ACCOUNTABILITY E GOVERNO ELETRÔNICO NO CONTEXTO DA COVID-19: O CASO DO SÍTIO DO DEPARTAMENTO PENITENCIÁRIO NACIONAL
Bruno Santos de Oliveira
Mestre em Administração Pública. Especialista em Direito Penal e Processo Penal. Bacharel em Direito. Servidor do Ministério da Justiça e Segurança Pública.
País: Brasil Estado: Distrito Federal Cidade: Brasília
Email: santosdeoliveirab@gmail.com Orcid: https://orcid.org/0000-0003-3900-890
Robson Ferreira Polito
Doutorando em Administração e Mestre em Administração Pública pelo PPGA/UnB. Especialista em Ordem Jurídica e Ministério Público (FESMPDFT) e em Auditoria (FA/UnB). Bacharel em Direito (UniCEUB) e em Ciências Contábeis (UnB). Perito Criminal Federal. Possui experiência em Administração Pública e em Direito Público.
País: Brasil Estado: Distrito Federal Cidade: Brasília
Email: politorobson_polito@yahoo.com.br Orcid: https://orcid.org/0000-0002-9559-4117
Bruno César Gomes da Rocha
Policial Penal Federal do Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN), órgão do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), com ênfase na área de Inteligência Penitenciária, Planejamento Estratégico e Gestão de Riscos. Concluiu Mestrado Profissional em Administração Pública na Universidade de Brasília (UnB) no ano de 2022.
País: Brasil Estado: Distrito Federal Cidade: Brasília
Email: rochar9@gmail.com Orcid: https://orcid.org/0000-0002-2185-6671
Contribuições dos autores: os autores contribuíram substancialmente para a concepção e planejamento do projeto, obtenção de dados, análise e interpretação dos dados.
RESUMO
Em um contexto de emergência de saúde de nível internacional, a questão da interação do accountability, das ferramentas de Tecnologia da Informação e Comunicações (TIC) e da participação social se torna fundamental para a manutenção da estrutura democrática e norte de atuação para o aparato estatal. Neste cenário, o presente artigo busca analisar se a iniciativa de utilização de sítio da internet pelo Departamento Penitenciário Nacional (Depen) se caracteriza como uma ferramenta de Governo Eletrônico e veículo de accountability e transparência, com participação social, no combate à COVID-19 no sistema prisional brasileiro.
Palavras-chave: Accountability. Depen. COVID-19. Governo Eletrônico. Participação social.
ABSTRACT
ACCOUNTABILITY AND ELECTRONIC GOVERNMENT IN THE CONTEXT OF COVID-19: THE CASE OF THE NATIONAL PENITENTIARY DEPARTMENT SITE
In a context of international health emergency, the issue of the interaction of accountability, Information Technology and Communications (ICT) tools and social participation becomes fundamental for the maintenance of the democratic structure and north of action for the state apparatus. In this scenario, this article seeks to analyze whether the initiative to use a website by the National Penitentiary Department (Depen) is characterized as an Electronic Government tool and a vehicle of accountability and transparency, with social participation, in the fight against COVID-19 in the Brazilian prison system.
Keywords: Accountability. Depen. COVID-19. Electronic Government. Social participation.
Data de Recebimento: 18/10/2021 – Data de Aprovação: 15/12/2021
DOI: 10.31060/rbsp.2022.v.16.n3.1613
INTRODUÇÃO
A interação entre participação social e as ferramentas de Tecnologia da Informação e Comunicações (TIC) tornou-se fundamental para a manutenção das estruturas democráticas por meio da transparência e da prestação de contas do Estado à sociedade, pois a dinamização dos processos e o uso da TIC são primordiais em um momento de crise sanitária como a apresentada pela pandemia da COVID-19 (COELHO et al., 2020).
A cada mudança de cenário, a Administração Pública sofre transformações a fim de auxiliar na tarefa de atender, contínua e satisfatoriamente, os anseios dos cidadãos (BRAGA; GOMES, 2016). Neste sentido, o trabalho de enfrentar o desafio das emergências de saúde pública tem reconhecido cada vez mais o papel que a comunicação proativa desempenha para uma gestão eficaz, uma vez que garante a adoção de comportamentos de proteção por parte do público, facilita a vigilância de doenças, reduz a confusão e melhora o uso dos recursos (O’MALLEY et al., 2009).
Contudo, tendo em vista que a Administração Pública é comumente associada à prestação de serviços ineficientes e burocráticos e tem a obrigação de obedecer a preceitos legais e princípios constitucionais como legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência para evitar o desvio de recursos públicos (FURTADO; JACINTO, 2011), o desafio se torna ainda mais complexo.
De acordo com Silva e Pires (2020), em que pesem as dimensões continentais e as desigualdades brasileiras, a internet propicia que estejamos cada vez mais conectados mundialmente. No entanto, para os autores, a mera disponibilidade de dados não é suficiente para o enfrentamento da COVID-19 e o que se percebe no Brasil desde as primeiras infecções por Sars-CoV-2 é uma busca desordenada de informações sobre o vírus e a prevenção contra o contágio. Infelizmente, as informações disponíveis não têm conseguido acalmar a população por ausência de segurança e transparência.
