A MULHER SOFRE EM DOBRO: A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA NO BRASIL CONTRA AS MULHERES E A REPERCUSSÃO DO ISOLAMENTO SOCIAL DECORRENTE DA PANDEMIA DA COVID-19 NO AUMENTO DOS ÍNDICES DE TAL VIOLÊNCIA

Thiago Alves Feio

Doutorando em Direito na UFPA. Mestre em Direito e Políticas Públicas pelo CESUPA (2018). MBA em Direito e Processo do Trabalho (FGV). MBA em Gestão Empresarial (FGV). Graduação em Direito e Engenharia da Computação. Professor de Direito Administrativo I e II; Direito Constitucional I e II; e Teoria Geral do Direito Civil no CESUPA.

País: Brasil Estado: Pará Cidade: Belém

Email: thiago.a.feio@gmail.com Orcid: https://orcid.org/0000-0002-4989-4848

Pedro Rafael Fernandes Moura

Graduando em Direito, atualmente cursando o 10° semestre pelo CESUPA - Centro Universitário do Estado do Pará.

País: Brasil Estado: Pará Cidade: Belém

Email: pedro18060250@aluno.cesupa.br Orcid: https://orcid.org/0000-0002-2287-4855

José Augusto Simões Pontes

Graduando em direito no 10º semestre pelo Centro Universitário do Estado do Pará (CESUPA).

País: Brasil Estado: Pará Cidade: Belém

Email: jose18060432@aluno.cesupa.br Orcid: https://orcid.org/0000-0003-0367-3780

Contribuições dos autores:

José Augusto Simões Pontes e Pedro Rafael Fernandes Moura participaram na idealização do tema, pesquisa bibliográfica, redação do conteúdo do artigo e revisões. Enquanto Thiago Alves Feio atuou na orientação acerca do conteúdo e estrutura do artigo, bem como revisões e correções em geral.

RESUMO

Este artigo objetiva verificar os impactos trazidos pela pandemia da Covid-19 nos casos de violência doméstica contra as mulheres. Para isto, foi utilizada pesquisa bibliográfica, possuindo este artigo caráter essencialmente teórico. Divide-se a pesquisa em: definição de violência; definição institucional da violência doméstica e suas modalidades legais; fatores que a impulsionam e, por fim, a análise da relação entre o isolamento social e o aumento dos índices de tal violência, bem como meios de combatê-la. Concluiu-se que o isolamento social durante a pandemia passou a impactar diretamente em tal forma de violência, e que o combate pode se dar através de: repressão aos agressores mediante investimento em segurança pública; cooperação entre os particulares; fomento a campanhas de denúncia; aprimoramento de locais de apoio às vítimas na pandemia; bem como na realização de acréscimos pontuais a instrumentos de combate já consolidados, como a Lei Maria da Penha.

Palavras-chave: Covid-19. Isolamento social. Violência doméstica. Violência contra a mulher.

ABSTRACT

WOMAN SUFFERS TWICE: DOMESTIC VIOLENCE IN BRAZIL AGAINST WOMEN AND THE REPERCUSSION OF SOCIAL ISOLATION ARISING OUT OF THE COVID-19 PANDEMIC IN THE INCREASED INDICATIONS OF SUCH VIOLENCE

This article aims to verify the impacts brought by the covid-19 pandemic in cases of domestic violence against women. For this, we used the bibliographic search, having this article essentially theoretical character. The search is divided: violence definition; definition of domestic violence and its legal modalities; factors that increase that violence and, finally, the analysis of the relationship between social isolation and the increasing rates of that violence and how to fight it. Arrived the conclusion that the social isolation during the pandemic began to directly impact such form of violence and that the fight can occurs through: repression of aggressors through public security investments; cooperation through private individuals themselves; promotion of reporting campaigns; enhancement of support places for victims in times of pandemic; as well as in making occasional additions to already consolidated combat instruments, such as the Maria da Penha law.

Keywords: Covid-19. Social isolation. Domestic violence. Violence against women.

Data de Recebimento: 17/01/2021 – Data de Aprovação: 15/09/2021

DOI: 10.31060/rbsp.2022.v.16.n3.1410

INTRODUÇÃO

Em meados de 2019, foi relatado na cidade chinesa de Wuhan o aparecimento de inúmeros casos de pessoas infectadas com aquilo que ficou popularizado à época como uma espécie desconhecida de pneumonia, que passou a provocar muitas mortes. Posteriormente, a doença foi identificada por ser causada por um vírus que ficou conhecido por Coronavírus (SARS-CoV-2). Seus sintomas, segundo o Ministério da Saúde (BRASIL, 2021), podem variar desde tosse, febre, dor de garganta, fadiga, dor de cabeça, dificuldade para respirar, perda de olfato, perda de apetite e paladar etc., até sintomas similares aos de uma pneumonia severa.

Contudo, um dos problemas que têm causado grande preocupação é o alto grau de contágio dessa virose, que se alastra desde apertos de mão, tosse e espirro, até a transmissão por gotículas de saliva e objetos contaminados. Desse modo, não surpreende que tenha se espalhado tão rapidamente aos países ao redor do globo, incluindo, o Brasil, que teve o seu primeiro caso confirmado pelo Ministério da Saúde no dia 26 de fevereiro de 2020, na cidade de São Paulo/SP.

A partir daí, de acordo com dados do Painel Coronavírus, do Ministério da Saúde (BRASIL, 2021), já foram registrados, até o dia 1 de setembro de 2021, um total de 581.150 óbitos e 20.804.215 diagnósticos, com média diária de 643 mortes por dia e 27.345 novos casos. Logo, é um contexto ainda preocupante, e que, evidentemente, ainda demanda cautela por parte da população e de governantes com relação ao que a doença já se mostrou capaz de produzir.

Nesse sentido, em razão do número de casos diários, que persistem estatisticamente, para contenção desta crise sanitária mundial, enquanto as doses totais das vacinas não alcançam a todos, têm sido ratificadas diversas estratégias de cunho essencialmente profilático. Mormente, as chamadas “medidas de isolamento social”, que, segundo Ferguson et al. (2020), têm por principal objetivo reduzir significativamente a taxa de transmissão. Dentre tais medidas, teve destaque o Lockdown, que é uma política de confinamento e limitação quase que total do comércio e das relações sociais presenciais, e que no país teve intensa implementação (BRASIL; 2020).

É justamente devido a esta e a outras necessárias medidas radicais de enfrentamento à pandemia que se pode inferir que o estrago decorrente de toda esta situação incômoda está muito além de apenas um estrago sanitário e epidemiológico. Configura-se, também, como um estrago de alcance econômico, psicológico e social (MARANHÃO; MARANHÃO, 2020; MARANHÃO; SENHORAS, 2020). Segundo Vieira, Garcia e Maciel (2020), tais medidas, além de alterarem as dinâmicas de funcionamento da sociedade no que tange aos aspectos econômicos, sanitários e epidemiológicos, acabam também afetando outras problemáticas sociais, como o fenômeno da violência doméstica, que atinge principalmente as mulheres. Em outras palavras, no que pese o fato de, para alguns, o isolamento social ser associado à segurança e proteção, para outros, é sinônimo de medo, não unicamente no que tange à doença em comento, mas também à preocupação ainda maior quanto à possibilidade de ocorrência da violência doméstica. Nessa perspectiva, é trazido o seguinte questionamento: quais os principais impactos da pandemia da Covid-19 no que tange aos índices de violência doméstica cometidos contra a mulher?

