“PAGANDO PELO MAL COMETIDO”: A COBRANÇA DA TORNOZELEIRA ELETRÔNICA À LUZ DA EXPANSÃO ECONÔMICA DO DIREITO PENAL
Ronaldo Alves Marinho da Silva
Doutor em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM). Vice-líder do Grupo de pesquisa Execução Penal e Membro do Grupo de Pesquisa Direito Penal Econômico e Justiça Penal Internacional - Diretório de Pesquisa do CNPq. Membro do Conselho Penitenciário do Estado de Sergipe. Associado pleno do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). Professor Titular da Universidade Tiradentes. Delegado de Polícia Civil do Estado de Sergipe
País: Brasil Estado: Sergipe Cidade: Aracaju
Email: ronaldo_marinho@outlook.com.br Orcid: http://orcid.org/0000-0002-6878-0280
Renato Carlos Cruz Meneses
Graduação em Direito pela Universidade Tiradentes (1997). Pós-graduação na área de Direito, com ênfase em Direito Penal e Processual Penal pela Universidade. Mestre em Direitos Humanos pela Universidade Tiradentes (2016-2018). Procurador efetivo do município de Ilha das Flores - SE. Advogado atuante nas áreas cível, criminal e do trabalho desde 1998. Professor da Universidade Tiradentes das disciplinas de Direito Penal e Processo Penal. Membro da Escola Superior da Advocacia OAB/SE.
País: Brasil Estado: Sergipe Cidade: Aracaju
Email: cruzadvocacia@gmail.com Orcid: https://orcid.org/0000-0003-2020-3916
Thyerrí José Cruz Silva
Graduado em Direito pela Universidade Tiradentes (UNIT/SE).
País: Brasil Estado: Sergipe Cidade: Itabi
Email: thyerricruzdireito@outlook.com Orcid: https://orcid.org/0000-0001-7250-0790
Contribuições dos autores:
Ronaldo Alves Marinho da Silva: produção do texto e revisão técnico-jurídica e ortográfica. Renato Carlos Cruz Meneses: produção do texto e revisão técnico-jurídica e ortográfica. Thyerrí José Cruz Silva: produção do texto e realização de correções no texto final.
“PAYING FOR THE MISTAKE DONE”: THE CHARGING OF ELECTRONIC ANKLET IN LIGHT OF ECONOMIC EXPANSION OF CRIMINAL LAW
RESUMO
Este artigo objetiva investigar a tentativa de cobrar da pessoa monitorada o pagamento das despesas oriundas da tornozeleira eletrônica sob o ponto de vista da expansão econômica do direito penal. A partir de uma pesquisa bibliográfica e documental, observa-se que normas nesse intuito decorrem de um sentimento repressor impregnado em parte da sociedade, somado à austeridade estatal em matéria prisional. Nesse sentido, estados-membros vêm aprovando leis do tipo alegando a competência legislativa concorrente em Direito Penitenciário, incorrendo no vício da inconstitucionalidade formal. Noutro ponto, um enfoque criminológico do problema demonstra que tal obrigação pecuniária prejudica a ressocialização do monitorado, pelo dispêndio de recursos que seriam destinados à subsistência. A pesquisa conclui que a tentativa de cobrança pela tornozeleira eletrônica resulta de um interesse social e estatal na redução de gastos e do garantismo dessa medida cautelar.
Palavras-chave: Austeridade penal. Criminologia moderna. Expansão do direito penal. Monitoramento eletrônico. Ressocialização.
ABSTRACT
This article aims to investigate the attempt to charge the monitored person to pay expenses arising from the electronic ankle bracelet from the point of view of the economic expansion of criminal law. Based on a bibliographical and documentary research, it is observed that norms for this purpose result from a repressive feeling from a part of society, added to the state austerity in prison matters. In this sense, states have been passing laws of the type claiming concurrent legislative competence in Penitentiary Law, incurring the defect of formal unconstitutionality At another point, a criminological approach to the problem demonstrates that such pecuniary obligation hinders the re-socialization of the monitored, due to the expenditure of resources that would be destined for subsistence. The research concludes that the referred attempt results from a social and state interest in reducing expenses and from the guarantee of this precautionary measure.
Keywords: Criminal austerity. Criminal law’s expansion. Electronic monitoring. Modern criminology. Resocialization.
Data de Recebimento: 07/04/2021 – Data de Aprovação: 25/01/2022
DOI: 10.31060/rbsp.2023.v17.n1.1475
INTRODUÇÃO
A criminalidade e seu aumento têm se tornado dois dos maiores problemas sociais no Brasil, fomentando duas diferentes e simultâneas alternativas para o seu enfrentamento: (i) a expansão do direito penal, caracterizada pelo enrijecimento nas normas que dispõem acerca de crimes, procedimentos e formas de execução da pena aplicada; e (ii) a criação de medidas cautelares alternativas à prisão, para evitar o encarceramento em massa, que também é um efeito gerado pela primeira forma de enfrentamento à criminalidade (MOLINA; GOMES; 2008, p. 155; SHECAIRA, 2014, p. 45).
Nesse sentido, quanto ao primeiro ponto, é comum, no Brasil, que as normas de caráter criminal tendam mais ao punitivismo que ao garantismo. Uma das razões para isso reside na persistência do discurso de segurança pública combativa, que tem como característica a constante tentativa de reduzir direitos e garantias dos infratores, por considerarem-nas privilégios (MOLINA; GOMES, 2008, p. 419-421; GRECO, 2015). No caso da presente escalada do endurecimento das leis penais no Brasil, o aumento de repressão tem como grande aliada uma tentativa de desoneração do Estado com os investimentos destinados à área prisional, que não logra as devidas atenções por parte dos governos de diversos entes federados, tampouco da sociedade.
Em relação às medidas cautelares, situadas no art. 319 do Código de Processo Penal (BRASIL, 1941), cumpre citar o exemplo do monitoramento eletrônico (inciso IX), modalidade de vigilância instituída no direito pátrio há pouco mais de uma década, também como forma de fiscalização da execução da pena – vide arts. 146-B a 146-D da Lei de Execuções Penais (BRASIL, 1984) – e que trouxe benefícios à pessoa monitorada, sendo o principal deles, certamente, a garantia de não sofrer com as mazelas do cárcere e seu efeito criminógeno, devendo, por outro lado, ser vigiada constantemente a fim de manter um pouco de sua liberdade.
Nesse âmbito, surge o primeiro descontentamento da parcela da sociedade que coaduna com a cultura do encarceramento e do Estado, negligenciador dos direitos dos encarcerados, pois o monitoramento eletrônico é considerado como uma expressão de impunidade, já que, segundo a cultura punitivista impregnada em parte da sociedade brasileira, o mal cometido pelo infrator deve gerar-lhe um suplício ainda maior.
É nesse contexto que, também em razão da crise econômica pela qual passa o Brasil há alguns anos (WACQUANT, 1999; DAL SANTO, 2020), surgem propostas legislativas no âmbito federal – a exemplo do PL 2.392/2019 – e estadual – em todos os estados-membros, à exceção de Tocantins – visando exigir do próprio monitorado, no âmbito das execuções penais, o pagamento pelas despesas decorrentes da instalação, do uso e da manutenção do equipamento de monitoramento eletrônico – que, via de regra, é a tornozeleira –, cobrança que pode prejudicar sua ressocialização, além de tender a levá-lo à penúria em caso de indisponibilidade de recursos para subsidiar o dispositivo de monitoramento que é parte elementar do cumprimento da pena imposta.
Por essas razões, este artigo tem como objetivo geral investigar a (im)pertinência da tentativa de cobrar da própria pessoa monitorada o pagamento das despesas oriundas da tornozeleira eletrônica utilizada sob o ponto de vista da expansão econômica do direito penal. Para fins deste artigo, a referida expressão será adotada a partir da junção do conceito de (i) expansão do direito penal, fenômeno criminológico caracterizado pelo enrijecimento do direito criminal, inclusive no que tange às normas que norteiam a execução da pena imposta (SILVA SÁNCHEZ, 2006); e (ii) a questão da austeridade estatal em matéria prisional, na qual o Estado reduz seus encargos financeiros em matéria penal ao custo de uma maior punição aos infratores (WACQUANT, 1999).
