor, que ficava sentado à esquerda dela, e perguntou o que ele pretendia “pedir”, se seria a “desclassificação” para o uso. Não foi possível entender na hora qual teria sido o pedido e o acerto feito entre eles, mas, após essa conversa, o juiz proferiu a sentença em audiência.
Juiz – […] nada aponta que os policiais tenham faltado com a verdade para prejudicar o réu, a quem sequer conheciam antes da prisão […] de todo modo, é possível identificar que a droga se destinava ao tráfico, por isso condeno a 1 ano e 8 meses de reclusão, dando ao réu o direito de recorrer em liberdade.
[Neste momento, a Defensora volta-se para o réu e lhe pergunta: “Tá entendendo?”]
Réu – Não.
Defensora – Eu vou explicar. Não fala nada lá embaixo [carceragem], você deve sair amanhã mesmo, não fala nada senão vão ficar te pedindo coisas […] quando você sair, vai lá na defensoria […].
O Juiz, após comunicar a sentença, falou para o réu: “O senhor ganhou um benefício que, se o senhor não cumprir, o senhor vai ser preso de novo”. Logo, o magistrado e a defensora encerraram a conversa, momento em que ela pediu que o sentenciado fosse à sede da Defensoria para entender o que precisaria fazer. Pelo que foi possível entender, ele teve, assim como Julio Cesar, do caso anterior, a substituição da pena Privativa de Liberdade por uma Restritiva de Direitos, que depende também da apresentação do réu em juízo, nos cartórios do Fórum, para “assinar” um termo de comparecimento mensal. Ao sair da sala, o réu voltou-se para a defensora e recitou algumas passagens bíblicas, que não soubemos identificar. Naquele momento os presentes na sala ficaram todos constrangidos com a fala fervorosa do réu, que normalmente permanece calado. Contudo, mesmo que tenha escapado momentaneamente da pena de prisão, como Julio Cesar, havia passado meses preso, preventivamente, como traficante, de modo que o rótulo de criminoso não lhe escorregaria assim tão facilmente.
Deram então início a outra audiência, na qual o réu era acusado de cometer furto. O que chamou muito a nossa atenção foi que, entre uma audiência e outra, juiz e promotor conversavam animadamente entre eles. Os temas iam desde tecnologias (qual o melhor computador para usar o sistema do tribunal, um MAC ou um PC10?) até viagens para Paris e Nova Iorque. Segundo o juiz: “Paris está esquisita, aquele pessoal do leste europeu e da África estão invadindo, inclusive roubaram o celular de uma amiga, mas eu avisei para ela não ficar no bairro em que ficou”. Teciam também comentários sobre juízes, considerados por eles “garantistas” demais por obedecerem às normas previstas na constituição, e outros profissionais, promotores e defensores que também atuavam nas varas criminais daquele Fórum. Falavam, ainda, sobre as audiências de custódia, que, à época da pesquisa, estavam sendo implementadas na Justiça Estadual. Isso, independentemente de quem estivesse na sala, que, como em toda vara, claramente pertence ao juiz, segundo as representações ali atuantes.
No Brasil, aliás, a Constituição Federal define que o Juiz, e não a Vara, é o “órgão do poder judiciário”. O texto da CF/88, art. 92, VI, expressamente diz que “são órgãos do poder judiciário” “os tribunais e juízes dos estados”. Isso significa que a lei atribui ao magistrado o poder. Isto é, não é ele que está colocado a serviço das funções e dos trabalhos desenvolvidos pela Vara, mas a Vara, e tudo o mais a ela ligado, que deve se sujeitar ao juiz. O magistrado é investido legalmente de tal poder, que lhe permite usar e organizar o espaço como bem entender.
Por volta das 16h45 teve início a audiência aguardada pela mãe de Barbosa, com quem conversamos no corredor, antes do início dos trabalhos. Os familiares, por não serem testemunhas, foram impedidos de entrar no recinto. A defensora então entregou ao réu um “lanche” que, segundo ela, a família teria comprado para ele. Barbosa tentou comer o sanduíche com as mãos algemadas, não sem antes demonstrar dificuldade para abri-lo, sendo preciso fazer o uso dos dentes para remover a embalagem plástica e para beber o suco que lhe foi entregue. Quando não teve êxito e deixou o sanduíche de lado, a defensora perguntou se ele iria comer. À pergunta, respondeu que não estava com fome e, de maneira servil, disse: “Obrigado, senhora”.
No caso de Barbosa, a primeira testemunha a ser ouvida também foi um policial. Desta vez, um policial civil, o mesmo que conversou com a mãe, antes da audiência. O juiz iniciou a “colheita” do depoimento.