A presente pesquisa tem por escopo, pois, analisar os impactos da pandemia do novo Coronavírus no aumento dos índices de violência doméstica contra a mulher, verificando como se dá essa relação e ratificando medidas de enfrentamento à tal violência, que se mostrou alarmante em tempos de isolamento social decorrente da pandemia.

Tal trabalho desenvolvido possui caráter fundamentalmente teórico, adotando como principal forma de pesquisa a revisão bibliográfica, compreendendo a utilização de livros e artigos, sendo complementada por meio de dados estatísticos. A presente pesquisa se divide em dois momentos: primeiro serão abordados alguns conceitos essenciais para a compreensão da problemática da violência doméstica contra a mulher de forma estrita, bem como o estudo terá foco na contextualização desta problemática. Em um segundo momento, após a ampla exposição antecedente, haverá, finalmente, a argumentação sobre como os índices de tal forma de violência se relacionam com o isolamento social decorrente da pandemia.

Para tanto, serão explorados, através de tópicos distintos: definições doutrinárias de violência, analisando o que diversos autores pensam sobre essa temática, tais como Hannah Arendt, Minayo e Souza. Também, serão abordados problemas de cunho prático e teórico, definições institucionais da violência doméstica, mostrando como certas instituições internacionais definem tal problemática, com breve passeio por suas modalidades legais. No mesmo sentido, faremos uma contextualização da violência doméstica contra a mulher no Brasil, mostrando como o nosso contexto histórico de séculos de escravidão e o machismo de nossa sociedade influenciam na existência desse problema e em seu fomento, além de analisar os principais avanços trazidos pela Lei Maria da Penha.

Ademais, abordaremos fatores causadores da persistência dessa problemática, tais como raízes culturais patriarcais e motivações práticas pelas quais aquelas se materializam. De acréscimo, faremos uma análise efetiva acerca da relação do isolamento social e o aumento provocado nos índices de criminalidade contra a mulher, analisando dados de diversos institutos, tendo por finalidade entender essa relação para buscar maneiras de solucionar ou amenizar tal problema em tempos de pandemia. Por fim, a ratificação de medidas para o combate deste fenômeno crescente em tempos de pandemia, analisando diversos meios para combater essa violência, pondo em destaque o incentivo a determinadas políticas públicas, assim como o apoio da iniciativa privada, mediante a ampliação de redes virtuais e informais de atendimento às vítimas de tal violência.

UMA EXPOSIÇÃO CONCEITUAL PERTINENTE: VISÕES DOUTRINÁRIAS ACERCA DA VIOLÊNCIA EM SENTIDO AMPLO E PROBLEMAS TEÓRICOS E PRÁTICOS

Com o intuito de realizar um estudo sobre a violência contra a mulher, primeiramente, é necessário entender a própria violência em si, isto é, a violência praticada em sentido amplo, contra toda e qualquer pessoa, para que, compreendida a noção geral do fenômeno, possamos compreender melhor a situação específica da problemática da violência doméstica contra a mulher, especificamente durante a pandemia.

Dessa maneira, de início, cumpre refletirmos acerca do que seria a definição da violência propriamente dita, e abordarmos seus problemas práticos e teóricos. Em meio a esta reflexão, encontra-se uma série de abordagens acerca do que viria a ser tal fenômeno sob um prisma geral multidisciplinar. Dentre tais abordagens, podemos destacar Pinheiro e Almeida (2003), que definem a violência como uma força de caráter intencional, que possui o fito de causar dano, seja este um dano físico, psicológico, moral etc. A ação ou omissão, destaque-se, seria o elemento constitutivo dessa “força”.

Em sentido complementar, Minayo e Souza (1998) enxergam a violência como um fenômeno complexo, que se estende a diversas searas, mormente o Direito, a Psicologia e a Sociologia. Logo, devido a esta demanda de análise conjunta e multidisciplinar de áreas principalmente pertencentes ao campo das ciências sociais, afirmam que isto apenas comprova que a violência não é algo inato, mas, sim, é criada e desenvolvida culturalmente.

Assim, pode-se inferir que a violência, uma vez não pertencente ao objeto de estudo de nenhuma área em específico, caracteriza-se como uma questão de ordem social e cultural, isto é, que é cultivada nas relações sociais, ilustrando o primeiro problema prático, que expõe que há, na nossa sociedade, um ininterrupto desenvolvimento da violência como cultura.

Justamente pelo exposto, especialmente no que concerne ao fato de a violência não ser identificada como objeto próprio de nenhuma ciência em específico, é que tanto dificulta os estudos acerca deste fenômeno. É o que acaba configurando, assim, uma de suas principais consequências: aquilo que Schraiber e D’Oliveira (1999) convencionaram por nomear “invisibilidade social”. Ou seja, por não haver linguagem e métodos suficientemente unificados e colaborativos de se analisar este fenômeno, isto acaba por causar certa dificuldade na compreensão e exposição das questões internas referentes a tal fenômeno em tela, daí decorrendo também um problema de cunho teórico.

Se aproveitando dessas brechas (criação e desenvolvimento constante da violência como um fenômeno cultural por parte da população e dificuldade de precisão metodológica), aqueles que exercem vantagem, seja física, psicológica, patrimonial etc., transformam a violência em um instrumento de poder, mediante uma visão perversa que ignora o diálogo ou as condutas socialmente saudáveis para com o outro. Nesse diapasão, os agressores agem, portanto, desconsiderando outras formas de expressão que não a violência, pois, devido a tais brechas no estudo e contenção deste fenômeno, a utilizam como forma de demonstrar poder sobre as vítimas (ARENDT, 2007).

Apesar de, teoricamente, todo e qualquer indivíduo poder ser vítima dessa expressão de poder, diversos autores, como Alemany (2009) e Heise, Ellsberg e Gottemoeller (1999), destacam que as mulheres sofrem um tipo mais danoso de violência. Isso porque, para elas, não só a violência pode ser causada por inúmeros meios, mas se diferencia em decorrência da violência, enquanto para os homens vir a ser causada geralmente por estranhos, às mulheres é causada, principalmente, por pessoas conhecidas, como familiares ou parceiros íntimos.

Note-se aqui que a lógica, portanto, é invertida: maior é a chance de encontrar um agressor não em um estranho, mas em uma pessoa próxima e que deveria ser de “confiança” – conforme será detalhado mais adiante. Logo, decorrente das problemáticas indicadas, a brecha no que tange ao trato teórico e prático da violência acaba sendo um estímulo ainda maior para seu cometimento, principalmente no que diz respeito ao âmbito doméstico, sendo a violência contra a mulher, além de utilizada como expressão de poder do agressor para com a vítima, possuidora do agravante de ser provocada, majoritariamente, por indivíduos de proximidade afetiva com a vítima.

