TREINAMENTO DE CONDUÇÃO VEICULAR POLICIAL: UM ESTUDO DE CASO NA POLÍCIA RODOVIÁRIA FEDERAL

Jaques Jonas Santos Silva  

Graduado em Engenharia de Produção Mecânica (UERJ) e Matemática (UFF). Pós-graduado em Educação Transformadora (PUCRS). Policial Rodoviário Federal, professor do curso de Pós-graduação em Ciências Policiais (UniPRF/IFES), instrutor de Condução Veicular Policial e coordenador do Grupo de Investigação de Acidentes de Trânsito da SPRF-RJ.

País: Brasil Estado: Rio de Janeiro Cidade: Porto Real

Email: jaques.silva@prf.gov.br  ORCID: https://orcid.org/ 0000-0002-7646-6996

Paulo Silva de Oliveira  

Mestrado em andamento em Master of Science in Business Administration, MUST University, Estados Unidos, especialista em: Educação Transformadora - Pontifícia Universidade Católica do Rio grande do Sul, especialista em Inteligência de Segurança Pública, especialista em Neurociência, especialista em Docência no Ensino Superior, atualmente é policial rodoviário federal.

País: Brasil Estado: Rio de Janeiro Cidade: Rio de Janeiro

Email: paullo.silvarepara@gmail.com ORCID: https://orcid.org/0000-0002-6599-5585

Lúcio Araújo Fernandes  

Possui graduação em Matemática pela UERJ. Pós-graduado em Gestão Pública pela UFMS, em Gestão de Tecnologia da Informação pela UFRN e Psicopedagogia Clínica e Institucional pela UNINTER. Possui 15 anos de experiência na área de educação e gestão. Atualmente é policial rodoviário federal e atua na área de ensino e em gestão de tecnologia da informação.

País: Brasil Estado: Rio de Janeiro Cidade: Rio de Janeiro

Email: cap.cvp.rj@gmail.com  ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6827-9392

Contribuições dos autores:

Jaques Jonas Santos Silva trabalhou na concepção do estudo, pesquisa bibliográfica, análise e interpretação dos dados e redação final do artigo. Paulo Silva de Oliveira trabalhou na concepção do evento de capacitação, delineamento pedagógico e revisão de texto. Lúcio Araújo Fernandes trabalhou na concepção da pesquisa, aquisição dos dados e revisão de texto.

RESUMO

Este estudo trata da observação de um caso de aplicação dos princípios de educação inovadora no treinamento de Condução Veicular Policial (CVP), aplicado durante o Ciclo de Atualização Policial da Polícia Rodoviária Federal (PRF), evento de capacitação profissional realizado anualmente por Policiais Rodoviários Federais como forma de aprimoramento e atualização das técnicas necessárias para o exercício de suas funções. Por meio do emprego de técnicas pedagógicas, como a gamificação, buscou-se induzir nos instruendos o estado de flow na prática de exercícios que simulam situações que poderão ser encontradas nas rotinas operacionais diárias, tendo como objetivo o desenvolvimento de práticas de direção segura para a redução dos índices de vitimização policial por acidentes de trânsito. Os resultados observados apontam para um elevado nível de comprometimento dos instruendos e revelam a importância do treinamento de CVP no âmbito da educação corporativa da PRF.

Palavras-chave: Trânsito. Condução. Veículos. Polícia. Capacitação.

ABSTRACT

POLICE VEHICLE DRIVING TRAINING: A CASE STUDY IN THE FEDERAL HIGHWAY POLICE

This study deals with the observation of a case of application of the principles of innovative education in Police Vehicle Driving (PVD) training, applied during the Police Update Cycle of the Federal Highway Police (PRF), a professional training event held annually by police officers as a way to improve and update the techniques necessary for the exercise of their functions. Through the use of pedagogical techniques such as gamification, we sought to induce in the trainees the state of flow in the practice of exercises that simulate situations that may be found in daily operating routines, with the objective of developing safe driving practices for reduction of police victimization rates due to traffic accidents. The observed results point to a high level of commitment of the trainees and reveal the importance of PVD training within the scope of PRF's corporate education.

Keywords: Traffic. Driving. Vehicles. Police. Training.

Data de Recebimento: 22/09/2021 – Data de Aprovação: 10/10/2022

DOI: 10.31060/rbsp.2023.v17.n2.1599

INTRODUÇÃO

A Polícia Rodoviária Federal (PRF), órgão estruturado em carreira conforme previsão no art. 144, inciso II, da Constituição da República Federativa do Brasil, possui um quadro de aproximadamente 10.900 policiais (dados de 2021, obtidos por meio do Sistema de Gestão de Pessoas – SIGEPE)1. Administrativamente, a instituição possui uma sede em Brasília/DF, onde localiza-se a Direção Geral, 27 superintendências (uma em cada Unidade Federativa) e aproximadamente 150 delegacias espalhadas por todo o Brasil, as quais respondem pelas atividades operacionais.

O órgão conta ainda com uma Universidade Corporativa (UniPRF, anteriormente denominada Academia Nacional da Polícia Rodoviária Federal – ANPRF), localizada em Florianópolis/SC, responsável pela formação profissional dos PRFs que ingressam no órgão por meio de concurso público e pela educação corporativa: treinamento e capacitação continuados do efetivo.

No âmbito da educação corporativa, a PRF mantém um calendário anual de capacitações – os Ciclos de Atualização Profissional (CAPs) – as quais são destinadas à atualização, ao aprimoramento e à qualificação do quadro de PRFs e demais servidores. Os CAPs são geridos pela UniPRF e são de participação obrigatória a todos os policiais no exercício de suas funções. Dentre as disciplinas ministradas nos CAPs, encontra-se a Condução Veicular Policial (CVP). A disciplina CVP é responsável por difundir técnicas de condução segura, defensiva e em situações adversas, além de noções básicas de mecânica automotiva e uso de tecnologias embarcadas presentes nas viaturas de dotação do órgão.

A importância da disciplina CVP no currículo dos CAPs justifica-se por dois motivos principais:

  1. o fato de que os PRFs, em suas atividades operacionais ou administrativas, encontram-se quase que constantemente envolvidos com a condução de viaturas, muitas vezes em condições adversas, como nas situações chamadas de “acompanhamento tático”, nas quais ocorre o acompanhamento de outro veículo, geralmente em fuga, com o empenho de velocidades que superam os limites regulamentares das vias e manobras não convencionais, exigindo certo grau de destreza na condução;

  2. em análise das causas de óbitos de PRFs, foi observado um alto percentual de vitimização em decorrência de acidentes de trânsito, seja em serviço ou nos horários de folga: de 2007 a 2021, 26% dos PRFs que vieram a óbito tiveram como causa acidentes de trânsito em serviço, e outros 24% por acidentes de trânsito fora do serviço (MARTINS, 2016, p. 38). Esses dados revelam um contrassenso, considerando-se que uma das principais missões dos PRFs é a de preservar vidas nas rodovias federais.

mais da metade, pra ser mais preciso 50,67% dos policiais vitimizados fatalmente, tiveram suas vidas ceifadas em decorrência de acidentes de trânsito, sendo que em 20 óbitos os policiais estavam de serviço e em outras 18 vitimizações fatais estavam em seu momento de folga. (MARTINS, 2016, p. 38).

Embora a importância da CVP no currículo dos CAPs esteja devidamente justificada, esta disciplina carece de documentação formal quanto aos procedimentos metodológicos adotados, tanto no que se refere aos procedimentos pedagógicos quanto aos procedimentos técnicos específicos, de modo a propiciar uma base de pesquisa para aprimoramento e inovação no ensino de CVP, bem como estabelecer uma base de dados que permita aferir alguma correlação entre o treinamento ministrado nos CAPs e a redução nos índices de vitimização policial, conforme se observará mais adiante na educação corporativa na área de condução policial em outras corporações.

Apesar de existirem procedimentos formais enquanto as regras e os procedimentos em relação à formação e treinamento policial, observa-se que não existem sistemas de informação que possibilitem subsidiar a Administração com dados reais e precisos das atividades executadas. Apesar dos documentos serem produzidos e armazenados no sistema de protocolo eletrônico, este sistema revela-se um meio inadequado para produzir relatórios suficientemente claros e voltados ao processo de melhoramento contínuo das atividades desenvolvidas. (NUNES, 2017, p. 18-19).

