VIOLÊNCIA POLICIAL NO BRASIL: FATORES SOCIOECONÔMICOS ASSOCIADOS À PROBABILIDADE DE VITIMIZAÇÃO
Evandro Camargos Teixeira
Possui doutorado em Economia Aplicada pela ESALQ/USP, mestrado em Desenvolvimento Econômico pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e graduação em Economia pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Atualmente, é Professor Associado II do Departamento de Economia da UFV e trabalha com Desenvolvimento Econômico, particularmente com os seguintes temas: criminalidade, saúde, educação e pobreza.
País: Brasil Estado: Minas Gerais Cidade: Viçosa
Email: evandro.camargos@gmail.com Orcid: https://orcid.org/0000-0002-6470-2103
Stéffany Costa Jardim
Graduanda em Ciências Econômicas pela Universidade Federal de Viçosa, bolsista de Iniciação Científica pelo CNPq e aluna pesquisadora vinculada ao CNPq.
País: Brasil Estado: Minas Gerais Cidade: Viçosa
Email: steffanyjardim1999@gmail.com Orcid: https://orcid.org/0000-0002-7561-6606
Pedro Rodrigues Oliveira
Mestrando em Economia Aplicada na Universidade de São Paulo.
País: Brasil Estado: São Paulo Cidade: Piracicaba
Email: p.rodrigues.eu73@gmail.com Orcid: https://orcid.org/0000-0001-6630-9666
Patrick Allan Ferreira Alves
Graduado em Ciências Econômicas pela Universidade Federal de Viçosa. Mestrando em Economia pela Universidade Federal de Minas Gerais.
País: Brasil Estado: Minas Gerais Cidade: João Monlevade
Email: patrickallan.ferreira@hotmail.com Orcid: https://orcid.org/0000-0001-9507-8545
Contribuições dos autores: artigo baseado no trabalho de conclusão de curso de Patrick Allan Ferreira Alves, sob orientação de Evandro Camargos Teixeira, com subsequentes adequações e contribuições dos coautores Stéffany Costa Jardim e Pedro Rodrigues Oliveira em todas as seções.
RESUMO
O objetivo do presente estudo é analisar a probabilidade de vitimização da violência cometida por policiais no Brasil. Para tal, utiliza-se um modelo Probit para estabelecer relações de probabilidade de os indivíduos serem vítimas mediante alguns fatores socioeconômicos, tais como sexo, raça, escolaridade, idade, renda e local de moradia. Os principais resultados denotam que indivíduos do sexo masculino, pretos ou pardos, que moram em áreas urbanas e possuem baixo nível de escolaridade têm maior probabilidade de serem vítimas da violência policial, enquanto o nível de renda e a região federativa de moradia não foram fatores significativos.
Palavras-chave: Violência policial. Vitimização. Probit.
ABSTRACT
POLICE VIOLENCE IN BRAZIL: SOCIOECONOMIC FACTORS ASSOCIATED WITH THE PROBABILITY OF VICTIMIZATION
The aim of the present study is to analyze the probability of victimization of violence committed by police in Brazil. For this, a Probit model is used to establish probability relationships for individuals to be victims through some socioeconomic factors, such as sex, race, education, age, income and place of residence. The main results show that male individuals, black or brown, who live in urban areas and have a low level of education are more likely to be victims of police violence, while the level of income and the federal region of residence were not significant factors.
Keywords: Police violence. Victimization. Probit.
Data de Recebimento: 08/02/2021 – Data de Aprovação: 04/06/2021
DOI: 10.31060/rbsp.2022.v.16.n3.1421
A violência no Brasil é um fenômeno bastante expressivo que aflige toda a sociedade. De acordo com o Atlas da Violência de 2020 (IPEA, 2020), em 2018 ocorreram no país 57.956 homicídios, o que corresponde a uma taxa de 27,8 homicídios por 100.000 habitantes. Mesmo representando a menor taxa em quatro anos, o Brasil ainda ocupava naquele ano a 13ª posição entre os países com maiores taxas de homicídios no mundo, segundo o Instituto Igarapé (2018).
Inclusos nessas estatísticas criminais estão os homicídios perpetrados pelas forças policiais brasileiras que, de acordo com o relatório da Anistia Internacional (2015), corresponde a polícia que mais mata no mundo. Nesse sentido, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública (FBSP, 2020), no ano de 2019, o número de mortes decorrentes de intervenções policiais no Brasil chegou a 6.375 ocorrências, maior número da série história do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, que começou a mensurar tais ocorrências no ano de 2013. Para se ter uma ideia, do início dos registros de ocorrências até 2019 somaram-se 30.637 homicídios perpetrados por policiais. Os dados mais recentes para o primeiro semestre de 2020 já apontam 3.181 mortes em decorrência de ação policial, um número 6% maior do que aquele registrado no primeiro semestre do ano anterior.
As vítimas de tais homicídios, entretanto, são sobrerrepresentadas em determinados grupos. Homens correspondem a 99,2% dos indivíduos vítimas de homicídios cometidos por policiais e no que se refere à cor/raça, 79,1% das vítimas eram pretas e pardas. Além disso, jovens de 15 a 29 anos, em especial aqueles entre 20 e 24 anos, morrem em maior proporção do que os demais indivíduos de outras faixas etárias (FBSP, 2020).
Essa modalidade de violência não é um fenômeno recente. Historicamente, no Brasil, o uso violento da força policial se consolidou como um mecanismo de controle político durante a ditadura militar, especificamente contra aqueles que se opunham ao regime. Ao findar o mesmo, a violência policial com fins políticos deixou de existir de maneira explícita, no entanto, a prática da violência permanece, passando a ser utilizada como ferramenta de controle social, principalmente da criminalidade (MESQUITA NETO, 1999).
Nesse sentido, ao exercer o controle da criminalidade, a polícia encarrega-se de transmitir a sensação de segurança aos cidadãos dentro de delimitado território, sendo fundamental que esta tenha a confiança dos cidadãos de que sua atuação está de acordo com a Lei (HOLLANDA, 2005). As sensações de segurança e confiança no trabalho policial estão conectadas com os valores culturais e sociais, que se combinam com as instâncias de mediação social (CASTRO, 2013). Esses valores tenderão a ser absorvidos pela polícia e terão implicações na determinação de seus comportamentos desviantes, bem como na tolerância social para estes comportamentos.