O referencial teórico utilizado segue uma perspectiva criminológica (BARATTA, 2002; MOLINA; GOMES, 2008; DA SILVA, 2008; SHECAIRA, 2014; GRECO, 2015), haja vista a possibilidade de a referida ciência criminal oferecer respostas concretas para o problema da tentativa de angariar da pessoa monitorada o custeamento das despesas decorrentes do objeto de monitoramento, aspecto econômico imprescindível para compreender tal concepção (FOUCAULT, 1999; WACQUANT, 1999; 2003; SILVA SÁNCHEZ, 2006; CORRÊA JÚNIOR, 2012; CAMPELLO, 2019; BUOZI, 2020; DAL SANTO, 2021).
Com relação à metodologia, o principal objeto de análise é o Projeto de Lei federal Nº 2.392/2019, que visa cobrar da pessoa monitorada o pagamento das despesas decorrentes do uso da tornozeleira eletrônica. A título de menção, faz-se alusão a projetos e leis estaduais nesse sentido, apenas para auxiliar na finalidade de averiguar a (im)pertinência de medidas dessa estirpe quanto à atual condição socioeconômica das pessoas monitoradas no Brasil.
Dessa forma, a metodologia realizada neste artigo compreendeu duas etapas: primeiramente, foram analisadas a justificativa e trechos importantes do PL Nº 2.392/2019. Para tanto, recorreu-se à técnica de análise de conteúdo proposta por Laurence Bardin (1977), para categorizar indicadores importantes quanto à proposta, na intenção de tratar os resultados obtidos a partir de processos de interpretação de seu conteúdo. Em seguida, a pesquisa de caráter bibliográfico pautou-se na consulta de livros, teses, dissertações e artigos em matéria de Criminologia, Direito Processual Penal e Execução Penal, mais especificamente quanto ao monitoramento eletrônico abordado por essas diferentes perspectivas, a fim de discutir possíveis consequências da proposta contida no PL.
Visando uma melhor compreensão, o estudo está dividido em três partes principais. De início, são traçadas notas sobre a criminalidade e seu atual enfrentamento no Brasil, ressaltando a persistência da cultura punitiva que advoga pelo modelo clássico de reação ao delito, aliada da constante tentativa de desoneração do Estado em matéria prisional. Num segundo momento, analisa-se o monitoramento eletrônico no Brasil, enquanto medida cautelar alternativa à prisão, sob o ponto de vista doutrinário e normativo. Por fim, discute-se sobre o custeamento da tornozeleira eletrônica pelo próprio indivíduo monitorado, sob a ótica do PL Nº 2.392/2019 e dos projetos e das normas estaduais nesse sentido – estas últimas, entendidas como formalmente inconstitucionais por violarem a competência da União para editar normas gerais sobre o assunto –, e um enfoque criminológico acerca de possíveis consequências socioeconômicas da medida, caso instituída, à pessoa monitorada, que arcaria com um ônus pertencente ao Estado.
BREVES NOTAS SOBRE ESTADO, CRIMINALIDADE, SOCIEDADE E PUNIÇÃO NO BRASIL
Pode-se afirmar que a criminalidade surgiu a partir do momento em que o ser humano passou a conviver em sociedade, de modo que são inerentes os fenômenos da agrupação social e o cometimento de delitos. Para solucionar esta problemática, surge, então, o Direito como expressão estatal de controle e ordenação social, impedindo a ruptura dos vínculos sociais pela violação constante aos bens reputados como imprescindíveis para a sobrevivência e, mais que isso, para a convivência entre os seres humanos (MOLINA; GOMES, 2008).
Ocorre que, conquanto pareça uma afirmação trivial, pelo fato de a Criminologia moderna assim estudar e compreender o fenômeno criminológico, nem sempre, ao longo da história, foi esse o entendimento acerca do enfrentamento mais coerente ao cometimento dos delitos. Inclusive, nesse último aspecto, do Estado responsável por impor sanções ao comportamento delitivo, é prudente recordar que a teoria contratualista, que estuda a origem das comunidades políticas – considerada pela Criminologia como sua etapa “clássica” (SHECAIRA, 2014, p. 49-51; MOLINA; GOMES, 2008, p. 71-73) –, possuía uma visão radical sobre a exclusão do delinquente do seio social, por ter violado o contrato social “assinado” tacitamente por toda a sociedade, malversando sua liberdade – principal valor liberal e iluminista – e pondo em risco a dos demais (ROUSSEAU, 1996, p. 20-23).
Nesse particular, assim como a Criminologia evoluiu, passando de uma abordagem excludente para uma compreensiva e científica (SHECAIRA, 2014, p. 319), sabe-se que as penas também variaram ao longo da história. Nesse sentido, a privação de liberdade, hoje considerada a principal punição, é relativamente recente, pois até o período iluminista, as penas eram essencialmente aflitivas e corporais, com vistas a levar o criminoso ao extremo sofrimento físico e mental. Nesse período, a privação de liberdade detinha uma finalidade de condenação provisória, que levaria à condenação final, de pena corporal ou mesmo de morte, o que se altera com o século XVIII, quando a prisão passou a ser a principal sanção para os transgressores da ordem, o que pode ser considerado um progresso, se comparado ao período anterior, pelo simples fato de se substituir as penas cruéis (GRECO, 2015).
Todavia, a pena de prisão não deve ter uma interpretação restritiva voltada somente para seu ponto benéfico, vez que ela também apresenta alguns graus de nocividade, haja vista os prejuízos que traz a privação de liberdade principalmente para a relação do sujeito punido com o meio social, que o estigmatiza e passa a vê-lo como um inimigo, e não como um indivíduo capaz de retornar à sociedade após cumprir sua pena.
Esta é a compreensão de parte significativa da sociedade, que parece não acreditar na possibilidade de recuperação do preso e não se abre à sua ressocialização. Impregnou-se no imaginário social, como uma forma eficaz de combate ao crime, a predileção pelo suplício do condenado, pelo fato de a prisão ser uma “pena igualitária”, que tem o mesmo valor para todos por retirar do condenado um bem que todos possuem por igual, por assim dizer, que é a liberdade. Assim, a privação de liberdade é o pagamento de uma dívida por parte do delinquente, daí a expressão “pagar pelo mal cometido” (FOUCAULT, 1999, p. 196)1.
No que cumpre ao Estado, é consabida a negligência deste para com o problema carcerário, que nunca ocupa uma posição razoável no campo das preocupações administrativas do governo, apresentando-se apenas quando há crises agudas, rebeliões, manifestações de movimentos sociais e não governamentais. Primeiro, porque os orçamentos destinados à manutenção do sistema penitenciário são quase insuficientes, especialmente quando levado em conta o fato de que o Brasil possui uma população carcerária superior ao número de vagas2 (DAL SANTO, 2020). Em segundo lugar, porque a causa do preso não angaria a simpatia dos governantes, que aceitam a derrocada do sistema penitenciário e a consideram uma forma de punição extra para aquele que praticou a infração penal, reflexo do que a sociedade pensa em relação ao tratamento que deve ser dispensado aos presos (GRECO, 2015).
Assim, é irrelevante para uma parcela significativa da sociedade a recuperação do preso. E, sendo o Estado, muitas vezes, um infrator ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana por desassisti-lo em meio às mazelas do cárcere (GRECO, 2015), persiste lastimável a realidade do sistema prisional brasileiro, que convive com um dilema entre o aumento de repressão estatal e a redução dos investimentos em matéria prisional (WACQUANT, 1999). Exemplo disso é a tentativa de transferir à pessoa monitorada o ônus de custear as despesas decorrentes do uso da tornozeleira eletrônica, ou mesmo o dilema entre a sofisticação dos infratores e os estratagemas obsoletos empregados pelo poder público para coibir essa grave chaga social (DA SILVA, 2008).
Nesse aspecto, observa-se que as estratégias de enfrentamento à criminalidade no Brasil variam conforme a ideologia do grupo que está no poder – não apenas Executivo, mas também no Legislativo –, visto que as preocupações com a (in)segurança pública multiplicam-se ante a cada onda de violência, momentos nos quais a sociedade exige dos governos uma solução imediata e rápida, como se fosse possível reverter tais quadros “num passe de mágica”, não se podendo extrair dessa conjuntura “resultados satisfatórios na luta contra o crime e a violência” (DA SILVA, 2008, p. 18-20)3.