Testemunha (policial) – Fomos em apoio ao 41, ocupação do complexo do Chapadão […], ao adentrar a comunidade o réu preso estava tentando se evadir, foi abordado e encontramos o material com ele.
Promotor – Recorda a quantidade?
T – Não.
P – Tava endolado para a venda?
T – Positivo.
P – Ele falou a função dele?
T – Negativo.
P – Qual a facção lá?
T – Comando Vermelho.
P – Tinha dinheiro com ele?
T – Negativo.
P – Quem era o chefe do tráfico lá?
T – Doutor, são tantos…
A defesa novamente não fez quaisquer perguntas. Em nenhuma audiência, aliás, a defensora o fez. Em dez minutos, a oitiva desse primeiro policial foi encerrada e passaram para o segundo policial, também testemunha arrolada no caso.
Juiz – O senhor reconhece o réu como a pessoa presa aquele dia?
Testemunha – Reconheço.
[Promotor passou a fazer as perguntas].
Promotor – Ele tava carregando alguma coisa?
T – Tinha um pouco de cada droga.
[…]
P – Tinha dinheiro?
T – Negativo.
P – Ele disse se trabalhava para o tráfico?
T – Venda e vapor, tava com mochila.
P – Qual a facção lá?
T – Comando Vermelho.
P – Ele estava sozinho?
T – Positivo.
O tom das perguntas do promotor era o que chamaríamos de “protocolar”, sempre mantendo o mesmo tom de voz, fazendo as mesmas perguntas. O juiz interveio e leu o laudo pericial referente à substância apreendida, que informava o arresto de 28 gramas de maconha e 116 de cocaína. Juiz e promotor passaram a discutir se o caso seria julgado naquele momento ou depois (quando a promotora titular tivesse retornado ao trabalho, após realizar um exame médico, motivo pelo qual o seu colega presente estava substituindo-a naquele dia). Iniciou-se então uma conversa muito interessante entre juiz, promotor e defensora:
Promotor – Julga depois.
Juiz – Ela [a promotora titular] sabe o meu entendimento pessoal, não teve violência […] Eu odeio roubo, com violência.
P – Julga depois então. Mas são questões diferentes, o objeto jurídico é diferente.
J – Eu fico pior com violência.
P – Mas a violência do roubo é imediata, a violência do tráfico é progressiva.
J – Eu acho que a droga faz tão mal quanto o álcool.
P – Eu acho que tem que liberar, desde que pague impostos […] você acha que não tem político que financia o tráfico?
J – Eu acho, claro, acho também que tem policial que não quer prender pra não perder o arrego.
P – O roubo é um trauma imediato, o tráfico vai degradando aos poucos.
J – A promotora [titular] já acostumou, se é primário ela nem recorre. Mas com ela eu divirjo na maior elegância.
A defensora saiu da sala e conversou com o réu sobre o “interrogatório”. Logo eles voltaram e o ato judicial teve início. O juiz “qualificou” o réu, que tinha 27 anos. A defensora havia previamente explicado o que ele teria que falar.
Juiz – Diga o seu nome completo.
[Barbosa responde]
J – É verdadeira essa acusação?
Réu – Não, todo dia eu levo meu filho na escola, foram os policiais civis que me abordaram e veio outro policial com uma mochila […] eu fui abordado na [rua] Oito de Dezembro […], deixaram a mochila do meu lado […] eles falaram que se não encontrassem os meliantes ia ser minha […] mas aí, devido à minha família ter chegado, eles me levaram para a Delegacia de Policia […] eu não sou conivente, eu não sou convivente.
J – Qual a facção lá?
R – Lá é tudo Comando Vermelho, já teve de tudo lá.
J – Você trabalhava quando foi preso?
R – Na Tiksen Krup [empresa de elevadores].
J – Carteira assinada?
R – Sim.
J – Qual era a sua função?
R – Jardinagem.
J – Você tem filhos pra criar, né?
R – Sim.
O juiz encerrou o ato e tampouco a promotoria quanto a defensora fizeram perguntas. O juiz então passou a conversar com o réu, deixando claro o “benefício” que ele receberia em seguida. O acusado viria a responder ao processo em liberdade, pois, segundo o magistrado, já havia passado muito tempo preso.
Juiz – Eu vou te conceder o direito de responder em liberdade […] porque você não tem nenhum processo na sua folha criminal […] mas você deve continuar acompanhando esse processo.
Réu – Obrigado, doutor!
J – Não precisa me agradecer, não. Alegações finais em seis dias para as partes se manifestarem.