Neste contexto, este trabalho tem como objetivos: suprir a carência de estudos formais na área do ensino de CVP, como meio de fomentar a pesquisa e a inovação nesse tema e o aprimoramento da doutrina de condução policial; aplicar técnicas pedagógicas, em especial a gamificação e o estado de flow, para otimizar a absorção das técnicas ministradas nos treinamentos nos CAPs; e apresentar a experiência do CAP de CVP realizado na Superintendência da PRF no Rio de Janeiro em 2021, bem como a percepção dos instruendos em relação à experiência vivenciada no treinamento por meio de uma pesquisa qualitativa, a qual busca compreender o fenômeno de estudo no seu ambiente usual (SAMPIERI; COLLADO; LUCIO, 2006).

Assim, este trabalho faz uso de instrumentos de coleta de dados e realização de análises quantitativas ou não quantitativas, com o intuito de compreender a dinâmica do CAP de CVP de forma mais aprofundada. A classificação deste trabalho pode ser considerada exploratória (quanto ao tipo), posto que os CAPs desenvolvidos pela PRF não são objeto de pesquisas acadêmicas, sendo relevante o conhecimento oriundo de uma investigação sobre esse tema ainda pouco explorado.

REFERENCIAL TEÓRICO

O fator humano no comportamento do motorista policial no trânsito

A Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) definiu, por meio de resolução aprovada em 31 de agosto de 2020, a Segunda Década de Ação pela Segurança no Trânsito, a qual compreende os anos de 2021 a 2030, tendo como meta a redução de pelo menos 50% de lesões e mortes no trânsito em todo o mundo. Conforme a resolução publicada, a grande maioria das mortes e ferimentos graves no trânsito são evitáveis e, não obstante as melhorias implementadas em muitos países, os acidentes de trânsito ainda constituem um grande problema para a saúde pública e o desenvolvimento, tendo amplas consequências sociais e econômicas.

Marin e Queiroz (2000) ressaltam que o Brasil, apesar de participar ativamente dessas ações, ainda é apontado como um dos países detentores dos piores e mais perigosos trânsitos em todo o mundo. Os acidentes de trânsito são considerados um problema de saúde pública devido às suas proporções e à sua influência em variáveis socioeconômicas, podendo representar um custo anual entre 1% e 2% do Produto Interno Bruto (PIB) em países menos desenvolvidos (SÖDERLUND; ZWI, 1995).

Os estudos sobre acidentes de trânsito no Brasil mostram que, dentre os três principais fatores causadores de acidentes (veículo, via e ser humano), este último é o responsável por 90% das ocorrências, seja por erros de conduta ou violações às leis de trânsito (HOFFMANN, 2005). Uma boa parte dos trabalhos que abordam o tema do comportamento humano no trânsito diz respeito à carga de trabalho dos motoristas, aqui entendida não somente como a carga horária dos motoristas profissionais, mas de qualquer indivíduo que, por qualquer razão ou circunstância, venha a assumir a condição de motorista.

Morais (2011) observa que a atividade policial, principalmente no que se refere à condução de viaturas, caracteriza-se como atividade profissional onde a carga de trabalho é uma importante variável a ser observada ao se avaliar os riscos de ocorrência de acidentes de trânsito, acrescidos de outros elementos inerentes à função policial que concorrem com a atenção que o motorista de viaturas deve dispensar ao trânsito ou que exigem deste uma destreza (na condução de veículos) acima da média do condutor comum.

Pereira (2002) acrescenta que, além dos níveis de competências, práticas e atitudes, devem ser incorporados nos procedimentos de determinadas atividades profissionais: a aptidão, a habilidade e a perícia. Dentre essas categorias diferenciadas, pode-se incluir a atividade policial, em especial aquela exercida pelo policial no exercício da função de condutor de viaturas operacionais, trabalho que demanda a integração desses elementos quando da condução em vias públicas para o atendimento de ocorrências, ocasiões em que existe uma premente necessidade da utilização de todos esses elementos para a realização da atividade proposta dentro dos padrões mínimos de segurança. Acrescente-se, ainda, a questão da agressividade na condução de viaturas policiais:

Tanto na situação de patrulhamento quanto no atendimento a ocorrências, o policial condutor de viaturas se expõe a mecanismos que conduzem a graus elevados de agressividade. Essa característica, registre-se, é um componente usual na condução de veículos por qualquer motorista, seja aquele que se desloca em rapidez, seja aquele preso nos engarrafamentos cotidianos nos grandes centros urbanos. (MORAIS, 2011, p. 25).

Rozestraten (1988) enumera as três condições básicas para que se produzam comportamentos seguros no trânsito:

  1. A existência de estímulos ou de situações que possam ser observadas e percebidas, sendo que, quanto mais clara e menos ambígua a situação ou o estímulo, melhor será a resposta sensorial e a adaptação comportamental;

  2. Um organismo em plenas condições de perceber e reagir de forma adequada aos estímulos percebidos. Em outras palavras, um organismo sem insuficiências sensoriais ou motoras que possam causar prejuízo à reação;

  3. Uma prévia aprendizagem dos sinais, das normas e dos procedimentos que devem ser seguidos para que este organismo saiba reagir adequadamente no sistema do trânsito, incluindo situações adversas.

Na PRF, todos os policiais são aptos a conduzir veículos oficiais (caracterizados ou não), desde que, obviamente, não haja qualquer impedimento no prontuário da Carteira Nacional de Habilitação (CNH). É exigência dos editais dos concursos para o cargo de Policial Rodoviário Federal a habilitação, no mínimo, na categoria B da CNH.

A exemplo do que ocorre na formação de condutores de viaturas oficiais no 6º Batalhão de Polícia Militar do Estado do Acre, na PRF “não são adotados critérios legais e operacionais específicos para a condução de veículos oficiais, inquietando saber qual o impacto dessa ausência de pressupostos, tendo em vista a efetividade operacional” (COSTA; MIRANDA, 2020, p. 4). Acrescente-se a isso o fato de que periodicamente novos veículos são adquiridos e incorporados à frota, demandando treinamento dos condutores para a correta utilização das novas tecnologias embarcadas, como forma de maximizar o desempenho e a segurança nos deslocamentos.

De todo o exposto, fica evidente a necessidade de treinamento e capacitação contínua do policial condutor de viaturas para o desenvolvimento e aprimoramento de suas habilidades. É necessário que o policial condutor reconheça seus limites físicos (em relação à carga de trabalho), seus limites de percepção sensorial, exercite o autocontrole em situações de stress, conheça as possibilidades e as limitações do veículo que opera e, principalmente, aprenda e exercite continuamente técnicas de condução operacional que permitam conduzir viaturas, ainda que sob condições adversas de carga de trabalho, stress e situações inerentes à atividade policial que demandem deslocamentos diferenciados, com a máxima segurança que seja possível.

O comportamento do motorista policial no trânsito deve ser, portanto, o escopo da doutrina de condução veicular policial.

Fatores de vitimização policial

Contrariando o senso comum de que os confrontos armados são a causa da maioria das mortes de policiais, verifica-se dentre diversos estudos de vitimização policial que os acidentes de trânsito em serviço são, em muitos casos, a principal causa de vítimas fatais dentre policiais.

Muniz e Soarez (1998) observam que, na Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro, os acidentes de trânsito foram os maiores responsáveis pelas vitimizações de policiais em serviço e em folga, conforme dados tomados entre 1993 e 1996, o que corresponde a 24% do total das vitimizações, seguido dos assaltos, com 18%, e das ações armadas de suspeitos, com 11%.

Em outra observação, Limeira (2019) verificou que, na Brigada Militar do Rio Grande do Sul, no período de 2006 a 2016, os acidentes de trânsito foram a principal causa de morte de policiais militares em serviço, chegando a 41,3% do total de vítimas, um índice que supera em muito o percentual de vítimas policiais em confrontos, os quais chegaram a 30,1% do total de vitimizações no mesmo período. Muniz e Soares (2011), por sua vez, observam que, entre 2005 e 2009, o trânsito e a ação de marginais, seguidas de confrontos armados, foram as maiores causas de vitimização entre policiais militares do Rio de Janeiro, em serviço e em folga.