Nesse diapasão, observa-se, hoje, no Brasil, uma expansão econômica do direito penal motivada, em boa parte, pela tentativa do atual governo federal em reduzir os investimentos estatais em setores da administração pública, em especial à área prisional, que não está entre as prioridades, como demonstra a realidade fático-política, que, convém ressaltar, não é recente4. Essa conjuntura gera uma série de propostas legislativas no sentido de um maior endurecimento penal, tanto nas normas que criam crimes quanto nas que dispõem sobre o processo penal e as formas de execução da sanção imposta (DA SILVA, 2008, p. 67; 71; MOLINA; GOMES, 2008, p. 484-486; HOMERIN, 2017), não se indagando, contudo, se o problema é realmente a falta de repressão e de leis. Isso porque a inflação legislativa penal pátria tem atingido patamares extremos – e não é de hoje, uma vez que o enfrentamento normativo rigoroso aos delitos no Brasil teve como marco as décadas de 1980 e 1990, em virtude de fatores como a crise econômica, como expõe Da Silva (2008) –, persistindo, portanto, a compreensão punitiva em matéria de política legislativa criminal.
Contudo, de uma forma relativamente contraditória, o legislador altera, volta e meia, as normas de caráter criminal com o intuito de minimizar as consequências pós-condenação que atingem o infrator – o que é incomum, dada a tendência contemporânea de as leis penais prejudicarem o apenado com sanções maiores, dificuldade de progressão de regime e novas figuras típicas (SHECAIRA, 2014, p. 45; HOMERIN, 2017), em descompasso com os princípios da intervenção mínima, da proporcionalidade e da razoabilidade, da individualização das penas, dentre outros, expressão de uma intervenção cada vez maior do direito penal no ordenamento jurídico e consequentemente na vida social (SILVA SÁNCHEZ, 2006).
Surgem, pois, nessa ótica garantista, as normas que dispõem sobre medidas cautelares diversas da prisão, como o monitoramento eletrônico, que representa um verdadeiro progresso – não obstante as intempéries e os óbices à sua concreta e adequada implementação – no trato com o malfeitor, que já cumpriu sua sentença e, com isso, torna-se pronto para seguir regularmente a sua vida, com senso de responsabilidade e autonomia.
ASPECTOS NORMATIVOS E DOUTRINÁRIOS DO MONITORAMENTO ELETRÔNICO NO DIREITO BRASILEIRO
Antes do exame acerca do monitoramento eletrônico, cumpre esclarecer alguns pontos sobre as medidas cautelares no sentido geral, vez que estas representam uma alternativa à privação de liberdade provisória, permitindo ao agente infrator o exercício de alguns dos direitos, sem os prejuízos advindos da prisão celular.
Inspiradas nas Regras de Tóquio, voltadas às medidas alternativas à privação de liberdade a serem implementadas pelos países-membros da Organização das Nações Unidas, elaboradas em 1990, as medidas cautelares diversas da prisão foram introduzidas no direito brasileiro pela Lei Nº 12.403/2011, que buscou “evitar os males da segregação provisória, por meio do encarceramento de acusados, que, ao final da instrução, podem ser absolvidos ou condenados a penas ínfimas” (NUCCI, 2019a, p. 863), agregando novos paradigmas à sua imposição, devendo-se traduzir na responsabilização do autuado, que deve ter asseguradas, ao mesmo tempo, as condições de cumprimento da medida com autonomia e liberdade, haja vista todas as máculas decorrentes do encarceramento.
Assim, as medidas cautelares diversas da prisão devem ter como finalidades a promoção da cidadania do submetido à medida, o incentivo à participação da vida em comunidade e, também, a restauração das relações sociais (BRASIL, 2015), o que se torna possível, dentre outros meios, pela utilização de um equipamento de monitoramento eletrônico, que tem sido apropriado pelo Estado, em virtude da crença de parte da sociedade de que mecanismos tecnológicos podem favorecer a segurança social, passando a integrar, portanto, políticas criminais voltadas à construção de uma sociedade mais segura (PIMENTA, 2017).
Nesse sentido, entende-se por monitoramento eletrônico um conjunto de mecanismos de restrição da liberdade diversos do encarceramento, executados, no âmbito da política penal, por meios técnicos que permitem apontar de forma exata a geolocalização da pessoa monitorada para controle e vigilância indireta, com o objetivo de evitar o encarceramento, devendo, contudo, ser utilizada apenas quando não for cabível outra medida cautelar menos gravosa, por ser uma medida excepcional em função das alternativas penais (PIMENTA, 2017).
Nesse sentido, no que se refere ao monitoramento eletrônico como modalidade de medida cautelar, explica Guilherme Nucci (2019a, p. 867) que tal diligência surgiu na legislação brasileira apenas para os casos de saídas temporárias, durante o cumprimento da pena, bem como para o regime aberto, estendendo-se, mais recentemente, para a fase processual. A eficácia da medida, todavia, diz o autor, está vinculada à atuação estatal, pois, “quando eficiente, a monitoração pode dar bons resultados; se ineficaz ou inexistente, por certo, a medida cautelar tende ao absoluto fracasso” (NUCCI, 2019a, p. 687).
Sendo, portanto, o monitoramento eletrônico uma “forma de controle judicial dos movimentos do indivíduo, realizada no curso das investigações policiais ou durante o processo criminal” (AVENA, 2017, p. 919), surge, a esse respeito, uma discussão doutrinária sobre eventual violação à dignidade da pessoa humana, em razão da fiscalização realizada por aparelhos, como a tornozeleira, ligados ao corpo, que expõem, de certa forma, o indivíduo, pois todos saberiam do seu cumprimento da pena apenas por observar, no seu corpo, um objeto de fiscalização, o que poderia atentar contra a sua dignidade (GRECO, 2015, p. 296-297).
Greco, contudo, discorda desse raciocínio, ponderando que é preferível que o Estado controle e fiscalize o condenado em um local extramuros a colocá-lo “num sistema falido que, ao invés de ressocializá-lo, fará com que ele retorne completamente traumatizado ao convívio em sociedade” (GRECO, 2015, p. 297), mesmo porque “não se pode desconsiderar que os condenados, em geral, preferem a vida monitorada à prisão” (CORRÊA JUNIOR, 2012, p. 193), tendo em vista a possibilidade de essa alternativa à privação de liberdade permitir ao infrator um maior gozo de seus direitos, a começar pela continuidade no seio social.
Norberto Avena (2017, p. 919) também não observa qualquer atentado à dignidade do apenado, pois “desde que o agente se submeta corretamente às condições do monitoramento, não sofrerá ele restrições maiores do que as decorrentes do uso de um aparelho eletrônico que pode ficar oculto sob suas roupas”. Em crítica a essa premissa, Roberto Delmanto Júnior (2019, p. 227-228) assenta que essa “aceitação” do apenado “nada mais é do que a submissão ao determinado pelo juiz de direito, sob pena de ficar encarcerado caso discorde”, não havendo, segundo ele, liberdade de escolha. Por essa razão, defende o autor que a imposição de objetos como a tornozeleira eletrônica deve ser sempre excepcional, somente nos casos estritamente necessários, não podendo ser banalizada, por ser “muito constrangedora e vexatória”, gerando impacto relevante no aspecto psicológico da pessoa que, a todo instante, “convive com essa verdadeira ‘algema eletrônica’” (DELMANTO JÚNIOR, 2019, p. 228)5.
De toda forma, um dos itens norteadores da Resolução Nº 213/2015 do CNJ indica que deve haver uma instituição do monitoramento eletrônico capaz de gerar o menor dano possível, minimizando, assim, os prejuízos físicos e psicológicos causados aos monitorados eletronicamente, devendo-se, para tanto, adotar procedimentos, métodos e tecnologias menos estigmatizantes e constrangedoras em relação à utilização do aparelho (BRASIL, 2015).
Contudo, em que pese os referidos benefícios advindos da imposição do monitoramento eletrônico, o Estado não demonstra muito interesse por sua manutenção, patente a negligência deste para com o sistema carcerário, visto que a mera utilização da tornozeleira eletrônica (OLIVEIRA; AZEVEDO, 2011) ou a previsão legislativa de medidas cautelares (HOMERIN, 2017) não tem o condão, por si só, de melhorar as estruturas psicológicas e socioeconômicas da pessoa monitorada, tampouco reduzir o encarceramento em massa.