Dois elementos nos chamaram especial atenção na audiência de Barbosa. O primeiro deles, diz respeito ao lugar de concessão de favores que o acusado se colocou, como se não fosse detentor de direitos e como se os agentes do judiciário, a família judicial (NUÑEZ, 2020), estivessem lhe prestando uma gentileza. Depois, a maneira como os valores morais dos agentes, conformando-se em moralidades situacionais (EILBAUM, 2012). foram por eles acionados: trabalhador, pai de família, que tem família, permitindo que autorizassem o acusado a responder o processo em liberdade.
Os escorregadios, os aderentes e os superaderentes
No livro Crime e Violência no Brasil Contemporâneo (2006), o sociólogo Michel Misse, ao pensar as tradições do banditismo urbano no Rio de Janeiro, conceitua o “tipo social” denominado “vagabundo” quase sempre representado como alguém que ingressou na carreira criminosa numa ida sem volta. É sobre ele – e o afirmamos com base em etnografias contemporâneas feitas por nossos colegas – que incide mais poderosamente a vigilância policial (OBERLING, 2011), assim como são os “vagabundos” que, segundo os juízes, têm que passar anos da vida presos (BOITEUX, 2006).
Quem são os “vagabundos”? São principalmente, mas não só, os participantes do “movimento”, nome dado ao mercado de venda a varejo de drogas e à generalização de redes de bocas de fumo e de quadrilhas nas favelas e conjuntos da cidade, que se deu a partir de meados da década de 70. [...] De certa maneira, o rótulo de “vagabundo”, aplicado indiferentemente a traficantes ou assaltantes, ou até mesmo pelo próprio rotulado em relação aos parceiros, perde parte do significado pejorativo inicial de “vadio” para incorporar segmentos de sentido antes pertencentes aos rótulos de malandro, valente, marginal e bandido. (MISSE, 2006, p. 176).
O “vagabundo”– para usar uma categoria que ouvimos em nossa etnografia dos tribunais – é a “clientela” preferencial das varas criminais do Rio de Janeiro, notadamente aqueles incriminados no art. 33 da Lei nº 11.434 como traficantes de “drogas”. Dessas varas, retornam direto para os presídios, quase sempre superlotados, onde já estavam presos preventivamente. Em muitos casos, são defendidos nesses processos por defensores públicos que sequer os conheciam antes de adentrarem a sala de audiências. O primeiro contato com o defensor que atuará no caso costuma se dar minutos antes do ato judicial iniciar, no corredor. Em geral, o encontro serve para o defensor explicar ao “assistido” que, diante da confissão, o réu terá o benefício da redução de pena11. Ao retornar à sala, o defensor comunica ao juiz se o acusado vai falar, se vai “confessar” ou não. Bem diferente da forma como se processam casos como o de Julio Cesar, a despeito do agravante de se tratar aí de “tráfico internacional”.
De acordo com a lei, pessoas enquadradas em processos judiciais como traficantes de drogas merecem penas pesadas, ao contrário dos usuários, e, ainda, quando se tratar de tráfico “internacional”, o peso deveria ser maior12. A “criminalização” da conduta (MISSE, 2011) nestes casos é, portanto, mais grave, e pretende a lei que tais atos sejam punidos de maneira mais severa. Mas, na prática dos tribunais, podem haver outras “sensibilidades jurídicas” (GEERTZ, 2003), outros pesos morais, que não necessariamente coincidam de maneira sistemática com aquilo que está positivado na letra da Lei. O processo de “criminação”13, portanto, ocorre de forma diferente para cada conduta, e se dá a partir das práticas dos agentes da segurança pública e da justiça criminal (DALLA, 2016).
Tomaremos, ainda, os casos em que a caracterização de bandido, de “vagabundo”, é com maior sucesso atribuída a determinados tipos de pessoas. Trata-se de processos que se desenrolam na justiça, em que identificamos grande aderência aos rótulos, que vão refletindo no surgimento da “clientela” ideal do “sistema penal” do Rio de Janeiro. Por outro lado, chamaremos de escorregadios aqueles casos, como os de Julio Cesar, nos quais o rótulo não colou, não aderiu. A estes, mais dificilmente se atribui com sucesso a fama de (e as penas correspondentes ao) bandido.
Em suma, pensamos que a dinâmica dos acontecimentos delitivos à maneira que ocorre, em articulação com atributos pessoais dos envolvidos (tendo, esses últimos, um peso decisivo), torna algumas pessoas mais aderentes, e outras mais escorregadias, à classificação na categoria “bandidagem” em processos criminais por tráfico de drogas. Com isso, o processo de “criminação” como define Misse (2011) se dá de forma diferente, de modo contextual, a depender das características pessoais dos envolvidos.