As causas que fazem com que os acidentes de trânsito ocupem uma posição tão destacada dentre os fatores de vitimização policial são essencialmente de caráter atitudinal, devido a questões relacionadas à carga horária de trabalho ou questões comportamentais.

Muniz e Soares (2011), em pesquisa qualitativa, observam que, dentre um grupo de policiais militares e civis do Rio de Janeiro entrevistados, a maioria reconhece que as escalas de trabalho adotadas (em especial a escala de 24 horas de trabalho com 72 horas de folga) e os plantões são estressantes e impedem a recuperação do policial do ponto de vista emocional e orgânico. Esses fatores são determinantes no que se refere à fragilização da saúde e à segurança no trabalho, favorecendo a vitimização tanto em serviço quanto na folga, especialmente no trânsito.

Já para Martins (2016), em muitos casos, o comportamento das vítimas policiais é fator decisivo no processo de vitimização. Em outras palavras: se as vítimas tivessem se comportado adotando medidas preventivas, como as medidas relacionadas aos acidentes de trânsito, muito provavelmente a vitimização fatal não teria ocorrido.

O autor observa ainda que, até o ano de 2016, mais de 50% das vitimizações fatais de PRFs foram decorrentes de acidentes de trânsito, índice que vêm diminuindo gradativamente a partir de então. Entretanto, grande parte dessa redução é devida aos acidentes fora de serviço, os quais representavam, segundo Martins (2016), 24% das vitimizações fatais de PRFs (dados de 2016), ao passo que, no período de janeiro de 2017 a fevereiro de 2021, as vitimizações fatais de PRFs por acidentes de trânsito fora de serviço corresponderam a pouco mais de 7% (MARTINS, 2021).

Por outro lado, os acidentes de trânsito durante o serviço têm se mantido praticamente constantes ao longo dos anos, com um índice de cerca de 26% do total de mortes de PRFs. Tal índice mostra, de forma inequívoca, a importância do treinamento e da capacitação em CVP de forma continuada, como forma de fomentar a redução desses índices, observando-se que o treinamento de técnicas de condução segura, ministrado em uma capacitação de CVP, pode ter impacto positivo também na redução dos índices de acidentes fora de serviço.

A doutrina de Condução Veicular Policial

A doutrina de Condução Veicular Policial (CVP) deve contemplar: o comportamento do policial no trânsito no exercício de suas funções (fator humano); o emprego de técnicas de condução operacional que privilegiem a condução segura e defensiva, mesmo em situações adversas no atendimento de ocorrências que envolvam stress por parte do condutor e o uso de manobras e procedimentos não convencionais; e o conhecimento de noções básicas de mecânica automotiva, permitindo que o operador (motorista) conheça o equipamento que opera de forma a explorar com a máxima eficácia os recursos que esse oferece, bem como reconhecer suas limitações.

Ao policial condutor não cabe apenas o conhecimento das leis de trânsito e das técnicas básicas de condução de veículos, até porque, constantemente, o policial condutor será exigido, em termos de habilidade e perícia acima da média dos condutores comuns, no desempenho de suas atividades rotineiras.

A doutrina de CVP adotada pela Polícia Militar do Estado de São Paulo – PMESP (uma das instituições de referência no ensino de CVP) em suas ações de treinamento, capacitação e especialização para a condução de viaturas policiais tem como principal objetivo a especialização do policial militar para exercer a função de motorista policial, visando a condução de maneira eficiente, com respeito à legislação vigente, emprego de técnicas de direção defensiva para prevenção de acidentes, e o desenvolvimento de uma cultura de condução segura, minimizando a vitimização policial por meio da redução do risco de acidentes e buscando a conservação do patrimônio público, no caso, as viaturas (PMESP, 2008 apud DORILEO, 2011, p. 58).

A formação do condutor policial militar da PMESP tem como diretrizes: a formação e habilitação dos policiais militares à condição de condutores; a avaliação dos policiais militares condutores de veículos, autorizando-os para a condução de veículos oficiais da PMESP, desde que preenchidos os requisitos exigidos pela instituição; e a especialização dos policiais militares nas técnicas de direção policial preventiva.

Os cursos são realizados continuamente durante todo o ano. A malha curricular dos cursos e estágios de condução policial da PMESP abordam temas como: direção de viatura, legislação de trânsito, direção de emergência, dinâmica do veículo, manutenção de 1º escalão, veículo e suas divisões, pequenas panes, adaptação aos tipos de câmbios e prática de condução de viatura (DORILEO, 2011).

O batalhão de Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar – ROTA-SP, da PMESP, oferece periodicamente aos policiais o curso de Direção Policial, ministrado por instrutores da própria corporação, especializados em várias modalidades de pilotagem. O curso destina-se a todos os policiais de ROTA-SP, os quais são treinados nas técnicas de condução operacional, independente de exercerem ou não a função de motoristas de viaturas operacionais.

O treinamento busca a correção de automatismos incorretos (vícios de condução que comprometem a eficiência e a segurança da direção) e o treinamento de técnicas de condução para o incremento de habilidades. São ministrados ainda princípios de direção defensiva e mecânica veicular.

O currículo visa principalmente a condução segura e eficaz, sobretudo em emergências, com o intuito de evitar acidentes. Os treinamentos são realizados na cidade de São Paulo, na Base Aérea do Campo de Marte (estrutura pertencente à Força Aérea Brasileira – FAB). Para o treinamento, são disponibilizadas as pistas secundárias devido às suas amplas dimensões e vastas áreas de escape. Também é disponibilizada infraestrutura de socorro, em caso de acidentes (JALONETSKY, 2017 apud COSTA; MIRANDA, 2020, p. 12).

O treinamento ocorre em diversas etapas, cada qual idealizada para um tipo de manobra. Os exercícios são conduzidos por um instrutor e abordam, entre outros itens: posicionamento ideal do condutor no veículo, técnicas para condução em curvas, frenagem de emergência com ou sem desvio de obstáculos, arranque, aceleração, uso correto dos sistemas veiculares, posicionamento correto das mãos ao volante, troca de marchas, contorno de obstáculos, estacionamento e manobras evasivas.

Os treinamentos são executados em trajetos limitados por cones, de modo que o policial deve realizar os exercícios da forma mais rápida possível, derrubando o mínimo de cones. Todos os exercícios requerem noções de espaço, controle de aceleração e visão periférica e difusa, sendo situações idealizadas para que o policial possa experimentar, com a maior proximidade possível, situações que irá encontrar no decorrer de suas atividades.

A doutrina de CVP adotada pela PRF tem como premissa o fato de que, para o Policial Rodoviário Federal, a atividade de conduzir um veículo, mais do que uma prática cotidiana, é uma das essências do trabalho de policiamento ostensivo das rodovias. O Policial Rodoviário Federal deve ser visto pelo público como exemplo de condutor e como indutor da política institucional de prevenção de acidentes e redução da violência no trânsito.

Esse nível de excelência, segundo a doutrina de CVP da PRF, é obtido através de duas vertentes: a primeira, relacionada ao aspecto atitudinal, é explorada através da promoção de uma postura crítica que possibilite ao policial a compreensão dos fatores de risco na condução de veículos, tanto em serviço como em atividades privadas; a segunda refere-se aos aspectos técnicos na condução de veículos, como o conhecimento das tecnologias disponíveis para incremento da segurança nos veículos, de forma a utilizá-las corretamente e compreender as potencialidades e limitações do veículo que opera.

Dentre os aspectos técnicos, encontra-se também o emprego de técnicas de condução que possibilitem a direção segura, tanto em deslocamentos administrativos, nos quais a condução é feita em condições normais no que se refere à velocidade de deslocamento e às manobras durante o percurso, quanto em deslocamentos operacionais, os quais são executados em situações que podem evoluir para condições de grande estresse e, eventualmente, exigir deslocamentos em velocidades que excedem as regulamentares e a execução de manobras não convencionais.