Em uma sociedade cujos índices de criminalidade são elevados é “lugar-comum” o apelo às soluções simplistas e radicais por parcela considerável da população, como a aprovação social de uma polícia brutal, com poderes discricionários e abusivos em direção a segmentos sociais considerados perigosos. Esse apelo popular pode ser explorado oportunisticamente por políticos que buscam eleição ou reeleição, afetando o senso de autoridade do policial. De acordo com Silva (2011), os policiais assumem a função de mantenedores da ordem pública a qualquer preço, decidindo com autonomia e quase sem supervisão como deve ser exercida sua função social. Por outro lado, Silva (2011) e Mesquita Neto (1999) apontam que a violência policial também gera desconfiança e frustração em relação às expectativas da população sobre a segurança pública, o que leva a avaliação negativa da atuação desses agentes.
Especificamente no caso da violência policial, alguns estudos têm analisado suas causas e proposto políticas preventivas, enquanto outros analisam as consequências de tal fenômeno em relação aos custos implicados, uma vez que tal modalidade de violência, além do custo direto impingido às vítimas e às suas famílias, traz repercussões indiretas à economia e consequentemente ao produto nacional, na medida em que provoca perda de capital humano, que poderia ser uma contribuição para o país em termos de crescimento econômico. Nesse sentido, um(a) jovem que perde a vida ou tem sua saúde física e/ou psíquica debilitada como consequência da violência policial não poderá contribuir de forma efetiva no processo de crescimento econômico. Assim, alguns estudos, como o de Lumsden (2017), têm sido realizados para contabilizar esses custos.
A fim de contribuir para a literatura existente, o presente estudo tem como objetivo central verificar quais as características individuais, isto é, as características socioeconômicas e demográficas associadas aos indivíduos, que elevam a probabilidade de uma pessoa ser vítima de violência policial. Esta análise servirá de embasamento para refletir sobre a problemática da violência policial, ao apontar quais são os grupos mais vulneráveis, bem como fomentar a elaboração de políticas públicas que visem diminuí-la.
Para tal, este trabalho é composto de cinco partes, além desta introdução. A segunda objetiva apresentar os principais estudos referentes aos fatores relacionados à vitimização em função da violência policial. A terceira compromete-se a discorrer sobre a metodologia, bem como sobre a base de dados utilizada. A quarta conta com a análise descritiva e econométrica dos resultados, além de realizar a discussão dos mesmos mediante a literatura que concerne o tema. Por fim, a última parte apresenta as considerações finais.
Existe uma vasta discussão na literatura acerca da violência policial, que busca identificar quais fatores socioeconômicos podem estar relacionados com o nível de incidência de tal fenômeno. Fatores como renda, raça, sexo e nível de escolaridade são apontados comumente como aspectos que fazem o nível de violência policial se manifestar em maior ou menor grau. Dessa forma, torna-se importante averiguar a contribuição desses trabalhos e quais são as lacunas no estudo da temática.
Alguns autores buscaram explicar a ocorrência da violência policial tendo como base teorias existentes, como Snyder (2013). O autor levanta duas hipóteses para explicar a ocorrência de violência policial, sendo uma hipótese econômica e a outra, racial. De acordo com o autor, indivíduos residentes em áreas com maior nível de desigualdade de renda tendem a sofrer mais violência policial (neste estudo representada por homicídios cometidos por agentes policiais em serviço), uma vez que em tais locais ocorrem mais conflitos sociais que demandam maior ação da polícia, consequentemente aumentando a probabilidade do uso fatal da força. A segunda hipótese propõe que em localidades com maior concentração de população não branca haverá maior incidência de violência policial, dado que a força policial será empregada para realizar o controle social em prol dos interesses do status quo, composto hegemonicamente por indivíduos brancos. O autor observou que em sua amostra a hipótese racial é fator-chave para explicar a probabilidade de os indivíduos sofrerem violência policial, assim como encontrado por Fryer Jr. (2016).
Com relação aos resultados, a hipótese econômica apresentou resultados opostos aos esperados, sendo que uma possível explicação para a desigualdade influenciar negativamente a ocorrência de violência policial pode estar relacionada ao fato de que esta possui um poder “desempoderador”, fazendo com que as elites não se sintam ameaçadas por grupos “desempoderados”, reduzindo a necessidade de aplicação de controle social em tais áreas.
Entretanto, ao analisar as regiões urbanas dos Estados Unidos, utilizando-se também da Teoria do Conflito, Dirlam (2013) conseguiu encontrar resultados similares aos esperados por Snyder (2013). O autor objetivou identificar se a desigualdade econômica e racial atua como fator explicativo do nível de força policial nos EUA. Os resultados indicaram que regiões com maior nível de desigualdade econômica recebem maior contingente de policiais para patrulha ostensiva, assim como gastos mais elevados com segurança. Logo, a maior presença de policiais aumenta a probabilidade de conflitos, o que pode ter como consequência mais incidência de violência policial. Além disso, a presença mais elevada de população não branca também é apontada pelo autor como determinante do efetivo policial de uma localidade. Entretanto, verificou-se que a desigualdade econômica possui maior efeito sobre a mudança no efetivo policial do que a desigualdade racial. Aliás, essa forma de desigualdade, especificamente de renda, é um elemento comumente relacionado à violência policial, uma vez que a vigilância policial mostra-se mais incisiva sobre os cidadãos pertencentes às classes econômicas com menor poder aquisitivo em detrimento àqueles indivíduos de classe econômica mais elevada, como aponta Bretas (1997).
Para o caso brasileiro, Beato, Peixoto e Andrade (2004), em seu estudo para o município de Belo Horizonte/MG, corroboraram as hipóteses econômicas e raciais de Snyder (2013) como fatores relacionados à vitimização por parte da polícia. Entretanto, os autores ressaltam que não apenas a raça e a renda afetam as probabilidades de vitimização. Assim, indivíduos com menores níveis educacionais, assim como homens e jovens, também são mais propensos a serem vitimados pela polícia.