Somam-se a esses tipos, ainda, outros casos nos quais a categoria “bandido” é acionada, a nosso ver de forma díspar pelos agentes do judiciário. Trata-se dos julgamentos dos “chefes do tráfico”, muitas vezes acusados de serem mandantes em múltiplos crimes de homicídio. No Tribunal do Júri, esses réus, (re)conhecidos facilmente por seus nomes e suas fotografias estampadas nas páginas dos jornais e dos noticiários de televisão, são frequentemente processados e condenados com base em um discurso moralizante, que aciona a chamada “teoria do domínio do fato14”.
Esta “teoria” é também uma categoria nativa, do campo do direito. Serve para sustentar que, embora não exista qualquer prova da participação desses agentes ou de eles terem sido mandantes de tais crimes, por serem considerados pelo discurso policial, midiático e judicial como “chefes do morro” ou “chefes do tráfico”, eles seriam responsáveis pela ocorrência de qualquer morte violenta em tais territórios, uma vez que nada aconteceria nesses lugares sem o seu consentimento. A “teoria do domínio do fato” serve para travestir de jurídico, dar forma, ao discurso da acusação, dando status de técnica a uma interpretação dos agentes, mas sem base em prova documental ou testemunhal de sua participação. A possibilidade de acioná-la está diretamente ligada ao personagem que esses homens representam, isto é, por serem considerados mais do que “bandidos”, são os “chefes” do “crime organizado”.
A classificação que recai sobre eles tem origem na forma como a polícia administra os casos que envolvem o “tráfico de drogas” já no âmbito da Delegacia de Homicídios do Rio de Janeiro. Os policiais vinculam a sua elucidação à “guerra” ao tráfico e ligam o morto ao contexto territorial onde a morte aconteceu, ou no qual o corpo foi encontrado, como demonstrou a antropóloga Flavia Medeiros (2016) através de sua etnografia da Divisão de Homicídios. Assim, esses homens seriam potenciais responsáveis por qualquer morte violenta que ocorresse nos territórios por eles comandados.
Isso, sendo um pressuposto, leva a que sejam acusados e condenados. Como nos disse uma promotora: “quem, afinal, pediria a absolvição de um Nando Bacalhau15, ainda que não tivesse prova?”. Estes “bandidos” optamos por chamar de, mais do que aderentes, colantes, por assim dizer. Assumem-se, eles mesmos, como protagonistas de uma “carreira” criminosa a partir de sua trajetória desviante (BECKER, 2009).
Nesses casos, como no julgamento de Fernandinho Beira-Mar16 que assistimos (NUÑEZ, 2017), embora se espere que o réu assuma uma postura submissa, respondendo às perguntas do juiz, como vimos nos tribunais, evidenciando a “sujeição criminal” (MISSE, 2011), não é isso o que acontece. Isso porque esses homens não são tampouco considerados ou tratados pelo judiciário como réus “comuns”. Chegam ao Fórum de helicóptero, são escoltados por agentes penitenciários federais fortemente armados, usam roupas civis (camisa polo, calça jeans e sapatos) e não o “uniforme” da Seap17. Não calçam os chinelos de dedo usados pelos “traficantes do morro” julgados nas Varas Criminais Comuns. Ainda, esses réus não são trazidos ao Fórum para a realização das audiências anteriores ao júri. Por estarem presos em presídios federais, ditos de “segurança máxima”18, as audiências de instrução e julgamento anteriores ao júri são realizadas por “videoconferência” que, por si só, demanda uma estrutura e um espaço diferentes dos demais. São câmeras, microfones e conexões de internet que permitem estabelecer a comunicação com o presídio, que marcam esses momentos. Os réus, desse modo, não são ouvidos pessoalmente, mas de modo “virtual”.
Além disso, no momento do julgamento, em razão de sua fama, seus júris são amplamente divulgados na mídia, de modo que as sessões se assemelham à verdadeiros eventos (NUÑEZ, 2017), cuja entrada é controlada, e há lugares reservados para a imprensa e que, portanto, contam com a existência de uma lista, de posse do juiz e de suas secretárias, sobre quem poderá adentrar na plateia do Tribunal do Júri para assisti-los.
