DESORGANIZAÇÃO SOCIAL E CRIMINALIDADE VIOLENTA: UM ESTUDO EM PALMAS, TOCANTINS

Leonardo de Andrade Carneiro

Doutorado em andamento em Desenvolvimento Regional (UFT), Mestre em Modelagem Computacional de Sistemas (UFT). Graduado em administração. Especialista em Gestão Pública e Docência profissional e Tecnológica. Atualmente pesquisa sobre Espaço social da Criminalidade e Criminalidade Violenta e suas implicações para o Desenvolvimento Regional. Associado ao Instituto Brasileiro de Segurança Pública (IBSP).

País: Brasil Estado: Tocantins Cidade: Palmas

Email: leonardo.andrade@uft.edu.br ORCID: https://orcid.org/0000-0003-2388-7516

Waldecy Rodrigues

Graduado em Economia (PUC GO). Mestre em Economia (UnB). Doutor em Sociologia (UnB). Professor do Programa de Pós Graduação em Desenvolvimento Regional (UFT).

País: Brasil Estado: Tocantins Cidade: Palmas

Email: waldecy@uft.edu.br ORCID: https://orcid.org/0000-0002-5584-6586

Orimar Souza Santana Sobrinho

Licenciado e Bacharel em Geografia com ênfase em Geoprocessamento. Mestre em Geografia - Tratamento da Informação Espacial e Doutorando em Geografia-UnB.

País: Brasil Estado: Tocantins Cidade: Palmas

Email:orimar_santana@yahoo.com.br ORCID: https://orcid.org/0000-0002-8378-1898

David Nadler Prata

Doutorado em Ciência da Computação pela Universidade Federal de Campina Grande, Brasil (2008). Professor Associado da Universidade Federal do Tocantins, Brasil.

País: Brasil Estado: Tocantins Cidade: Palmas

Email: ddnprata@uft.edu.br ORCID: https://orcid.org/0000-0002-1414-4000

Airton Cardoso Cançado

Doutor em Administração (Lavras), pós-doutorado na EBAPE/FGV e HEC Montréal (Canadá), Coordenador do Mestrado Profissional em Gestão de Políticas Públicas (UFT), Professor Permanente do Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Regional (UFT) e do Curso de Administração (UFT).

País: Brasil Estado: Tocantins Cidade: Palmas

Email: airtoncardoso@uft.edu.br ORCID: https://orcid.org/0000-0003-4698-1804

Contribuições dos autores:

Todos participaram da análise de dados e texto. Leonardo de Andrade Carneiro: autor principal da pesquisa, responsável por conceber o tema, estabelecer os objetivos, revisar a literatura e conduzir as discussões dos resultados. Waldecy Rodrigues: orientador da pesquisa, responsável por fornecer orientações e correções no texto final do trabalho. Orimar Souza Santana Sobrinho: responsável pela criação dos mapas cartográficos utilizados no estudo. David Nadler Prata: encarregado das análises estatísticas, utilizando sua expertise para interpretar os dados coletados. Airton Cardoso Cançado: coorientador da pesquisa, responsável pela redação do texto, bem como pela correção ortográfica.

RESUMO

Este trabalho tem como objetivo analisar a criminalidade violenta em Palmas, capital do Tocantins. Parte-se do escopo da “Teoria da Desorganização Social” para refletir sobre as relações entre o crescimento urbano e a concentração da criminalidade violenta no espaço urbano dessa cidade. Metodologicamente, este subsídio teórico e conceitual orientou o levantamento de dados secundários, com prioridade para as bases de dados e bases cartográficas digitais disponibilizadas pelo IBGE, pelo Sistema Integrado de Operações da Polícia Militar do Tocantins e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Utilizou-se técnicas estatísticas e a construção de banco de dados para elaboração dos documentos cartográficos para analisar as relações entre criminalidade violenta e indicadores socioeconômicos e atributos urbanos. Neste sentido, o estudo evidenciou que as variáveis renda, alfabetização, raça, serviços urbanos básicos, em especial a presença da iluminação pública, são fatores contributivos para a concentração dos crimes violentos em determinadas regiões de Palmas. Particularmente, os crimes de roubo estão relacionados com segregação espacial e com os vazios urbanos existentes. Nesta perspectiva, a criminalidade violenta em Palmas é determinada principalmente por ausência de políticas públicas, de renda e de controle social formal.

Palavras-chave: Desorganização social. Criminalidade violenta. Espaços urbanos.

ABSTRACT

SOCIAL DISORGANIZATION AND VIOLENT CRIMINALITY: A STUDY IN PALMAS, TOCANTINS

This paper aims to analyze aspects of violent crime in Palmas, capital of the state of Tocantins. It starts from the scope of the “Social Disorganization Theory” to reflect on the relations between urban growth and the concentration of violent criminality in the urban space of this city. This theoretical and conceptual subsidy guided the survey of secondary data, prioritizing the databases and digital cartographic bases made available by the IBGE, the Integrated System of Operations of the Military Police of Tocantins, and the Brazilian Public Security Forum. Statistical techniques and database construction were used for the elaboration of cartographic documents to analyze the relations between violent criminality and socioeconomic indicators and urban attributes. In this sense, the study showed that the variables income, literacy, race, basic urban services, especially the presence of public lighting, are contributory factors to the concentration of violent crimes in Palmas. Particularly, the crime of robbery is related to spatial segregation and the existing urban voids. From this perspective, violent crime in Palmas is determined mainly by the absence of public policies, of income and formal social control.

