A ABORDAGEM COGNITIVA PARA INTERROGATÓRIOS: BUSCANDO INFORMAÇÕES AO INVÉS DE CONFISSÕES

Henrique Britto de Melo

Instrutor de Criminalística e Técnicas de Entrevista credenciado pela Polícia Federal. Membro da Criminal Investigation Research Network (CIRN - University of South Wales). Secretário da Comissão de Neurocriminologia na Academia Brasileira de Ciências Criminais (ABCCRIM). Mestrando em Perícias Forenses (UPE). Especialista em Ciências Criminais (PUC Minas). Graduado em Investigação Forense e Perícia Criminal (UNESA).

País: Brasil Estado: Pernambuco Cidade: Recife

Email: henriquebrittodemelo@gmail.com ORCID: https://orcid.org/0000-0001-8330-4867

Júlia Pagnussat

Graduanda no curso de Psicologia pela Atitus Educação. Participa no desenvolvimento de pesquisas e produções acadêmicas na área da Psicologia do Testemunho. Auxiliar de pesquisa e ex-bolsista de iniciação científica no Laboratório de Ensino e Pesquisa em Cognição e Justiça (CogJus), vinculado à Atitus Educação.

País: Brasil Estado: Rio Grande do Sul Cidade: Marau

Email: juliapagnussat@gmail.com ORCID: https://orcid.org/0000-0002-5633-6967

William Weber Cecconello

Doutor em Psicologia com ênfase em Cognição Humana pela PUCRS e na University of Portsmouth. É Professor de Psicologia na Atitus e Coordenador do CogJus, focado em conectar pesquisa científica com a prática jurídica. Desenvolve treinamentos em Psicologia do Testemunho para instituições nacionais e internacionais e atua como Psicólogo Jurídico, especializado em memória de vítimas e testemunhas e interrogatório de suspeitos.

País: Brasil Estado: Rio Grande do Sul Cidade: Passo Fundo

Email: william.cecconello@gmail.com ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6890-2076

Gabriela Cristina Favero

Psicóloga, graduada em Psicologia pela Atitus Educação. Atua na área clínica como Psicoterapeuta e de Psicologia Jurídica, como Assistente de Perícias na Vida Mental Serviços Médicos e Perícias.

País: Brasil Estado: Rio Grande do Sul Cidade: Passo Fundo

Email: gabe19favero@gmail.com ORCID: https://orcid.org/0000-0002-4655-6536

Contribuições dos autores:

Henrique Britto de Melo contribuiu para concepção e delineamento, análise e interpretação dos dados, redação do manuscrito, revisão crítica. Julia Pagnussat contribuiu para concepção e delineamento, análise e interpretação dos dados, redação do manuscrito e revisão crítica. Gabriela Cristina Fávero contribuiu para análise e interpretação dos dados, redação do manuscrito ou revisão crítica, revisão e aprovação final. William Weber Cecconello: concepção e delineamento, análise e interpretação dos dados, redação do manuscrito e revisão crítica.

RESUMO

O interrogatório é um procedimento rotineiramente utilizado na investigação policial. Entretanto, há uma lacuna científica sobre técnicas de interrogatório baseadas em evidências utilizadas no Brasil. Esta revisão narrativa reúne bibliografia referente ao uso de técnicas de interrogatório e respectivos resultados práticos de sua eficácia. Primeiro, analisamos a abordagem acusatória, método que utiliza a indução de estresse no suspeito, com o objetivo de analisar supostos indicadores de mentira e obter uma confissão. Estudos da Psicologia Cognitiva demonstram que esta abordagem reúne informações pouco confiáveis e pode gerar falsas confissões. Como alternativa, propõe-se a abordagem com foco na coleta de informações, que visa uma cooperação com o suspeito e busca incentivá-lo a falar sem a utilização de coerção. Ao final, explicamos como a Psicologia Cognitiva tem auxiliado a tornar as práticas de interrogatórios mais eficazes em outros países, sugerindo possíveis caminhos para o Brasil.

Palavras-chave: Interrogatório policial. Abordagem acusatória. Falsas confissões. Coleta de informações. Rapport.