Decorrente dessa especial forma de aderência ao rótulo de “bandido”, que ocorre em casos como os de Nando Bacalhau e Fernandinho Beira-Mar, a “teoria do domínio do fato”, ao mesmo tempo que lhes coloca no patamar de “chefes”, de superior hierárquico, retira justamente daí a substância moralizante para confiná-los por ainda mais tempo no assim chamado “sistema prisional” – de modo a tirá-los de circulação. A atitude de ambos, como observado por nós em trabalho de campo – mandando beijos e acenos para um plenário superlotado em clima de plateia de programa de auditório, quando foram a julgamento, pode ser tomada como exemplo. Os dois eram acusados de serem mandantes de diferentes crimes de homicídio e durante a sessão assumiram a posição de “chefão”, aquele que parece não querer perder a aura de poderoso, que não se abala, ainda que possivelmente ele, e todos os ali presentes, saibam que é justamente isso que faz com que sua pena seja quase sempre muito rigorosa.
O “chefão”, em tese – e destacamos que se trata de uma “tese” –, é quem manda matar ou deixar de matar, violentar ou deixar de violentar, sem demonstrar arrependimento. Forma-se assim um acordo tácito, à semelhança de um pacto, a partir do qual o “rotulado” cumpre a profecia. E o faz de cabeça erguida, tornando-se então uma espécie de maravilha da aderência, uma vez que a sua “responsabilidade” a ele se agarra de maneira mais fácil, levando-o a ser condenado por, eventualmente, malfeitos que não ordenou ou mesmo tomou conhecimento.
Em Maconheiro, dependente, viciado ou traficante? Representações e práticas da Polícia Militar sobre o consumo e o comércio de drogas na cidade do Rio de Janeiro (2011), a antropóloga Alessandra Oberling descreve e interpreta as ações policiais que resultam (ou, segundo a lei, deveriam resultar) em processos de incriminação de consumidores de drogas postas na ilicitude. Nesse trabalho, mostra como a “verdade” sobre a vida de alguém, se é “traficante” ou se é “bandido”, se passará ou não grande parte de sua trajetória de vida em um estabelecimento prisional, começa a ser construída a partir do olhar inquisitorial desse “agente da Lei” que é o policial militar.
Ao indagar seus interlocutores sobre a lógica do “faro policial”, Oberling ouvia em resposta que, por não ser uma policial, ela jamais entenderia. Quando, enfim, alguém resolveu explicar-lhe a lógica de funcionamento deste, o interlocutor afirmou que: quando adentram um lugar que consideram suspeito – que pode ser uma favela, um bar etc. – dirigem a todos, a princípio, indistintamente, o olhar duro, inquisitorial, que explicita deliberadamente a desconfiança. Aqueles que forem “bandidos”, que estiverem “devendo”, asseverou o policial, darão o sinal. É aí que a abordagem é feita e eventualmente (ou quase sempre, segundo o discurso dos policiais) se logra encontrar elementos que incriminam aquele que, até então, era não mais que um “suspeito” (OBERLING, 2011).
Contudo, não é em todos os locais da cidade do Rio de Janeiro que esse olhar policial inquisidor se impõe de forma intensa. Dessa maneira, estar e/ou morar em determinados bairros da metrópole ou vestir-se de determinado aspecto podem tornar alguém mais aderente ou escorregadio a esse controle inquisitorial da ação da PM. O primeiro passo desse processo de incriminação, leva uns “traficantes”, e outros não, a passarem anos encarcerados. No caso daqueles que moram em bairros de classe média, como mostrou a pesquisa de Grillo (2008), essa incriminação nem sempre ocorre. E o processo de rotulação iniciado na rua continua nas delegacias e nos tribunais, onde os atributos pessoais, como a presença ou a ausência da família do acusado, sua posição social, se têm ou não advogados privados, sua ocupação profissional, vão entrando nos julgamentos que em grande medida definirão sua “carreira” nesse “sistema”, marcando profundamente sua trajetória pessoal.
Julio César, por exemplo, de aderente à condição de um sujeito infrator (que havia cometido um crime considerado grave, como o tráfico internacional) no nível do aeroporto e da vigilância típica e informada da Polícia Federal, passou a escorregadio, ao rótulo de “bandido” que, de acordo com um tipo de moralidade corrente, merece “apodrecer na cadeia”, quando seu processo chegou no nível das varas criminais do Rio de Janeiro. Como dito, ser um jovem universitário, poliglota e de classe média, além de defendido por advogados de sucesso, contou muito a seu favor nesse complexo processo de produção de verdades e trajetórias pessoais.
Em Fazendo doze na pista: um estudo de caso do mercado ilegal de drogas na classe média (2008), Carolina Grillo aborda a questão do tráfico efetuado por pessoas cuja posição social é semelhante à de Julio Cesar. Observa que, entre essas pessoas, quando ocorre de serem incriminadas em processos judiciais, aqueles que as julgam reputam a existência da chance de se “regenerarem”, tanto no que se refere à moralidade corrente entre seus pares, quanto em relação à Justiça. Dito de outra maneira, o rótulo de “bandido” até cola neles, mas lhes é dada a chance de reverter essa trajetória, porque seus atributos pessoais os tornam mais escorregadios, em comparação com pessoas de outros grupos sociais ou que morem em favelas etc.