Keywords: Social disorganization. Violent criminality. Urban spaces.

Data de Recebimento: 08/06/2021 – Data de Aprovação: 25/01/2022

DOI: 10.31060/rbsp.2023.v17.n2.1546

Introdução

A Organização das Nações Unidas (ONU) acertadamente compreende que a dimensão segurança é fundamental para avançar em direção ao processo de desenvolvimento sustentável. Reduzir significativamente todas as formas de violência e as taxas de mortalidade é meta prioritária na Agenda 2030 (ONU, 2015). Fato é que o crime violento e a criminalidade têm se tornando temas relevantes na última década, tendo em vista o aumento sistemático do índice de crimes e mortalidade (AQUINO; GULLO, 1998; LIMA; MISSE; MIRANDA, 2000; ADORNO, 2002; CERQUEIRA; LOBÃO, 2004; OLIVEIRA, 2003). Os dados e a realidade acabam por incentivar investigações sobre estratégias que reduzam as ações delituosas.

Foi a partir da observação dos fenômenos sociais que surgiu a Escola de Criminologia de Chicago, no seio da Universidade de Chicago (Estados Unidos), no início do século passado. Até então, o crime era estudado pelas lentes da análise da personalidade do criminoso em si. A escola explorou a relação entre organização do espaço urbano e maior ou menor probabilidade de criminalidade. Por isso focou seus estudos nas áreas de maior delinquência, como guetos, favelas e bairros mais pobres, onde se supõe que exista uma degeneração física e moral das pessoas. Essa área de pesquisa chama-se, entre outras denominações, criminologia ambiental.

A criminalidade como fenômeno social é o enfoque deste estudo, pois se considera que a criminalidade violenta é modificada e modifica os padrões socialmente aceitos e parte de problemas existentes no cerne da sociedade. Durkheim (2004, p. 60-95) nos ensina que “os fenômenos sociais são fatos e devem ser tratadas como tal”. Lembra ainda que o “crime não se observa apenas na maior parte das sociedades desta ou daquela espécie, mas em todas as sociedades de todos os tipos”.

A criminalidade é um fato e está relacionada também com as características do meio no qual o indivíduo está inserido. A evolução em determinado tempo e espaço da taxa de homicídios é um exemplo de um fator geográfico que predispõe à ação criminosa. A desorganização social, segundo Wortley et al. (2008), é uma realidade que anuncia a violência e o crime. Silva (2012) destaca a importância de se compreender a violência através dos níveis de desenvolvimento alcançados nos espaços regional e urbano.

O tipo de infraestrutura e o crescimento populacional desorganizado são temas para serem levados em consideração no estudo da criminalidade. Sob a ótica individual, Pino (2007, p. 774) entende que a “violência lembra desorganização: ‘desordem moral’ e ‘desordem social’, as quais têm em comum o fato de fazerem do indivíduo a origem e causa dessas desordens”. Os mesmos autores, quando se referem aos fatores sociais, afirmam que a violência tende a se concentrar em áreas mais populosas, onde a marginalização espacial e social e a ausência das instituições públicas pactuam para a desorganização social, que pode se manifestar em mais violência e criminalidade (PINO, 2007. Presume-se também que o crime ocorra mais em locais com incapacidade de sustentar valores comuns e com estrutura comunitária deficitária que não consegue manter controles sociais eficazes.

Cerqueira, Lobão e Carvalho (2005, p. 1), quando tratam da violência letal no Brasil, relacionam o aumento dela às transformações demográficas e sociais e ao insucesso das ações do sistema de justiça criminal. Os autores apontam ainda que certas condições fortaleceram o avanço do “crime desorganizado e organizado: espaços urbanos complexos, cultura do consumo de drogas e bebidas alcoólicas, arma de fogo e perspectiva de impunidade devido à ineficácia do sistema de justiça criminal”.

Neste sentido, os crimes violentos letais intencionais (CVLI) têm sido tratados por especialistas como o mal do século, atos que vêm produzindo medo e insegurança nas sociedades. Segundo Wickes e Hipp (2018), os CVLI são crimes de homicídio doloso, homicídio culposo, agressões (exceto sexuais) e roubo.

A partir desses parâmetros, este artigo analisa a criminalidade violenta e a desorganização social na cidade de Palmas, capital do Tocantins. Pode-se destacar que o estudo sobre a relação entre desorganização social e tipos de interações nas comunidades, o trabalho da polícia e a atuação dos poderes constituídos é importante para o entendimento e o enfrentamento da criminalidade nos centros urbanos, pois permite uma percepção das causas da violência e de quais modelos podem contribuir para a redução dos crimes.

A questão central é: Quais as contribuições e qual a importância do planejamento urbano para redução desse problema (criminalidade), que pode estar correlacionado com a desorganização social e as desvantagens concentradas em certas regiões do município? É de suma importância o entendimento da integração da sociedade civil, da polícia, do sistema de justiça e dos municípios para enfrentar e resolver os distúrbios da criminalidade urbana.

Este artigo, além desta introdução, tem a seguinte estrutura: primeiro, versa sobre a metodologia utilizada, onde se destaca a base teórica sobre criminalidade violenta e desorganização social que sustentou os procedimentos empíricos apresentados em seguida; depois, apresenta os resultados e as discussões sobre a pesquisa realizada no município de Palmas/TO, para verificar a existência de indícios espaciais e estatísticos da relação com a criminalidade violenta e os aspectos sociais no seu espaço urbano; e, por fim, apresenta as conclusões do estudo.