Outrossim, em tempos de crise econômica, a primeira solução encontrada é a panaceia do corte de gastos – sobretudo em matéria penal – sem um exame profundo de conveniência e oportunidade e que anteveja possíveis efeitos nocivos dessas medidas. É nesse contexto que o Estado opta pela austeridade no sistema penitenciário, que necessita desses recursos para atenuar as mazelas do cárcere e garantir uma execução da pena que não viole os direitos humanos do apenado ao retirar sua dignidade, propiciando-lhe, posteriormente, uma ressocialização adequada.
Um dos exemplos dessa conjuntura é a tentativa de cobrar as despesas da tornozeleira eletrônica à pessoa monitorada que dela é usuária, proposta legislativa a nível federal e estadual que visa transferir ao infrator o ônus de custear os equipamentos destinados ao regular cumprimento de sua própria pena, criando uma situação na qual o sujeito é privado de certos direitos e ainda tem a obrigação de pagar por isso, em razão da preferência gerencial e econômica do Estado no que se refere ao funcionamento do sistema penitenciário.
O PAGAMENTO DA TORNOZELEIRA ELETRÔNICA PELA PRÓPRIA PESSOA MONITORADA
Já se afirmou neste trabalho que a manutenção adequada do sistema penitenciário e carcerário, visando sua regularidade, não está na lista das prioridades do Estado brasileiro, e uma expressão disso é a tentativa de transferir o ônus estatal de custeamento da tornozeleira eletrônica para a própria pessoa em monitoramento, demonstração da expansão econômica do direito penal que soma a lógica neoliberal da austeridade estatal, inclusive em matéria prisional, com o enrijecimento do direito criminal, processos que se influenciam mútua e dialeticamente (WACQUANT, 1999; SILVA SÁNCHEZ, 2006).
Apesar de a temática ganhar relevo, em âmbito federal, em 2019, por conta do Projeto de Lei No 2.392/2019, de autoria do então senador Major Olímpio (PSL/SP), outras proposições já haviam sido submetidas às Casas Legislativas federais pátrias, a exemplo dos Projetos de Lei Nº 5.586/2016, Nº 5.913/2016, Nº 5.999/2016, Nº 8.162/2017, Nº 8.164/2017, Nº 8.459/2017, Nº 8.806/2017, Nº 9.355/2017, Nº 9.402/2017, Nº 10.685/2018, Nº 1.114/2019, Nº 1.886/2019, Nº 3.669/2019, Nº 2.344/2021, Nº 3.261/2021 e Nº 331/2022 na Câmara dos Deputados; e o Projeto de Lei Nº 310/2016 no Senado Federal (BRASIL, 2022a)
Assim, em que pese o número significativo e a diversidade de proposituras nesse sentido, este tópico abordará a tentativa de normatização da cobrança de despesas decorrentes da tornozeleira eletrônica com base no Projeto de Lei Nº 2.392/2019, por ser o mais recente e o mais avançado dentre todos – já que contou com a aprovação em relatório no mesmo ano –, além de ter sido prolatado no contexto de soma de interesses entre a expansão do direito penal no que se refere à execução da pena imposta e às políticas de Estado mínimo encampadas pelo governo federal à época (BUOZI, 2020), o que desemboca na questão dos (des)investimentos em matéria prisional, inclusive nas despesas relativas ao monitoramento eletrônico.
Em seguida, serão discutidos, de maneira abrangente – e não pormenorizada, tendo em vista o objetivo geral a que este trabalho se propõe e o recorte temático delimitado –, os projetos de lei estaduais que também objetivam impor a mesma cobrança no âmbito dos Estados-membros, medida de constitucionalidade questionável, ante a inexistência de previsão desse encargo na lei federal de normas gerais que trata do assunto, a saber, a Lei de Execuções Penais.
Dessa forma, quanto ao PL Nº 2.392/2019, o aporte metodológico realizado compreende, nos moldes da técnica de análise de conteúdo elaborada por Laurence Bardin (1977), primeiramente, (i) análise da justificativa e dos trechos relevantes das disposições contidas na referida propositura; (ii) formulação de indicadores argumentativos quanto às alegações levantadas pelo autor do Projeto de Lei; (iii) contraste entre a justificativa apresentada e os possíveis efeitos decorrentes de uma eventual instituição da medida pretendida, que pode prejudicar a ressocialização da pessoa monitorada, em virtude do custeamento da execução da própria pena.
PROJETO DE LEI FEDERAL (PL Nº 2.392/2019)
Como dito anteriormente, o então senador Major Olímpio (PSL/SP) propôs, no Projeto de Lei Nº 2.392/2019, que as despesas decorrentes da instalação, do uso e da manutenção da tornozeleira eletrônica deveriam ser arcadas pelo próprio monitorado, que dela é usuário. Tal medida, se aprovada, será instituída no art. 319, § 5º, do Código de Processo Penal, e no art. 146-B, § 2o, da Lei de Execução Penal, este último nos seguintes termos:
A fiscalização por meio de dispositivo de monitoramento eletrônico será determinada judicialmente mediante pagamento pelo condenado das despesas para a utilização e monitoramento do respectivo dispositivo, sendo condição para concessão das medidas previstas no art. 122 desta lei e no art. 318 do Decreto-Lei nº 3.689/41, Código de Processo Penal (BRASIL, 2019b, p. 2).
Em sua justificativa, alegou o autor que “o país se encontra em uma grande crise econômica, devendo medidas serem tomadas com vistas a desonerar o Poder Público e ao mesmo tempo propiciar mecanismos efetivos de combate à criminalidade”, assentando que a proposta “vem atender um anseio da população Brasileira, que hoje verifica não só uma crise de segurança no País, mas também de impunidade e de permissividade do poder público com criminosos” (BRASIL, 2019b, p. 3).
Ainda segundo o parlamentar, os equipamentos de monitoramento eletrônicos custariam, segundo os valores da época – ano de 2019 –, entre R$ 160,00 e R$ 475,00 e existiam, à época, mais de 24 mil indivíduos monitorados por tornozeleiras eletrônicas, além dos que aguardavam a disponibilização do dispositivo para uso6. Assim, patente a crise econômica que afeta as unidades federadas, somada “a uma legislação que proporciona um sistema de justiça falho, que gera violência e impunidade por sua ineficiência, muitos presos e investigados que deveriam estar presos” ou, ao menos, monitorados, continuam livres, praticando infrações penais (BRASIL, 2019b, p. 3). Nesse sentido, para o autor da proposta, “o Estado não pode ser conivente” com os sujeitos que optaram pela prática criminosa, onerando “o contribuinte para custear esses equipamentos”. Deve, portanto, impor aos que “afrontaram o ordenamento jurídico, que arquem com suas escolhas e paguem pelos custos gerados para uso desses equipamentos de monitoramento eletrônico” (BRASIL, 2019b, p. 4-5).
O relatório realizado pelo senador Alessandro Vieira (CIDADANIA/SE) apontou pela constitucionalidade e mérito da propositura em questão, destacando que a matéria tratada “está compreendida no campo da competência privativa da União para legislar sobre direito processual penal e da competência concorrente da União para legislar sobre direito penitenciário” (BRASIL, 2019a, p. 2), conforme os arts. 22, I, e 24, I, da Constituição Federal, respectivamente. Outrossim, conforme o relator, a obrigação do acusado ou condenado de pagar pela tornozeleira eletrônica para obter os benefícios decorrentes da referida monitoração significará “maior segurança no monitoramento dos presos que se encontram extramuros, além de relevante economia para os cofres públicos” (BRASIL, 2019a, p. 2-3), restando suspensa por cinco anos a obrigação de ressarcir o Estado em caso de presos hipossuficientes.
Em relação à justificativa da proposição e seu relatório favorável, respectivamente, dois pontos devem ser destacados de início. Em primeiro lugar, observa-se que o principal fundamento para a instituição de cobrança das despesas decorrentes da tornozeleira eletrônica é a tentativa de desonerar o Estado, reduzindo seus gastos com a monitoração, elemento importante no sistema penitenciário atual, não havendo, pois, atenção para os efeitos perniciosos de tal medida, como um desfalque financeiro ou mesmo uma penúria do portador da tornozeleira, que deverá providenciar o pagamento decorrente de seu uso – custeamento que não será elidido pela suspensão, por cinco anos, de fazê-lo, como consta no projeto de lei.