ABSTRACT

THE COGNITIVE APPROACH TO INTERROGATION: LOOKING FOR INFORMATION INSTEAD OF CONFESSIONS

Suspect interrogation is a routine procedure used in police investigation. However, there is a gap in the scientific literature regarding evidence-based interview techniques in Brazil. This narrative review gathers bibliography regarding the use of interrogation techniques and their efficacy. First, the accusatorial approach is analyzed, which is a method that uses stress induction on the suspect to analyze alleged lie indicators, and to obtain a confession. Studies from cognitive psychology show that the accusatorial approach generates information of low reliability and can also result in false confessions. As an alternative to the accusatorial approach, we propose the information-gathering approach, which focuses on cooperation with the suspects and aims to encourage them to talk without using coercion. At the end, we explain how cognitive psychology helped make interviewing practices more effective in other countries, suggesting possible paths for Brazil.

Keywords: Police interrogation. Accusatorial approach. False confessions. Information-gathering. Rapport.

Data de Recebimento: 16/02/2022 – Data de Aprovação: 10/04/2023

DOI: 10.31060/rbsp.2024.v18.n1.1710

INTRODUÇÃO

O interrogatório é um procedimento no qual o policial busca obter o relato de um suspeito sobre um fato investigado. Entretanto, há duas abordagens que divergem nessa tarefa. Há os interrogatórios de abordagem acusatória1, em que se utilizam diferentes tipos de coerção psicológica ou até mesmo física em busca de uma confissão, em que também se buscam observar sinais não verbais para supostamente detectar mentiras. Por outro lado, há a abordagem com foco na coleta de informações, na qual são priorizadas estratégias que incentivam o suspeito a prover mais informações verbais, por meio da construção de uma aliança de trabalho (Miller; Redlich; Kelly, 2018). Pesquisadores têm estudado os efeitos de ambas as abordagens de interrogatório a fim de verificar como tornar o procedimento mais eficaz para a investigação policial. Nesse contexto, a Psicologia Cognitiva (vertente da psicologia que estuda os processos cognitivos, como atenção, memória, raciocínio, tomada de decisão e linguagem [Groome; Eysenck, 2016]) tem se mostrado uma abordagem útil para a compreensão da interação entre interrogador e suspeito. 

Este artigo se debruça sobre métodos de interrogatório amplamente estudados e consolidados na literatura estrangeira, mas ainda incipientes na ciência brasileira, a fim de propor uma reflexão sobre os procedimentos a serem utilizados no Brasil. Inicialmente, é discutida a abordagem acusatória a partir do método Reid de interrogatório, para então abordar o interrogatório com foco na coleta de informações, a partir do método PEACE e seus fundamentos cognitivos. Ao final, é apresentado como esses avanços científicos foram utilizados em outros países e como podem ser implementados para melhorar as práticas de segurança pública no Brasil.

MÉTODO

Foi realizada uma revisão narrativa, a partir de artigos científicos de revisão sistemática de pesquisas experimentais; e revisões teóricas e empíricas, a partir das bases de dados: Google Acadêmico e Portal de Periódicos CAPES/MEC. Foram selecionados estudos majoritariamente compreendidos no intervalo de tempo entre os anos 2005 e 2021. Além disso, trabalhos que não são em línguas portuguesa e inglesa foram descartados. Isso se deu por limitações de compreensão linguística dos pesquisadores. O método de revisão narrativa foi escolhido devido ao objetivo de descrever e discutir o desenvolvimento e o “estado da arte” do tema, sob ponto de vista teórico ou contextual, entretanto, tendo como possível viés a interpretação e análise crítica dos autores (Ercole; Melo; Alcoforado, 2014).

Abordagem acusatória a partir do método Reid

O método Reid de interrogatório é comumente retratado em séries policiais, sendo performado por investigadores do Federal Bureau of Investigation (FBI) e da Central Intelligence Agency (CIA), dos Estados Unidos. Ainda que tenha nascido com roupagem acadêmica e como fruto da observação empírica, existem diversas evidências científicas demonstrando de que modo esse método pode tornar investigações ineficazes e até mesmo resultar em falsas confissões (Kassin, 2017). Nesta seção, iniciamos demonstrando os passos do método Reid, e então apresentamos os argumentos que explicam por que a abordagem acusatória deste método representa um obstáculo para uma investigação criminal eficaz.