Paes-Machado e Noronha (2002) encontraram resultados similares para o município de Salvador/BA, evidenciando que a receptividade da própria população em relação à violência de modo geral é um fator importante para a probabilidade de vitimização de seus moradores por violência policial.
Outros fatores como o estado civil do indivíduo, sua religião, gênero e idade também podem explicar a probabilidade de vitimização, por influenciarem a exposição às situações de conflito. Segundo Madalozzo e Furtado (2011), como evidenciado na Teoria do Estilo de Vida, pessoas casadas possuem menor probabilidade de serem vitimadas devido a sua menor exposição a fatores de risco. Assim, a maior exposição ao risco, como frequentar lugares públicos ou portar armas, pode influenciar positivamente a probabilidade de vitimização em situações conflituosas que podem desencadear em mortes.
Nesse sentido, Sinhoretto, Silvestre e Schlittler (2014) ilustraram o perfil das vítimas de violência policial ao estudarem o estado de São Paulo entre 2009 e 2011, corroborando os trabalhos anteriores quanto aos fatores relacionados à vitimização. As autoras concluíram que os indivíduos que mais sofrem violência policial são homens (97%), negros (61%) e jovens entre 15 e 29 anos de idade (78%). Além disso, foi possível ainda verificar que indivíduos negros possuem maior probabilidade (54,1%) de serem presos em flagrante, suscitando o questionamento de que a raça está sendo utilizada pela polícia como um elemento para caracterizar indivíduos como suspeitos, independentemente de haver outras evidências (BRUNSON; MILLER, 2006).
Por outro lado, observando-se o fenômeno da violência policial pela ótica da polícia, é possível elencar outros fatores relacionados à probabilidade de vitimização. Nesse sentido, Castro (2013) apontou que uma variável explicativa da violência cometida pela polícia militar é a orientação política do governador do estado em que a mesma opera. Nesse caso, governadores com orientações políticas à direita são mais permissivos com o uso excessivo da força pela instituição da policial militar.
Bueno (2018) discorre ainda que ao contrário do caráter transitório que o cargo de governador possui, a doutrina da própria polícia militar é determinante para o uso excessivo da violência pela instituição, conservando e retroalimentando desde o fim da ditadura militar valores que pregam a violência como medida de eficiência no exercício da profissão.
Além de tais fatores estruturais, Eitle, D’Alessio e Stolzenberg (2014) apontam características organizacionais da polícia como tendo significativa influência sobre a ocorrência da violência policial. A elevada demanda por trabalho e a ausência de órgãos de controle interno podem influenciar positivamente a ocorrência de transgressões fatais de conduta, uma vez que elevam as probabilidades de conflito e diminuem as de responsabilização.
Diante do exposto, torna-se importante averiguar de que forma a violência policial se manifesta no contexto brasileiro. A partir dos dados do suplemento de Vitimização da PNAD, é possível analisar quais fatores socioeconômicos são relevantes para a probabilidade de um indivíduo ser vitimado e verificar se este fenômeno se manifesta de forma homogênea nas regiões brasileiras ou não. Adicionalmente, o uso de dados do suplemento de Vitimização da PNAD permite verificar um panorama que é oculto dentro das estatísticas oficiais, dada a elevada subnotificação de registros oficiais de vitimização por agentes policiais. Com os resultados, será possível propor ações que objetivem mitigar a violência policial no Brasil.
Para analisar a probabilidade de vitimização de violência policial, faz-se necessário apresentar um método adequado condizente com esta temática, bem como explicitar a base de dados utilizada. Para tal, esta parte será subdividida em duas, onde serão apresentados o modelo econométrico utilizado e a fonte e o tratamento dos dados.
Para avaliar a probabilidade de vitimização em função da violência policial, estimar-se-á como as características individuais e domiciliares afetam a probabilidade de os indivíduos afirmarem positivamente terem sido agredidos pela polícia. Para tanto, optou-se pelo modelo Probit, que é uma ferramenta adequada para estimação quando a variável dependente é dicotômica, ou seja, assume valor igual a 1, caso o evento ocorra e valor 0, caso contrário. Especificamente neste estudo, a variável dependente assume valor igual a 1 se o indivíduo foi vítima de violência policial no período de referência de 365 dias. Dessa forma, o modelo Probit apresenta vantagem ao fornecer uma visão mais tangível da diferença entre os indivíduos em relação à probabilidade de serem vítimas de violência policial. Além disso, de acordo com Gujarati (2011), os modelos Logit e Probit são bastante similares, apenas diferindo em termos da função de distribuição, que no primeiro é a logística e no segundo, a normal, e este fato faz com que a probabilidade condicional no modelo Probit se aproxime de 0 ou 1 com mais rapidez. Assim, o modelo estima a probabilidade de vitimização com base na distribuição normal-padrão acumulada, conforme apresentado em Greene (2003) e Wooldridge (2003):
$\text{Pr\ }\left( y_{i} = 1|x_{i} \right)\ = \phi\left( z \right)dz = \Phi\left( \beta \right)\ onde:\ = \frac{1}{}\ e^{\left( \frac{{- z}^{2}}{2} \right)}\text{\ \ }$ (1)
Em que Pr (yi = 1|xi) representa a probabilidade de ocorrência de agressão por um policial para o indivíduo i dadas as características individuais captadas por xi; ϕ(z) é a função de distribuição acumulada de probabilidade normal-padrão; Xi o vetor de variáveis explicativas; β são os coeficientes das variáveis independentes; z representa as variáveis normais padronizadas.
Ainda, para que a análise possa ser realizada é necessário estimar os efeitos marginais das variáveis contínuas e binárias, uma vez que o exame direto dos coeficientes não é o método mais apropriado para interpretação dos resultados. Os efeitos marginais são calculados da seguinte forma:
EMx = f(Xi𝛽). 𝛽𝑥 (2)
𝐸𝑀𝑥𝑘 = 𝑃[(D𝑖 = 1⁄𝑥𝑘 = 1)] − 𝑃[(D𝑖 = 1⁄𝑥𝑘 = 0)] (3)
É possível perceber que os efeitos marginais são calculados na média da amostra. Na equação (2), para variáveis contínuas, tem-se que 𝐸𝑀𝑥 é o efeito marginal de X, 𝑓(𝑋𝑖𝛽) é a função de densidade de probabilidade normal padrão e 𝛽𝑥 é o coeficiente. Por outro lado, a equação (3), para variáveis discretas, evidencia que 𝐸𝑀𝑥𝑘 é o efeito marginal da variável binária 𝑥𝑘, onde 𝑃[(D𝑖 = 1⁄𝑥𝑘 = 1)] é a probabilidade de o indivíduo ser agredido pela polícia quando 𝑥𝑘 = 1; e 𝑃[(D𝑖 = 1⁄𝑥𝑘 = 0)] é a mesma probabilidade quando 𝑥𝑘 = 0. Em síntese, o efeito marginal denota a alteração em pontos percentuais na probabilidade de o indivíduo ser vítima de violência policial.