Por oportuno, registre-se a diferença entre transparência e disponibilidade ou acesso à informação, principalmente no contexto público, no qual a transparência envolve a todos, governos e sociedade, interagindo entre si de modo colaborativo. Numa democracia, não se pode falar em enfrentamento adequado à pandemia sem comunicação pública, e esta se faz com transparência pública, um direito dos cidadãos (SILVA; PIRES, 2020).
Nesse contexto, a iniciativa do Governo Eletrônico (e-gov) ganha protagonismo. Furtado e Jacinto (2011) definem Governo Eletrônico como o uso das tecnologias da informação e comunicação que garantam o cumprimento efetivo e eficiente dos princípios que legitimam o Governo constituído para a população, ou seja, é o uso das TICs para o cumprimento real das leis que regem uma nação. O e-gov também pode ser considerado uma inovação na medida que garante acesso instantâneo às informações, impondo o melhoramento de desempenho que resulta em benefícios para a sociedade (DOS-REIS; ISIDRO-FILHO, 2020).
O acesso instantâneo à informação permite à sociedade fiscalizar a aplicação de recursos e o adimplemento das políticas públicas, bem como cobrar de seus representantes as ações realizadas e as ainda necessárias para atendimento de suas demandas, permitindo sua participação ativa na construção das políticas públicas, característica da chamada administração pública societal (DE PAULA, 2005a).
Para Paula (2005a; 2005b) a abordagem de gestão da administração pública com a vertente societal se insere na perspectiva de uma gestão social que tenta substituir a gestão tecnoburocrática por um gerenciamento mais participativo, no qual o processo decisório inclua os diferentes sujeitos sociais.
Esse ponto é corroborado por Lima Filho et al. (2011), pois se, por um lado, a atuação da sociedade civil é importante para exigir transparência, por outro é preciso considerar o papel dos representantes. Para os autores, o fortalecimento da democracia representativa depende, fundamentalmente, da plena accountability dos administradores públicos, que, por sua vez, está intrinsecamente relacionada à superação da cultura patrimonialista e do desvio democrático, caracterizado em dias atuais pela democracia delegativa na sociedade brasileira. Tal plenitude depende da publicização dos atos oficiais que, por sua natureza, é limitada.
No cenário imposto pela COVID-19 é possível observar que, até o momento, foram publicados, internacionalmente, estudos que envolvem a accountability e a responsabilização no caso da Itália (GELMINI et al., 2021), na Espanha (PARRADO; GALLI, 2021; PEÑA-RAMOS et al., 2021), Estados Unidos (HIKO; WANG, 2021), Paquistão (MANSOOR, 2021), Bangladesh (ZAKIR HOSSAIN, 2021), e até mesmo em comunidades imigrantes (MACHADO; GOLDENBERG, 2021).
No Brasil, até o momento, foram publicadas análises do enfrentamento à COVID-19 sob as vertentes: a) da análise do serviço funerário da cidade de São Paulo (COELHO et al., 2020); b) da análise do funcionamento do Sistema Nacional de Proteção e Defesa Civil (RODRIGUES; CARPES; RAFFAGNATO, 2020); c) da análise do pacto federativo e do Sistema Único de Saúde (FERNANDES; PEREIRA, 2020); e d) da análise das lideranças governamentais brasileiras à pandemia (SOBRAL et al., 2020).
A literatura é vasta quanto aos estudos sobre accountability, sobre ferramentas de tecnologia da informação e sobre participação social, mas ainda são escassos os artigos que abordam esses temas tendo como norte esse cenário de observação a longo prazo, dada a raridade de pandemias. Ademais, são raros os trabalhos que analisam o alcance de um site governamental em tal situação, em que pesem existirem artigos internacionais que tratam da accountability estatal face à COVID-19 (GELMINI et al., 2021; MANSOOR, 2021; PARRADO; GALLI, 2021; ZAKIR HOSSAIN, 2021).
Isso posto, este artigo contribui para a literatura sobre transparência, participação social e a necessária iniciativa governamental de prestar contas, ao reunir arcabouço teórico e analisar a iniciativa do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), por meio de seu sítio na internet, durante a crise do COVID-19. Desta maneira, o texto busca: (a) analisar se a elaboração de página na internet compartilha do modelo proposto de Governo Digital (e-gov); (b) analisar a aderência da iniciativa aos conceitos de accountability; e (c) analisar se o alcance das informações disponibilizadas induz ao atendimento do objetivo de informar e permitir a participação social.
O objetivo da presente pesquisa é responder às seguintes perguntas: a ação do Depen de elaborar e disponibilizar um painel específico sobre o combate à COVID-19 estaria abrangida no modelo de e-gov? Este painel se reveste das características de uma construção apta a prestar accountability? Sua disponibilização efetivamente promoveu o objetivo de informar e prestar contas à sociedade?
Para tanto, foi realizado estudo de caso abrangendo a iniciativa de elaboração de página específica no sítio do Depen na internet dedicada à prestação de contas e de informações sobre o combate à COVID -19 no sistema penitenciário brasileiro, nos primeiros cinco meses de pandemia no Brasil, momento em que foram realizadas as primeiras ações de combate e de prevenção efetiva à pandemia.