Isso pode, inclusive, gerar uma crescente nos crimes contra o patrimônio, como furto e roubo, na tentativa de custear tais despesas, medidas indesejadas inclusive do ponto de vista da Resolução No 213/2015 do CNJ, que trata as medidas cautelares diversas da prisão como uma tentativa de reduzir as “dificuldades de acesso ao mercado de trabalho”, que ampliam “a situação de marginalização e a chance de ocorrerem novos processos de criminalização” (BRASIL, 2015, p. 11).
Nesse sentido, enquanto no Brasil a discussão ainda não passou do plano das propostas – ao menos no plano federal –, normas propriamente ditas que impõem à pessoa monitorada o pagamento de despesas decorrentes do uso da tornozeleira eletrônica já foram instituídas, nos últimos anos, em países latino-americanos, como Guatemala7, Peru8 e República Dominicana9. Longe de ser uma medida incontroversa – e mesmo que as normas dos referidos países tenham previsto os casos de impossibilidade de pagamento da tornozeleira pela pessoa monitorada –, tal cobrança desafiou parecer da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), que concluiu pela plausibilidade da referida imposição, desde que, quanto à utilização dos mecanismos de monitoramento eletrônico, os Estados tomem “as medidas necessárias para assegurar que sua aplicação se adeque a critérios de igualdade material, e não constitua uma medida discriminatória em detrimento das pessoas que não possuam capacidade financeira para custeá-la” (CIDH, 2017, p. 90).
Depreende-se, portanto, que a legitimidade da dita cobrança é condicionada pelas possibilidades financeiras da pessoa monitorada, de maneira que sua condição de vulnerabilidade social não pode ser um impedimento para a execução adequada da pena. Portanto, “uma vez comprovada a incapacidade da eventual pessoa beneficiária de fazer o pagamento, os Estados devem necessariamente utilizar outra medida cautelar não privativa de liberdade, ou não cobrar pelo uso dos mecanismos de monitoramento eletrônico” (CIDH, 2017, p. 90), o que não encerra as discussões sobre a impertinência dessa transferência de ônus do Estado para a pessoa monitorada, considerando-se o perfil de vulnerabilidade social dos presos e monitorados brasileiros, caracterizada pelo déficit de escolaridade, indicativo de insucesso socioeconômico, por assim dizer.
Nesse sentido, segundo os dados, de junho de 2022, do Sistema de Informações do Departamento Penitenciário Nacional (SISDEPEN), na categoria “Quantidade de pessoas presas por grau de instrução”, observa-se que, dentro de um total de pouco mais de 830 mil pessoas privadas de liberdade, o Brasil possui cerca de 20 mil presos e monitorados analfabetos (2,4%), pouco mais de 323 mil com Ensino Fundamental incompleto (38,6%) e pouco menos de 82 mil com Ensino Fundamental completo (9,8%) (BRASIL, 2022b), o que demonstra uma forte tendência de essa condição de escolaridade precária influenciar negativamente no quesito socioeconômico das pessoas privadas de liberdade.
Dessa forma, caso o PL Nº 2.392/2019 seja aprovado e transformado em lei e o pagamento da tornozeleira eletrônica passe a ser imputado à pessoa monitorada, a observância da recomendação da Comissão Interamericana de Direitos Humanos será mais que necessária, em virtude do contingente significativo de pessoas sujeitas à medida que estão em aparente dificuldade ou mesmo impossibilidade financeira de manter a própria subsistência e o sustento da família e, ao mesmo tempo, também as despesas oriundas da tornozeleira eletrônica – mesmo porque o Projeto de Lei federal Nº 2.392/2019 não faz distinção entre pessoas autossuficientes e hipossuficientes, diferentemente das normas da Guatemala, do Peru e da República Dominicana, como visto.
O segundo aspecto diz respeito à compreensão do relator senador do PL Nº 2.392/2019 no que se refere à competência concorrente do art. 24, I, , com relação aos projetos e as leis estaduais, de duvidosa constitucionalidade, que instituíram ou pretendem instituir a obrigação de o preso ou condenado pagar pelo uso da própria tornozeleira eletrônica sob este mesmo fundamento, o que passa a ser discutido a seguir.
LEIS E PROPOSIÇÕES ESTADUAIS: INCONSTITUCIONALIDADE
Em razão da crise econômica pela qual passam diversos Estados-membros do Brasil, que desemboca na questão da segurança pública e tem como uma das razões a complexa repartição e distribuição de competências tributárias e legislativas entre os entes federados (DA SILVA, 2008)10, inúmeros projetos de lei foram propostos – alguns, inclusive, aprovados e tornados leis –, nos últimos anos, entre 2017 e 2022, mais precisamente, no sentido de cobrar da pessoa monitorada as despesas decorrentes do uso da tornozeleira eletrônica.
Foi o que aconteceu – até a conclusão deste artigo, em dezembro de 2022 – nos seguintes estados: Mato Grosso do Sul (PL Nº 188/2017), Minas Gerais (PLs Nº 4.837/2017 e 2.506/2021), Paraná (Lei Nº 19.240/2017), Piauí (Lei Nº 7.097/2018), Rio Grande do Norte (Lei Nº 10.337/2018), Roraima (Lei Nº 4.335/2018), Acre (Lei Nº 3.490/2019), Amapá (PL Nº 132/2019), Bahia (PL Nº 23.506/2019), Ceará (Lei Nº 16.881/2019), Espírito Santo (PL Nº 323/2019), Mato Grosso (Lei Nº 10.935/2019), Pará (PL Nº 150/2019), Paraíba (PLs Nº 613/2019 e 999/2019), Pernambuco (PLs Nº 394/2019 e 439/2019), Sergipe (Lei Nº 8.658/2020), Goiás (Lei Nº 21.116/2021), Santa Catarina (Lei Nº 17.954/2020), Alagoas (Lei Nº 8.685/2022), Maranhão (PL Nº 23/2017), Amazonas (PLs Nº 294/2019 e 270/2021), Roraima (PL Nº 190/2022), São Paulo (PLs Nº 484/2019 e 3/2021), Rio de Janeiro (Lei Nº 7.499/2016 e PL Nº 582/2019) e Rio Grande do Sul (PL Nº 342/2021), e no Distrito Federal (PL Nº 670/2019). Em suma, em todos os estados-membros, à exceção de Tocantins11.
Nesse sentido, em que pese a importância de tais proposições e leis para as discussões referentes ao monitoramento eletrônico e enfrentamento alternativo à criminalidade, serão abordadas, como dito anteriormente, de forma geral, as suas justificativas e disposições normativas, seguindo o mesmo esquema formulado por Laurence Bardin (1977), e utilizado para fins de análise do PL Nº 2.392/2019, cerne do estudo. Com isso, almeja-se verificar os principais motivos jurídicos alegados pelos autores das propostas – que residem, na maioria das vezes, na competência concorrente em matéria de direito penitenciário (art. 24, I da CF/88) – e como a matéria tem sido compreendida e tratada pelos Estados-membros, visto que parte significativa do enfrentamento à criminalidade é realizado por estes entes federados e seus órgãos de justiça.Nesse intuito, quanto à alegação jurídica mencionada, o respectivo dispositivo constitucional afirma competir “à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre [...] direito penitenciário” (BRASIL, 1988). Importante frisar, nesse tocante, que direito penitenciário é uma locução consagrada na doutrina internacional e que perdeu força no Brasil, especialmente após a promulgação da Lei de Execução Penal, que, em seu art. 1º, estabelece como objetivo da execução penal “efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado” (BRASIL, 1984). Tal descrição demonstra que a execução penal não visa discutir questões limitadas ao cárcere , mas também outras medidas assistenciais, curativas e de reabilitação que visem à ressocialização do condenado (AVENA, 2017; NUCCI, 2019b)12.
Nesse sentido, sendo a Execução Penal um ramo autônomo – por tratar-se de uma atividade jurisdicional mista “voltada a tornar efetiva a pretensão punitiva do Estado, em associação à atividade administrativa, fornecedora dos meios materiais para tanto” (NUCCI, 2019b, p. 185) –, mas não totalmente desapartado do Direito Penitenciário13, expressão preferida pelo legislador constituinte, viola de plano a competência da União o Estado-membro que legisla sobre cobrança pelo equipamento de monitoramento eletrônico, matéria pertencente à Lei de Execução Penal, lei federal de normas gerais que só pode ser editada e alterada pela própria União (art. 24, § 1º da CF/88), padecendo, pois, de inconstitucionalidade formal as propostas e leis estaduais nesse sentido.