Nesse ínterim, pode-se adiantar que, além de ser decorrência direta destes problemas de cunho teórico e prático, a violência contra a mulher, em regra, se dá exatamente em razão do gênero. Isso se observa no comportamento dos companheiros das mulheres vítimas de violência doméstica, uma vez que estes refletem uma cultura patriarcalista em suas atitudes, oprimindo a mulher em razão de seu gênero, enxergando-as como um gênero inferior e que, conforme tal concepção, deve ser alvo de controle masculino, valendo-se, inclusive, da violência, caso seja necessário para reiterar tal dominância de gênero (PASINATO, 2015; SAFFIOTI, 2015).

DEFINIÇÃO INSTITUCIONAL DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER E SEU CONJUNTO DE MODALIDADES

Compreendido o significado da violência em geral e as dificuldades relacionadas a este conceito, e chegado à conclusão de que as mulheres sofrem um tipo ainda mais danoso de violência, é fundamental, neste momento, verificar o que é institucionalmente definido acerca da violência cujo foco sejam mulheres como vítimas, em ambiente doméstico, com a finalidade de entender essa especificidade e, a partir disso, procurar oferecer possíveis soluções para tal problemática.

De acordo com a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, conhecida também como Convenção de Belém do Pará, ratificada pelo Brasil em 1995, entende-se por violência contra a mulher: “Qualquer ato ou conduta baseada no gênero, que lhe cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher tanto na esfera pública quanto na esfera privada” (CFEMEA, 2007, p. 8).

Posteriormente, análoga a tal entendimento, adveio a Lei Nº 11.340/2006 (Lei Maria da Penha), que ampliou em seu artigo 7º esta definição institucional de violência, detalhando-a melhor no âmbito doméstico e familiar, expondo as diferentes modalidades que podem causar morte, lesão ou qualquer tipo de sofrimento: violência física, psicológica, sexual, patrimonial e moral. Tais modalidades, definidas abstratamente em sede legal, foram desenvolvidas ainda mais pelos acréscimos doutrinários.

Em primeiro lugar, temos a violência física que, junto à sexual, é a mais comum nos casos notificados. Tal modalidade ocorre quando do uso de força física (tapas, socos, empurrões etc.) ou de algum tipo de instrumento capaz de causar dano (de forma não acidental) ou deixar marcas no corpo, por meio de lesões externas e/ou internas, caracterizando, assim, o chamado vis corporalis (CUNHA; PINTO, 2019).

Adiante, temos a violência psicológica, que é toda ação ou omissão que visa causar dano à autoestima, à identidade ou ao desenvolvimento da pessoa, sendo, dentre as modalidades, a mais difícil de se identificar na prática. Isso se dá pois ela se expressa através de ameaças, chantagem, tortura psicológica, críticas exageradas e até mesmo reclamações constantes acerca do desempenho sexual da vítima. Justamente pelas dificuldades de identificação desta modalidade, muitas vítimas passam a sofrer de ansiedade, depressão e pensamentos suicidas. Isso porque a vítima, muitas vezes, sequer percebe que condutas como agressões verbais, tensões, manipulações e, em determinadas circunstâncias, até mesmo o silêncio prolongado, podem vir a representar esta forma de violência (DIAS, 2010).

Já a violência sexual versa sobre uma variedade de atos ou tentativas que visem causar uma relação sexual forçada, coagindo a vítima a obedecer, valendo-se de diversas situações, como vantagem socioeconômica ou através da negação de que haja violência por parte do agressor, que justifica seus atos por base em um vínculo conjugal, por exemplo. Pode ocorrer dentro ou fora de um relacionamento (OMS, 2002).

Tem-se também a violência patrimonial, que é qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total dos objetos da vítima, como instrumentos de trabalho, documentos pessoais, recursos econômicos, dentre outros. Nessa esteira, raramente esta forma de violência ocorre apartada das outras modalidades, atuando, geralmente, como forma instrumental daquelas, isto é, como meio para agredir física e psicologicamente a vítima (CUNHA; PINTO, 2019).

Finalmente, no que tange à violência moral, o entendimento de Maria Berenice Dias (2010) nos direciona a noção de que é qualquer conduta que ofenda a integridade objetiva e/ou subjetiva da vítima, se valendo o agressor de calúnia, difamação e injúria. A partir disso, a autora assevera que o agressor não só deverá responder criminalmente pela conduta, como também deverá indenizar a vítima, em razão dos danos sofridos.

A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER NO BRASIL EM NÚMEROS

Agora, tendo realizado a compreensão de como as instituições compreendem a violência doméstica, mormente com relação à Lei Maria da Penha, precisamos buscar o entendimento dessa violência no Brasil, e perceber que esse preocupante fenômeno se deve a nossa própria cultura, que em muito se relaciona com o avanço dessa forma de violência e em sua banalização. Com isso, poderemos entender melhor a relação do isolamento social decorrido da pandemia da Covid-19, com o agravamento da violência no âmbito doméstico.

A história do Brasil em muito se confunde com a própria história da dominação sistemática do patriarcado em todas as esferas, sobretudo, a cultural e a econômica. Como uma das principais decorrências deste sistema vil, há a problemática da violência doméstica, uma das múltiplas facetas da desigualdade de gênero. Conforme apontam dados da Organização Mundial da Saúde (OMS, 2017), uma a cada três mulheres no mundo (35%) já sofreu violência física e/ou sexual pelo parceiro íntimo ou violência sexual por terceiros ao menos uma vez na vida.

Estima-se também que 30% das mulheres que já estiveram em um relacionamento afetivo tenham sofrido ao menos alguma forma de violência, principalmente física e/ou sexual, tendo como praticante o próprio companheiro, bem como 38% dos homicídios cometidos contra as mulheres tenham sido praticados, também, por seus próprios companheiros masculinos, que deveriam ser os primeiros a zelar pela segurança e pelo bem-estar de suas parceiras (OMS, 2017).

Nessa senda, começa-se a perceber que o fato de a violência de gênero ocorrer principalmente por pessoas próximas, como um companheiro, não é mera coincidência. É, na verdade, uma consequência da cultura em que estamos inseridos. Afinal, a tendência demonstrada estatisticamente é de que as formas de violência não deixam de ser possíveis, simplesmente, pela mulher estar com pessoas tidas como íntimas, que representam grande parte do total de agressores nos casos de violência doméstica.

Saffioti (2015), aliás, conceitua esse contexto de violência de gênero como “máquina do patriarcado”, pois esta opera como um verdadeiro maquinário, que vigora incessantemente onde nem sequer a figura do patriarca é indispensável para movimentar tal máquina, por ser algo que se enraizou na sociedade como um todo.

No Brasil, país que, infelizmente, foi e continua a ser influenciado por discursos preconceituosos advindos de origem sobretudo eurocêntrica e colonizadora, a realidade reproduz o que tem de mais severo: segundo a Folha de São Paulo (CUBAS; ZAREMBA; AMÂNCIO, 2019), o Brasil registra 1 caso de agressão contra a mulher a cada 4 minutos. Além disso, o número de casos envolvendo violência física causada por cônjuge ou namorado praticamente quadruplicou dentre os anos de 2009 a 2016, enquanto a violência psicológica cometida por estes mesmos sujeitos saltou de 2.629 para 18.219 notificações, durante o mesmo período (CUBAS; ZAREMBA; AMÂNCIO, 2019).