O artigo está estruturado em quatro partes, além desta introdução. A segunda abrange a síntese da base bibliográfica sobre os temas de accountability, governo digital e participação social. A terceira define o método de estudo. A quarta traz os dados, sua análise e a apresentação dos resultados. Ao término, a quinta oferta as considerações finais.
REFERENCIAL TEÓRICO
A base bibliográfica busca promover a construção do referencial teórico para se obter e analisar o fenômeno objeto do presente trabalho ao definir os conceitos necessários para sua compreensão. Divide-se a presente seção em dois tópicos: a conceituação de accountability e transparência e as definições de governo eletrônico (e-gov).
Accountability e transparência
Desde as primeiras contribuições científicas ao conceito de accountability como sendo a responsabilidade objetiva ou a obrigação de responder por algo, consideráveis avanços sobre o assunto ocorreram no campo teórico. Para Lima Filho et al. (2011), o conceito é mencionado como a obrigação de prestar contas, com a possibilidade de sanção, e compõe um dos mecanismos das práticas de controle interinstitucional e social. Assim, accountability é a responsabilização pelos atos praticados e a prestação de contas.
Accountability, segundo Pinho (2008), em termos sintéticos e aproximativos (semanticamente com a língua portuguesa), pode ser definido como a transparência, como o engajamento dos governantes, como a prestação de contas e como a responsabilização dos governantes pelos seus atos, conceito adotado para fins deste artigo.
Accountability em um cenário de pandemia é limitado, como bem observado por Gelmini et al. (2021), que concluem pela inexistência de trabalhos em cenários tão inóspitos como os apresentados em uma pandemia. No ponto em específico é importante ressaltar o posicionamento de Peña-Ramos et al. (2021), de que em um cenário desafiador como o da COVID-19, o accountability da gestão de saúde pública pode ser a chave para uma transparência efetiva e um elemento que aumenta a confiança entre o sistema de saúde e os diferentes stakeholders da sociedade.
Lima Filho et al. (2011) apontam que houve grandes alterações políticas, sociais e institucionais ocorridas desde o início da discussão de accountability, com o amadurecimento da discussão teórica. Mas sem a concreta aplicação de mecanismos de accountability na realidade brasileira. Alguns desafios à sua aplicabilidade permanecem, para governo e parte dos cidadãos brasileiros, como a incipiente participação popular; a dificuldade em encontrar linguagem compreensível na publicização das informações; a falta de confiança nos representantes; a ausência de identidade entre governantes e governados; o baixo grau de escolaridade de grande parte da população e a falta e a assimetria das informações.
Segundo Paula (2005a, 2005b), algumas experiências participativas no que viria a ser uma administração societal são os fóruns temáticos, os conselhos gestores de políticas públicas e o orçamento participativo, mas Pinho (2008) reforça que, em que pese existirem experiências até bem-sucedidas de participação popular nas estruturas de governo, não se verifica a implementação de uma cultura participativa, assim permanece forte e dominante o tônus autoritário e conservador de governar.
Ocorre que nos últimos anos o que se tem constatado no Brasil é o funcionamento formal da democracia, sem ferramentas eficazes de fiscalização (BAQUERO, 2008). Faz-se necessário, portanto, pensar em formas alternativas de revitalização da comunidade política que implique em uma participação mais ampla, por meio de mecanismos eficazes de empoderamento que levem a um real envolvimento político. De acordo com Baquero (2008), em razão de uma democracia instável, marcada por traços clientelistas, personalistas e patrimonialistas, representantes eleitos não são fiscalizados e, geralmente, não prestam contas dos seus atos.
No mesmo sentido, registre-se as colocações apresentadas por Fox (2015) ao tratar social accountability (SAcc) como ferramenta estratégica para a melhoria da performance institucional, a partir do fortalecimento dos mecanismos de participação dos cidadãos e das capacidades de resposta de governos e corporações. Para o autor, a abordagem estratégica de SAcc é bastante promissora, na medida que reforça a importância de ações coletivas dos cidadãos para além da sua localidade, pressionando as organizações de accountability estatal de nível mais elevado sobre as informações de seu interesse.
Diante dos problemas e das considerações apresentadas anteriormente, pode-se dizer que o governo, por meio do e-gov, tem feito uso da internet como ferramenta tecnológica de integração com os cidadãos, para que estes possam contribuir de maneira mais eficaz na gestão pública, ao mesmo tempo que confere a si mesmo um caráter mais accountable (LIMA FILHO et al., 2011).
Governo Digital (e-gov)
Para Relyea (2002), e-government ou governo eletrônico é um conceito dinâmico e com vários significados. Também conhecido como: E-Government, E-Gov, EGOV, Governo Eletrônico, Eletronic Government ou apenas e-gov, pode ser definido como o uso de sistemas de tecnologias de informação e de comunicação que facilitam e que democratizam o acesso à informação pública a baixo custo (CORREA; NOSSA, 2019). Trata-se, essencialmente, da estratégia de governo com o uso de ferramentas de tecnologia da informação e comunicações (TIC) para modernização da máquina administrativa e para servir ao cidadão (DA SILVA et al., 2013).