O método Reid se inicia com uma análise do comportamento do suspeito, conhecida como Behavioral Analysis Interview (BAI). O interrogador deve utilizar a BAI para determinar se o suspeito está mentindo ou dizendo a verdade, partindo da premissa de que os indivíduos experienciam ansiedade enquanto estão mentindo (Bond; DePaulo, 2006; Kassin, 2017). A ansiedade, por sua vez, pode ser expressa por meio de sinais corporais, e estes seriam indicadores de que o suspeito está mentindo ou se contradizendo.

Nessa fase, o suspeito pode ser observado enquanto espera para ser interrogado, ou até mesmo pode ser conduzida uma fase de conversa prévia ao interrogatório, sobre tópicos não relacionados à investigação, com o objetivo de eliciar padrões de respostas verbais e não verbais (Kassin, 2017; Vrij, 2016).

Para a BAI utilizada no método Reid, a falha em manter contato visual ou a demora em responder perguntas são, por exemplo, indicativos de mentira (Inbau et al., 2013). A detecção de mentiras através da linguagem corporal se baseia na metáfora de vazamentos como ideia principal. Segundo esse princípio, o suspeito fica nervoso ao mentir, deixando “vazar” comportamentos que evidenciam mentiras (e.g., pausas durante a fala e mudanças na postura que demonstrem essa ansiedade [Kassin, 2017]). Logo, se o interrogador identifica esses “vazamentos”, é supostamente capaz de avaliar a veracidade da fala do suspeito. Entretanto, a Psicologia Cognitiva já demonstrou que a ansiedade é uma reação fisiológica que pode estar presente tanto em indivíduos culpados quanto em inocentes (Kassin, 2017). Por exemplo, um suspeito inocente pode sentir-se ansioso por crer que não acreditarão no seu depoimento, que será condenado por um crime que não cometeu ou simplesmente por estar diante de uma figura de autoridade (Spierer, 2017). 

O método Reid orienta que, após observar tais comportamentos não verbais, o interrogador deve iniciar o procedimento de interrogatório estruturado em nove passos (Spierer, 2017). O primeiro passo consiste na confrontação direta, na qual o interrogador deve afirmar, com convicção, que a culpa do suspeito já foi provada e que tentar negá-la é inútil (Inbau et al., 2013). Essa afirmação deve ser feita com convicção, para que o suspeito tenha a impressão de que o investigador está certo; e assim são observados os sinais de estresse no corpo do suspeito (e.g., mudanças na postura ou no movimento dos olhos [Moscatelli, 2020; Inbau et al., 2013]). No segundo passo, o interrogador deve prover razões e justificativas morais para persuadir o suspeito, visando minimizar as implicações morais como a culpa ou a gravidade do crime, que podem ser impeditivos da confissão (Inbau et al., 2013). Assim, uma postura incisiva é complementada com a conduta de minimizar a gravidade do crime, a fim de que o suspeito confesse com mais facilidade (Scherr; Redlich; Kassin, 2020).

O terceiro passo tem como objetivo desencorajar o suspeito a seguir com negações sobre seu envolvimento no crime. Para isso, o interrogador deve persistir com a justificativa moral (Inbau et al., 2013). O método Reid propõe que suspeitos inocentes tendem a reagir com certa raiva e buscam afirmar vigorosamente a sua inocência, enquanto os suspeitos culpados, teoricamente, negam com menos convicção e reagem de forma mais passiva (Inbau et al., 2013). No quarto passo, o interrogador deve manejar objeções feitas pelo suspeito, mas mantendo o uso de justificativas morais para dissuadir o suspeito a seguir com tais objeções (Inbau et al., 2013). O papel do interrogador é identificar objeções emocionais (e.g., “eu amava ela”), factuais (e.g., “eu não tenho uma arma”) ou morais (e.g., “eu sou um pai de família”), e dissuadir o suspeito a seguir com tais objeções (Inbau et al., 2013). Por exemplo, se após ser acusado de ter cometido um assalto, o suspeito responde que não possui uma arma, o interrogador deve continuar a explorar o tema ignorando a objeção (e.g., “que bom que você mencionou isso, agora entendo que você não planejou o crime e alguém deve ter lhe dado a arma e lhe incentivado a fazer isso”).