Por estarem sendo defendidos por advogados como Carlos Germano e Emerson Leão, já são a priori melhor compreendidos, por assim dizer. Quem faz a defesa é um elemento decisivo, para que o rótulo que identifica a “clientela” desse “sistema” melhor lhe escorregue. A importância e a fama de um escritório de advocacia (e também daquele que é defendido) podem ser percebidas e mensuradas desde a qualidade das roupas usadas pelos advogados, os tecidos a partir dos quais são feitos, incluindo aí o estilo do nó da gravata, a forma como falam, sua postura corporal, além do número de defensores que “trabalham” no processo.
Enquanto isso, a grande maioria dos réus, que acaba compondo imensa parte da “clientela” do sistema criminal e prisional, cuja trajetória de vida é profundamente marcada pelo cumprimento de penas relativamente longas por “tráfico de drogas”, está em outra condição. Esses sujeitos são defendidos por defensores públicos que quase sempre comparecem sozinhos nas audiências, encontram os acusados minutos antes do ato ocorrer e não dedicam ao processo o mesmo “tempo” de trabalho que os advogados privados. Não podemos desprezar o peso de tais práticas e representações nos tribunais, tornando alguns ainda mais aderentes e outros mais escorregadios ao rótulo de “bandido”, e quanto mais verossímil que sejam “sanguinários”, mais anos devem passar na cadeia. Nos casos de Barbosa e Paulo Victor, a existência de vínculos familiares e empregatícios também foram decisivos.
Em investigação financiada pelo Ministério da Justiça e realizada pelo Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas de Drogas e Direitos Humanos da Faculdade Nacional de Direito (UFRJ), através da análise minuciosa dos acórdãos em casos de condenados por “tráfico de drogas” chegou-se à conclusão de que a grande maioria dos presos portava pequenas quantidades no momento da ação policial que disparou o processo de sua incriminação. 66% eram réus primários por ocasião da condenação, e 58% foram sentenciados a mais de oito anos de cadeia19. O que demonstra a forma como os aderentes vão sendo incriminados ao longo do processo penal e da produção da verdade.
Considerações Finais
Acompanhamos o julgamento, no Tribunal do Júri, de dois “traficantes” acusados de serem “mandantes” de crimes de homicídio. Ambos eram defendidos pelo mesmo advogado privado, reconhecido no meio como “um bom orador” que costuma assumir apenas os processos nos quais esses homens respondem por “homicídios”. Embora o advogado privado não meça esforços (e cordas vocais) para defendê-los, sempre acabam condenados, ainda que não exista, a rigor, provas concretas de serem os “mandantes” dos crimes. Muitas vezes esses “chefões” são transferidos para presídios de “segurança máxima” e, fazendo a sua parte no trato tácito, encarnam o mal, a figura que deve ficar encarcerada por anos, segundo os valores morais (BALBI, 2007) correntes.
A acusação gira em torno do argumento de que são “chefes do tráfico” e que, por isso, todas as decisões sobre mortes e execuções passam por eles. Trata-se, como vimos, de uma categoria nativa do campo do direito, a “teoria do domínio do fato”, que diz que o “acusado” tinha ciência da ocorrência da morte e, portanto, mesmo sem provas da acusação que pesem sobre ele, deve ser condenado. A sustentação da acusação passa por argumentos de que aqueles homens são os responsáveis pela “criminalidade”, pelo “tráfico”, e por isso merecem ser duramente punidos.
Já o caso de Julio Cesar, definido na Justiça Federal e não nas varas estaduais, leva a uma interpretação bastante diferente da lei. De acordo com a forma como foi detido, foi tipificado com o agravante da “internacionalidade” do delito. Não obstante, foi posto em liberdade em menos de um mês. Se, por um lado, os “chefões do tráfico” encarnam a tradição e a fama de serem os mais aderentes, não apenas ao “rótulo” de “bandidos”, mas de “ameaça para a sociedade”, alguns conseguem encarnar o modelo de pessoas escorregadias aos rótulos criminalizantes e estigmatizantes.