É que a execução penal é uma atividade de caráter, abrangência e interesse nacional, razão pela qual não se justifica a existência de legislações esparsas dos estados membros versando sobre a cobrança pela monitoração eletrônica, medida que exigiria lei federal de normas gerais por se referir a uma situação de uma classe de indivíduos sujeita a deveres previstos na Lei de Execuções Penais, de igual caráter nacional, vide, inclusive, o seu art. 2º14.
Sob essa ótica, pois, não se deve aplicar o argumento de que, ausente lei federal versando sobre a matéria em questão, poderiam os estados legislar de forma plena a respeito, como menciona o art. 24, § 3º da Constituição, pois não há peculiaridade local que justifique a edição de normas em cada estado, tornando-se leis em alguns, e, em outros não, o que gera, ademais, uma desigualdade injustificada entre os presos de um mesmo país, razão pela qual é possível cogitar, para além da inconstitucionalidade formal, o vício de inconstitucionalidade material das normas estaduais nesse sentido, por violação ao princípio constitucional da isonomia, uma vez que, sob esse contexto, alguns monitorados teriam de pagar pelo equipamento de fiscalização de sua execução penal, e outros, não, o que certamente cria distinções injustificadas entre os indivíduos sujeitos à tutela penal do Estado brasileiro, causando insegurança jurídica e violando esse princípio de igual tratamento, por estarem na mesma situação jurídica.
Outrossim, passada a discussão da inconstitucionalidade de tais projetos e leis estaduais, faz-se propício ressaltar que, o outro grande fundamento alegado pelos legisladores estaduais ao proporem leis nesse sentido reside, assim como o PL federal, na busca pela redução da sobrecarga onerosa – nesse caso, do Estado-membro –, sendo interessante notar, desde já, o número significativo de normas desta orbe de autoria do Poder Executivo estadual – como nos casos dos estados do Ceará (Lei Nº 16.881/2019), de Mato Grosso (Lei Nº 10.935/2019), do Rio Grande do Norte (Lei Nº 10.337/2018) e de Rondônia (Lei Nº 4.335/2018) –, numa demonstração da tentativa de redução dos gastos públicos com a questão prisional, muito embora o Poder Executivo estadual deva firmar um Acordo de Cooperação Técnica com o Sistema de Justiça Criminal, a fim de estruturar adequadamente os serviços de monitoramento eletrônico no determinado estado (PIMENTA, 2017), o que não ocorre nesses casos pelo fato de essas leis em questão serem propostas unilateralmente pelo Executivo e aprovadas pelos parlamentos estaduais, sem o diálogo necessário apontado pela autora (PIMENTA, 2017).
Ademais, tendo em vista que o monitoramento eletrônico transfere à pessoa vigiada encargos como alimentação e transporte, observa-se que tal medida cautelar reduz drasticamente o custo estatal com a pessoa monitorada, desde que haja estrutura, cultura penal e vontade estatal para tanto (CORRÊA JUNIOR, 2012). Assim, o motivo alegado para transferir este ônus ao monitorado “é indevido, ao mesmo tempo em que é falaciosa e leviana a afirmação de que a transferência desta despesa ao preso ou [à] presa irá gerar dividendos ao Estado” (CEARÁ, 2019, p. 12), pois impor novas restrições ao monitoramento eletrônico fará com que as pessoas em situação de vigilância permaneçam por mais tempo no sistema prisional, levando à persistência do sofrimento decorrente dos males do super-encarceramento15 – argumentos que valem tanto para os projetos e as normas estaduais quanto para o PL Nº 2.392/2019, federal.
Assim, como visto, não só o Estado federal negligencia a causa dos condenados como também os Estados-membros. Estes últimos, ainda, ao vincular crise econômica aos recursos destinados ao sistema carcerário que, supostamente, “poderiam” ser investidos em saúde e educação – como ocorreu nas justificativas dos projetos e leis do Distrito Federal (PL 670/2019), do Espírito Santo (PL Nº 323/2019), de Minas Gerais (PL Nº 4.837/2017), da Paraíba (PL Nº 999/2019) e de Pernambuco (PL Nº 394/2019). –, só desprestigiam a tentativa de concretização dos direitos dos infratores, aumentando, na sociedade, o sentimento vingativo e as sensações de impotência e impunidade, fazendo persistir o ciclo vicioso de um equivocado enfrentamento à criminalidade e precária manutenção do sistema penitenciário, que reverberam em questões criminológicas inolvidáveis, como os obstáculos à reabilitação e ressocialização dos infratores usuários da tornozeleira eletrônica.
A COBRANÇA PELA TORNOZELEIRA ELETRÔNICA SOB UM ENFOQUE CRIMINOLÓGICO
Além das razões que vêm sendo apresentadas no decorrer do artigo, a imposição do pagamento da tornozeleira eletrônica pela própria pessoa monitorada não deve ser analisada somente do ponto de vista jurídico da inconstitucionalidade formal, por vício de iniciativa dos projetos e leis estaduais, ou pelo argumento de desoneração estatal, alegado pelos seus autores, visto que, apesar de ambas representarem manifestações da expansão do direito penal brasileiro, há, ainda, o enfrentamento dessa questão sob o ponto de vista da Criminologia, dadas as implicações de uma eventual cobrança pela tornozeleira eletrônica à própria pessoa monitorada que dela faz uso, inclusive no que tange à sua ressocialização.
Nesse diapasão, aludindo à questão do aprisionamento de pessoas em condição de vulnerabilidade e miserabilidade social, Wacquant (1999) diagnostica o erro econômico da reclusão por empobrecer ainda mais aqueles que lhe são confiados, retirando os poucos recursos que lhe restam quando ingressam no sistema penitenciário16 – ou quando saem, em relação à cobrança pela tornozeleira eletrônica utilizada (CAMPELLO, 2019, p. 190). Com isso, surge uma “pauperização penal” que estimula o cometimento de novos crimes, gerando o fenômeno da reincidência, que por seu turno obstaculiza progressões de regime e relativiza direitos do “reinfrator” (WACQUANT, 1999, p. 94-95).
Esse fator econômico envolvido na questão prisional leva o próprio Wacquant (2003) a afirmar que o encarceramento tornou-se uma indústria, muito embora, nos casos em que a administração prisional compete somente ao Estado – como no caso brasileiro –, o encarceramento, especialmente quando realizado em massa, torna-se uma indústria onerosa e sem retornos positivos desejados à sociedade e ao próprio Estado, daí a intenção deste último em transferir o ônus a outro ente, seja às empresas privadas, para administrarem os presídios como se fossem empresas e negócios; seja às pessoas monitoradas, vigiadas pelo equipamento de monitoramento eletrônico, que, assim, além de cumprir a pena imposta, “pagam a sua dívida com a sociedade” – axioma punitivo utilizado no senso comum, como assinalado por Foucault (1999).
Assim, traçando um paralelo entre o paradigma da ressocialização, estudado e almejado pela Criminologia crítica moderna, e a imposição de cobrança pelo uso da tornozeleira eletrônica à pessoa monitorada, pode-se afirmar que resta prejudicado o primeiro fenômeno em razão da existência do segundo. Em primeiro lugar, porque a utilização do monitoramento eletrônico é recomendada primordialmente como uma alternativa real à prisão por possibilitar o convívio social da pessoa monitorada (CORRÊA JUNIOR, 2012). E, em segundo lugar, porque mesmo com o cumprimento da pena, o indivíduo ainda ficará vinculado à punição que lhe foi imposta, por ter de arcar com as despesas da monitoração eletrônica, o que, certamente, dificultará seu reingresso na sociedade, do ponto de vista econômico e consequentemente de subsistência, vez que os recursos que seriam destinados ao próprio sustento e de sua eventual família serão utilizados para prover o pagamento de uma medida cautelar que lhe foi imposta por ser alternativa à prisão.
Nesse particular, sabida a existência da dificuldade que têm as pessoas privadas de liberdade de serem reinseridas socialmente, poucos destes recebem uma segunda chance para retomar ou recomeçar a vida longe da criminalidade. Nesse mesmo contexto, esse indivíduo que cumpriu sua pena deve, ainda, dispensar seus recursos para cumprir com essa nova obrigação, o que mais se assemelha a uma espécie inusitada de bis in idem – não no sentido jurídico comumente empregado, de dupla sanção penal por um mesmo fato típico, mesmo porque nem a monitoração eletrônica e nem a sua cobrança constituem penas –, já que além da privação de certos direitos, decorrente do uso da tornozeleira, o apenado deverá, ainda, pagar pelo objeto que o priva desses direitos.