Indicativos de aproveitamento das técnicas de condução policial

Dorileo (2011) observa a especialização da tropa da PMESP e o aumento de motoristas autorizados a conduzir viaturas policiais por meio de mecanismos de treinamento de condução veicular policial, adotados por aquela instituição a partir de 2006, aplicando-se a doutrina de técnicas de direção policial preventiva. Assim, infere-se de forma dedutiva uma correlação entre a capacitação para a condução veicular policial e a redução dos acidentes com vítimas e do percentual dos acidentes com vítimas em relação à frota da PMESP, não obstante o crescimento da frota entre 2004 e 2008, conforme mostra a Tabela 1.

Tabela 1: Comparativo dos acidentes com vítimas em relação à frota na PMESP

Ano Frota Total de acidentes com vítimas Percentagem de acidentes em relação à frota
2004 9.958 649 6,50%
2006 13.219 596 4,50%
2008 12.893 495 3,80%

Fonte: Corregedoria Geral da PMESP (DORILEO, 2011, p. 63).

O Gráfico 1 exibe, por meio de uma regressão linear (linha tracejada em azul), um decréscimo tendencial do número de acidentes com vítimas envolvendo viaturas da PMESP entre os anos de 2004 e 2008.

Gráfico 1 - Acidentes com vítimas em viaturas policiais da PMESP[CHART]

Fonte: Produção do autor, com dados de Dorileo (2011).

Apesar das reiteradas solicitações à PMESP para o fornecimento de dados atualizados acerca dos acidentes com vítimas envolvendo viaturas daquela instituição, bem como da sua frota de veículos oficiais, que pudessem corroborar a correlação da queda do número de ocorrências com a capacitação continuada do efetivo em CVP, os dados não foram disponibilizados.

Na PRF, o treinamento em CVP ao público interno geral carece da regularidade apresentada pela PMESP, sendo oferecido até 2020 apenas como disciplina no Curso de Formação Profissional (CFP), do qual participam todos os Policiais Rodoviários Federais que ingressam na instituição através de concurso público, e em cursos internos, tais como o Curso de Operações Temáticas (COTEM), o de Técnicas Policiais de Combate ao Crime (TPCC), entre outros. Na regional do Rio de Janeiro, o treinamento em CVP foi oferecido durante o Ciclo de Atualização Policial (CAP) no ano de 2017, sendo retomado apenas no ano de 2021 (objeto de estudo deste trabalho).

Em âmbito nacional, o treinamento de CVP foi introduzido nos CAPs a partir de 2020, sendo considerado, desde então, juntamente com Armamento, Munição e Tiro (AMT), elemento curricular prioritário.

Diante dessa falta de regularidade do treinamento de CVP, não é possível inferir, ainda que de forma dedutiva, alguma correlação entre a capacitação em condução policial e a redução dos índices de acidentes com vítimas envolvendo viaturas na PRF, tal qual se observa na PMESP. De fato, observando o comparativo dos acidentes com vítimas em relação à frota estimada na PRF entre os anos de 2017 e 2020 (Tabela 2), constata-se uma tendência ao crescimento tanto do número absoluto de acidentes quanto do percentual de acidentes em relação à frota estimada.

Tabela 2: Comparativo dos acidentes com vítimas em relação à frota na PRF

Ano Frota
estimada
Total de acidentes com vítimas Percentagem de acidentes em relação à frota
2017 7.026 50 0,71%
2018 7.996 64 0,80%
2019 8.943 56 0,63%
2020 9.060 105 1,16%

Fonte: Produção do autor, com dados do Sistema de Informações Gerenciais – SIGER/PRF (2021).

O Gráfico 2 exibe, por meio de uma regressão linear (linha tracejada em azul), um acréscimo tendencial do número de acidentes com vítimas envolvendo viaturas da PRF entre os anos de 2017 e 2020.

Gráfico 2: Acidentes com vítimas em viaturas policiais da PRF

Fonte: Produção do autor, com dados do Sistema de Informações Gerenciais SIGER/PRF (2021).

Gamificação e o estado de flow no treinamento de CVP

Segundo Montanaro (2018), a gamificação (uma adaptação de gamification, em inglês) é um conjunto de estratégias organizacionais que visam a transformação de um ambiente real e dos seus objetivos por meio de conceitos e mecanismos característicos de jogos. Com isso, a resolução de problemas ou o desenvolvimento de determinados conteúdos, em grupos ou de forma individualizada, é feito por meio de elementos de engajamento lúdico do público-alvo.

A abordagem do problema ou do conteúdo é feita de modo a destacar aspectos clássicos de jogos, como evolução, competição, habilidades e competências individuais do sujeito, superação de obstáculos, e sensação de recompensa, onde o prazer de se alcançar o objetivo é diretamente proporcional ao esforço dedicado.

Fardo (2013) observa que a gamificação é um fenômeno relativamente recente, derivado da popularização dos jogos eletrônicos, destacando que a técnica não se trata de simplesmente transformar um problema em um jogo:

a gamificação é um fenômeno emergente, que deriva diretamente da popularização e popularidade dos games, e de suas capacidades intrínsecas de motivar a ação, resolver problemas e potencializar aprendizagens nas mais diversas áreas do conhecimento e da vida dos indivíduos. [...] Porém, a gamificação não implica em criar um game que aborde o problema, recriando a situação dentro de um mundo virtual, mas sim em usar as mesmas estratégias, métodos e pensamentos utilizados para resolver aqueles problemas nos mundos virtuais em situações do mundo real. (FARDO, 2013, p. 2).

O processo de gamificação requer especial atenção para o estado de flow, conceito este que descreve uma condição mental na qual há a imersão completa do indivíduo na atividade que está realizando, entrando em um estado de máximo foco que o faz perder o sentido de espaço e tempo (CSIKSZENTMIHALYI, 1990).

É preciso que haja um equilíbrio entre o nível de dificuldade apresentado e as habilidades do indivíduo, de modo que o processo gamificado transite dentro de uma faixa (Figura 1) onde esses dois parâmetros sejam convenientemente dosados, para que a atividade não se torne demasiadamente estressante, a ponto de gerar ansiedade e frustração pelo alto grau de dificuldade em relação às habilidades disponíveis, nem demasiadamente enfadonha, devido à falta de desafio frente a essas habilidades, causando apatia e tédio.

Figura 1: Desafio versus habilidade e a faixa de flow

Diagrama Descrição gerada automaticamente

Fonte: Produção do autor (2021).

Tal equilíbrio é difícil de alcançar e depende sobretudo do conhecimento do público-alvo. Igualmente difícil, entretanto de extrema importância, é conseguir incorporar a curva de aprendizagem ao trabalho desenvolvido pelo aluno, de modo que a dificuldade das tarefas vá aumentando de forma gradativa, acompanhando o aumento das habilidades e do ferramental do aluno dentro do processo, mantendo um nível de desafio compatível com sua evolução (MONTANARO 2018).

Em um treinamento de CVP, existe naturalmente um componente lúdico associado ao ato de dirigir, especialmente quando são executadas manobras e técnicas que não são aplicadas habitualmente numa condução em condições normais, mas que se revelam de grande utilidade em situações comuns no cotidiano policial (condução operacional).

Esse componente lúdico pode e deve ser explorado por meio da gamificação para que o estado de flow seja atingido, potencializando a assimilação dos conceitos e das técnicas ministradas. Assim, os aspectos da gamificação podem ser contemplados por meio de uma organização de atividades e exercícios dispostos de forma crescente no que se refere aos níveis de desafio e estresse.

METODOLOGIA

O ciclo de atualização em Condução Veicular Policial na Superintendência Regional da PRF no Rio de Janeiro

O CAP de CVP, na Superintendência Regional da PRF no estado do Rio de Janeiro, segue as diretrizes preconizadas no plano de disciplina elaborado pela UniPRF, buscando o desenvolvimento de competências que possibilitem aos policiais rodoviários federais uma visão crítica, que torne possível a compreensão dos riscos correlacionados à atividade de condução veicular no exercício das atividades profissionais (e também nas atividades privadas), bem como a habilidade para conduzir os veículos de dotação da PRF, com a correta utilização das tecnologias disponíveis de segurança ativa e passiva.