Material e Métodos

O problema que este artigo pretende investigar é se existe relação entre os indicadores de desigualdade socioeconômica e de acesso a serviços urbanos e os níveis de criminalidade nos espaços urbanos, tendo como estudo de caso a cidade de Palmas, capital do estado do Tocantins. Para tal fim, primeiro é feita uma sintética exposição dos elementos teóricos da desorganização social e suas relações com a criminalidade violenta. São citados vários estudos internacionais e nacionais que possuem o espaço urbano como elemento analítico central.

Posteriormente, trata-se especificamente das características demográficas e do espaço urbano em Palmas/TO para verificação dos elementos da criminalidade como fato social, dimensionada pelas características sociais e econômicas do espaço urbano. Por fim, são demonstrados os procedimentos metodológicos utilizados para a realização da pesquisa com os dados disponíveis e sua espacialização no espaço urbano de Palmas/TO.

Teoria sobre criminalidade violenta e desorganização social

A criminalidade e suas interfaces se estabeleceram nos grandes centros urbanos a partir de valores e crenças preestabelecidas e desenvolvidas por meio das interações sociais e do controle social. A cidade exibe as características, peculiaridades e índoles dos seres humanos, tornando-se um local adequado para investigações e pesquisas objetivando compreender e entender como as relações sociais se estabelecem (PARK; BURGESS, 1925).

Neste sentido, a cidade é estabelecida não pelas construções, casas e territórios, mas pelas pessoas que se estabelecem e estão habituadas às práticas, aos valores e às crenças constituídas em determinados espaços físicos. Ela é multifacetada e modificável.

Para Park e Burgess (1925), a sociedade moderna e industrializada é marcada pelo desenvolvimento e crescimento dos grandes centros urbanos e pelo acúmulo de capital. Deste modo, a coletividade é determinada pelas necessidades e é delineada conforme sua configuração e a relevância que contém. Porém o inevitável processo de humanização dificulta o controle das características dessas áreas e edificações (PARK; BURGESS, 1925). Park e Burgess (1925) esclarecem que o modo de desenvolvimento urbano de uma cidade é iniciado como desorganizado passando para reorganizado, e quando este crescimento ocorre de maneira rápida, a desorganização social torna-se anormal. Com isso, diversos problemas surgem, como crime e suicídio.

Segundo Park e Burgess (1925), a discriminação social, o isolamento e a divisão de classe nos centros urbanos são estabelecidos por questões econômicas e pela especulação de territórios, que geralmente marginalizam as classes menos favorecidas. Desse modo, quando uma localidade aumenta o quantitativo de habitantes, esses efeitos econômicos acabam restringindo o arranjo populacional. Deste modo, a abordagem geográfica da teoria da desorganização social vai se consolidando pari passu aos novos estudos e testagens que lhe dão sustentação.

Nesse caso, a contribuição da geografia é a substância que amplia e solidifica o conteúdo teórico-conceitual da teoria, por meio de situações e expressões envolvendo o uso de dados geográficos sociodemográficos e socioeconômicos para explicar as condições de vida e outros desdobramentos ocasionados pela concentração da população. A localização e distribuição espacial dos crimes no espaço urbano das cidades e o contemporâneo processo de urbanização são alguns desses temas próprios da geografia.

Wortley et al. (2008) destacam que a teoria da desorganização social surgiu em Chicago (Estados Unidos), através de estudos que utilizaram mapas para investigar as incidências de crimes nos bairros da cidade, onde foi percebido que as taxas de criminalidade estavam concentradas em determinados locais. Sendo que os autores deduziram que o crime provavelmente era uma função da dinâmica do bairro, e não simplesmente uma função dos indivíduos dentro dos bairros. Em suas considerações, afirmam que a desorganização social é um importante precursor de violência e crime juvenil, e que esses processos têm impactos que afetam e facilitam a violência juvenil. Os achados sugerem que pesquisadores devem refletir sobre vínculos, privação econômica e desorganização social ao tentarem demonstrar os fatores causadores da violência juvenil. 

Segundo Breetzke (2010), existe uma vasta literatura criminológica internacional que associa índice de criminalidade com desorganização social. No entanto, essa literatura é testada e difundida em países desenvolvidos. Afirma ainda que, em países em desenvolvimento, em especial no continente africano, poucos estudos são apresentados e validados. Em seus estudos, este autor busca esclarecer e preencher essa lacuna aplicando a teoria da desorganização social e da criminalidade violenta na África do Sul, onde esses crimes estão associados à privação socioeconômica e à mobilidade residencial.

Bruinsma et al. (2013) ressaltam em seu trabalho que a desorganização social é consequência da conjuntura socioeconômica, da alta locomobilidade habitacional e da diferença étnica (imigrantes). Argumentam que essa teoria se tornou fundamental para diversos sociólogos de Chicago que estudavam o crime e os problemas sociais e suas consequências para a qualidade de vida da população, ocasionado principalmente pelo rápido crescimento populacional.

Wickes e Hipp (2018) afirmam que a teoria da desorganização social é uma das teorias mais amplamente testadas na criminologia e que certas condutas criminosas são evidenciadas devido a: a) pobreza no bairro, concentração racial/étnica e instabilidade residencial; b) ausência de vínculos e expectativas compartilhadas; e c) incapacidade ou falta de vontade de exercer controle social informal. Em seu estudo empírico realizado na Austrália, ficou evidenciado que as modificações sociodemográficas nas localidades pesquisadas e nos bairros próximos influenciam o controle social informal da vizinhança.