Por outro lado, sendo cobrados os custos da tornozeleira apenas das pessoas que têm aportes financeiros para tanto, Corrêa Junior (2012) afirma que a participação da pessoa monitorada nas despesas geradas pela execução da referida medida podem aumentar o compromisso daquela com o cumprimento de sua pena, reforçando a ideia de autorresponsabilidade que a norteia à ressocialização. Contudo, o próprio autor reconhece que a realidade brasileira – cuja maioria das pessoas privadas de liberdade ostenta baixa escolaridade e consequentemente baixa condição socioeconômica – pode levar a um tratamento desigual entre as pessoas monitoradas empregadas e desempregadas, autossuficientes e hipossuficientes, o que torna, no caso pátrio, a cobrança pela tornozeleira eletrônica uma medida contraproducente (CORRÊA JUNIOR, 2012), vide a porcentagem, demonstrada anteriormente, de presos e monitorados brasileiros sem condições de arcar com esses custos.
Observa-se, portanto, que o foco dessas proposições de caráter federal e estadual é tão somente reduzir os encargos financeiros do Estado com a manutenção de medidas sancionatórias menos aflitivas à liberdade e à integridade do infrator17, como o monitoramento eletrônico, consideradas por muitos como impunidade – termo citado, inclusive, na justificativa do Projeto de Lei federal Nº 2.392/2019, em duas oportunidades –, muito embora haja um equívoco nessa interpretação, pois a medida cautelar de monitoramento eletrônico impõe significativa vigilância à pessoa que cumpre a medida – mesmo que, aos olhos da parcela punitivista da sociedade, seria mais interessante que os presos sofressem além da condenação imposta (GRECO, 2015) –, não sendo correto considerar essa forma de cumprimento de pena uma expressão de impunidade (CEARÁ, 2019, p. 11).
Portanto, cobrar da pessoa monitorada as despesas decorrentes da execução da própria pena não representa uma medida de enfrentamento à criminalidade, tampouco visa a recuperação do infrator; pelo contrário, essa expansão econômica do direito penal pode acabar acentuando a já abismal desigualdade social e distinção de classes, especialmente entre as pessoas privadas de liberdade, impedindo a concretização de direitos humanos básicos, como a dignidade, e a sua almejada e legítima ressocialização.
CONCLUSÃO
Tendo como objetivo geral investigar a (im)pertinência da tentativa de cobrar da própria pessoa monitorada o pagamento das despesas oriundas da tornozeleira eletrônica utilizada sob o ponto de vista da expansão econômica do direito penal, observou-se, inicialmente, que a instituição de medidas cautelares é vista pela parcela repressora da sociedade como uma impunidade e permissividade, ao passo que o Estado demonstra uma maior preocupação com o fator econômico, negligenciando a causa da pessoa monitorada e os possíveis efeitos nocivos decorrentes dessa obrigação pecuniária pretendida, indicativo de uma expansão econômica do direito penal.
Com relação às propostas e leis estaduais nesse sentido, constatou-se que estas, ao versarem sobre monitoramento eletrônico e sua cobrança, são formalmente inconstitucionais por violarem a competência da União para legislar sobre normas gerais nessa matéria, sendo equivocada, portanto, a premissa do legislador estadual de uso da competência concorrente para legislar sobre Direito Penitenciário.
Quanto ao plano da Criminologia, pontuou-se a cobrança da tornozeleira eletrônica pela própria pessoa monitorada como um obstáculo ao seu reingresso social, em virtude da obrigatoriedade de dispensar recursos antes destinados à sua sobrevivência para pagar um objeto de vigilância cujo ônus financeiro deveria ficar a cargo do Estado, único ente legitimado a exercer o ius puniendi, o que implica a garantia de todas as medidas que amenizem a sanção penal imposta.
Por fim, o artigo concluiu que a cobrança pelo uso do equipamento de monitoramento eletrônico traz efeitos perniciosos ao ordenamento jurídico, em virtude das normas inconstitucionais estaduais – o que deriva de um entendimento equivocado a respeito do complexo sistema de repartição de competências legislativas federativas –, mas principalmente à pessoa monitorada, que além de cumprir sua pena imposta, deverá arcar com o pagamento da privação de parte dos seus direitos, o que prejudicará sua ressocialização, consequência indesejada sob o ponto de vista dos paradigmas criminológicos atuais pautados na dignidade da pessoa humana.
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WACQUANT, L. Punir os pobres: a nova gestação da miséria nos Estados Unidos. Rio de Janeiro: Revan, 2003.
Explica Homerin (2017) que o uso da pena de privação de liberdade como primeira e principal resposta de enfrentamento ao crime demonstra que a política criminal e de segurança pública brasileira opta pelo direito penal enquanto instrumento de resolução de conflitos sociais, ao passo que a sociedade inculca no imaginário que um sistema de justiça penal eficiente é aquele punitivo, que não foca na prevenção, mas sim na repressão.↩︎
De acordo com os dados do Sistema de Informações do Departamento Penitenciário Nacional (SISDEPEN), com base no período de janeiro a junho de 2020 e 2021, o número de pessoas presas e monitoradas chegou a 820.689, para 634.469 vagas, o que representa um déficit de 186.220 (FBSP, 2022, p. 381-386)↩︎
Ao passo que, na verdade, uma boa política criminal deveria estar pautada não numa política de governo, permeada de disputas eleitorais e partidárias (SPANIOL; MORAES JÚNIOR; RODRIGUES, 2020), e sim numa política de Estado, preferencialmente integrando os diversos entes federados, seus órgãos do sistema de justiça e a sociedade civil (HOMERIN, 2017).↩︎
A literatura é farta quanto a questões como a persistência de noções punitivistas no aparato de justiça brasileiro e o encarceramento em massa no país. À guisa de exemplo, em comentário feito sobre a situação prisional do Brasil na década de 1990, Wacquant (1999) reconhece a drástica situação das prisões pátrias, que, segundo ele, reúne sobretudo pessoas pobres – o que é um indicativo de desigualdades socioeconômicas, que ecoam no problema criminógeno –, paralelamente ao recorrente discurso neoliberal de redução de investimentos nesse setor, o que acaba produzindo uma espiral de violência, insegurança e desigualdade social, que impede o rompimento desse ciclo vicioso de aprisionamento e ausência de oportunidades e condições materiais de ressocialização, ou mesmo de alternativas penais menos gravosas.↩︎
Esse argumento recorda, em parte, a lição de Foucault (1999) – acompanhado, noutro sentido, da relação entre o corpo e a vigilância, por Campello (2019) – acerca da relação que os rituais penais mantiveram, no período medieval, com o corpo do condenado, de uma forma ou de outra. Assim, se, há alguns séculos, o infrator expunha seu corpo marcado para demonstrar a essencialidade da pena e proclamar a própria condenação, na atualidade, seguindo a linha de pensamento de Delmanto Júnior, a exibição da tornozeleira eletrônica faz parte do espetáculo da exibição da condenação pelo próprio delinquente, substituindo a pena corporal de outrora e seu aspecto simbólico. Contudo, há que se ressaltar que a argumentação de Foucault se refere a uma ação da justiça criminal de séculos atrás para mostrar aos demais indivíduos que o crime não compensa, pois a infâmia também faz parte da pena, o que não se observa, nesses moldes, na questão do monitoramento eletrônico, que é uma medida excepcional e que, por vigiar o condenado, não lhe priva da liberdade integralmente como a prisão, por exemplo. Assim, não obstante a tornozeleira eletrônica possa ser considerada vexatória, ela é um verdadeiro instrumento de desprisionalização, tendo, portanto, mais argumentos positivos que negativos, ao menos sob esse prisma da liberdade parcial vigiada.↩︎
Segundo os dados do Modelo de Gestão para a Política de Monitoração Eletrônica de Pessoas, de 2017, “o custo médio mensal por pessoa monitorada, segundo os dados coletados, varia de R$ 167,00 a R$ 660,00 nas Unidades Federativas que têm a política implementada. A média do custo é R$ 301,25 e a mediana R$ 240,95. Ressalta-se que esse custo se refere apenas ao serviço prestado pela empresa contratada, demais custos essenciais à monitoração não estão aqui analisados” (PIMENTA, 2017, p. 57). Quanto às pessoas monitoradas, considerando os dados do SISDEPEN, entre janeiro e junho de 2020 e 2021, o número de monitorados é de pouco mais de 73 mil(FBSP, 2022, p. 402)↩︎