Para a estimação do modelo Probit e de seus efeitos marginais, o modelo a ser estimado é descrito abaixo, onde as variáveis explicativas inseridas tiveram como critério de seleção a literatura referente ao tema:
Violpol = β1 + β2Renda + β3Raça + β4Idade1+ β5Idade3 + β6Idade4 + β7Idade5 + β8Sexo + β9Educação1 + β10Educação3 + β11Educação4 + β12Educação5 +β13Educação6 + β14Sul + β15Sudeste + β16Centro + β17Nordeste + β18Divorciado + β19Viuvo + β20Solteiro + β21Urbi + µi (4)
Em que Violpol é uma variável dependente binária que assume valor igual a 1, caso o indivíduo tenha sofrido violência policial e valor igual a 0, caso contrário; βj (j = 1 a 21) são os parâmetros a serem estimados; Renda denota os rendimentos mensais de todas as fontes auferidas pelo indivíduo, que podem variar de R$ 0 a R$ 20.000; Raça é uma variável dummy que assume valor igual a 1 caso o indivíduo seja preto ou pardo, e 0 caso seja branco; Idade1 designa indivíduos entre 15 a 24 anos de idade, isto é, entre a adolescência e o início da vida adulta; Idade2 (considerada como referência) compreende indivíduos entre 25 e 34 anos; Idade3 entre 35 e 44 anos; Idade4 entre 45 e 54 anos; Idade5 para indivíduos que estejam entre 54 e 65 anos; Sexo assume valor igual 1 caso o indivíduo seja do sexo masculino, e 0 caso seja do sexo feminino; Educação1 denota indivíduos que não possuem nenhum grau de instrução formal; Educação2 (considerada como referência) aponta aqueles que possuem Ensino Fundamental incompleto; Educação3 os que possuem Ensino Fundamental completo; Educação4 compreende aqueles que possuem Ensino Médio incompleto; Educação5 os que completaram o Ensino Médio; Educação6 aqueles que possuem Ensino Superior incompleto; Urb é uma variável binária que indica a localização do domicílio, assumindo valor igual a 1 para urbano e 0 para rural; as variáveis dummies Casado (considerada como referência), Solteiro, Divorciado e Viúvo indicam o estado civil dos indivíduos; já as variáveis dummies Sudeste, Sul, Centro, Nordeste e Norte (considerada como referência) denotam a região federativa na qual os indivíduos residem; µi é o termo de erro aleatório, com média 0 e variância u².
Em relação aos efeitos esperados das variáveis explicativas utilizadas no modelo sobre a probabilidade do indivíduo ser agredido pela polícia, conjectura-se, a priori, um relacionamento negativo entre essa e o nível de renda. Ou seja, indivíduos que possuem nível de renda mais elevado tendem a ter mais credibilidade em denúncias de abusos policiais, assim como a viver em bairros nobres, onde a atividade repressora da polícia é mínima, conforme atesta Gabaldón e Birbeck (2000), que estudaram a carência dos meios pelos quais os moradores de regiões periféricas poderiam ser ouvidos pelas autoridades.
No que tange à raça, espera-se, seguindo-se Snyder (2013), que a relação seja positiva, isto é, que indivíduos não brancos apresentem maior probabilidade de serem agredidos em relação aos brancos, em função dos estereótipos de raça existentes e pelo fato de que indivíduos não brancos tendem a ser maioria nos bairros periféricos, à margem das instituições formais.
Em relação ao sexo e à idade, espera-se que indivíduos do sexo masculino e jovens situados na faixa etária de 15 a 24 anos (Idade1) e de 25 a 34 anos (Idade2) apresentem probabilidade mais elevada, pois são vistos com maior poder de periculosidade pelas instituições policiais e possuem maior probabilidade de resistência às suas ações, quando comparados a indivíduos do sexo feminino ou situados nas faixas etárias subsequentes, conforme Bueno (2018). Ademais, adolescentes e jovens adultos tendem a circular mais e por mais tempo nas cidades em relação a indivíduos mais velhos, que tendem a já possuir famílias estabelecidas e passarem mais tempo em seus respectivos domicílios, o que diminuiria as chances de serem agredidos pela polícia, de acordo com Beato, Peixoto e Andrade (2004). Desse modo, espera-se que a probabilidade diminua à medida em que aumenta a faixa etária considerada, de forma que indivíduos que estejam na faixa etária entre 35 e 44 anos (Idade3), 45 e 54 anos (Idade4) e 55 e 65 anos (Idade5), situados entre a fase adulta mais madura até a velhice, apresentem probabilidades menores de sofrerem violência policial, possuindo assim uma relação negativa com a variável que será utilizada como referência de análise (Idade2).
Quanto ao estado civil dos indivíduos, optou-se pela utilização da variável Casado como referência de análise. Espera-se que Solteiros, Divorciados e Viúvos apresentem maior probabilidade de vitimização por policiais, em função da maior exposição desse grupo em espaços públicos. Por sua vez, os Casados, ao permanecerem mais tempo em suas residências, ficariam menos sujeitos aos contatos que possibilitam tais crimes, conforme Beato, Peixoto e Andrade (2004).
Quanto ao nível educacional, optou-se por tomar a variável Educação2 (Ensino Fundamental incompleto) como referência, a partir da qual se espera que indivíduos com menos escolaridade, isto é, que não possuem educação formal (Educação1) apresentem maior probabilidade de vitimização em função dos menores rendimentos a que tendem a auferir, enquanto se espera que indivíduos mais escolarizados (Educação3, Educação4, Educação5 e Educação6) apresentem menor probabilidade de vitimização em função da tendência a pertencerem a classes sociais mais elevadas (GABALDÓN; BIRBECK, 2000).