Barbosa e Paulo Victor, por sua vez, tentam, com o que podem dispor de recursos judiciais, materiais e morais, escorregar à sua maneira. Ter carteira assinada, mães e/ou esposas nas audiências, além de outros atributos, como o fato de ser réu primário, contam a favor nestes casos. A defensora de ambos, que os viu uma única vez, sempre trouxe consigo um copo de refresco, e explicou, em tom muito baixo, o que estava acontecendo na sala. Assim, a relação que a defensora estabelece com os réus, seus “assistidos”, remete à maneira tutelar como o Estado lida com certas pessoas, à semelhança de uma cidadania regulada, como proposto por Wanderley Guilherme dos Santos (1979), já que elas não são vistas como detentoras de direitos e por isso capazes de tomarem suas próprias decisões. Os “assistidos” e seus familiares, a seu turno, se submetem à tal categorização pois entendem a lógica dessa construção e antecipam os benefícios em potencial, similarmente ao que Fassin (2007) descreve sobre as “vítimas” atendidas pelos programas humanitários. Ainda, para esses réus, construir uma imagem de trabalhador reforça a dicotomia que polariza trabalhadores e bandidos em lados opostos (GUEDES, 1997), é uma das formas para que o rótulo não grude.
Mais do que para apresentar tipos ideais de sujeitos em trajetórias de incriminação, o uso das categorias escorregadio e aderente em uma perspectiva contrastiva foi acionado para pensar atributos apresentados por esses mesmos sujeitos em momentos decisivos dos processos policiais e judiciais de incriminação. Desse modo, nosso intuito foi demonstrar, por meio de fontes diversas – leitura de documentos, etnografia e entrevistas semiestruturadas –, a descrição dos processos (tanto os sociais quanto os judiciários) em que a forma de interpretar os significados e os efeitos do porte de tais atributos é ora reafirmada ora problematizada, e sempre atualizada. Ser réu primário; relação amorosa tida como estável; presença ou não de prática de violência associada ao crime; ser usuário de drogas; traços étnicos; ter membros da família presentes na audiência; vínculo empregatício; acompanhamento de advogados; entre outros, são aspectos, alguns, distribuídos desigualmente entre os componentes da sociedade brasileira, que se configuram na apresentação de uma pessoa diante da polícia e da justiça, formando o atributo de ser, em sua apresentação, mais escorregadio ou mais aderente aos mecanismos institucionais que têm o condão de incriminar as pessoas, podendo acarretar drásticos efeitos.
Como vimos por meio da oferta de farto material etnográfico, que foi uma escolha metodológica assumida pelos autores, de porte de tais atributos configurados na articulação entre diferentes aspectos, alguns sujeitos conseguem se apresentar mais escorregadios ao rótulo de bandido na interação com os sistemas policial e judiciário. Por outro lado, quanto mais aderente a tal rótulo, aumentam-se as possibilidades dessas pessoas passarem meses ou anos da vida em prisões, não raro, superlotadas. Há aqueles, ainda, como também vimos, cuja trajetória de vida em acordo com atividades criminosas e criminalizadas os levou a assumir o papel do superaderente, formando assim uma inflexão neste modelo por nós construído. Não obstante, foi através do pensamento em torno da oposição manifesta entre ser, aos olhos da polícia e da justiça, escorregadio ou aderente, que construímos, utilizando-nos de nossas observações empíricas, esta contribuição.
Referências Bibliográficas
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Uma versão preliminar deste artigo foi apresentada no IX Encontro da Rede Latino-Americana de Antropologia Jurídica realizado em 2015, na cidade Pirenópolis/go. Agradecemos ao Mario Miranda Neto pelos comentários feitos e pela leitura atenta de nosso paper.↩︎
Aqui, como no caso de todos os nomes empregados nesta narrativa, trata-se de pseudônimo que utilizamos para preservar a privacidade dos envolvidos em processos criminais ou com quem estabelecemos interlocução.↩︎
Informação detalhada obtida pelos advogados que atuaram no caso de Julio Cesar, com os quais estabelecemos interlocução.↩︎
Como apontado por Kant de Lima (2004), não se pode falar em “sistema de justiça criminal” no Brasil. Isso porque a ideia de sistema presume uma continuidade e uma integração, o que não acontece no caso. brasileiro, que se apresenta de modo partido e cujas agências (polícia, ministério público e judiciário, no caso do processo penal) não se comunicam e competem entre si para o exercício das suas funções.↩︎
O crime de tráfico prevê pena de reclusão e multa. Neste caso, a multa foi aplicada e a pena privativa de liberdade foi, conforme previsto no art. 44 do Código Penal, substituída por prestação pecuniária e prestação de serviços à comunidade. O valor total que o réu deve ao Estado chega em torno de 20 mil reais.↩︎