Das mulheres questionadas na pesquisa do DataSenado (2019), 27% declaram ter sofrido algum tipo de agressão, sendo que 37% foram vítimas de ex-companheiros e 41% foram alvo de violência ainda durante o relacionamento. A pesquisa prossegue expondo ainda que pelo menos 36% das brasileiras já sofreram algum tipo de violência doméstica, e que em 68% dos casos, a denúncia foi evitada por medo da represália do agressor. Em acréscimo, 24% das vítimas alegam ainda conviver com quem as oprime, enquanto 34% relatam ter dependência econômica do parceiro.

Destarte, conforme dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública – FBSP (2019), apesar da taxa de homicídios no Brasil ter diminuído de 2017 para 2018, a taxa de violência contra as mulheres aumentou, mormente no que concerne aos casos de feminicídio, que subiu de 1.151 mortes em 2017 para 1.206 em 2018, bem como os casos de violência sexual (81,8% das vítimas são mulheres), que cresceram no mesmo período em cerca de 4,1%.

Como se não bastasse toda a violência cometida simplesmente em razão do gênero, restou comprovado que é um debate que envolve até mesmo questões socioeconômicas e raciais: ora, 70,7% das vítimas de feminicídio são pobres e negras (61% das vítimas), enquanto 38,5% são brancas, e a sobra percentual de mulheres vitimadas é composta por mulheres indígenas e amarelas (FBSP, 2019).

Na mesma pesquisa, fica constatado também que este é um problema que perpassa a temática do abuso infantil, no qual as mulheres são vistas como objeto sexual desde a mais tenra idade: a cada hora, quatro meninas da faixa de 13 anos e abaixo são estupradas no Brasil.

Logo, é cristalino o ambiente de opressão às mulheres no Brasil, principalmente pelo fato de o maior inimigo estar, na maioria das vezes, inserido no ciclo de relações afetivas das vítimas, reproduzindo a cultura de violência contra a própria parceira ou parente.

AVANÇOS TRAZIDOS PELA LEI Nº 11.340/2006

Diante dos dados apresentados, não restam dúvidas da gravidade que a violência doméstica contra a mulher atingiu em nosso país, caracterizando-se como um problema não só de violação aos direitos humanos, como também um de nossos maiores problemas de saúde pública, tendo em vista o número de mortes, sofrimento e traumas causados a estas pessoas.

Por esses motivos, os movimentos feministas, no que concerne a exigirem do Estado que este promova medidas realmente efetivas a fim de tutelar principalmente o direito de minorias sociais (como, por exemplo, a mulher negra e pobre), felizmente, têm crescido bastante nos últimos anos, tendo como um de seus ápices de ganhos jurídicos-sociais a promulgação da Lei Nº 11.340/2006, mais conhecida como Lei Maria da Penha, cujo nome é em tributo à triste história de Maria da Penha Maia Fernandes, vítima de violência doméstica durante seus 23 anos de casamento, incluindo tentativas de homicídio por parte de seu marido, que tentou matá-la duas vezes. Na primeira tentativa, o marido utilizou uma espingarda, deixando-a paraplégica; na segunda, tentou eletrocutá-la com uma descarga elétrica durante o banho.

Tal qual explicado por Meneghel et al. (2013), a referida lei foi, primeiramente, uma vitória da causa feminista, e que a expansão desta foi fundamental na construção de uma legislação contrária à violência de gênero. Isso porque, além de serem delimitadas na lei cada modalidade possível da violência de gênero, a própria terminologia “violência baseada no gênero”, agora expressa legalmente, é importante componente para que haja real institucionalização do combate a esta violência, tida, finalmente, como efetiva violação de direitos humanos, e prevenindo de modo mais rígido a naturalização de tal violência doméstica e familiar na relação entre homens e mulheres (PASINATO, 2015).

Logo, tal institucionalização do combate específico a essa forma de violência, categorizada de forma expressa na lei como em razão do gênero, aprofunda o entendimento do tema da violência e previne, com maior eficiência, entendimentos rasos como os de que tal fenômeno de vitimização constante à mulher se deva tão somente em razão do convívio social entre indivíduos, e que seria algo a ser tido como “normal” e “usual” da convivência doméstica.

Destarte, oferece um conteúdo ricamente baseado em documentos como a Constituição Federal de 1988, a Convenção da ONU de 1979 (que debateu acerca da eliminação de todas as formas de violência contra a mulher) e a Convenção de Belém do Pará de 1994 (Convenção Interamericana). Uma das maiores contribuições desta lei é que ela não trata somente da repressão criminal, mas busca também atuar na prevenção, alcançando a todos os envolvidos, desde a vítima até o sujeito que praticou a agressão. Para Maria Celina Bodin de Moraes (2009):

A Lei Maria da Penha inseriu seu âmbito de proteção não só à mulher, mas à própria entidade familiar ao falar também de violência doméstica e não apenas em violência contra a mulher. Com efeito, a violência praticada contra a mulher no âmbito doméstico é capaz de lesar, simultaneamente, vários bens jurídicos protegidos. Salta aos olhos que a violência doméstica diz respeito não mais apenas à instância privada da órbita familiar, mas também, e especialmente, às instâncias públicas dotadas de poder para resguardar os direitos fundamentais dos membros da família. (MORAES, 2009, p. 313).

Aquiescemos o entendimento da egrégia autora. Um exemplo desta intervenção estatal nas relações que outrora ficavam quase que exclusivamente dedicadas ao âmbito privado é que, antes da lei em questão, o registro da violência perante a autoridade policial não gerava qualquer iniciativa protetiva imediata, mas atualmente, as autoridades podem e devem tomar plenamente as devidas providências legais.

Também otimista com a lei, expõe Fernando Vernice dos Anjos (2006):

O combate à violência contra a mulher depende, fundamentalmente, de amplas medidas sociais e profundas mudanças estruturais da sociedade (sobretudo extrapenais). Como afirmamos, a nova lei acena nesta direção, o que já é um bom começo. Esperamos que o Poder Público e a própria sociedade concretizem as almejadas mudanças necessárias para que possamos edificar uma sociedade mais justa para todos, independentemente do gênero. (ANJOS, 2006, p. 10).

Em suma, ambas as declarações dos autores supracitados retratam otimismo com a referida lei, que trouxe uma rede mais articulada de atendimento à mulher, com um foco multidisciplinar, como na prevenção, no combate à criminalidade, na garantia de direitos e assistência às vítimas, de forma célere, humanizada e qualificada (exemplos são as redes de atendimento à mulher, presentes nos mais variados lugares). Ademais, também promoveu avanços como a ampliação do conceito de violência doméstica, abrangendo, além da violência física, as violências psicológica, sexual, patrimonial e moral (art. 7º, I, II, III e IV) e a criação das medidas protetivas de urgência (art. 22, 23 e 24), como afastamento do agressor do lar, proibição deste de se aproximar da ofendida, proibição de entrar em contato com esta, acompanhamento psicossocial etc. (BRASIL, 2002).