Tradicionalmente, como observado por Mansoor (2021), governos democráticos entendem o governo eletrônico como a chave para o sucesso da democracia, pois aumenta a confiança no governo por meio da execução eficiente de políticas e estratégias, como as necessárias para o enfrentamento à COVID-19.
Conforme Fachin e Rover (2015), parte-se da premissa de que o e-gov se utiliza de diversas ferramentas e de diversos sistemas de prestação de serviços e de informação importantes para a transparência na administração pública e para o combate à corrupção no país. Facchini et al. (2016) asseveram que a transparência nas ações do governo é importante, de maneira a implementar a participação social que realiza o monitoramento dos projetos públicos desde a sua concepção até a sua entrega. Isto porque quanto mais elevado o nível de participação eletrônica, mais elevado o nível de accountability (BRAGA; GOMES, 2016).
Segundo Pinho (2008), a internet se manifesta como um mecanismo facilitador para a participação da sociedade no governo e o exercício do controle social. Para o autor, não é por meio da tecnologia que se criará a participação nem o controle social, mas se já existem mecanismos para isso, então ela poderá facilitar a sua concretização.
As TIC são mecanismos estratégicos que compõem o chamado e-gov, definido como o uso de sistemas de TIC para democratizar e melhorar o acesso às informações públicas e para otimizar a qualidade dos serviços prestados (CORREA; NOSSA, 2019); e possuem potencial democrático, desde que haja definição política no sentido da participação popular e da transparência (PRZEYBILOVICZ; CUNHA; COELHO, 2015).
De acordo com Braga e Gomes (2016), o acesso às informações proporcionado pelas novas TICs permite que a tomada de decisão seja mais abrangente e transparente, o que aumenta a responsabilidade de políticos e servidores públicos. Ou seja, quanto maior for o estágio/nível de prestação de serviços governamentais, maior será a possibilidade de transparência nos processos de gestão do governo para com a sociedade e da sociedade para com o governo (FACHIN; ROVER, 2015).
Teóricos como Braga e Gomes (2016) entendem que existem três modalidades de democracia relevantes no que tange aos efeitos de novas TICs: plebiscitária; comunitária e pluralista. A primeira é descrita como algo à semelhança da democracia direta, sendo fortemente dependente de instituições e processos (por exemplo, um referendo). A democracia comunitária é caracterizada como um processo orgânico que emerge de uma comunidade composta por iguais, aproximando-se das interpretações socialistas ocidentais sobre o assunto. A democracia pluralista, por sua vez, baseia-se na concepção da competição entre grupos.
A participação da sociedade, por meio do governo eletrônico, é definida como o somatório tanto de programas governamentais de encorajamento à participação dos cidadãos quanto da propensão destes de efetivamente fazê-los (BRAGA; GOMES, 2016). No caso específico do enfrentamento à COVID-19, o aumento da transparência, por meio da participação fácil e efetiva da população pelo uso do governo eletrônico, aumenta a efetividade da resposta governamental à pandemia, como observado por Zakir Hossain (2021).
O e-gov contribui para a superação dos obstáculos da comunicação, o fortalecimento das relações dos governos com empresas e cidadãos e o aumento da transparência e da responsabilidade, tanto empresarial quanto governamental (CORREA; NOSSA, 2019). Assim, o e-gov, mais do que um provedor de serviços online, é uma ferramenta de capacitação política da sociedade (PINHO, 2008).
Para Pinho (2008), era esperado que a internet se tornasse um instrumento de promoção da democracia – e ainda se espera. Isto porque a internet e a interatividade acenam com a possibilidade de os cidadãos solicitarem informações, expressarem opiniões e pedirem respostas pessoais aos seus representantes. A experiência tem mostrado, no entanto, um quadro ruim, pois os Governos, em geral, usam a internet como um quadro de avisos eletrônicos para divulgar suas informações, sem se empenharem muito em interação real com os cidadãos.
Conceitos mais abrangentes de e-gov, como se pretende analisar, envolvem melhoria dos processos de gestão pública, eficiência (e efetividade), melhor governança, elaboração e monitoramento das políticas públicas, prestação de serviços e, principalmente, democracia eletrônica, que trata da transparência, da participação e do accountability (ZITTEI; FERNANDES, 2015).
METODOLOGIA
O estudo busca analisar se a iniciativa do Depen ao elaborar e disponibilizar um painel específico sobre o combate à pandemia da COVID-19 estaria abrangida no modelo do Governo Digital (e-gov) e se este painel se reveste das características de uma construção apta a prestar accountability, alcançando, efetivamente, o objetivo de informar e prestar contas, e se conta com efetiva participação da sociedade.
Para responder às questões de pesquisa, foi realizado estudo de caso abrangendo a iniciativa de elaboração de página específica no sítio do Depen na internet dedicada à prestação de contas e de informações sobre o combate à COVID-19 no sistema penitenciário brasileiro com uso da ferramenta virtual de monitoramento de tráfego de informações Google Analytics (2020), em contribuição às pesquisas baseadas em análises de sites e de mídias sociais de empresas para estudar a resposta à pandemia que envolve a COVID-19, como a realizada na Itália por Gelmini et al. (2021).