Quanto ao coeficiente estimado para a variável urbana, espera-se que ele seja positivo, pois maior concentração humana e desigualdade social nos centros urbanos em relação às zonas rurais fazem com que nos primeiros haja a criação de ambientes mais suscetíveis à atividade repressora da polícia (SILVA, 2011).
Por fim, no que concerne à região federativa onde o indivíduo reside, espera-se que as regiões Norte (considerada como referência) e Nordeste se sobressaiam, devido ao fato destas serem as mais violentas do país, o que é comprovado através do Atlas da Violência (IPEA, 2020). O índice de violência geral tende a estar fortemente correlacionado ao subconjunto da violência policial, conforme o relatório da Anistia Internacional (2015).
Os dados utilizados para a consecução deste trabalho foram extraídos da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2009 (BRASIL, 2009). Naquele ano, houve o mais recente Suplemento de Vitimização e Justiça no qual foram realizadas perguntas relacionadas à violência policial aos indivíduos participantes da amostra. Ademais, a PNAD representa uma importante e confiável fonte de dados para estudos relacionados à população brasileira que abrange todo o território nacional.
Como fatores que asseguram a expansão e a representatividade da amostra, tem-se que os dados da PNAD incorporam os elementos que caracterizam um plano amostral complexo, a saber, estratificação, conglomeração e probabilidades desiguais de seleção em um ou mais estágios, e ajustes dos pesos amostrais.
Além disso, consideraram-se indivíduos na faixa etária entre 15 e 65 anos de idade impactados por algum tipo de agressão no período de referência de 365 dias, onde perguntou-se quem foi o perpetrador da última agressão sofrida, sendo “policial” uma das alternativas disponíveis, juntamente a alternativas como cônjuges, ex-cônjuges, parentes, pessoas desconhecidas etc.
Nesta seção, serão apresentados os principais resultados deste trabalho. Para melhor compreensão da composição dos dados, inicialmente, serão apresentadas as estatísticas descritivas e, em seguida, serão analisados os resultados econométricos, com o objetivo de estimar o efeito dos fatores socioeconômicos considerados sobre a probabilidade de vitimização pela polícia.
Esta etapa descreve o perfil dos indivíduos que responderam ao questionamento relativo à violência policial na amostra, separando-os de acordo com suas características socioeconômicas e demográficas. Nesse sentido, foram analisadas as principais características dos indivíduos vitimados por violência policial no Brasil no período concernente ao último ano de realização da entrevista, tais como raça, sexo, idade, escolaridade e renda.
No que tange à raça, os indivíduos foram separados entre brancos e não brancos (pardos e pretos). No total, a amostra compreende 174.750 indivíduos, dos quais 100.241 ou 57,36% são não brancos e 74.509 ou 42,64% são brancos. Do total de indivíduos vitimados (138 indivíduos, 0,08% da amostra), 30,71% são brancos e 69,29% são não brancos.
Tratando-se da incidência da violência policial de acordo com o sexo, percebe-se que a diferença é ainda mais notável, pois 85% dos que afirmam já terem sido vítimas são do sexo masculino. Estas estatísticas descritivas iniciais, tanto em relação à raça quanto ao sexo, se mostram similares àquelas observadas por Sinhoretto, Silvestre e Schlittler (2014) e pelo Anuário Brasileiro de Segurança Pública (FBSP, 2020).
No que se refere à idade, verifica-se através da Tabela 1 que a vitimização diminui à medida que a idade aumenta. É possível perceber que a maior parte das vítimas se configuram como indivíduos jovens, com maior expressividade nos conjuntos Idade1 e Idade 2, isto é, entre indivíduos na faixa etária entre 15 e 35 anos de idade.
Tabela 1: Relação entre idade dos indivíduos e probabilidade de serem vítimas de violência policial
Faixa etária | Parcela da amostra (%) | Vítimas de violência policial (%) |
---|---|---|
Idade1 (12-24 anos) | 18,93 | 32,86 |
Idade2 (25-34 anos) | 26,01 | 36,43 |
Idade3 (35-44 anos) | 22,95 | 17,14 |
Idade4 (45-54 anos) | 18,31 | 10,00 |
Idade5 (55-65 anos) | 13,80 | 3,57 |
Total | 100,00 | 100,00 |
Fonte: Elaboração própria a partir dos dados da PNAD (2009).
Com relação à situação censitária dos indivíduos agredidos, aqueles que vivem em ambientes rurais compreendem 15% da amostra e concentram 5% das ocorrências de agressão. Por sua vez, 85% residem na área urbana e representam a ampla maioria de 95% do total de vitimizados.
A respeito da região de residência no país, a Tabela 2, abaixo, denota que a violência policial se concentra nos estados das regiões Norte e Nordeste, quando se leva em conta o peso amostral de cada região. Além disso, no geral, as ocorrências de violência policial tendem a seguir a mesma direção da violência de modo geral, a qual costuma ter como proxy a taxa de homicídios, que no Brasil tem sido mais elevada nos estados das referidas regiões, conforme o Atlas da Violência (FBSP, 2020).
Tabela 2: Relação entre região brasileira de residência e probabilidade de vitimização por violência policial
Região | Parcela da amostra (%) | Vítimas de violência policial (%) |
---|---|---|
Sudeste | 28,71 | 27,86 |
Sul | 15,84 | 10,71 |
Nordeste | 31.75 | 37,14 |
Norte | 12,74 | 16,43 |
Centro-Oeste | 10,97 | 7,86 |
Total | 100,00 | 100,00 |
Fonte: Elaboração própria a partir dos dados da PNAD (2009).
Por fim, as Tabelas 3, 4 e 5 apresentam três fatores também relacionados à probabilidade de os indivíduos serem agredidos pela polícia: níveis de escolaridade, renda e estado civil. Nesse sentido, é possível constatar que aproximadamente metade das vítimas situa-se no segundo nível de instrução, isto é, possuem Ensino Fundamental incompleto. Analisando-se o nível de renda percebe-se que a maioria dos indivíduos vítimas de violência policial situam-se nas duas menores faixas de renda. Além disso, verifica-se que os indivíduos solteiros são frequentemente mais agredidos pela polícia em relação aos demais com outros estados civis.