Entende-se, portanto, que, apesar dos números da violência serem cada vez mais preocupantes no cenário nacional, é inegável a melhoria institucional trazida às mulheres a partir da Lei Maria da Penha, representando uma das efetivações tão desejadas para se ter mudança com relação às consequências derivadas do patriarcalismo.

Entretanto, medidas como a implementação desta lei combatem, como supracitado, mais as consequências, pois sabe-se que o maior problema reside nos fatores reais que impulsionam essa incômoda opressão contra a mulher. Logo, a despeito de a Lei em comento também inovar com medidas de prevenção, as raízes dos males que vemos referentes à violência doméstica contra a mulher são muito mais profundas e veladas, como será explicado a seguir.

FATORES QUE IMPULSIONAM A MANUTENÇÃO DA PROBLEMÁTICA

É essencial assimilar os fatores que contribuem para a manutenção da violência contra a mulher, pois só com a assimilação do problema, poderemos buscar soluções adequadas para ele, uma vez que suas conjunturas e raízes culturais restarão como abordadas e compreendidas.

Dessa forma, é importante ressaltar que o fenômeno da violência doméstica contra a mulher é impulsionado culturalmente por uma série de fatores, como as raízes patriarcais que permeiam a vida em sociedade. Estas raízes, autoritariamente, atribuíram papéis específicos para cada sexo, e somente começaram a ser desconstruídas com o advento dos movimentos feministas, nos quais a mulher passou a exigir o reconhecimento de seus direitos e a inclusão na vida pública. Este raciocínio está presente na obra da ilustríssima Béjar (2009):

A origem da violência contra as mulheres no seio familiar remonta à histórica concepção de poder e ao uso tradicional da violência por parte do pai ou marido frente aos filhos e à esposa, com o fim de manter o equilíbrio da estrutura patriarcal. (BÉJAR, 2009, p. 317, tradução nossa).

Ora, não há como apartar a problemática da violência doméstica da problemática da cultura patriarcal na qual estamos inseridos, que, partindo da discriminação, associa o masculino à agressividade, à ideia de homem provedor, e que deve herdar a vida pública, por presumir ser mais “racional”. Já a mulher é vista como passiva, cuidadora do lar e passional, devendo, pois, lidar apenas com o que concerne ao âmbito privado.

Portanto, tal construção social acaba sendo imposta como se esta segregação de papéis fosse natural, incidindo tanto em homens quanto em mulheres. Nessa lógica patriarcal, o homem é impedido de demonstrar suas emoções, dores e sentimentos de maneira aberta, e a mulher é inferiorizada e objetificada, passando a ser vista como propriedade do homem, que, quando contrariado, não se sente culturalmente reprimido por ser agressivo, pois isto é, na verdade, um comportamento culturalmente incentivado (BÉJAR, 2009).

Outrossim, nessa lógica patriarcal, o homem passa a ser associado à figura provedora das condições materiais para a subsistência da família e quando este experimenta o desemprego, experimenta verdadeiro sentimento de impotência perante a cultura em que está inserido, acabando, inclusive, por descontar suas decepções na mulher, a quem julga, erroneamente, ser seu objeto (SAFFIOTI, 2015).

É visível o quanto o sistema patriarcal prejudica a todos os envolvidos, tanto o homem – que sofre com esses sentimentos de impotência, por não poder demonstrar livremente suas emoções e sentimentos, julgando poder descontar suas angústias na mulher – quanto a mulher, principal vítima deste contexto.

Saffioti (2015), ao analisar o porquê se deve utilizar, para esta cultura, o termo “patriarcado”, mostra que este: 1) não se trata de uma cultura essencialmente privada, mas que traz repercussão para todo o âmbito da sociedade civil; 2) dá supostos direitos sexuais aos homens sobre as mulheres, praticamente sem restrição; 3) configura um tipo hierárquico de relação que invade todos os espaços da sociedade, como o afetivo e o laboral; 4) tem uma base material; 5) corporifica-se; e 6) representa uma estrutura de poder baseada tanto na ideologia quanto na violência.

Importante destacar que, quanto aos direitos sexuais favorecendo o patriarcado, esses foram refletidos durante muitos anos até mesmo em nossas leis, como no Código Civil de 1916, onde, por exemplo, existia a figura do débito conjugal, onde a mulher tinha a obrigação de ceder seu corpo para a satisfação sexual de seu marido, mesmo contra a sua vontade. Tal fato demonstra o quanto a cultura patriarcal está presente em toda a nossa história, influenciando na prática da violência doméstica, até os dias atuais.

Assim, a partir desta forma de pensamento, acaba se fomentando a violência doméstica, pois não há somente uma naturalização do homem forte e agressivo, mas é pior: há ainda estímulos inconscientes residentes desde o modo como se é criado no seio familiar ao modo como a sociedade recompensa socialmente este tipo de comportamento. Em outras palavras, o raciocínio de Béjar (2009) ratifica que a violência contra a mulher é, de fato, um fenômeno cultural.

Importante ressaltar que muitas vezes as próprias mulheres vítimas de violência conjugal apresentam dificuldades em denunciar seus companheiros, seja pelo medo ou pela vergonha, como pelo fato de que o homem pode ser violento no âmbito doméstico, mas, simultaneamente, apresentar relações sociais consideradas adequadas nos demais setores da vida. Há, ainda disso, o caráter afetivo da própria relação, tornando muito mais dificultoso para as mulheres denunciarem seus companheiros, se sentindo até mesmo culpadas de fazê-lo (SAFFIOTI, 1994).

Faz-se necessário pontuar, também, que alguns grupos de mulheres estão mais vulneráveis a sofrerem violência, como é o caso das mulheres negras, que geralmente em decorrência de possuírem menos oportunidades de escolarização regular frequentam espaços de trabalho precários, bem como por serem vítimas de racismo, ampliando o risco de sofrerem violência (CERQUEIRA, 2021). Consequentemente, estas apresentam menor índice de acesso à justiça, pois os fatores supramencionados dificultam que elas exerçam o direito fundamental de acionar o judiciário, a fim de que o Estado proteja e assegure seus direitos e suas liberdades perante ameaça ou lesão, o que consequentemente contribui para o aumento da violência contra essas pessoas (BERNARDES; LUZ, 2019).

Nesse sentido, pesquisa realizada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (CERQUEIRA, 2021) constatou que, em 2019, 66% das mulheres assassinadas no Brasil eram negras, e que o risco relativo de uma mulher negra ser vítima de homicídio é 17 vezes maior que o de uma mulher não negra.

Tal panorama pode ser compreendido pelo que Crenshaw (2004) chama de interseccionalidade, isto é, o entendimento de que não lidamos sempre com grupo distintos de pessoas, mas, muitas vezes, com grupos sobrepostos, ou seja: uma mulher negra e pobre sofre discriminações que uma mulher branca normalmente não experimentaria, apesar de ambas terem o mesmo gênero.