A pesquisa foi realizada com dados de março a julho de 2020, uma vez que após esta data houve a migração de domínios para o domínio .gov, o que impossibilitou a obtenção dos dados mais recentes e a continuidade da observação.
ANÁLISE E APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS
No contexto de uma pandemia, O’Milley et al. (2009) afirmam que a maioria das medidas para gerenciar emergências de saúde pública se baseia na conformidade pública para eficácia. Isso exige que o público confie não apenas nas informações que está recebendo, mas também nas autoridades que são a fonte dessas informações e em seus processos de tomada de decisão.
Diversos autores (GELMINI et al., 2021; HIKO; WANG, 2021; MANSOOR, 2021; PEÑA-RAMOS et al., 2021; RODRIGUES; CARPES; RAFFAGNATO, 2020; SOBRAL et al., 2020) também afirmam que em um contexto pandêmico como o imposto pela COVID-19 é necessária a disponibilização de dados (transparência de dados) para permitir que os atores da sociedade possam realizar o devido accountability da atuação estatal e, posteriormente, para que possa existir a eventual responsabilização de culpados.
O Departamento Penitenciário Nacional (Depen), em 28 de fevereiro de 2020, instituiu Grupo de Trabalho (GT) com o objetivo de promover estudos acerca do impacto do novo coronavírus (COVID-19) no Sistema Prisional Brasileiro, bem como propor as ações preventivas e os protocolos de atuação cabíveis (DEPEN, 2020f).
Composto por integrantes de diretorias do Depen – dentre as quais pode-se mencionar a Diretoria de Políticas Penitenciárias (DIRPP) e a Diretoria do Sistema Penitenciário Federal (DISPF) – o GT realizou diversas ações em conjunto com representantes estaduais elaborando, por exemplo, a agenda de aquisições de material para a prevenção e o combate à COVID-19 (DEPEN, 2020g).
Diante do cenário posto com a epidemia da COVID-19, o Depen se viu com a necessidade de criar mecanismos de transparência de suas ações. Optou-se, então, por criar em seu sítio na rede mundial de computadores link próprio (DEPEN, 2020a). Os meios eletrônicos de informações, que possibilitam maior controle e transparência, são os preferenciais na sociedade moderna (ZITTEI; FERNANDES, 2015), desse modo, a opção encontra amparo recente na literatura que trata sobre a disponibilidade, por governos nacionais, em sítios da rede mundial de computadores de informações sobre a COVID-19 e sobre a sua efetividade (GELMINI et al., 2021; MANSOOR, 2021).
Ao ingressar no link (DEPEN, 2020b), o usuário do serviço encontraria três possibilidades de acesso aos dados das ações desenvolvidas no combate à COVID-19: I) Painel de Monitoramento dos Sistemas Prisionais – COVID-19 (DEPEN, 2020c); II) Prevenção da COVID-19 no Sistema Prisional (DEPEN, 2020d); e III) Licitações – Aquisição Emergencial – Pandemia COVID-19 (DEPEN, 2020e).
O acesso ao primeiro link, que conta com o Painel de Monitoramento dos Sistemas Prisionais – COVID-19 (DEPEN, 2020c), permite a visualização dos casos suspeitos, dos casos confirmados e dos óbitos que as unidades federadas informaram ao Depen, que os inclui em um painel de Business Inteligence (BI) (DEPEN, 2020h), que, desta forma, busca zelar pela transparência das informações, acompanhar e apoiar as medidas preventivas da doença (DEPEN, 2020c).
No dia 15 de julho de 2020, o painel brasileiro (DEPEN, 2020h) de monitoração da COVID-19 no Sistema Penitenciário Nacional contava com 2.015 (duas mil e quinze) suspeitas de contágio, 6.218 (seis mil duzentos e dezoito) casos confirmados e 66 (sessenta e seis) óbitos. Tendo sido informada, até aquela data, a realização de 24.238 (vinte e quatro mil, duzentos e trinta e oito) testes em privados de liberdade.
O acesso ao segundo link, que conta com as ações de Prevenção da COVID-19 no Sistema Prisional (DEPEN, 2020d), permite a visualização das Notas Técnicas (NT) elaboradas pelo Depen em conjunto com o Ministério da Saúde (MS), dos planos de contingência elaborados pela Fiocruz, bem como as demais legislações que envolvem o uso de recursos do Fundo Penitenciário Nacional (FUNPEN) para a aquisição de produtos, e das portarias editadas nos Sistemas Penitenciários Estaduais e no Federal sobre os protocolos de visitação aos internos e de isolamento de casos suspeitos ou confirmados de COVID-19.
Por fim, o acesso ao terceiro link, que apresenta as Licitações – Aquisição Emergencial – Pandemia COVID-19 (DEPEN, 2020e), permite a visualização dos materiais de prevenção e de combate à COVID-19 que foram adquiridos pelo Depen ou doados a este pelo Ministério da Saúde (MS) e do material entregue aos estados federados.