Tabela 3: Relação entre nível educacional e probabilidade de vitimização por violência policial
Nível educacional | Parcela da amostra (%) | Vítimas de violência policial (%) |
---|---|---|
Sem instrução formal | 9,25 | 6,43 |
Ensino Fundamental incompleto | 36,80 | 49,29 |
Ensino Fundamental completo | 10,60 | 14,29 |
Ensino Médio incompleto | 7,68 | 7,14 |
Ensino Médio completo | 30,01 | 19,29 |
Ensino Superior incompleto | 5,66 | 3,57 |
Total | 100,00 | 100,00 |
Fonte: Elaboração própria a partir dos dados da PNAD (2009).
Tabela 4: Relação entre nível de renda e probabilidade de vitimização por violência policial
Renda mensal (R$) | Parcela da amostra (%) | Vítimas de violência policial (%) |
---|---|---|
0 – 500 | 46,57 | 52,86 |
500 – 1.000 | 33.97 | 35,71 |
1.000 – 2.000 | 13,72 | 8,57 |
2.000 – 20.000 | 5,74 | 2,86 |
Total | 100,00 | 100,00 |
Fonte: Elaboração própria a partir dos dados da PNAD (2009).
Tabela 5: Relação entre estado civil e probabilidade de vitimização por violência policial
Estado civil | Parcela da amostra (%) | Vítimas de violência policial (%) |
---|---|---|
Casado | 46,17 | 23,57 |
Divorciado | 6,08 | 5,71 |
Solteiro | 44,11 | 69,29 |
Viúvo | 3,65 | 1,43 |
Total | 100,00 | 100,00 |
Fonte: Elaboração própria a partir dos dados da PNAD (2009).
A fim de verificar o efeito dos fatores socioeconômicos associados aos indivíduos sobre a probabilidade de que eles sejam vítimas da violência policial, a Tabela 6 apresenta os resultados econométricos. Nesta, através da estimação de um modelo Probit, são apresentados os coeficientes estimados para as variáveis consideradas no trabalho, assim como seus efeitos marginais. É importante ressaltar que os testes realizados com as variáveis explicativas não detectaram a presença de multicolinearidade prejudicial, sendo assim, os coeficientes refletem estimativas robustas acerca da influência das variáveis socioeconômicas sobre a probabilidade de vitimização.
Tabela 6: Efeito dos fatores socioeconômicos associados aos indivíduos sobre a probabilidade de que eles sejam vítimas da violência policial
Variável | Coeficientes | Efeitos Marginais |
---|---|---|
Constante | -4.198195*** (0.216278) |
_ |
Sexo | 0.4952507*** (0.0839448) |
0.0006307*** |
Raça | 0.1096119* (0.0624589) |
0.0001422* |
Idade1 | 0.0301371NS (0.0751656) |
0.0000426 NS |
Idade3 | -0.1547157* (0.0830198) |
-0.0001857** |
Idade4 | 0.3241587** (0.1621446) |
-0.0002572*** |
Idade5 | -0.5105618*** (0.1523667) |
-0.0004197*** |
Urbano | 0.415099*** (0.119169) |
0.0003786*** |
Sul | -0.0927152 NS (0.1089182) |
-0.0001196 NS |
Sudeste | -0.032429 NS (0.0885537) |
-0.0000474 NS |
Centro | -0.1378222 NS (0.114914) |
-0.0001559 NS |
Nordeste | -0.0181204 NS (0.0829436) |
-0.0000245 NS |
Educação1 | -0.1365575 NS (0.1108697) |
-0.0001562* |
Educação3 | -0.0142879 NS (0.0888467) |
-0.0000192 NS |
Educação4 | -0.2937592** (0.1146049) |
-0.0002729*** |
Educação5 | -0.2856974*** (0.0851384) |
-0.000334*** |
Educação6 | -0.372064** (0.1604154) |
-0.0003096*** |
Solteiro | 0.2035581*** (0.0687213) |
0.0002995*** |
Viúvo | 0.1932777 NS (0.229201) |
0.0003617 NS |
Divorciado | 0.3559722*** (0.1302824) |
0.0008548* |
Renda | -0.0000359 NS (0.0000527) |
-4.76e-0.08 NS |
Fonte: Elaboração própria.
Notas: Variável de referência Idade2: pessoas com 25 a 34 anos. A escolha dessa variável como referência se deve à maior incidência de vitimização nesta faixa etária. Variável de referência Educação2: indivíduos com Ensino Fundamental incompleto. A escolha desta variável como referência deve-se ao fato de metade das vítimas de violência policial no Suplemento de Vitimização da PNAD possuírem este nível de instrução.
*** significativo a 1% | ** significativo a 5% | * significativo a 10% | NS não significativo.
Por meio dos resultados é possível concluir que as variáveis sexo e raça apresentaram coeficientes positivos e estatisticamente significantes aos níveis de 1% e 10%, respectivamente. Este resultado indica que os homens apresentam maior probabilidade de serem vítimas de agressão física policial em relação às mulheres, assim como indivíduos não brancos (pretos e pardos) em relação aos brancos.
Em termos de efeitos marginais, foi possível observar que o fato de ser do sexo masculino eleva em aproximadamente 0,063 pontos percentuais a probabilidade de ser vítima de violência policial em relação às mulheres, enquanto ser pardo ou preto eleva tal probabilidade em cerca de 0,014 pontos percentuais em relação aos indivíduos brancos. Tal resultado indica que há diferença estatística e significativa na probabilidade de vitimização de indivíduos brancos e não brancos.
Em relação à influência positiva da raça sobre a probabilidade de vitimização, o resultado é corroborado por Snyder (2013) em uma análise para os Estados Unidos. O autor argumenta que geralmente é empregada maior força policial em localidades com concentração de população não branca, onde tal mecanismo é utilizado como forma de controle social, com o objetivo de manter a homogeneidade econômica social dessas áreas, em que comumente a parcela da população mais privilegiada, que possui maior prosperidade econômica, nível educacional e influência política é branca. Sinhoretto, Silvestre e Schlittler (2014) encontram resultados similares em uma análise para a cidade de São Paulo/SP, sendo os negros três vezes mais vítimas letais do que brancos, assim como Beato, Peixoto e Andrade (2004) para a cidade de Belo Horizonte/MG e Paes-Machado e Noronha (2002) para Salvador/BA.