Aprofundando ainda mais nesta temática de raízes culturais, também não se pode compreender a violência contra a mulher negra no Brasil, especificamente a doméstica, separando esta violência de nosso passado escravocrata. Isso ocorre pois, dentre os escravos, a mulher negra sempre foi o alvo de maior objetificação, sofrendo abusos e violações de ordem principalmente sexual por parte de seus “donos”, típicos proprietários brancos, sendo comum estas sofrerem estupros e serem, posteriormente, punidas pela “sedução” de seu senhor, simplesmente por serem vistas como mulheres bonitas (CAMPOS et al. , 2017).

Dessa maneira, passou a ser visto como algo “natural” a hipersexualização da mulher negra, sendo a violência doméstica contra esta muito mais frequente, tendo em vista que permanecem sendo animalizadas e objetificadas. Também é possível observar que, nos tempos do sistema escravocrata brasileiro, a pena pública também decorria do poder punitivo doméstico, tendo o senhor de escravos a faculdade de punir seus escravos quando bem entendesse, o que, consequentemente, também atingia as mulheres. Atualmente, tal poder punitivo permanece, ainda que com a abolição da escravatura, sendo, ainda que de modo velado, presente como uma transmissão cultural intergeracional (BATISTA, 2008).

Além disso, constata-se que, sendo esses alguns dos fatores que impulsionam a violência doméstica em razão do gênero, há de se inferir que tais fatores também se constituam através de causas práticas imediatas, pelas quais fluem e se consomem. As principais destas são o ciúme e o alcoolismo: conforme pesquisa realizada pelo DataSenado (2011), cerca de 27% do total de casos brasileiros de violência doméstica decorre de ciúmes, acompanhado em primeiro lugar na lista do álcool (também com 27%), sendo, nesse sentido, estas duas as principais causas práticas pelas quais essa infortuna cultura mais se expressa.

Dentro da mesma pesquisa, foi constatado também que, em grande parte dos casos de agressões (66%), os agressores são os companheiros das vítimas, reforçando o que foi exposto anteriormente (DATASENADO, 2011).

O raciocínio utilizado por Béjar (2009) pode nos ajudar a entender a relação de as violências decorridas de ciúme serem praticadas, em tantos casos, por companheiros de relacionamento afetivo das vítimas. A autora reforça que a violência é incentivada pela cultura patriarcal, que, por impor papéis aos gêneros, quando se finda um relacionamento, por exemplo, e o inconformismo acaba sendo exacerbado, faz com que o homem se veja no direito de “castigar” a mulher, por nosso sistema social se “nutrir” de um modelo de família patriarcal que está baseada em poder masculino e submissão feminina. O homem, então, repleto de vantagens sociais e econômicas, bem como com “poder de fala”, se vê como “patrão” da mulher e dos filhos, e qualquer atitude que o incomode é imediatamente reprimida, recorrendo à violência.

Tendo observado que a violência doméstica contra a mulher é deveras frequente na sociedade brasileira, acarretando danos em todos os setores, mas ocorrendo principalmente no âmbito doméstico, realizada pelo marido ou companheiro da vítima, é essencial aplicar a base destas informações reunidas e as discutir em meio ao isolamento, feito para frear a Covid-19. Ora, pelas problemáticas já abordadas, não é difícil presumir que, nesse período, o índice de violência doméstica contra as mulheres só tenderia a continuar aumentando, caso o enfrentamento não se fortaleça.

NUANCES DO ISOLAMENTO SOCIAL: A PANDEMIA DA COVID-19 E SEUS IMPACTOS NA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA COMETIDA CONTRA AS MULHERES

Analisado o cenário nacional de violência de gênero e qualidade de indivíduos que mais a praticam, é preocupante constatar que o isolamento social para contenção da pandemia venha agravando esta situação já muito problemática no país. Diante disto, é necessário verificar os números da violência doméstica, agora especificamente durante o isolamento social, para perceber como tal panorama agravou ainda mais os índices de violência doméstica contra as mulheres.

É possível perceber que, quando do avanço da transmissão da Covid-19, a rotina das pessoas teve de ser alterada radicalmente. O Brasil, atentando-se às recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS), passou a tomar medidas que, se por um lado parecem extremas, na realidade, se mostram necessárias para preservar a saúde da população. Dentre estas, as que mais se destacam são as medidas de isolamento e distanciamento social, estratégias que objetivam evitar a sobrecarga do sistema de saúde, agindo através da contenção do aumento exponencial dos casos da doença (FERGUSON et al., 2020).

Contudo, tais medidas, apesar de benéficas, também trazem consequências negativas para diversos grupos sociais, que, ainda que desejem, não conseguem se beneficiar adequadamente dessas medidas, como, por exemplo, as pessoas que, por necessidade, precisam sair de casa diariamente para trabalhar (ADAMS, 2020; HELLEWELL, 2020).

Para além do exemplo anterior, podemos dizer que um problema que tem sido até então pouco discutido são os impactos que as medidas de isolamento social causam nas relações interpessoais, especialmente nas relações domésticas envolvendo mulheres. Tal afirmação se dá em razão de, coincidentemente ao início do período de isolamento nos países afetados, estes terem registrado um aumento exponencial nos índices de violência doméstica. Na China, por exemplo, os casos de violência doméstica triplicaram durante a pandemia; nessa mesma esteira, países europeus, como a França, também tiveram aumento significativo uma semana após a implementação das restrições sociais, com abusos domésticos reportados à polícia subindo 36% em Paris e 32% no resto do país, com ocorrência, inclusive, de dois casos de feminicídio (EURONEWS, 2020; WANQING, 2020; CAPUCHINHO, 2020).

Já na Espanha, na primeira quinzena de abril, o aumento de chamadas no disque denúncia foi de 47% em relação ao mesmo período do ano de 2019, e houve aumento de 700% do número de mulheres que procuraram outros serviços de apoio por e-mail ou mídia social, enquanto, por outro lado, foi reduzido drasticamente o número de mulheres que procuraram diretamente a polícia (BURGEN, 2020).

Nota-se que tal problemática é um fenômeno que tem ocorrido mundialmente e que, apesar da presente pesquisa se debruçar no caso brasileiro, é um comparativo que não poderia deixar de ser apresentado, uma vez que as raízes de tal problemática estão muito além de estarem localizadas apenas no Brasil.

Retornando à realidade brasileira, no que tange a esses índices da violência doméstica contra a mulher: segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (2020), em março de 2020 foi registrada, surpreendentemente, uma taxa de ocorrências por 100 mil habitantes 44,9% maior em comparação a 2019, além de ter havido aumento no âmbito nacional de feminicídios, chegando a aumentar em impressionantes 67% no estado do Acre, por exemplo, e terem triplicado no Rio Grande do Norte. É válido destacar que houve queda nos registros de boletim de ocorrência e não houve grande variação de medidas protetivas de urgência concedidas pelos tribunais de justiça.