O governo eletrônico, cujo site do Depen se enquadra ante a definição de Fachin e Rover (2015), é oriundo da tendência mundial do amplo acesso à rede, à informação, à prestação de serviços, aos produtos, à prestação de contas, e a tudo o que for possível transmitir via web.
Da iniciativa do Depen, dois pontos de informação sobressaem no que foi disponibilizado na rede mundial de computadores. São eles: o Painel de Monitoramento dos Sistemas Prisionais – COVID-19 (DEPEN, 2020c); e as informações relativas às Licitações – Aquisição Emergencial – Pandemia COVID-19 (DEPEN, 2020e).
O primeiro ponto de destaque são as informações dos suspeitos, contaminados e dos óbitos no Sistema Prisional Nacional, o que proporciona à sociedade nacional e internacional o acesso fácil aos dados (transparência) e possibilita a realização da prestação de contas e a eventual responsabilização de seus governantes, o que é uma das definições de accountability (PINHO, 2008).
O segundo ponto destacado no sítio do Depen se refere aos dados relativos às Licitações – Aquisição Emergencial – Pandemia COVID-19 (DEPEN, 2020e), fonte em que são disponibilizadas as informações das doações realizadas pelo Ministério da Saúde ao Departamento Penitenciário Nacional e das aquisições realizadas pelo Depen para suporte às cinco Unidades Penitenciárias Federais e às Unidades dos Sistemas Penitenciários Estaduais.
No dia 15 de junho de 2020, o Ministério da Saúde já havia realizado uma doação no valor aproximado de R$ 2.000.000,00 (dois milhões de reais) ao Sistema Penitenciário Nacional, o que permitiu ao Depen repassar, aproximadamente, 90% das doações às unidades federativas, mantendo consigo apenas o material para uso das cinco Unidades Penitenciárias Federais (DEPEN, 2020i).
Na mesma data, o Depen já havia adquirido de empresas brasileiras, por meio de dispensa de licitação, o valor aproximado de R$ 30.000.000,00 (trinta milhões de reais) em materiais para a prevenção e para o combate à COVID-19. Aproximadamente 90% do material adquirido teve como destino os Sistemas Penitenciários das unidades federadas (DEPEN, 2020i).
No link Licitações – Aquisição Emergencial – Pandemia COVID-19 (DEPEN, 2020e) é possível acessar a “Planilha de aquisição emergencial” (DEPEN, 2020i) com informações detalhadas sobre o fornecedor de cada material, a descrição do item, o valor unitário, o destino, a quantidade e a respectiva nota de empenho.
Os materiais adquiridos e os materiais doados pelo Ministério da Saúde foram bastante variados. Da análise das planilhas, observa-se que foram repassados pelo Depen ao Sistema Penitenciário Nacional (Federal e Estadual): I) máscaras (dos mais variados tipos e tamanhos); II) luvas (dos mais variados tipos e tamanhos); III) álcool em gel; IV) álcool líquido; V) sabão líquido; VI) óculos de proteção; VII) touca descartável; VIII) avental descartável; IX) saboneteira; e X) termômetro digital.
Assim, o Depen disponibilizou na rede mundial de computadores mecanismos de consulta sobre a evolução da COVID-19 nos sistemas prisionais em âmbito nacional, nos quais constam gráficos por estados, os protocolos adotados pelo Ministério da Saúde e pelo Depen como prevenção à COVID-19 no Sistema Prisional Nacional e a indicação das licitações realizadas para a aquisição de material necessário no combate ao Sars-CoV-2.
O Quadro 1 apresenta a coleta de dados realizada com a ferramenta virtual de monitoramento de tráfego de informações Google Analytics (2020):
Quadro 1: ações e-gov e número de acessos até 15/07/2020
Ação e-gov | Disponível | Acessos |
---|---|---|
Sítio do Depen (DEPEN, 2020a) | 01/03/2020 | 1.391.680 |
Link com as ações do Depen para a prevenção e para o combate à COVID-19 (DEPEN, 2020b) | 12/04/2020 | 16.837 |
Link com o Painel de Monitoramento dos Sistemas Prisionais – COVID-19 (DEPEN, 2020c) | 19/03/2020 | 31.635 |
Link com informações de Prevenção da COVID-19 no Sistema Prisional (DEPEN, 2020d) | 16/03/2020 | 13.160 |
Link com informações das Licitações – Aquisição Emergencial – Pandemia COVID-19 (DEPEN, 2020e), | 17/03/2020 | 14.570 |
Link com as ações de prevenção da COVID-19 no Sistema Prisional (DEPEN, 2020f) | 15/03/2020 | 5.424 |
Fonte: Google Analytics (2020).
Para uma melhor compreensão foi elaborado um gráfico comparativo de acessos em que constam as informações, mês a mês, entre 1 de março a 15 de julho de 2020, dos seis links do sítio do Depen anteriormente mencionados. Consta no mencionado gráfico, na coluna à direita, a contagem de 0 a 700.000 acessos ao sítio do Depen (DEPEN, 2020a). Na coluna à esquerda, por sua vez, consta a informação de acessos dos outros cinco links mencionados, com escalas de 0 a 12.000 acessos.