O referido plano preconiza ainda o aproveitamento do conhecimento empírico adquirido com a experiência no desenvolvimento das atividades policiais aliado ao conhecimento técnico dos elementos de direção defensiva e operacional, com o objetivo de diminuir a vitimização policial no trânsito e tornar os policiais efetivamente exemplos de condutores para os cidadãos.

A instrução se dá com a seguinte distribuição de carga horária: duas horas em sala de aula, com foco atitudinal, objetivando a sensibilização do efetivo para a problemática que a vitimização policial por acidentes de trânsito tem se constituído para a PRF, evidenciando a vitimização dentro e fora das atividades operacionais. Nessas duas horas, são abordados ainda aspectos técnicos da utilização de sistemas de tração 4x4 e câmbio automático, com o intuito de fornecer ao efetivo informações sobre a correta utilização desses sistemas, aumentando a vida útil dos equipamentos e a segurança na condução. São executadas ainda três horas de exercícios práticos relativos aos fundamentos da direção segura e as técnicas de condução operacional, totalizando uma carga horária de cinco horas-aula.

A pertinência desses temas é justificada ao se observar os índices de alunos que: a) não sabem utilizar o sistema de tração 4x4; b) não sabem utilizar o câmbio automático no modo manual; e c) não utilizam o cinto de segurança em deslocamentos com viatura. Em pesquisa realizada pelos autores2 com 550 alunos que participaram do CAP de CVP na Regional do Rio de Janeiro no ano de 2021, 50,4% declararam não saber como utilizar o sistema de tração 4x4 e outros 28,4% declararam não saber como utilizar o câmbio automático no modo manual, revelando que uma boa parcela do público-alvo não sabe como operar corretamente essas tecnologias. A mesma pesquisa aponta que 47,1% declararam não usar o cinto de segurança nos deslocamentos com viatura, a grande maioria por questões de receio de não conseguir se desvencilhar do cinto de segurança numa abordagem de emergência ou em situação de confronto, momentos que exigem o desembarque rápido da viatura, revelando uma falta de criticidade acerca dos riscos associados à não utilização desse dispositivo de segurança (observe-se que este tema é bastante polêmico entre o público-alvo).

Esse recorte representa 63,9% do efetivo policial da Regional do Rio de Janeiro e cerca de 5% do efetivo policial da PRF em âmbito nacional, constituindo uma base de dados bastante significativa.

De posse das diretrizes da disciplina, estabeleceu-se a seguinte lista de objetivos em plano de aula da disciplina de CVP:

Os exercícios práticos foram divididos em duas etapas: uma etapa diagnóstica (aquecimento), constituída de apenas 1 exercício – o “oito”, no qual o instruendo executa um percurso que se assemelha em seu traçado a um 8, e uma etapa constituída de um circuito composto por 4 exercícios em sequência: U-turning (conversão na qual o traçado se assemelha a um U), slalom (percurso em zigue-zague entre cones), curva (realizar uma curva simples empregando técnicas para maximizar o desempenho) e frenagem de emergência (frenagem brusca, visando imobilizar o veículo no menor tempo e espaço possíveis).

Os exercícios do circuito foram dispostos, seguindo uma lógica de gamificação, numa sequência que proporciona ao aluno uma experiência em que os níveis de tensão e exigência de habilidades de condução são dispostos de modo crescente, adequando-se à faixa entre desafio x habilidades, de maneira que propicie ao instruendo o estado de flow.

Buscou-se nessa disposição um apelo lúdico, ao simular uma situação que poderia ser facilmente vivenciada nas atividades cotidianas dos alunos: partindo de um estacionamento às margens de uma rodovia, avista-se um veículo suspeito deslocando-se em sentido contrário, devendo o aluno iniciar o deslocamento com uma conversão em U (U-turning), seguido de acompanhamento tático entre tráfego intenso (slalom), entrada em velocidade em uma curva, e finalizando com uma frenagem de emergência no momento da abordagem do suspeito.

Nessa disposição, o aluno sai de uma situação de stress mínimo (viatura parada), passando por situações de stress crescente, com ganho de velocidade do veículo e exigência progressiva das habilidades de condução operacional, culminando com a situação de stress máximo, onde tem-se a máxima velocidade dentre os exercícios e a necessidade de imobilizar o veículo evitando a colisão com um obstáculo à frente. Segue uma breve descrição de cada um dos exercícios.

Exercícios práticos de condução operacional

Oito

Neste exercício, o condutor deve percorrer um trajeto alternando curvas à direita e à esquerda, num percurso delimitado por cones e que se assemelha a um “oito” (Figura 2).

Figura 2: Disposição dos cones e trajetória do oito

Fonte: Produção do autor (2021).

Este exercício, além de servir como avaliação diagnóstica, serve como aquecimento para o aluno, sendo verificadas habilidades como: noção de espaço, visão projetada (o foco da visão no trajeto a ser percorrido em detrimento de outros elementos do circuito), posicionamento e controle das mãos ao volante, e controle de aceleração.

O circuito é dimensionado com base nas dimensões do veículo utilizado, de forma que essas habilidades sejam exigidas para que o percurso seja feito de forma correta, adestrando o aluno para os exercícios que se seguirão na próxima etapa (circuito).

U-Turning

Este exercício inicia a segunda etapa da parte prática e consiste numa manobra de conversão em “U”, na qual o veículo inverte o sentido da trajetória dentro de um espaço delimitado por cones, simulando o espaço entre os bordos de uma via de mão dupla (Figura 3).

Figura 3: Disposição dos cones e trajetória do U-Turning

Uma imagem contendo Diagrama Descrição gerada automaticamente

Fonte: Produção do autor (2021).

Assim como no exercício anterior (Oito), o objetivo aqui é treinar os conceitos de noção de espaço, visão projetada e posicionamento e controle das mãos ao volante. Dos exercícios do circuito, este é o que menos exige em termos de habilidade; sendo iniciado com o veículo parado, tem-se o nível mínimo de estressamento do aluno.

Slalom

No Slalom, o veículo deve percorrer um trajeto entre os espaços delimitados por cones enfileirados em linha reta, alternando mudanças de direção à direita e à esquerda (Figura 4). Este exercício trabalha os conceitos de noção de espaço, visão projetada, posicionamento das mãos ao volante e controle de aceleração.

Figura 4: Disposição dos cones e trajetória do Slalom

Diagrama Descrição gerada automaticamente com confiança baixa

Fonte: Produção do autor (2021).

O distanciamento entre os cones é dado em função do tipo do veículo utilizado (sedan ou camioneta), de forma que seja exigido algum nível de destreza do aluno para a conclusão do exercício sem que se derrube cones ou que se deixe de passar por algum dos espaços entre eles.

Esse nível de destreza refere-se principalmente ao fato de que os movimentos das mãos devem ser rápidos o suficiente para que o veículo consiga contornar os espaços (o que só é conseguido com o correto posicionamento das mãos ao volante), aliados a uma boa noção de espaço (dimensões do veículo x espaços disponíveis para as manobras), à visão projetada (foco no trajeto, em detrimento de outros elementos do circuito) e ao controle de aceleração (manter a velocidade no nível adequado para a conclusão do exercício), fazendo com que o nível de estresse e habilidades exigidas seja significativamente maior do que o exercício anterior, enquadrando-se na lógica de uma atividade gamificada.

Curva

Neste exercício, os conhecimentos de alguns conceitos básicos de física servem como motivação para entender o comportamento de um veículo ao fazer uma curva. Deve-se entender, primeiramente, as forças que atuam sobre o veículo ao realizar uma trajetória curvilínea. Newton (1999) define em sua primeira lei o conceito de força: é a ação que altera o estado inercial de um corpo, sendo estado inercial aquele no qual o corpo está isolado da ação de forças externas ou quando a resultante das forças que atuam sobre o corpo é nula, podendo do estado inercial resultar o repouso ou o Movimento Retilíneo e Uniforme (MRU).