A maior probabilidade de os homens serem mais suscetíveis às agressões físicas por policiais em relação às mulheres também é apontada por Sinhoretto, Silvestre e Schlittler (2014) e por Bueno (2018). Tal resultado é geralmente explicado pela Teoria do Estilo de Vida de Hindelang, Gottfredson e Garofalo (1978). Nesse caso, os homens tendem a exercer atividades, sejam elas de trabalho ou lazer, que os expõe a maior risco de se tornarem vítimas de um crime. Além disso, alguns fatores tendem a elevar esse risco, quais sejam: as pessoas que os indivíduos se relacionam no dia a dia; o tempo que o indivíduo fica afastado de casa e dos seus familiares; e as atividades de lazer que costumam realizar. Aliado a este fator, tem-se o argumento apontado por Bueno (2018) de que boa parte do policiamento ostensivo consiste na repressão ao crime por meio da tentativa de controlar o mercado de drogas, atividades estas que contam majoritariamente com a atuação de homens.
Cabe ainda salientar que foram encontrados pequenos valores relativos para os efeitos marginais, o que se deve ao fato desta análise ser realizada na margem e em termos percentuais com uma amostra de vitimados relativamente pequena. Além disso, a subnotificação em pesquisas de vitimização tende a ser elevada. Nesse sentido, Catão (2000) aponta que a subnotificação ocorre quando a vítima deixa de relatar um crime, seja porque não deu tamanha importância ao ocorrido ou porque não se sente à vontade de falar sobre o assunto com o entrevistador, além de tender a se lembrar apenas dos fatos mais recentes e de maior gravidade.
Com relação à idade, como ressaltado na Metodologia, definiu-se a variável Idade2 (25 aos 34 anos) como referência. Assim, a variável Idade1 (15 aos 24 anos) não se mostrou estatisticamente significativa como determinante da vitimização em relação ao grupo pertencente à Idade2. Por outro lado, a partir dos coeficientes estimados para as variáveis Idade3, Idade4 e Idade5 é possível concluir que a probabilidade de vitimização policial diminui paulatinamente à medida que a idade avança, visto que todas essas variáveis tiveram sinais negativos e foram estatisticamente significativas aos níveis de 10%, 5% e 1%, respectivamente.
O resultado obtido coincide com o esperado devido à caracterização da violência policial como um fenômeno no qual os jovens estão mais sujeitos, já que são vistos com maior poder de periculosidade pela polícia, como atesta Bueno (2018), indo ao encontro dos resultados encontrados por Sinhoretto, Silvestre e Schlittler (2014). Além disso, Brunson e Miller (2006) observaram que praticamente a totalidade de jovens tinham sido abordados de maneira inapropriada pela polícia ou conhecia alguém que havia sido nos Estados Unidos. Nesse sentido, de modo geral, Beato, Peixoto e Andrade (2004) apontam que os mais jovens são os mais prováveis a sofrerem algum tipo de crime, o que estaria relacionado à maior exposição destes a fatores de risco e ambientes em que se concentram um maior número de pessoas, o que pode levar a conflitos. Corroborando com estes achados, o Atlas da Violência (FBSP, 2020) indicou que desde 1980 a morte prematura de jovens entre 15 e 29 anos por homicídio é um fenômeno que tem crescido no Brasil.
No que tange ao local de moradia dos indivíduos, verifica-se que o sinal da variável Urbano é positivo, indicando que o fato de o indivíduo residir em área urbana eleva sua probabilidade de vitimização. Em termos de efeito marginal, morar em áreas urbanas eleva em cerca de 0,038 pontos percentuais a probabilidade de ser vítima de agressão policial.
De acordo com Ahnen (2007), níveis mais elevados de urbanização estão associados à maior incidência de violência policial em função da elevada densidade populacional nessas áreas e é justamente nesses locais que estão a maioria das redes de tráfico de drogas e outras atividades criminosas a serem reprimidas pela polícia. A relação entre densidade populacional no meio urbano e incidência de violência policial também é atestada por Jacobs e O’Brien (1998).
Ainda tomando-se a região Norte como referência, conclui-se que as regiões brasileiras não foram significativas como variáveis explicativas da probabilidade de vitimização por parte da polícia, ou seja, no modelo estimado não houve diferença estatística na probabilidade em ser vitimado entre as regiões brasileiras. Este resultado é diferente do esperado, pois as regiões Norte e Nordeste têm sido consideradas em termos relativos as mais violentas do país, mas esta consideração está relacionada à violência praticada por civis. Logo, pode ser que quando se leva em consideração exclusivamente a violência cometida por policiais não se verifica essa diferença entre regiões.
Com relação ao nível educacional, é possível concluir que, tendo como referência Educação2 (Ensino Fundamental incompleto), as variáveis Educação1 (sem instrução) e Educação3 (Ensino Fundamental completo) não foram significativas. Assim, é possível inferir que possuir um desses níveis educacionais não afeta a probabilidade de ser vítima de violência policial em relação à variável de referência. No entanto, as variáveis Educação4 (Ensino Médio incompleto), Educação5 (Ensino Médio completo) e Educação6 (Ensino Superior incompleto) foram todas significativas e negativas, indicando que à medida em que os indivíduos finalizam o Ensino Fundamental e o Ensino Médio, a probabilidade de vitimização por parte da polícia diminui. Isso significa que quando o nível educacional aumenta, a tendência é que os rendimentos auferidos sejam elevados, bem como ocorre ascensão social. Por outro lado, indivíduos com baixo nível de escolaridade tendem a viver em ambientes alijados das instituições formais, aumentando os riscos de violência policial (GABALDÓN; BIRBECK, 2000). Cabe ainda salientar que a influência positiva dos menores níveis educacionais sobre a probabilidade de vitimização dos indivíduos pela polícia também é confirmada por Snyder (2013).