No entanto, em comparação com os estudos da teoria da desorganização social, os resultados revelam que o controle social informal da vizinhança não diminui o crime ao longo do tempo. Também contrariamente à literatura sobre desorganização social, o que os residentes fizeram em resposta aos problemas não teve efeito sobre os crimes de propriedade ou drogas. Para esses tipos de crime, as ações dos residentes tomadas em resposta aos problemas da vizinhança não se traduziram em menores taxas de criminalidade subsequentes. 

Jones e Pridemore (2019) apresentam a desorganização social como a insuficiência estrutural de uma comunidade em efetivar os princípios do bem comum, fatores que inibem ou produzem controle social informal e eficácia coletiva entre os residentes. No estudo, os autores propõem um novo modelo teórico que contribua no suporte a uma hipótese multinível da lei da concentração do crime, que inclui condições de nível de bairro e de rua. Afirmam que pesquisas criminológicas expõem que as ocorrências estão concentradas em locais de atividades ilícitas e, para explicar essas hipóteses, os autores desenvolveram um modelo teórico multinível de concentração do crime, combinando oportunidade criminal e desorganização social. É um modelo hierárquico que leva em consideração atividades de rotina e desorganização social para entender as conexões entre vizinhança e condições ambientais microespaciais. Os resultados apresentados evidenciam que a vizinhança influencia o crime no nível de rua e fornece forte apoio à integração teórica de atividades rotineiras e desorganização social. O impacto no crime de oportunidades é condicionado pelas características da comunidade. Revela que as características dos bairros têm um efeito independente sobre o crime.

No caso brasileiro, Reis e Beato (2000) em sua pesquisa apontam que a sociedade brasileira possui diversos problemas sociais, como desigualdades de renda, analfabetismo, desemprego e educação de má qualidade. Eles apontam que o desenvolvimento social e econômico pode ser um fator que contribui para o crescimento das taxas de criminalidade, especialmente nos casos de crimes contra o patrimônio, que tendem a ocorrer em regiões mais organizadas.

As regiões mais desprovidas de infraestruturas, serviços básicos e com ausência de controle social (formal e informal) sofrem com os crimes letais, sendo, que a maioria destes crimes estão ligados a facções criminosas, tráfico e uso de drogas. Cardia, Adorno e Poleto (2003) fortalecem esses argumentos, destacando que esses crimes são mais recorrentes em comunidades periféricas, onde as condições socioeconômicas são precárias, sem infraestrutura, com ausência do Estado e geralmente são controladas por grupos criminosos.

Nesta perspectiva, Beato, Assunção, Silva, Marinho, Reis e Almeida (2001) realizaram uma investigação dos crimes letais (homicídio) em Belo Horizonte, Minas Gerais, e apontaram que 10 favelas da cidade se destacam como localidades de maior ameaça de homicídios. Essas conjunturas sociais e econômicas dessas localidades não são suficientes para explicar a concentração desse fenômeno. Os autores argumentam que o controle dessas regiões por grupos criminosos e o comércio de drogas podem ser os precursores da criminalidade violenta. O nível de desenvolvimento das localidades possui correlação positiva com crimes contra o patrimônio (roubo), pois diversos moradores circulam em locais públicos, principalmente à noite, tornando-se os alvos mais prováveis deste tipo de crime (REIS; BEATO, 2000; BEATO FILHO; PEIXOTO; ANDRADE, 2004).

Além disso, Beato e Zilli (2012) evidenciam que o crescimento acelerado das localidades ocasiona diversos problemas, como falta de infraestrutura, serviços de saúde, transporte, iluminação e desigualdade de renda, criando, deste modo, espaços urbanos favoráveis para práticas delituosas. Afirmam ainda que organizações criminosas contribuem para o aumento sistemático da criminalidade violenta.

Nesta perspectiva, Silva (2014) destaca “renda” como uma variável relevante, pois localidades com desvantagens concentradas e baixo status socioeconômico podem ter um crescimento concentrado de criminalidade. Já Oliveira (2005, p. 15-17) afirma que o “aumento na renda dos mais ricos aumenta a criminalidade e um aumento na renda dos mais pobres reduz a criminalidade [...] Quanto maior a desigualdade maior é a criminalidade, e que a [...] desigualdade de renda e a pobreza são fatores que potencializam a criminalidade”.

Tavares et al., (2016), em um estudo sobre a cidade de Betim/MG, destacam que a violência é um desafio para os gestores nas diversas organizações públicas e para a sociedade civil, afirmando ainda que essa ligação no Brasil entre homicídios e vulnerabilidade social se refere principalmente ao tráfico de drogas e armas. Segundo os autores, o homicídio é a personificação da brutalidade do homem, provocando caos social, e está conectado com aspectos de desigualdade, impunidade e corrupção. Destacam que a combinação de delinquência, crescimento desordenado das cidades e desigualdades socioeconômicas são os causadores das mortes no Brasil.

A teoria da desorganização social explica que a violência nos bairros também é definida por questões sociais, desemprego, mudança habitacional, diversidade cultural, racial e de classe social e está relacionada com a fragilidade de controle da comunidade sobre o crime e vínculos sociais pouco estruturados.

Contudo, a teoria da desorganização social recebeu diversas críticas que destacavam que havia ausência de testes e problemas conceituais. As principais críticas ao modelo de Shaw e McKay estão relacionadas a: mudanças disciplinares, estabilidade nas estruturas ecológicas, aferição da desorganização social, do crime, criminalidade e pressupostos normativos da desorganização social (BURSIK; ROBERT, 1988; SAMPSON; GROVES, 1989).