Ademais, dados do plantão do Ministério Público Estadual do Rio de Janeiro divulgaram que foi registrado um aumento de 50% no número de denúncias de violência doméstica já no primeiro final de semana após os decretos estaduais que determinaram o distanciamento social (o que surpreendeu até mesmo as autoridades), sendo a maioria dessas denúncias tendo sido realizadas por mulheres.

Do mesmo modo, este aumento repentino também foi reportado em outros estados: o jornal Gazeta do Povo (2020), conforme dados da Polícia Militar do Paraná, divulgou que houve aumento de 15% nos registros de violência doméstica atendidos por este órgão já no primeiro fim de semana de isolamento no estado; situações semelhantes também foram reportadas pelos estados de São Paulo, do Ceará e de Pernambuco (GALVANI, 2020; LEITE, 2020; MORAES, 2020).

Destacam-se, também, os dados do Ligue 180, disponibilizados pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (2020), que indicaram, logo no começo do distanciamento social, em meados de março, que o número de ligações de mulheres oferecendo denúncias foi 17% maior com relação ao mês anterior. Ademais, enquanto em março de 2019, houve 8.840 ligações, em 2020, no mesmo mês, este número cresceu para 9.950, ilustrando perfeitamente o impacto do isolamento social nos índices de violência doméstica contra as mulheres.

Pesquisas do DataSenado (2020) apontam para essa relação direta entre esse maior índice de criminalidade e o início da quarentena: em fevereiro, menções de episódios de violência doméstica relatados por redes sociais como o Twitter somavam 558 casos (um número já bem expressivo); em março, houve um aumento de mais de 100% com relação ao mês anterior, dado o início da quarentena, acumulando inacreditáveis 2.066 casos; já no mês de abril, os aumentos continuaram, totalizando o absurdo de 2.959 casos, maior que os índices dos dois meses anteriores somados. Quanto à quantidade de feminicídios registrados, comparando o período de 24 de março a 13 de abril de 2019, com o mesmo período em 2020, a mesma pesquisa mostra que, somente no estado de São Paulo, foram de 9 casos para 16 no ano seguinte, quase duplicando.

Em março de 2021, o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (2021) divulgou que os canais Disque 100 e Ligue 180 registraram 105.821 denúncias de violência contra mulher no ano passado, equivalendo a 12 denúncias por hora. Desse todo, 72% (75.894 denúncias) são relativas à violência doméstica e familiar contra a mulher, incluindo ação ou omissão que causem morte, lesão, abuso sexual ou psicológico e sofrimento físico. Outrossim, constam na lista, também, danos morais e patrimoniais.

Já em pesquisa realizada com relação ao mês agosto de 2021, pela Confederação Nacional de Municípios (2021), 483 destes (20,3% dos entrevistados) relataram ter havido aumento da violência doméstica contra a mulher, o que demonstra que, mesmo com mais de um ano decorrido de pandemia no Brasil, os casos continuam a crescer.

Por fim, no último relatório publicado pelo DataFolha, encomendado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP; DATAFOLHA, 2021), em parceria com a empresa Uber, 24,4% das mulheres acima de 16 anos (uma em cada quatro) relatam ter sofrido algum tipo de violência ou agressão nos últimos 12 meses, sendo, desta porcentagem, 6,3% agredidas com socos e chutes. Isso implica em constatar que cerca de 17 milhões de mulheres foram vitimadas na pandemia, sendo 4,3 milhões delas violentadas fisicamente.

Quanto aos tipos de violência, a mais relatada foi a verbal, com insultos e xingamentos, com percentual de 18,6%, atingindo cerca de 13 milhões de brasileiras. Das vítimas, 44,9% afirmam não terem feito nada quanto às agressões sofridas; 21,6% delas procuraram ajuda da família; 12,8% procuraram ajuda dos amigos; e 8,2% procuraram uma igreja. Por outro lado, apenas 11,8% denunciaram a uma delegacia da mulher, 7,5% denunciaram em uma delegacia comum, 7,1% procuraram a Polícia Militar (Ligue 190); e 2,1%, a Central de Atendimento à Mulher (Ligue 180). Destaque-se que 61,8% das vítimas femininas afirmam que a renda familiar diminuiu nesse período (FBSP; DATAFOLHA, 2021). Urge ratificar que as causas e os fatores que impulsionam esta realidade de opressão à mulher, em períodos anteriores a estes tempos de pandemia e isolamento, sejam os de caráter cultural (como o patriarcalismo) ou sejam os de vertente mais cotidiana e derivados dos primeiros, como é o caso do ciúme, não só persistem, como também são majorados.

Vieira, Garcia e Maciel (2020) explicam que, além da quarentena acabar propiciando um aumento na violência doméstica contra as mulheres, também acaba prejudicando o acesso a serviços de apoio às vítimas, especialmente em setores como saúde, assistência social, segurança pública e justiça. Nesse sentido, complementam os autores inferindo que, apesar de haver aumento dos casos registrados de violência doméstica contra a mulher, houve um decréscimo destas mulheres na procura de serviços como a polícia e a saúde – geralmente os primeiros pontos de contato das vítimas com as redes de apoio – podendo estar ocorrendo também pelo próprio medo de se contaminarem com o Coronavírus. Logo, o maior número de registros de violência não implica em dizer que as mulheres vítimas estão se sentindo mais seguras para relatar e as medidas estão sendo mais efetivas (dado o maior número de notificações), mas muito pelo contrário: as mulheres estão sendo cada vez mais vitimadas. Além de terem que se preocupar com a prevenção da Covid-19, preocupam-se, simultaneamente, com a violência constante que sofrem, que não só ameaça sua integridade física e psíquica, como também, suas vidas.

Portanto, é fundamental discutir maneiras de prevenir, combater e solucionar esse problema gravíssimo na sociedade brasileira, que tem sido cada vez mais expandido como repercussão prática da quarentena (que, repetimos, apesar disso, é uma medida eficaz e necessária de combate à transmissão do vírus e prevenção de colapso no serviço de saúde), onde, segundo Saramago (1995 apud MARANHÃO, 2020), sentimentos como ganância, poder, submissão e vergonha têm estado cada vez mais presentes, ocorrendo atos de violência, abuso sexual e morte, necessitando, portanto, de políticas públicas combativas.

Tais sentimentos, portanto, mais refletem o exercício de uma cultura de violência contra a mulher que percorre a história de nosso país do que, propriamente, uma decorrência temporária do período atual de isolamento.

MEDIDAS DE COMBATE À VIOLÊNCIA EM TEMPOS DE PANDEMIA

Como forma de contornar as dificuldades no atual contexto problemático na saúde pública, não só no que se refere à Covid-19, mas também à vida e à integridade física e mental das mulheres, o enfrentamento não pode restringir-se meramente ao acolhimento das denúncias. Para termos uma melhor eficácia, é preciso que haja esforços no que tange ao direcionamento quanto ao aumento de equipes nas linhas diretas de prevenção e resposta à violência, aliado à ampla divulgação dos serviços disponíveis e à capacitação dos trabalhadores da área da saúde para identificarem situações de risco e não reafirmarem orientação radical do isolamento doméstico nessas situações específicas de violência doméstica, nas quais as mulheres têm mais chances de serem vitimadas, simplesmente, por estarem em casa ao lado do agressor durante 24 horas por dia. Como alternativa à não imposição do mesmo padrão de isolamento doméstico para essas vítimas, o Estado deve se valer de políticas públicas que atuem compensando isso, garantindo o funcionamento e ampliando o número de vagas em abrigos para mulheres sobreviventes da violência doméstica (VIEIRA; GARCIA; MACIEL, 2020).