Pode-se então descrever os estados inerciais da seguinte forma: os corpos tendem a permanecer em repouso ou em movimento retilíneo e uniforme (em linha reta e sem variação de velocidade, isto é, sem aceleração), a menos que uma força altere esses estados. Assim sendo, para que um veículo saia de um estado inercial (repouso ou MRU), ele deve sofrer a ação de uma força, a qual irá causar uma aceleração, podendo essa ser tangencial ou centrípeta.

A velocidade limite em uma curva parte do princípio que a aceleração tangencial faz com que o veículo ganhe velocidade, enquanto a aceleração centrípeta faz com que o veículo altere sua trajetória a cada instante, deixando de ter uma trajetória retilínea. A aceleração centrípeta e a força centrípeta são dadas por Daily, Shigemura e Daily (2006):

$a_{\text{cp}} = \frac{v²}{r}$ (1)

A força centrípeta será então o produto da massa pela aceleração centrípeta:

Força centrípeta: $F_{\text{cp}} = ma_{\text{cp}} = \frac{mv²}{r}$ (2)

Onde:

m = massa, em kg;

r = raio da curva, em m;

v = velocidade, em m/s.

Nesse ponto, deve-se observar que o que mantém o veículo descrevendo a trajetória curvilínea é a força centrípeta, a qual é causada pelo esterçamento do volante em conjunto com o atrito dos pneus com o solo. Perdendo-se o atrito (perda de aderência), não há mais a ação da força centrípeta para promover a variação da trajetória, ou seja, o veículo assumirá uma trajetória retilínea tangente à curvatura no ponto de perda de aderência. Em outras palavras: é a força de atrito que atua como força centrípeta para que o veículo faça a curva. A força de atrito é o produto da força normal (que o veículo exerce sobre o solo) pelo coeficiente de atrito entre os pneus e o pavimento. A força normal, por sua vez, é o produto da massa do veículo pela aceleração da gravidade (força peso) (DAILY; SHIGEMURA; DAILY, 2006):

Força de atrito:Fa = Nμ = mgμ (3)

Onde:

m = massa, em kg;

g = aceleração da gravidade, em m/s²;

m = coeficiente de atrito.

Em condições normais, a força centrífuga iguala-se à força de atrito

Fcp = Fa (4)

Igualando-se as equações 2 e 3, temos:

$\frac{mv²}{r} = mg\mu$

Isolando-se a velocidade, chegamos à equação da velocidade limite em uma curva de raio r (DAILY; SHIGUEMURA; DAILY, 2006):

$v² = \frac{\text{mgμr}}{m} = g\mu r$

v= (5)

Onde:

g = aceleração da gravidade, em m/s²;

μ = coeficiente de atrito;

r = raio da curva, em m.

Na equação da velocidade limite em uma curva, é possível notar que não é possível alterar a aceleração da gravidade nem o coeficiente de atrito. Entretanto, ainda que não seja possível alterar o raio da curva, é possível alterar o raio da trajetória, de modo a torná-lo o maior possível, aumentando assim a velocidade limite na curva e reduzindo o risco da perda de aderência com a consequente perda da trajetória curvilínea pela ausência da força centrípeta (força de atrito).

Na Figura 5, é possível observar que as trajetórias em amarelo (traçado da curva por dentro) e em verde (traçado da curva por fora) têm raios menores que a trajetória em azul: traçado iniciando pela parte externa da curva, tangenciando a curva por dentro e saindo pela parte externa do lado oposto.

Figura 5: Trajetórias em uma curva

Fonte: Produção do autor (2021).

Dessa forma, para se realizar um traçado de curva com a máxima segurança possível, deve-se então seguir os seguintes procedimentos:

Com base nessas técnicas, o exercício de tomada em curva requer um conjunto de habilidades e conhecimentos para que: a velocidade de entrada seja adequada, o ponto de entrada seja tomado corretamente, o tangenciamento da curva seja tal que permita ao veículo executá-la sem a perda de aderência dos pneumáticos com o solo, e a visão projetada mantenha o foco no trajeto, identificando o ponto de saída da curva e possibilitando a retomada da velocidade mantendo a dirigibilidade.

O trajeto do exercício é delimitado por cones, simulando uma curva de baixa velocidade (Figura 6), para que a execução seja feita dentro de padrões mínimos de segurança. As medidas do circuito encontram-se no Anexo I.

O nível de estresse é aumentado à medida em que há um acréscimo da velocidade de execução do exercício em relação ao exercício anterior (slalom), a qual, embora não seja elevada (em torno de 40 a 55 km/h – velocidade limite para o raio de curvatura adotado), é suficiente para que o aluno tenha a sensação de perda de aderência dos pneumáticos ao não executar o exercício de forma correta, mantendo o maior raio de trajetória possível.

O nível crescente de habilidades exigidas em relação aos desafios oferecidos tem o intuito de manter o aluno dentro da faixa que caracteriza o estado de flow. Neste ponto do circuito, o aluno já está em um nível de estresse compatível para a execução do último exercício (frenagem de emergência), emulando as condições que encontraria em uma situação real.

Figura 6: Disposição dos cones e trajetória no exercício de tomada em curva

Gráfico, Gráfico de radar Descrição gerada automaticamente

Fonte: Produção do autor (2021).

Frenagem de Emergência

O último exercício do circuito, seguindo os princípios da gamificação, busca emular a tensão envolvida em uma situação que exija uma frenagem brusca de emergência, sendo, para tal, posicionado logo após o exercício de tomada em curva. Desta forma, a velocidade de saída deste exercício é aproveitada para gerar o nível de estresse adequado para que o aluno execute a frenagem com a intensidade necessária para que o sistema ABS – Anti-lock Braking System, ou sistema de freio antibloqueio, em português – entre em ação.

O exercício consiste em conduzir a viatura por um trajeto que vai de encontro a uma barreira de cones, devendo o aluno evitar a colisão através do acionamento enérgico do pedal de freio até a parada total do veículo. A frenagem é comandada pelo instrutor ao passar por uma área de frenagem delimitada por cones (Figura 7).

Figura 7: Disposição dos cones e trajetória na frenagem de emergência (exemplo com desvio à direita)

Fonte: Produção do autor (2021).

O comando de frenagem pode ser adiantado ou retardado, conforme a percepção do instrutor diante da velocidade de entrada na área de frenagem. Na primeira passagem, a frenagem é feita sem que seja necessária a mudança de direção, para que o aluno sinta o sistema ABS atuando para evitar o travamento das rodas.

O travamento das rodas em veículos não dotados com freios ABS faz com que os pneumáticos entrem em atrito dinâmico com o pavimento, com a consequente perda de dirigibilidade, já que as forças que atuam como força centrípeta, necessárias para a mudança da trajetória, dependem essencialmente do atrito estático dos pneumáticos com o solo.

Ao não permitir o travamento das rodas, mantém-se os pneumáticos em atrito estático, mantendo a dirigibilidade necessária para desviar do obstáculo, mesmo com o pedal de freio sendo energicamente acionado. Assim, nas próximas passagens, o aluno é comandado para adentrar a uma das duas alas posicionadas à esquerda e à direita da barreira de cones (Figura 6), emulando uma situação em que o aluno tenta evitar a colisão com um obstáculo por meio de uma frenagem de emergência com a mudança de trajetória.

Este exercício constitui-se, desta forma, como um importante meio para que o aluno perceba a eficácia de uma tecnologia para incremento da segurança que atualmente está presente em todas as viaturas em utilização pela PRF.

Critérios de avaliação e feedback

Os critérios de avaliação foram planejados tomando-se como base a seguinte escala de pontuação, comum para todos os itens a serem avaliados:

1 – Muito ruim

2 – Ruim

3 – Regular

4 – Bom

5 – Muito bom

Essa escala de pontuação foi aplicada a itens de avaliação pertinentes a cada exercício, sendo a nota do exercício definida como a média das notas de cada quesito observado:

Os itens de avaliação para cada exercício encontram-se representados a seguir, na Tabela 3.