Porém, a partir de 1980, a teoria foi reestruturada, com destaque para Robert, Bursik e Webb (1982); Bursik e Robert (1988); Sampson (1982); e Sampson, Raudenbush e Earls (1997). Para estes autores, a teoria da desorganização social está sendo remodelada e possui papel relevante para investigações relacionadas à resolução de problemas ocasionados pela criminalidade violenta e delinquência nos centros urbanos. Apontam que a dinâmica social, a desorganização social e as desigualdades socioeconômicas são variáveis relevantes para esclarecer a criminalidade violenta nos espaços urbanos.

Procedimentos metodológicos

Diversos pesquisadores analisam as nuances da criminalidade violenta com o objetivo de compreender os catalisadores deste problema que afeta o bem-estar social. A metodologia científica subsidia o pesquisador a investigar eventos e fenômenos visando contribuir com novos saberes. Deste modo, para atingir o escopo proposto neste trabalho, realizou-se o seguinte procedimento que, para Quivy, Van Campenhoudt e Santos (1992, p. 22): “é uma forma de progredir em direção a um objetivo”.

A proposta é evidenciar espacialmente, através dos mapas temáticos construídos do espaço urbano da cidade, e estatisticamente a relação entre a criminalidade e os fatores de natureza social e econômica. O questionamento que se busca responder é: Até que ponto a teoria da desorganização social pode explicar as variáveis investigadas em Palmas/TO? Para esta verificação, foram construídos três conjuntos de variáveis. O primeiro envolve as categorias “crimes violentos letais intencionais (CVLI)”, “roubos”, “roubo per capita” e “CVLI per capita”. O segundo conjunto são as variáveis socioeconômicas dos responsáveis pelos domicílios: “alfabetização”, “raça (branco/preto)” e “renda familiar”. Por fim, o terceiro conjunto de variáveis trata o entorno dos domicílios: “iluminação pública”, “arborização” e “rede de esgoto”. A variável sobre gênero também foi analisada, porém não apresentou correlação estatística significativa.

Posteriormente, os documentos cartográficos foram elaborados a partir das estruturas de bases cartográficas e malhas digitais do Brasil, disponibilizadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Essas bases são compostas por diferentes recortes vetoriais na extensão “shapefile”, com polígonos para Unidades da Federação, Mesorregiões Geográficas, Microrregiões Geográficas, Municípios e no formato de pontos para as sedes de Municípios brasileiros.

Para representar o Plano Diretor de Palmas/TO, foram utilizados “shapefiles” referentes aos setores censitários atualizados até 2019 e disponibilizados pelo IBGE, abrangendo todo o território do município de Palmas. Importa destacar a utilização de uma base cartográfica vetorial do Plano Diretor de Palmas, Palmas Sul e outras áreas de expansão regularizadas ao Norte e ao Sul do referido Plano Diretor.

As fontes de pesquisa foram: o Mapa da Violência (WAISELFISZ, 2010); o Atlas da Violência (IPEA; FBSP, 2019); o Anuário Brasileiro de Segurança Pública; o Censo Demográfico (IBGE); as Malhas Digitais (IBGE) na aba GEOCIÊNCIAS; a Coordenação de Análise Estatística SIOP da Polícia Militar do Estado do Tocantins. A partir dessas informações, foi construído um banco de dados em formato Excel e em seguida adicionado às bases cartográficas digitais por meio de “join”. Após esse processo, foi possível elaborar os cartogramas das variáveis mais adequadas para análises da teoria da desorganização social no Brasil e em Palmas/TO.

No processo de classificação e representação dos dados para elaborar os documentos cartográficos da realidade brasileira, bem como de Palmas, considerou-se a “quebra natural”, por se tratar de classificação padrão onde as classes são baseadas em agrupamentos naturais pertencentes aos dados. Para Ferraz (2019)1, “esse método se utiliza de um algoritmo para minimizar a variação em cada grupo”. Assim, quando a informação for apresentada em um mapa, as cores tenderão a aparecer mais distribuídas ao longo de toda a visualização.

O processo de otimização cartográfica passa por uma interação em que o algoritmo busca uma minimização da variância dentro dos grupos (agrupando os semelhantes), maximizando as diferenças entre os grupos (separando os distintos). Além disso, as fronteiras de delimitação das classes são demarcadas nas descontinuidades da distribuição de dados. Portanto, o método de “quebra natural” para elaboração de mapas temáticos é indicado para ser utilizado em distribuições não normais e não uniformes. Além disso, é recomendável utilizar este procedimento para comparar o número de crimes em vizinhanças através de uma cidade. Os totais de crimes serão agrupados de forma que as vizinhanças com totais de crime semelhantes são simbolizadas com o mesmo tamanho de símbolo.

Após a construção dos mapas temáticos sobre variáveis de criminalidade violenta e variáveis socioeconômicas e urbanas (alfabetização, raça/cor, renda, iluminação pública, arborização e rede de esgoto), foram feitas as análises estatísticas de correlação de Pearson (r) entre as variáveis estudadas com seus respectivos níveis de significância estatística. Foram considerados os seguintes valores-p (probabilidade que mede a evidência contra a hipótese nula): 0,01 a 0,05. O coeficiente “r” pode variar entre -1 e 1, sendo que quanto mais próximo da unidade positiva ou negativa, maiores são os níveis de correlação. Porém, tão ou mais importante do que o valor do “r” é a sua significância estatística, que denota a negação da hipótese estatística nula.