Quanto ao estado civil, tomando-se como referência a variável Casado, verifica-se que as variáveis Solteiro e Divorciado foram positivas e significativas, enquanto a variável Viúvo não foi significativa. De acordo com Madalozzo e Furtado (2011), ser casado diminui a probabilidade de ser vitimado, o que estaria relacionado à menor exposição a fatores de risco. Já indivíduos não casados tendem a passar mais tempo em locais públicos, com maior aglomeração de pessoas, o que pode levar a conflitos e gerar a vitimização. Beato, Peixoto e Andrade (2004) também encontram tal resultado e a justificativa se assemelha à anterior. Esses argumentos têm aporte na Teoria do Estilo de Vida de Hindelang, Gottfredson e Garofalo (1978), onde postula-se os hábitos individuais e as ações cotidianas como determinantes da probabilidade de um indivíduo sofrer algum crime. Levando em consideração a referida teoria, os autores apontam que o fato de o indivíduo ser casado tende a elevar o tempo gasto em casa, o que diminui a exposição e, por consequência, o risco de vitimização.
Adicionalmente, o nível de renda, contrariando as expectativas iniciais, não se mostrou significativo na estimação da probabilidade de vitimização por violência policial, indo ao encontro da análise descritiva. A priori, esperava-se relação negativa entre o nível de renda e a probabilidade de que o indivíduo sofresse violência policial, o que foi apontado no modelo estimado, no entanto, sem significância estatística.
Por fim, na Tabela 7, foram estimados os efeitos marginais para identificar a estimativa de probabilidade para três casos específicos: i) quando o indivíduo é homem e negro; ii) quando o indivíduo é homem, jovem e negro; iii) quando o indivíduo é homem e solteiro. Na primeira estimativa, observou-se que ser homem e negro aumenta em aproximadamente 0,1 p.p. a probabilidade de ser vitimado. Ser homem, jovem e negro também eleva em aproximadamente 0,1 p.p. a probabilidade de vitimização. Ser homem solteiro aumenta em 0,11 p.p. a probabilidade de vitimização. Novamente, como se trata de efeitos na margem, com uma amostra relativamente pequena e que possui grau considerável de subnotificação, apesar de menor que os registros oficiais, já era esperado que os coeficientes estimados fossem relativamente pequenos. Apesar disso, é confirmado o fato de que possuir essas características aumenta de forma significativa a probabilidade de ser alvo de violência policial.
Tabela 7: Efeitos marginais sobre a probabilidade de ser vítima de violência policial por características específicas
|
Homem jovem não branco | Homem solteiro | |
---|---|---|---|
Efeito marginal sobre a probabilidade de ser vítima de violência policial | 0.00092464 | 0.00098391 | 0.00115633 |
Fonte: Elaboração própria.
Nota: As probabilidades quanto ao efeito marginal de ser vítima de violência policial, dadas as características específicas, consideram todas as variáveis explicativas inseridas no modelo estimado originalmente.
A violência policial tem crescido no Brasil nas últimas décadas, fazendo com que este tema receba cada vez mais atenção da sociedade e dos estudiosos de diversas áreas do conhecimento. Este trabalho buscou adicionar uma contribuição à temática através da análise do efeito dos fatores socioeconômicos e demográficos sobre a probabilidade de que os indivíduos sofram violência policial no Brasil através das informações disponibilizadas pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no ano de 2009.
Através da estimação de um modelo Probit, concluiu-se que fatores como sexo, raça, escolaridade, estado civil e região censitária estão significantemente associados à referida probabilidade de vitimização por violência policial. Assim, indivíduos do sexo masculino, negros (pretos e pardos), com baixo nível relativo de escolaridade, solteiros ou divorciados e que residem em áreas urbanas constituem o perfil preponderante das vítimas de agressões por parte da polícia no Brasil.
Salienta-se, desse modo, a necessidade de implementação de políticas públicas de combate à violência policial, agindo sobre dois aspectos: o socioeconômico e o demográfico. Do ponto de vista socioeconômico, dado que os baixos níveis de escolaridade repercutem em maiores probabilidades de ocorrência de violência policial, é necessária a promoção da educação como mecanismo capaz de minorar a probabilidade de um indivíduo ser vitimado, isto é, estimular a adesão formal dos indivíduos à escola e buscar aumentar seus níveis de qualificação. Além disso, mostra-se necessária a implementação de medidas de mitigação de conflitos urbanos a fim de minimizar a desorganização social intrínseca ao ambiente que pode culminar em violência policial.
Pela ótica demográfica, políticas públicas não podem alterar a raça, o gênero ou a idade de indivíduos, de modo que se mostra necessário realizar um amplo estudo sobre os possíveis vieses de seleção e estereótipos cultivados pela polícia que podem influenciar erroneamente seu comportamento e sua abordagem em relação a determinados grupos da sociedade, observando a existência (ou não) de mecanismos imperitos de seleção de indivíduos tidos como suspeitos. Nesse sentido, é possível propor a implementação de políticas de reeducação da força policial que visem estabelecer uma visão menos tendenciosa dos policiais e promover novas formas de abordagem, mais compatíveis com um Estado democrático de Direito.
Por fim, destaca-se uma importante limitação do trabalho que consiste na tendência à subnotificação dos dados utilizados, uma vez que nem todos os indivíduos que sofreram violência policial estão dispostos a relatá-la publicamente. Ressalta-se, entretanto, que dados oriundos de pesquisas de vitimização, como os presentes na PNAD de 2009, apresentam menor grau de subnotificação em relação aos registros oficiais por configurarem uma amostra representativa da população e oferecerem menor estigma ao relato do entrevistado. Além disso, como tópico de pesquisa futura sugere-se uma investigação mais pormenorizada do efeito da formação policial sobre a violência praticada durante o ofício, comparando-se dados de diferentes países que treinam suas forças policiais e desenham seus mecanismos de controle de formas alternativas. Desse modo, seria possível compreender o fenômeno da violência policial de maneira mais centrada e, assim, buscar propostas de políticas públicas que ajudem a aperfeiçoar o papel das forças policiais, que devem respeitar o Estado de Direito para cumprir suas funções de manutenção da lei e da ordem dentro da legalidade.
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