Tabela 3: Itens de avaliação para os exercícios do CAP de CVP

Exercício

Itens a serem avaliados

Oito

  • Posicionamento das mãos

  • Noção de espaço

  • Visão projetada

U-Turning

  • Posicionamento das mãos

  • Noção de espaço

  • Visão projetada

Slalom

  • Posicionamento das mãos

  • Noção de espaço

  • Visão projetada

  • Controle de aceleração

Curva

  • Velocidade

  • Entrada

  • Tangenciamento

  • Saída

  • Visão projetada

Frenagem de emergência,

sem mudança de direção

  • Velocidade

  • Intensidade da frenagem

Frenagem de emergência,

com mudança de direção

  • Velocidade

  • Intensidade da frenagem

  • Desvio da trajetória

Fonte: Produção do autor (2021).

A nota final da capacitação é então definida como sendo a média das notas obtidas nos exercícios, sendo essa nota final enquadrada dentro dos seguintes conceitos:

Um dos elementos característicos do estado de flow é o feedback imediato. As instruções de CVP fornecem naturalmente um feedback imediato ao aluno, uma vez que esse é acompanhado por um instrutor durante todos os exercícios práticos, o qual não apenas o avalia, mas o retroalimenta a todo o momento com informações sobre pontos positivos e negativos de sua execução do exercício.

Busca-se, então, a potencialização desse feedback através da disponibilização ao aluno, por meio do endereço de e-mail informado no momento do registro da presença (feito ao início do treinamento), de um relatório de desempenho (Figura 8), contendo as notas obtidas em cada quesito de cada um dos exercícios.

A intenção é fornecer um registro das observações apontadas pelos instrutores (itens de avaliação), para que o aluno possa refletir sobre os aspectos a serem potencializados e os aspectos a serem melhorados em sua técnica.

Mais que isso, busca-se a disponibilização desse feedback logo após o término da instrução, valendo-se da coleta informatizada das notas com armazenamento em nuvem (por meio de um formulário do Google Forms) e o tratamento dessas com o auxílio de uma planilha eletrônica, com a geração automática dos relatórios e o encaminhamento via e-mail a cada participante do treinamento.

Figura 8: Relatório de desempenho do aluno (exemplo)

Fonte: Produção do autor (2021).

RESULTADOS E DISCUSSÕES

O CAP de CVP na Superintendência da PRF no estado do Rio de Janeiro foi realizado entre 08/03/2021 e 27/08/2021, tendo capacitado 676 PRFs em 41 turmas, alcançando 78,6% do efetivo policial da regional. Participaram, ainda, como convidados, 31 servidores da Guarda Civil Municipal do Rio de Janeiro, 15 servidores da Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro e 6 servidores da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro, totalizando 728 capacitados. Destes, 687 foram avaliados segundo os critérios apresentados anteriormente, em “Critérios de avaliação e feedback”.

Todos os capacitados foram convidados a responder anonimamente a um questionário, com o intuito de obter dados sobre o perfil dos instruendos, bem como de suas percepções acerca dos conteúdos e exercícios ministrados. Das 608 respostas obtidas, pode-se inferir os aspectos que se seguem.

Faixa etária e tempo de serviço

Praticamente, a metade dos participantes do CAP de CVP situa-se na faixa etária entre 40 e 49 anos (49,5%) – Figura 9 – e possuem até 10 anos de tempo de serviço na PRF (51,9%) – Figura 10 –, revelando um significativo grau de maturidade, não obstante o pouco tempo de atividade policial.

Figura 9: Disposição dos instruendos por faixa etária

Fonte: Produção do autor, a partir de dados da pesquisa (2021).

Figura 10: Disposição dos instruendos por tempo de serviço

Fonte: Produção do autor, a partir de dados da pesquisa (2021).

Percepção da importância do treinamento em CVP

Os alunos foram indagados sobre como classificam, em termos de relevância, os temas discutidos e as técnicas ministradas no CAP de CVP: 89,5% deles consideraram o conteúdo como extremamente relevante, revelando aqui o alto grau de comprometimento dos alunos com a instrução ministrada (Figura 11).

Figura 11: Opinião sobre a relevância dos temas e das técnicas do CAP de CVP

Fonte: Produção do autor, a partir de dados da pesquisa (2021).

Os alunos foram indagados, ainda, sobre o grau de importância que dão ao treinamento em CVP para evitar os acidentes de trânsito em serviço e fora dele: 91,1% consideraram o treinamento extremamente importante para evitar os acidentes de trânsito em serviço (Figura 12) e 76% consideraram extremamente importante para evitar os acidentes fora do serviço (Figura 13). Esses números corroboram o grau de comprometimento do aluno com a instrução e, mais ainda, mostram o comprometimento dos alunos em levar as técnicas ministradas para além do ambiente de serviço. Espera-se, desta forma, uma redução dos índices de vitimização policial por acidentes de trânsito, em serviço e fora dele, a médio e longo prazo, uma vez que se tratam de questões de mudança de cultura.

Figura 12: Opinião sobre a importância do treinamento em CVP para redução de acidente em serviço

Fonte: Produção do autor, a partir de dados da pesquisa (2021).

Figura 13: Opinião sobre a importância do treinamento em CVP para redução de acidentes fora de serviço

Fonte: Produção do autor, a partir de dados da pesquisa (2021).

Percepção do nível de dificuldade dos exercícios

Questionados quanto à percepção do nível de dificuldade encontrado nos exercícios, os alunos que consideraram o exercício difícil ou muito difícil totalizam 8,1% para o “oito”, 16,8% para o slalom e 38,2% para a frenagem, evidenciando o aspecto gamificado da sequência de exercícios no que se refere ao nível crescente da exigência de habilidades e estressamento do aluno.

Considerando-se apenas os alunos PRFs, cabe a observação de que o índice dos que ingressaram até 2002 (ano em que a disciplina CVP foi incluída no currículo do curso de formação) e que consideraram os exercícios difíceis ou muito difíceis são, para todos os exercícios, superiores ao índice de alunos que ingressaram de 2002 em diante (Figura 14), corroborando, desta forma, a importância do treinamento de CVP desde a formação do policial.

Figura 14: Percepção do nível de dificuldade dos exercícios – difícil ou muito difícil

Fonte: Produção do autor, a partir de dados da pesquisa (2021).

O aspecto de gamificação, quanto ao nível crescente de desafio dos exercícios, é observado também ao verificar a correlação oposta em relação ao nível de dificuldade apontado pelos alunos que consideraram o exercício fácil ou muito fácil: 34,9% para o “oito”, 23,5% para o slalom e 8,9% para a frenagem, ainda que a correlação oposta, quando se observam separadamente os alunos PRFs que ingressaram até 2002 e de 2002 em diante, seja bem mais sutil (ao menos no que se refere aos exercícios de slalom e frenagem) do que a observada entre os alunos que consideraram os exercícios difíceis ou muito difíceis (Figura 15).

Figura 15: Percepção do nível de dificuldade dos exercícios – fácil ou muito fácil

Fonte: Produção do autor, a partir de dados da pesquisa (2021).

Percepção quanto à mudança de comportamento

As discussões fomentadas no CAP de CVP contribuíram para a mudança de comportamento do instruendo no que se refere ao seu comportamento no trânsito e à conscientização da importância do seu papel para a redução dos índices de vitimização policial. Perguntados sobre em que grau concordam com a premissa de que o CAP de CVP foi importante para a mudança de comportamento no trânsito, 95,7% disseram concordar totalmente ou concordar parcialmente (Figura 16).

Figura 16: Percepção quanto à mudança de comportamento a partir do CAP de CVP

Fonte: Produção do autor, a partir de dados da pesquisa (2021).

Estes dados revelam que, mais do que a competência técnica adquirida com o treinamento das técnicas de condução veicular operacional, houve uma significativa conscientização atitudinal, proporcionada pelos temas levados à discussão com o objetivo de sensibilizar o efetivo sobre os riscos associados à atividade policial, em especial os riscos decorrentes da atuação policial no trânsito.

Tiveram um importante papel para a obtenção destes resultados a apresentação das estatísticas de vitimização policial no trânsito e a apresentação e o estudo de casos de acidentes ocorridos com PRFs em serviço, levando os instruendos a refletirem sobre os riscos a que estão sujeitos em suas rotinas profissionais e os comportamentos que podem conduzir a situações de vitimização no trânsito. A abordagem dos aspectos de mecânica automotiva básica (sistema de tração 4x4, câmbio automático, calibragem de pneus, inspeção veicular preventiva) também se revelou um importante elemento para a mudança atitudinal, considerando-se sua importância para o incremento da segurança no trânsito.