Por intermédio da Matriz de Correlação é possível verificar para o município de Palmas/TO evidências estatísticas das hipóteses preconizadas pela Teoria da Desorganização Social, a saber: Existe relação entre as variáveis de renda, de cor, de atributos urbanos (iluminação pública, arborização e rede de esgoto) com os crimes de roubo e os violentos? Neste sentido, a análise visual dos mapas temáticos é corroborada ou não pelos achados estatísticos, o que torna a análise, a nosso ver, bem mais consistente.

Resultado e discussão

Partindo de uma perspectiva nacional, verifica-se que entre os anos de 2015 e 2019 ocorreram 283.127 mil mortes violentas letais intencionais no Brasil, sendo que no ano de 2019 houve uma variação de mais de 36,53% em comparação ao ano anterior2. Na Figura 1, observa-se que, em números absolutos, Amazonas, Bahia, São Paulo, Rio de Janeiro, Sergipe e Ceará possuem o maior quantitativo de crimes letais intencionais. No entanto, quando se faz em conversão para taxa de mortes violentas para cada 100 mil habitantes, percebe-se que o quadro muda. Conforme pode ser observado, as regiões Norte e Nordeste se destacam como as mais violentas do Brasil. No entanto, duas rebeliões no estado do Pará e uma no estado do Amazonas aumentaram as cifras de mortes. Tocantins e Rondônia apresentaram os menores índices de criminalidade violenta na região Norte. Os estados de Santa Catarina e São Paulo são os menos violentos do Brasil.

Figura 1: CVLI, Brasil. Números Absolutos; Taxa por 100 mil habitantes (2018 – 2019)

  1. Números Absolutos, 2018 – 2019

  1. Taxa por 100 mil habitantes

Fonte: 14º Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Elaborado pelos autores (2021).

A cidade de Palmas/TO, lócus do estudo, foi concebida como um plano de urbanização moderno e planejado, tornando-se capital definitiva do estado do Tocantins a partir de 1º de maio de 1990. Os idealizadores desenvolveram um projeto arquitetônico de organização espacial de maneira que a cidade não crescesse desorganizada e sem infraestrutura adequada para a população. Segundo Brito (2010), a cidade de Palmas não seguiu os princípios dos projetistas. A ideia inicial era que a cidade se desenvolvesse de maneira estruturada, no entanto ocorreu uma ocupação desorganizada, gerando com isso grandes despesas para o município na implementação de infraestrutura apropriada para as novas áreas ocupadas.

Teixeira (2017) afirma que o plano de ocupação urbana moderada deveria ser controlado e ocorrer por módulos, conforme a necessidade e o ritmo do crescimento. A aplicação de recurso na estruturação dos serviços públicos seria conforme o desenvolvimento da cidade. Contudo, o movimento migratório, a especulação imobiliária e as diversas classes sociais que buscavam oportunidade na mais nova capital desencadearam crescimento populacional e ocupação estendida em áreas como a região periférica dos Aurenys, que deveriam ser ocupadas somente mais adiante no tempo (BRITO, 2010; TEIXEIRA, 2017).

Brito (2010) e Teixeira (2017) destacam que a implementação dos serviços públicos na cidade de Palmas ficou de certo modo difícil e cara devido à ocupação dispersa e com áreas de vazios urbanos nas regiões centrais. O preenchimento desproporcional das quadras nas diversas partes da cidade gerou mais despesas para a administração pública. A expansão e a especulação imobiliária forçaram a aquisição de lotes em locais sem infraestrutura e serviços públicos. As políticas adotadas pelos gestores públicos, segundo Teixeira (2017), forçaram o distanciamento da população mais pobre e a ocupação dos espaços urbanos de maneira inadequada.

A Figura 2 mostra o crescimento da população de mais de 565% em trinta anos. Percebe-se que nos dez primeiros anos (1991 e 2000), a capital tocantinense teve o maior aumento populacional, com mais de 460%, evidenciando a necessidade de investimentos, por parte da gestão pública municipal e estadual, em infraestrutura básica, escolas e serviços essenciais para os munícipes.

Destaca-se que a cidade de Palmas/TO, fundada em 1989, teve uma forte chegada de migrantes de todas as partes do país, onde os laços sociais e de vizinhança entre as pessoas foram sendo construídos gradativamente, ou seja, trata-se de um capital social em processo de construção. Neste sentido, as desigualdades locais são ações ocasionadas pelo planejamento excludente, ocasionando diversos problemas nas áreas socioeconômica e urbana, contribuindo deste modo com a criminalidade violenta em comunidades periféricas (CORIOLANO; RODRIGUES; OLIVEIRA, 2013).

Figura 2: Crescimento Populacional de Palmas/TO (1991 – 2020)

Fonte: IBGE: Censo Demográfico 1991, 2000, 2010 e 2020* previsão. Elaborado pelos autores (2021).

Palmas/TO é uma cidade de grandes vazios urbanos e sua população mais pobre fica fora de seu plano diretor. Coriolano, Rodrigues e Oliveira (2013) também destacam que a cidade inicialmente foi planejada para ter uma ocupação ordenada e sequenciada, entretanto aconteceu uma ocupação do espaço desordenada, com uma grande presença de vazios urbanos nas regiões centrais e uma forte ocupação populacional de pessoas de baixa renda nas regiões periféricas. Assim, a ocupação urbana ocorreu de forma esparsa, provocando vazios urbanos, e impulsionou a atividade de especulação imobiliária.