Decreto Nº 49-2016, Ley de Implementación del Control Telemático en el Proceso Penal, art. 7: “El dispositivo de control telemático será financiado por el sindicado, sancionado o condenado, salvo criterio del juez competente, previo estudio socioeconómico del sujeto” (REPÚBLICA DA GUATEMALA, 2016, p. 2). Em tradução nossa: “O dispositivo de controle telemático será financiado pelo indiciado, condenado ou preso, salvo se, a critério do juízo competente, houver um prévio estudo socioeconômico do sujeito”.↩︎
Decreto legislativo Nº 1322/2017, art. 9-e: “La resolución judicial que dispone la vigilancia electrónica personal debe consignar expresamente, sin perjuicio de las reglas de conducta que la legislación nacional establece, lassiguientes reglas para su eficaz ejecución, bajo responsabilidad funcional: [...] e) El cumplimiento oportuno del costo por el uso del dispositivo electrónico, de ser el caso” (REPÚBLICA DO PERU, 2017, p. 5). Em tradução nossa: “A decisão judicial que prevê a vigilância eletrônica pessoal deve consignar expressamente, sem prejuízo das regras de conduta estabelecidas pela legislação nacional, as seguintes regras para a sua execução efectiva, sob responsabilidade funcional: [...] e) Cumprimento adequado do custo para o uso do dispositivo eletrônico, se for o caso”.↩︎
Reglamento para la habilitación de la empresa prestadora del servicio de monitoreo electrónico mediante colocación de localizadores electrónicos, art. 6, II: “El importe requerido por la colocación de localizador electrónico deberá ser soportado por el imputado sujeto a esta medida, en el marco del proceso penal. No obstante, el Consejo Superior del Ministerio Público podría considerar la aceptación de donaciones o aportes por parte del Estado, asociaciones sin fines de lucro o otras entidades que decidan aportar fondos generales para ser destinados a estos fines en favor de personas de escasos recursos” (REPÚBLICA DOMINICANA, 2019, p. 5). Em tradução nossa: “O valor necessário para a imposição do localizador eletrônico deve ser suportado pelo arguido sujeito a esta medida, no âmbito do processo penal. No entanto, o Conselho Superior do Ministério Público poderá considerar a aceitação de doações ou financiamentos por parte do Estado, associações sem fins lucrativos ou outras entidades que decidam contribuir com fundos gerais a serem utilizados para esses fins a favor de pessoas com recursos escassos”.↩︎
Nesse sentido, competindo aos Estados-membros brasileiros uma parte significativa do enfrentamento à criminalidade, o que lhes gera despesas indesejadas e até mesmo endividamento (SPANIOL; MORAES JÚNIOR; RODRIGUES, 2020), tais entes legislam de forma contrária à causa do sistema penitenciário, instituindo leis à margem da Constituição, a exemplo das que tentam cobrar do monitorado o custeamento do próprio equipamento de vigilância eletrônica, transferindo o ônus dos Estados-membros para o próprio vigiado.↩︎
No caso de Tocantins, não houve lei ou projeto de lei, até a conclusão deste artigo, versando sobre a imposição do encargo de custear as despesas decorrentes do uso do equipamento de monitoração eletrônica. O que há é a Instrução Normativa Nº 1/2019, da Corregedoria-Geral de Justiça estadual, ato infralegal que, em seu art. 9º, dispõe a subsidiariedade da compra do equipamento pela pessoa monitorada, no caso de o estado não dispor de quantitativo suficiente de equipamentos (TOCANTINS, 2019), o que difere, portanto, dos demais estados, que instituíram ou tentaram instituir o referido encargo pela via legislativa.↩︎
Nesse sentido, a Exposição de Motivos Nº 213/1983 rechaça que a Lei de Execução Penal faça parte do Direito Penitenciário, nos seguintes termos: “8. O tema relativo à instituição de lei específica para regular a execução penal vincula-se à autonomia científica da disciplina, que em razão de sua modernidade não possui designação definitiva. [...] 9. Em nosso entendimento pode-se denominar esse ramo Direito de Execução Penal, para abrangência do conjunto das normas jurídicas relativas à execução das penas e das medidas de segurança [...] 184. Atualmente o chamado Direito Penitenciário em nosso País é reduzido a meras proclamações otimistas oriundas de princípios gerais e regras de proteção dos condenados ou internados. As normas gerais do regime penitenciário, caracterizadas na Lei nº 3.274/57, não são verdadeiras normas jurídicas: materialmente, porque ineficazes nos casos concretos e, assim, inaplicáveis; formalmente, porque não contêm o elemento de coercibilidade, consistente na sanção para o descumprimento do comando emergente da norma. O referido diploma é sistematicamente ignorado, e ao longo de sua existência – mais de vinte anos – não ensejou o desenvolvimento da doutrina nem sensibilizou juízes, tribunais e a própria administração pública” (BRASIL, 1983, s.p.).↩︎
Nesse sentido, para Miotto (1970), a expressão “penitenciário” deriva de pena, no sentido empregado, anteriormente, pelo direito canônico, ainda que o seu uso mais habitual esteja associado ao local em que é e executada a pena privativa de liberdade, o que, para ela, não é argumento para restringir o horizonte do direito penitenciário às regras administrativas referentes à gestão prisional e carcerária.↩︎
“Art. 2º A jurisdição penal dos Juízes ou Tribunais da Justiça ordinária, em todo o Território Nacional, será exercida, no processo de execução, na conformidade desta Lei e do Código de Processo Penal.” (BRASIL, 1984).↩︎
Por outro lado, cumpre ressaltar que alguns estados, como Acre, Amapá, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Paraná, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Sergipe, dispuseram em seus projetos e leis a possibilidade de não cobrança ou concessão gratuita do equipamento de monitoramento eletrônico nos casos em que a pessoa monitorada for comprovadamente hipossuficiente, beneficiária de assistência judiciária ou de programas sociais de distribuição de renda, impedindo, assim, que esse público-alvo passe a integrar os índices de miserabilidade socioeconômica em decorrência do custeamento da tornozeleira. Contudo, essa intenção não elide os vícios de inconstitucionalidade formal das normas estaduais que versam sobre a cobrança pela tornozeleira eletrônica ao próprio monitorado, bem como a concessão gratuita da tornozeleira eletrônica é uma atribuição do Estado enquanto ordenador de conflitos sociais e responsável pela mais adequada execução da pena em observância aos direitos das pessoas privadas de liberdade e a uma política criminal que se pretenda ressocializadora.↩︎
Shecaira (2014, p. 76) recorda, inclusive, que a primeira lei penal conhecida – o Código de Hamurabi – “dispunha que pobres e ricos fossem julgados de modos distintos, correspondendo aos últimos a maior severidade, em razão de maiores oportunidades que tiveram de aceder a melhores bens materiais e culturais”. De alguma maneira, o inverso se sucede na atualidade, ao menos no sentido de que o direito penal, quando pune os pobres que delinquem, pode, mesmo sem intenção, acentuar desigualdades sociais em virtude do acréscimo da pecha de criminoso a alguém que já é vulnerável socialmente (BARATTA, 2002, p. 164-166; DA SILVA, 2008, p. 32-35). Daí, também, uma diferença entre política penal e política criminal, visto que à primeira compete a punição prescrita pelas leis formais, ao passo que a segunda visa enfrentar o problema criminógeno para evitar sua reincidência, para o que concorrem os conhecimentos obtidos pela ciência criminológica, a fim de compreender as peculiaridades da criminalidade cometida pelos menos favorecidos (BARATTA, 2002, p. 201; DA SILVA, 2008, p. 160-161; MOLINA; GOMES, 2008, p. 67-69; 162; SHECAIRA, 2014, p. 44-48).↩︎
Segundo Homerin (2017), boa parte das justificativas apresentadas em leis e projetos de leis voltados à questão da segurança pública focam apenas na repressão, e não na prevenção, e, além disso, não se embasam em diagnósticos científicos, estatísticos, socioantropológicos ou em parâmetros de efetividade, sendo, portanto, mais um fruto do casuísmo que uma verdadeira preocupação com as atuais condições do sistema penitenciário brasileiro.↩︎