Gráfico 1: comparativo de acessos
Fonte: Elaborado pelos autores a partir da coleta de dados de pesquisa.
Observa-se no Gráfico 1 que os acessos às medidas de prevenção e de combate à COVID-19 acompanharam os acessos à página principal do Depen, de maneira que, em média, 5% dos acessos ao sítio foram em alguma das páginas relativas às ações de prevenção e de combate à COVID-19.
Partindo da análise sobre as medidas adotadas pelo Depen na prevenção e no combate à COVID-19, se faz necessário verificar o enquadramento como ações de transparência, prestação de contas e participação social (accountability) por meio do governo eletrônico. Como limitador deste mecanismo de transparência ativa está o fato dos dados do mencionado painel serem disponibilizados pelas unidades federadas, o que pode gerar algum atraso nas informações em relação à dinâmica diária dos mais de mil estabelecimentos penitenciários brasileiros (DEPEN, 2020j).
No entanto, apesar da dificuldade de disponibilização dos dados, este mecanismo apresenta as características intrínsecas ao accountability, pois permite maior nível de conhecimento e apreciação pela sociedade em geral, ONGs, órgãos da imprensa e demais órgãos estatais executores de políticas públicas ou de fiscalização e controle da situação dentro do sistema prisional nacional.
São duas as principais características de accountability. A primeira pode ser conceituada como a capacidade de resposta (answerability), que corresponde a uma obrigação dos detentores de mandatos públicos informarem, explicarem e responderem por seus atos. A segunda característica pode ser conceituada como a possibilidade de punição (enforcement), diretamente relacionada à capacidade das agências governamentais de imporem sanções e até mesmo a perda de poder para aqueles que violam os deveres públicos (LIMA FILHO et al., 2011).
A eficácia de mecanismos de accountability está relacionada às condições que os cidadãos têm de distinguir entre os que agem na produção de políticas públicas que atendam ao interesse coletivo e aqueles que defendem interesses particulares (LIMA FILHO et al., 2011).
Observa-se que o Depen forneceu, com a máxima transparência possível, os dados dos privados de liberdade que se encontram com suspeita de portarem o vírus da COVID-19, que tenham sido confirmados com o mencionado vírus ou que tenham evoluído para óbito (DEPEN, 2020c), bem como disponibilizou em seu sítio na rede mundial de computadores o material a ser entregue ao sistema penitenciário nacional, seja ele oriundo de doação do Ministério da Saúde, seja ele oriundo de processo licitatório do próprio departamento (DEPEN, 2020e).
Tais informações permitem, aos aparelhos estatais de segurança e de saúde, atuação direta na salvaguarda da integridade dos custodiados, bem como dos servidores e familiares que interagem no sistema prisional, por meio de ações com planejamento e interação governamental.
Entretanto, ressalta-se que máxima transparência não significa acesso indiscriminado, pois, conforme alertam O’Milley et al. (2009), embora o objetivo da transparência sugira que todas as informações relevantes devam ser comunicadas ou tornadas acessíveis, é necessário reconhecer que pode haver razões legítimas para reter certos tipos de informações em qualquer emergência de saúde pública, como: informações que ponham em risco a segurança nacional ou uma investigação policial em andamento; informações que violam desnecessariamente os direitos de privacidade e confidencialidade de indivíduos; informações que possam levar à estigmatização indevida de indivíduos ou grupos na sociedade; e informações que, se divulgadas, podem levar a comportamentos que resultariam em aumento da propagação da doença.
Em tempo, destaca-se que o e-gov oferta transparência e redução da corrupção na entrega de serviços públicos (MUSTAFA; IBRAHIM; MOHAMMED, 2018) e implica uma revolução na prestação de serviços públicos ao melhorá-los, ao reduzir os custos e, o mais importante, ao conferir aos processos de compras e de contratações uma transparência essencial para que exista verdadeiro controle público sobre os atos e dispêndios dos governantes (PINHO, 2008).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nas palavras de Furtado e Jacinto (2011), é inquestionável que está acontecendo uma evolução na Administração Pública pois, através do e-gov, é possível ampliar as ações dos governos, alcançando todos os brasileiros. Os referidos benefícios, agregados ao fato de as medidas prezarem por transparência, eficiência e publicidade, geram uma desburocratização positiva para todos que se relacionam com órgãos públicos, além de possibilitar que a população – agora mais atuante – possa fiscalizar, cobrar e expor seus pensamentos por meio desses novos recursos. Num contexto de pandemia, a comunicação estratégica da informação é uma ferramenta fundamental de gestão de emergências em saúde pública e precisa ser reconhecida como tal, pois existem imperativos éticos, estratégicos e de saúde pública que apontam para a necessidade de transparência na comunicação de informações durante uma emergência de saúde pública (O´MILLEY et al., 2009).
No entanto, O`Milley et al. (2009) reconhecem que, na prática, a saúde pública global frequentemente falha em combinar a realidade com a retórica, e que são necessários novos passos práticos para lidar com essas falhas. Embora não seja uma garantia de transparência, o desenvolvimento de uma política de informações de emergência em saúde pública pelas autoridades responsáveis é uma etapa prática que pode ajudar os governos a cumprirem suas responsabilidades em emergências de saúde pública.