A Figura 3 representa espacialmente a forte presença de vazios urbanos na cidade de Palmas/TO, com todas as consequências de ampliação dos custos de urbanização e de segregação espacial aqui já relatados. Particularmente, esta morfologia urbana também afeta a atividade da segurança pública, uma vez que amplia os custos das atividades de monitoramento e prevenção de atividades delitivas.

Destaca-se que no ano de 2011, a região Sul de Palmas possuía mais de 50% da população da capital. Segundo Coriolano, Rodrigues e Oliveira (2013), os bairros Jardim Aureny III, Aureny IV, Morada do Sol e Sol Nascente possuíam mais de 88% das pessoas com renda de até três salários-mínimos e grande número de habitantes. Neste sentido, são evidenciados, na cidade de Palmas, elementos da teoria da desorganização social, como a insuficiência estrutural, o crescimento desordenado e as desigualdades socioeconômicas; contudo, podemos destacar que diversas cidades brasileiras vivenciam problemas apontados nestas referências.

Figura 3: Quantidade de moradores em domicílios particulares permanentes na cidade de Palmas/TO em 2010

Fonte: IBGE: Censo Demográfico 1991, 2000, 2010 e 2020* previsão. Elaborado pelos autores (2021).

A cidade de Palmas/TO apresentou uma relativa oscilação em sua taxa de homicídios, com alguns picos repentinos, especificamente nos anos de 2009 e 2015. Estes números são explicados por momentos em que a atividade criminosa foi intensificada pela guerra de facções na cidade. Porém, nos últimos anos, de 2015 a 2019, houve uma queda nesta taxa, acompanhando a tendência nacional (Figura 4).

Figura 4: Taxas de Homicídio (por 100 mil hab.) na População do Brasil, no estado do Tocantins e na cidade de Palmas/TO

Fonte: Atlas da violência 2019 (IPEA; FBSP, 2019); Mapa da Violência 2010 (WAISELFISZ, 2010); Coordenação de Análise Estatística PMTO. Elaborado pelos autores (2021).

Figura 5: Distribuição espacial do número de crimes roubos e CVLI

a) Taxa por 100 mil habitantes

b) absolutos no município de Palmas, Tocantins, 2018

Fonte: Coordenação de Análise Estatística PMTO. Elaborado pelos autores (2021).

Pela Figura 5, fica retratado que a região Sul de Palmas teve o maior índice de CVLI entre 2018 e 2020. No entanto, percebe-se que a criminalidade violenta letal ocorreu em diversas quadras da capital e se concentra nas regiões periféricas da cidade. A distribuição espacial aponta que nas regiões Sul e Sudoeste está o maior volume de registros das ocorrências (roubo). Os crimes de roubos na região Sudoeste de Palmas, em hipótese, podem ser explicados pela concentração das duas maiores faculdades privadas da capital nessa região. São locais com ausência de guardiões e oportunidades disponíveis para os criminosos cometerem crimes.

Observando os mapas, verifica-se uma maior frequência das atividades delitivas, tanto em valores absolutos quanto per capita, nas regiões mais periféricas da cidade. Desse modo, pode-se afirmar que as regiões periféricas de Palmas possuem os maiores quantitativos de crimes violentos. Que fatores podem estar correlacionados com esses indicadores? Alguns pesquisadores apontam crescimento econômico, e essa associação pode ser negativa ou positiva (STACY; HO; PENDALL, 2017), condições sociais, políticas, demográficas (GULMA et al., 2019), status socioeconômico e desvantagem concentrada (falta de saneamento básico, pobreza, analfabetismo, desorganização familiar, serviços básicos) (KUBRIN, 2009; ESCOBAR, 2012) e locais propícios para o cometimento de crimes (a oportunidade); ou seja, os criminosos fazem escolhas racionais, por meio da seleção de alvos fáceis, com recompensa alta e pouca dificuldade e ameaça. Segundo Cohen e Felson (1979), o crime ocorre pela junção, no espaço e tempo, dos criminosos, do objeto e da falta de guardião contra o ato delituoso. Afirmam ainda que as atividades e os roteiros de rotina de uma pessoa facilitam as oportunidades criminosas e suas tendências.

Na análise dos crimes de roubo da cidade de Palmas/TO, observa-se que nas regiões com maior predominância destes crimes há também maior prevalência de domicílios com rendimentos mensais per capita de ½ a 1 salário-mínimo, menores níveis de alfabetização, e em regiões sem iluminação pública (Figura 6), com índices respectivos de correlação de 0,298, -0,727 e -0,323, com significância estatística superior a 95% (Figura 7). Como consequência prática, isso demonstra que para combater a criminalidade é importante investir em geração de emprego de qualidade, proteção social e educação, em especial para a população mais pobre, e investir especialmente na iluminação pública na cidade de Palmas/TO.

Na análise dos CVLI, foram verificadas evidências de sua relação com fatores demográficos, econômicos e espaciais. Nos mapas elaborados, observa-se que em regiões com maior predominância destes crimes há um forte indício da presença da questão racial. Na Figura 6, itens “a”, “d”, “e”, observa-se que a população branca da capital se concentra no centro da cidade. Neste aglomerado, a maior parte da população possui renda superior a 10 salários-mínimos, bem como maior quantitativo de pessoas alfabetizadas. Os domicílios chefiados por brancos mantêm uma correlação de -0,317 e de 0,306 por pretos. Também nas regiões com maior presença de domicílios com rendimentos mensais per capita de ½ a 1 salário-mínimo com correlação 0,378 (Figura 7). Ou seja, a ocorrência dos CVLI é frequente nos domicílios considerados pobres que, por sua vez, na maior parte, são chefiados por pessoas da cor preta. Basicamente, as constatações para a agenda de políticas públicas dos CVLI se assemelham aos crimes de roubo, no que tange a questão da renda, porém este aspecto de presença de elementos relacionados à questão de raça (branca/preta) merece um especial destaque.