Outros exemplos de medidas de enfrentamento mencionadas por Vieira, Garcia e Maciel (2020) e que devem ser encorajadas são as redes informais e virtuais de apoio, que conectam mulheres em prol da causa que combate a violência e servem de alerta aos homens de que elas não estão completamente isoladas. Em países como França e Espanha, como demonstra reportagem da CNN (KOTTASOVÁ; DONATO, 2020), essas redes se espalharam de um modo impressionante, localizando-se até mesmo em farmácias, nas quais as mulheres usam palavras-códigos para informar sobre a situação de violência. Para o Brasil, esta é uma prática que deve servir de exemplo e ser estimulada, visando diminuir os crescentes índices de violência reportados.

Iniciativa interessante é também o PL (Projeto de Lei) Nº 1.267/2020, que propõe alterar a Lei Maria da Penha para ampliar massivamente a divulgação do Disque 180 para toda informação exibida em rádio, televisão e internet que trate de episódios da violência contra a mulher, incluindo menção expressa ao Disque 180, enquanto durar a emergência da pandemia.

Há, ainda, outro Projeto de Lei, o PL Nº 123/2019, que pretende modificar a Lei Nº 10.201/2001 e a Lei Nº 11.340/2006, visando autorizar o uso de recursos do Fundo Nacional de Segurança Pública em ações que promovem a prevenção e o combate da violência doméstica e familiar.

Tais projetos demonstram que o sucesso no combate à violência doméstica contra a mulher de um modo contínuo é o melhor meio para se combater tal fenômeno cultural como um todo. Afinal, se busca-se implementar medidas permanentes que auxiliem no combate em qualquer época de violência, logo, se alcança também o combate em épocas específicas, como esta de pandemia.

A violência doméstica contra a mulher pode ser evitada e reduzida, e as intervenções na saúde pública podem ser, segundo Dahlberg e Krug (2002), categorizadas em três níveis de prevenção: 1) prevenção primária (abordagens que buscam prevenir a violência antes que ela ocorra, período pré-violência, e que buscam evitá-la); 2) prevenção secundária (abordagens focadas especialmente nas consequências imediatamente sentidas após a violência, sendo trabalhadas e sanadas através de cuidados médicos, como apoio emergencial e tratamentos de lesões, doenças sexualmente transmissíveis decorrentes da violência sexual etc. – apoio imediatamente após a violência); e, por fim, 3) prevenção terciária (apoio a longo prazo, mormente auxiliando em situações como reabilitação ou redução de traumas ou deficiências originadas por violência física, sexual, psicológica etc.).

Em termos concretos, Maranhão (2020) nos elucida meios de se efetivar essas prevenções teorizadas pelos autores acima: através da implementação de comitês de enfrentamento à violência contra mulheres durante a pandemia; intensificação da presença policial nas ruas; campanhas midiáticas que ilustrem a importância da denúncia e que ofereçam apoio e conforto às vítimas (tal qual o PL Nº 1.267/2020 busca fazer); e aumento de canais de comunicação e de denúncia (exemplo é a estratégia de uma palavra-código nas farmácias). Seria de fundamental importância que todas as farmácias oferecessem apoio à causa, bem como que outros estabelecimentos atuassem também como instrumento de combate à violência doméstica no Brasil. Assim, certamente o combate seria mais efetivo.

CONCLUSÃO

É inegável que os benefícios trazidos pelas medidas de isolamento e distanciamento social são fundamentais para se conter a transmissão da Covid-19. Todavia, o Estado, enquanto permanece ativo no combate à pandemia, do mesmo modo, não deve se olvidar da luta das mulheres, que sofrem em dobro, pois, além de terem de se preocupar em sobreviver em um período de pandemia, precisam também se preocupar em sobreviver nas suas próprias casas, nas quais sofrem violência constante. Violência esta que é peculiar: ocorre mais frequentemente com os agressores sendo seus próprios companheiros e/ou familiares, que deveriam ser os primeiros a passarem às mulheres confiança e apoio.

A violência doméstica contra a mulher possui diversos fatores que constantemente renovam e impulsionam as situações de violência, dentre eles as profundas raízes culturais que o patriarcado cultivou e ainda cultiva na nossa sociedade, ao lado da herança escravocrata brasileira, que demonstra o porquê de a maioria das mulheres violentadas serem negras e pobres, tendo em vista que estas têm sido, desde os primórdios, o maior alvo de objetificação, principalmente sexual.

Ademais, tais fatores culturais se materializam na prática através de sentimentos como o ciúme, que contém a premissa equivocada de que a mulher pertence ao homem, majorado principalmente em contextos de maior vulnerabilidade da mulher, como quando ela depende financeiramente de um homem que exerce o papel de provedor econômico do lar, determinando que aquela mulher deva, por conseguinte, seguir o seu papel social, definido, arbitrariamente, pelo próprio homem.

E quando elas não seguem, frequentemente são vítimas da agressividade masculina, que se demonstra através das formas de violência enunciadas institucionalmente, em especial pela Lei Nº 11.340/2006 (mais conhecida por Lei Maria da Penha) que, apesar de não solucionar a violência doméstica contra a mulher, configura como grande avanço, por trazer diversas inovações, como criminalizar a violência doméstica, ter atuação tanto na prevenção quanto na repressão, e elencar as modalidades da violência doméstica: violência física, sexual, psicológica, patrimonial e moral.

Nesse contexto, um combate mais efetivo à mazela em questão, em meio a tempos pandêmicos, é através da concretização plena das três formas de prevenção de Dahlber e Krug (2002), que com o complemento de Maranhão (2020) preconizam uma colaboração integral, tanto do Estado (por meio de projetos de lei que incluam melhorias na Lei Maria da Penha, investimentos em segurança, repressão aos agressores e campanhas e lugares de apoio para as vítimas serem encaminhadas em tempos de pandemia) quanto dos cidadãos (estabelecimentos servindo como instrumentos de combate à violência e apoio às vítimas).

Entende-se, portanto, que para que se possa combater a violência doméstica sofrida pelas mulheres em tempos de isolamento social decorrente da pandemia da Covid-19, é preciso que se estabeleçam medidas que, por sua natureza, estejam voltadas ao combate dos índices de violência não só nesta época específica, mas em qualquer época. Para tanto, é preciso que se compreenda, cada vez mais, o fenômeno cultural da violência contra as mulheres, decorrente de fatores como as raízes sociais do patriarcado e a herança escravocrata brasileira, buscando entender que, mesmo quando não estão em isolamento, as mulheres sofrem mais com a violência. E pior, como se já não bastasse temerem tal violência histórica, em tempos de pandemia, ainda temem a doença viral, trazendo-nos, novamente, a perceber: as mulheres sofrem em dobro.

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