O Depen, ao disponibilizar na rede mundial de computadores os dados sobre suas ações na prevenção e no combate à COVID-19, se submete ao escrutínio da sociedade, permitindo a ela realizar o monitoramento e a pressão social necessários à implementação de políticas públicas (LIMA FILHO et al., 2011).
Da análise dos acessos aos sítios que contam com informações sobre as ações do combate e da prevenção à COVID-19, observa-se que a sociedade tem, de fato, realizado o necessário monitoramento e controle, uma vez que os quatro links disponibilizados pelo Depen na rede mundial de computadores contaram com mais de 81.626 acessos em pouco mais de três meses de sua disponibilização, o que sugere a eficiência da ferramenta ao assegurar o acesso às informações em um cenário de pandemia.
A accountability realizada pela sociedade por meio do e-gov somente é possível diante do compromisso de transparência por parte dos governos, uma vez que, em que pese tais ações contarem com um enorme potencial democrático, apenas será efetivo ocorrer definição política no sentido da participação popular e da transparência, pois “o governo pode deixar de oferecer o que não quer mostrar, para nem mencionar o que quer esconder” (PINHO, 2008, p. 3).
A divulgação realizada por meio de ferramentas de TIC (sítio Depen), com fácil acesso, das informações do serviço público, além de incentivar o controle social, de tornar as decisões inequívocas e de assegurar a correta aplicação dos recursos públicos, contribui para o aumento do controle à corrupção e possibilita uma maior responsabilização dos gestores públicos (BRAGA et al., 2008), pois a transparência no sistema de saúde em uma pandemia como a de COVID-19 é um importante mecanismo de controle e proporciona a essencial accountability da sociedade (PEÑA-RAMOS et al., 2021).
Mais do que isso, a ferramenta permite “tensionar” os governantes (por meio de ONGs, movimentos sociais, mídia, entre outros), o que caracteriza a accountability societal, que, para funcionar, exige engajamento na participação política, pois “sem uma sociedade civil organizada, os gestores públicos não se sentirão obrigados a promover accountability” (PINHO; AKUTSU, 2002, p. 732 apud LIMA FILHO et al., 2011).
A efetivação da dimensão de gestão societal, na prática, pressupõe a superação de inúmeros desafios (PAULA, 2005a). Para se ter accountability na Administração Pública é necessário que exista a organização dos cidadãos para exercer o controle político governamental aliado à descentralização e à transparência de seu aparato; é também verdade que accountability implica responsabilidade compartilhada.
Além de votar, cabe ao cidadão monitorar o desempenho dos seus representantes eleitos e demais agentes da gestão pública. Assim, diz-se que a condição mais importante para que um sistema de accountability realmente funcione é a atividade dos cidadãos nos fóruns públicos democráticos e na sociedade civil (LIMA FILHO et al., 2011), em especial em um cenário de emergência em saúde pública como a imposta pela pandemia de COVID-19, no qual a accountability permite identificar desvios e falhas que poderiam comprometer a legitimidade da resposta estatal à esta emergência (ALVES; COSTA, 2020).
No entanto, Lima Filho et al. (2011) alertam que o problema da participação popular no governo eletrônico não está na falta de tecnologia, mas sim na cultura política do cidadão e do estágio de desenvolvimento da política nacional. Portanto, a despeito da existência de muita tecnologia, que ainda pode e deve ser ampliada, ainda há pouca democracia, já que a tecnologia que poderia ser usada para o aperfeiçoamento democrático não é mobilizada nesse sentido.
Recentes pesquisas publicadas sobre a COVID-19, como a realizada por Zakir Hossain (2021) e a realizada por Peña-Ramos et al. (2021), concluem que durante a crise de COVID-19 ficou claro a participação pública efetiva da sociedade, o que só foi possível por meio das tecnologias modernas de TICs que permitiram a transparência e a responsabilização democraticamente necessárias para um período de incertezas como o imposto pela pandemia.
Atento a este fato, as informações no sítio do Depen foram disponibilizadas na página inicial, em local de destaque, uma vez que, conforme Rampelotto, Löbler e Visentini (2015), os usuários da Web são extremamente impacientes, o que significa que o fato de não encontrarem a informação que estão buscando pode conduzi-los a abandonarem o sítio para nunca mais voltarem e, como consequência, procurarem a forma presencial de atendimento em uma unidade física do órgão.
Desse modo, a iniciativa do Depen em informar a sociedade por meio de ferramentas de TIC se reveste de todos os requisitos necessários para caracterizar uma fonte de accountability com participação social, pois no combate à COVID-19, segundo Mansoor (2021), o mais crítico papel desenvolvido pelos governos é diminuir a taxa de mortalidade em conjunto com o atendimento das necessidades básicas dos cidadãos e, para isto, é importante a confiança que o público deposita no governo, que só é possível de se alcançar com um alto nível de transparência governamental, seja por meio de sítios oficiais ou por mídias sociais.
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