Interesse em capacitação continuada

Indagados sobre o grau em que concordam com a premissa de que possuem interesse na capacitação continuada em CVP, 97,2% dos instruendos disseram concordar totalmente ou concordar parcialmente (Figura 17), revelando que os instruendos reconhecem a importância desse tipo de treinamento para suas atividades profissionais, atribuindo significância aos conhecimentos adquiridos.

Figura 17: Interesse na capacitação continuada em CVP

Fonte: Produção do autor, a partir de dados da pesquisa (2021).

Cabe, neste ponto, observar que a disciplina de CVP só foi incorporada à grade curricular dos CAPs a partir do ano de 2020, sendo então definida como elemento curricular prioritário, corroborando a importância que a administração da PRF atribui à disciplina para a redução dos índices de vitimização policial no trânsito. Manter a regularidade dos treinamentos a partir de então é de fundamental importância para a observação da correlação entre a capacitação em CVP e a redução dos índices de acidentes com Policiais Rodoviários Federais em serviço ou fora dele. O grau de interesse do efetivo na continuidade dessas ações contribui sobremaneira para o atingimento desses objetivos.

Resultados das avaliações

Dos 687 alunos que foram avaliados durante os exercícios práticos, 375 receberam conceito final “acima do esperado” e 140 receberam o conceito “muito acima do esperado”, correspondendo esses dois conceitos a 75% do total de alunos avaliados (Figura 18). Estes resultados apontam para um ótimo aproveitamento por parte dos instruendos das técnicas de condução operacional apresentadas. É importante pontuar que as avaliações foram tomadas sempre ao final dos exercícios, observando-se a evolução do aluno durante o transcorrer desses.

Figura 18: Resultados das avaliações – conceitos finais obtidos

Fonte: Produção do autor, a partir de dados da pesquisa (2021).

O feedback imediato proporcionado pela presença do instrutor embarcado junto com o aluno, durante a execução dos exercícios, propicia um ambiente favorável a essa evolução e contribui para que os conceitos das avaliações se situem na parte superior da escala, além de contribuir para que as experiências dos alunos durante a execução dos exercícios se situem na faixa de flow, no plano que relaciona os desafios apresentados às habilidades requeridas. A conjunção desses fatores pode ser caracterizada, então, como um elemento potencializador para o aproveitamento do conteúdo ministrado, evidenciado pelo alto índice de conceitos “acima do esperado” e “muito acima do esperado” atribuídos ao efetivo capacitado.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A importância dos CAPs no âmbito da educação corporativa da PRF é justificada pela necessidade premente de atualização e treinamento do efetivo no que se refere às doutrinas dos diferentes campos da atividade policial (armamento, munição e tiro, técnicas de abordagem, policiamento e fiscalização, técnicas de defesa policial, condução veicular policial, etc.).

Há de se observar que, em determinadas áreas do campo de atuação policial, existe ainda a necessidade de atualização imposta pela inserção de novas tecnologias, como é o caso de CVP, considerando-se a constante evolução das tecnologias embarcadas nos veículos para incremento da segurança.

Aqui, a importância do treinamento constante não se justifica apenas pela habilitação na operação dessas tecnologias, mas na importância de sua correta utilização e da adoção de técnicas de condução operacional para a redução dos índices de vitimização policial por acidentes de trânsito, índice esse particularmente elevado na PRF, considerando-se que pouco mais de um quarto das vitimizações fatais de Policiais Rodoviários Federais são em decorrência de acidentes de trânsito em serviço, dado em evidente dissonância com a missão institucional do órgão de preservar vidas nas rodovias federais.

Mais do que o caráter técnico da condução veicular, é necessária ainda uma conscientização do policial dos riscos associados ao ato de conduzir viaturas (principalmente em condições adversas) e da imagem de excelência que a sociedade tem desse profissional enquanto condutor.

Neste contexto, o objetivo deste trabalho é apresentar a organização e a fundamentação pedagógica do CAP de CVP, realizado no ano de 2021 na Superintendência da PRF no Rio de Janeiro, além do registro de dados de avaliação e impressões dos instruendos, para futuras avaliações da efetividade das temáticas e técnicas abordadas para a redução da vitimização policial por acidentes de trânsito.

Como objetivo secundário, há a intenção de que esta observação possa servir como referência para futuros planejamentos de ações educativas na área de CVP e de estudos que agreguem conhecimento ao tema, considerando-se a carência de registros formais dessas atividades. Para tal, faz-se necessário um acompanhamento constante dos índices de vitimização policial por acidentes de trânsito a partir da implementação da disciplina CVP como elemento prioritário nos CAPs em âmbito nacional a partir de 2020, buscando alguma correlação com os índices de acidentes com vítimas envolvendo veículos da PRF.

Os resultados do CAP de CVP assim implementado podem ser interpretados por meio das percepções do corpo de instrutores envolvidos nesse evento de capacitação, corroboradas através da pesquisa sobre a percepção dos alunos frente ao treinamento oferecido. Tais percepções apontam para: a) um alto grau de comprometimento dos instruendos com a disciplina; b) conscientização do efetivo sobre a importância da disciplina para a mudança de comportamento no trânsito; c) interesse do efetivo na capacitação continuada em CVP; e d) eficácia das técnicas educacionais adotadas (gamificação e estado de flow) na criação de um ambiente educacional que propicie a dinâmica e a imersão como formas de atrair e focar a atenção dos instruendos.

Nestes termos, é possível inferir, através desta análise, a efetividade das metodologias aplicadas no CAP de CVP na conscientização e no comprometimento do efetivo para temas relacionados à segurança no trânsito, à necessidade da redução da vitimização policial no trânsito e à necessidade da capacitação técnica continuada como elemento indutor dessas condutas.

Em relação aos procedimentos adotados nesta edição do CAP de CVP, pode-se apontar como sugestões para o aprimoramento das próximas edições: incluir elementos de competitividade como forma de intensificar o caráter de gamificação, e avaliar os efeitos do estresse causado pelo ganho de competitividade e sua eficácia para o treinamento das técnicas de condução operacional em condições adversas.

Aqui cabe observar que as mesmas técnicas empregadas no CAP de CVP (bem como as sugestões para as próximas edições) podem ser empregadas em outras disciplinas que envolvam conteúdo relativo a procedimentos operacionais, considerando-se que a aplicação das doutrinas que norteiam a atividade policial nesses procedimentos depende, muitas vezes, da aplicação das técnicas sob condições de estresse elevado, as quais podem ser emuladas por meio dos elementos de gamificação, tais como os aplicados no CAP de CVP.

De todo o exposto, resta comprovada a importância da disciplina CVP para a redução da vitimização policial por acidentes de trânsito e a afirmação do policial rodoviário federal como exemplo de condutor para a sociedade e indutor das políticas para a redução de acidentes. Adiciona-se a essa importância elementos pedagógicos que potencializam o processo educacional em âmbito corporativo para a conscientização do efetivo quanto ao seu papel nesse processo e o aprimoramento das técnicas para uma condução veicular de excelência.

Ressalta-se aqui a importância do acompanhamento sistemático das capacitações em CVP de modo a formar uma base de dados que permita estabelecer uma possível correlação entre a eficácia dos eventos de capacitação nesta disciplina e a redução dos índices de vitimização policial por acidentes de trânsito; talvez esta seja a principal motivação para os estudos nesse campo.

Acrescenta-se, por fim, um caráter de continuidade nessas ações educativas por meio dos CAPs, e espera-se, desta forma, reverter as estatísticas de vitimização policial no trânsito, tornando-as coerentes com a missão institucional da PRF de salvar vidas nas rodovias federais, incluindo-se aqui as vidas dos próprios policiais rodoviários federais.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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  1. Acessado por meio do sistema PRF Analytics, disponível em: https://analytics.prf.gov.br/ (acesso restrito).↩︎

  2. Pesquisa diagnóstica, realizada no início de cada capacitação por meio de um questionário disponibilizado aos alunos através de formulário eletrônico do Google Forms.↩︎