Portanto, quanto maiores as desigualdades sociais, maiores os indicadores de criminalidade violenta. Em contraste, as quadras com os melhores indicadores sociais (educação, renda e serviços públicos de baixa qualidade) evidenciam uma incidência menor. Estes resultados corroboram em regra com os trabalhos anteriores feitos no Brasil com base na teoria da desorganização social (BEATO; ZILLI, 2012; BEATO et al., 2001; OLIVEIRA, 2005; REIS; BEATO, 2000; BEATO, PEIXOTO; ANDRADE, 2004; SANTOS; OLIVEIRA, 2017; SILVA, 2014; TAVARES et al., 2016; VIANA, 2019).

Figura 6: Distribuição espacial

a) Responsáveis por domicílios em Palmas/TO, cor branca b) Responsáveis por domicílios em Palmas/TO, cor preta

c) Domicílios com rendimentos mensais per capita de ½ a 1 SM em Palmas/TO d) Responsáveis por domicílios alfabetizados em Palmas/TO

e) Domicílios próprios com iluminação pública em Palmas/TO f) Domicílios próprios com arborização em Palmas/TO

Fonte: IBGE, 2010; 2019. PMTO. Elaborado pelos autores (2021).

Figura 7: Matriz de correlação dos crimes violentos em Palmas/TO (2021)

Legendas: * A correlação é significativa no nível 0,05 (2 extremidades); ** A correlação é significativa no nível 0,01 (2 extremidades). Fonte: IBGE, 2010; 2019;. Elaborado pelos autores (2021).

Considerações finais

Há várias hipóteses, por vezes controversas, sobre as causas da criminalidade e as formas de combatê-la. Tradicionalmente, supõe-se que a criminalidade deve ser combatida com a ampliação do aparelho repressivo do Estado, com uma maior rigidez da legislação penal e, por vezes, com aumento da estrutura penitenciária para abrigar um maior número de marginais. Outros apostam na flexibilidade do porte de armas para a população como mecanismo para repressão dos crimes pela própria população. Essa hipótese é frágil e carece de comprovações científicas e analíticas.

Com base na metodologia utilizada (análise cartográfica e estatística), foi verificado que as variáveis renda, alfabetização, raça e serviços básicos (iluminação pública) são fatores que apontam para a causa dos crimes violentos na cidade de Palmas/TO. Logo, o estudo das teorias da criminalidade é de suma importância para a redução ou minimização dos problemas advindos do crescimento desordenado dos centros urbanos e a concentração dos crimes violentos. Neste sentido, gestores públicos e sociedade civil devem desenvolver mecanismos e instrumentos visando diminuir as desigualdades sociais. O crime e a violência urbana são distúrbios que afetam os espaços urbanos e modificam as estruturas sociais. São fatos danosos, um obstáculo ao bem-estar e à qualidade de vida nas comunidades impactadas. Também dificultam o trabalho das instituições públicas.

Para Palmas/TO, os crimes de roubo, particularmente, estão relacionados à segregação espacial, em particular à existência de vazios urbanos e à ausência de serviços públicos, particularmente a iluminação pública. Quanto aos crimes de CVLI, os fatores de segregação espacial e a questão racial estão presentes. Ou seja, regiões com a presença de domicílios chefiados por pretos têm uma maior prevalência destes crimes, que também são domicílios com maior índice de pobreza. Nesta perspectiva, a criminalidade violenta em Palmas é determinada principalmente por ausência de políticas públicas, renda e controle social formais.

A teoria da desorganização social traz uma interpretação da criminalidade como fato social com causas igualmente sociais, onde parte significativa de sua explicação encontra-se em fatores intrínsecos de desigualdade e discriminação social. Assim, as localidades com problemas e mudanças estruturais e segregação espacial são propícias para o crescimento da criminalidade violenta, principalmente crimes contra o patrimônio (roubo).

Esta pesquisa apresentou resultados que demonstram que a raiz da criminalidade violenta está em problemas como status socioeconômico, heterogeneidade, mobilidade residencial, ruptura familiar, urbanização, educação, emprego e ausência do Estado, provocando mudanças estruturais, variáveis que estão relacionadas ao controle social formal e informal, corroborando com a Teoria da Desorganização Social. Bairros que apresentam problemas relacionados a estas variáveis podem ter altas taxas de criminalidade violenta.

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  1. Outras informações sobre classificação de dados podem ser obtidas em diferentes fontes. No nosso caso, destacamos o endereço para consulta disponível em: https://netoferraz.github.io/o-eu-analitico/data%20wrangling/eda/2019/07/29/clf_dados.html. Acesso em: 18 fev. 2021.↩︎

  2. CARNEIRO, L. A.; ROCHA SILVA, M. A. Desafios e perspectivas de políticas públicas na redução de crimes violentos letais intencionais no norte do Brasil. Research, Society and Development, v. 9, n. 11, e61791110178, 2020. O trabalho apresenta um panorama da criminalidade violenta no Brasil, com destaque para a região Norte.↩︎