“Cair”, no caso, significa ser preso ao cometer ilicitude, cair nas malhas das forças policiais e ser processado pela Justiça.↩︎
O art. 226 do CPP determina que “Quando houver necessidade de fazer-se o reconhecimento de pessoa, proceder-se-á pela seguinte forma: I – a pessoa que tiver de fazer o reconhecimento será convidada a descrever a pessoa que deva ser reconhecida; II – a pessoa, cujo reconhecimento se pretender, será colocada, se possível, ao lado de outras que com ela tiverem qualquer semelhança, convidando-se quem tiver de fazer o reconhecimento a apontá-la; III – se houver razão para recear que a pessoa chamada para o reconhecimento, por efeito de intimidação ou outra influência, não diga a verdade em face da pessoa que deve ser reconhecida, a autoridade providenciará para que esta não veja aquela; IV – do ato de reconhecimento lavrar-se-á auto pormenorizado, subscrito pela autoridade, pela pessoa chamada para proceder ao reconhecimento e por duas testemunhas presenciais”.↩︎
Favela do Jacaré, localizada no subúrbio do Rio de Janeiro.↩︎
Trata-se do crime de “violência doméstica” cuja lei, que criou o trâmite especial para tais violações, é conhecida como “Lei Maria da Penha” em razão do nome de Maria da Penha Maia Fernandes, mulher que foi violentada de forma cruel pelo marido.↩︎
Referem-se às diferentes industrias produtoras de computadores. A Apple, de Steve Jobs, que produz aparelhos cujo sistema operacional não é o Windows, da Microsoft, criada por Bill Gates. Como o sistema operacional importa para que os programas do poder judiciário rodem de maneira eficiente, promotor e juiz discutiam isso.↩︎
Dispõe o art. 65, III, d, que a confissão espontânea do agente será causa de redução de pena. Com isso, quando o réu confessa diante do juiz, há uma redução de pena. Em casos de penas menos graves, essa redução pode determinar a progressão para o regime aberto, ou seja, a “soltura” do condenado, embora tenha que continuar “prestando contas à justiça”, indo ao Fórum, assinar o cumprimento mensal da pena, não permanecerá preso.↩︎
Conforme o art. 40 da Lei nº 11.343/2006, as penas previstas nos arts. 33 a 37 da mesma lei, nos quais está previsto, por exemplo, o crime de tráfico, são agravadas de 1/6 a 2/3 se evidenciada a “transnacionalidade” do delito.↩︎
Dialogamos com o trabalho de Michel Misse, para quem o processo social de “criminalização” é apenas a primeira parte do funcionamento deste “sistema”. A criminalização consiste na tipificação das condutas que serão consideradas crime e é este movimento que cria a possibilidade de, diante do processo de “criminação” – materializado na prática diária de agentes da segurança pública e da justiça criminal – concretizar o processo seletivo que leva, ou não, as pessoas à prisão. É com a “incriminação” que esse processo culmina, quando o sujeito é finalmente “indiciado” no Inquérito Penal ou “acusado” no Processo Criminal. Ainda, segundo o autor, pode seguir a “incriminação” a própria “sujeição criminal” do acusado, fenômeno social sobre o qual discorreremos em seguida. Para maiores informações sobre as categorias analíticas vide Misse (2011).↩︎
O direito sustenta-se sobre as teorias jurídicas e doutrinárias e a “teoria do domínio do fato” é uma delas. Trata-se de uma construção doutrinária, presente em livros de direito, que é acionada pelos agentes do campo durante os seus discursos. Foi criada inicialmente no contexto do direito alemão, para dar conta das condenações dos responsáveis pelos crimes cometidos no holocausto, isto é, dentro de uma hierarquia e lógicas própria. No Brasil, ficou conhecido especialmente depois do caso do “Mensalão”, no qual foi utilizado para condenar alguns dos réus.↩︎
“Bandido” que se notabilizou como chefe do “tráfico” no Morro do Chapadão, na cidade do Rio de Janeiro. Bacalhau seria ainda, à época, o segundo homem mais importante na hierarquia da organização criminosa autodenominada Comando Vermelho.↩︎
Outro notório “bandido” do Rio de Janeiro.↩︎
Secretaria de Estado de Administração Penitenciária.↩︎
O “sistema penitenciário federal” conta com 5 estabelecimentos federais localizados em Porto Velho/RO, Mossoró/RN, Campo Grande/MS, Brasília/DF e Catanduvas/PR. O sistema tem capacidade para abrigar 1.040 presos, e “isola os presos considerados mais perigosos do País”. (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA. Disponível em: http://portal.mj.gov.br/depen/data/Pages/MJ887A0EF2ITEMID5AC72BD609F649AEBDB09A5A1D5A28B9PTBRNN.htm. Acesso em: 15 jun. 2015).↩︎
Vide, para mais informações, pesquisa de Boiteux et al., 2009.↩︎