O método Reid prevê que o interrogatório pode gerar efeitos de caráter cognitivo e fisiológico no suspeito. No quinto passo, é esperado que o suspeito busque se distanciar do interrogatório, procurando pensar em outras coisas não relacionadas ao fato investigado. O interrogador deve, então, manejar o cansaço do suspeito, buscando aproximação física e utilizando perguntas retóricas (e.g., “o primeiro passo para corrigir um erro é admiti-lo; você não concorda?” [Inbau et al., 2013]). No sexto passo, é esperado que o suspeito culpado se demonstre passivo, que mantenha uma postura reclusa e os olhos direcionados para o chão, por exemplo. Segundo a técnica, o interrogador deve utilizar uma postura de acolhimento, mas que ainda culpabiliza o suspeito, sugerindo possíveis explicações para o crime. Assim, o interrogador observa determinados comportamentos que indicam culpa, como a mudança de postura ou de contato visual, para saber quais das sugestões de culpa têm mais chances de estarem corretas (Inbau et al., 2013; Moscatelli, 2020).

Após observar os sinais corporais, caso estes indiquem que o suspeito está menos resistente, o sétimo passo consiste em oferecer dois possíveis cenários ao ocorrido, apresentando justificativas (e.g., “foi a primeira vez ou aconteceu várias vezes antes?”). O principal objetivo dessa etapa é tornar o processo de confissão mais fácil para o suspeito. Assim que o suspeito admite ser o responsável pelo crime, o oitavo passo tem como foco coletar uma narrativa detalhada sobre o ocorrido, de forma que esta possa ser mais facilmente aceita do ponto de vista legal. Finalmente, no nono e último estágio, o interrogador objetiva uma confissão por escrito ou gravada em audiovisual, a fim de evitar que o suspeito queira mudar seu depoimento posteriormente (Inbau et al., 2013).

No método Reid, a crença de que o indivíduo é culpado se estabelece logo ao início do interrogatório, o que pode resultar em um viés de confirmação ao longo dos demais passos do interrogatório. Ou seja, se o interrogador estabelece uma hipótese de que o suspeito cometeu o crime, ele tende a explorar, prioritariamente, informações que confirmem essa hipótese e observar apenas comportamentos que confirmem sua crença inicial (Kassin, 2017). O viés de confirmação tende a levar o interrogador a dar maior valor aos relatos e comportamentos que corroboram sua hipótese, enquanto informações destoantes da hipótese principal tendem a ser pouco exploradas ou até desconsideradas (Hritz et al., 2015). A expectativa prévia do interrogador pode enviesar sua percepção sobre as evidências (Charman; Kavetski; Mueller, 2017) e influenciar a progressão do interrogatório. Ao negar ou ignorar as objeções do suspeito, outras informações que poderiam auxiliar na investigação acabam não sendo devidamente exploradas. 

O estudo realizado por Charman, Kavetski e Mueller (2017) analisou uma amostra de policiais e estudantes que avaliaram a culpabilidade de suspeitos de acordo com evidências de culpa em um caso fictício. Foram selecionados 89 policiais, com experiência laboral de aproximadamente 20 anos, que ocupavam cargos variados, e 227 estudantes de uma universidade. Os participantes recebiam evidências que poderiam apontar para a culpa (e.g., testemunha reconheceu o suspeito como autor do crime) ou inocência do suspeito (e.g., testemunha não reconheceu o suspeito como autor do crime), e posteriormente julgavam evidências sem resultado (e.g., a semelhança entre o suspeito e o retrato falado do criminoso). O estudo verificou que os participantes que receberam uma evidência de que o suspeito era culpado, tanto policiais quanto estudantes, julgavam mais prováveis evidências de culpa (e.g., julgavam o suspeito mais parecido com o retrato falado), mas não de inocência (e.g., relato do álibi do réu). Trata-se, portanto, de um viés confirmatório, uma vez que a convicção formada antes do interrogatório influenciou a percepção do relato do suspeito.

A abordagem acusatória foca em confissões, entretanto, existem variados motivos pelos quais inocentes podem vir a confessar. O sofrimento durante o interrogatório pode prejudicar a capacidade de planejamento a longo prazo e leva o indivíduo a focar apenas no alívio de curto prazo, ou seja, livrar-se das sensações desagradáveis (i.e., o fim do interrogatório). O desconforto também pode levar indivíduos a relatar informações falsas ou confessar crimes que não cometeram, a fim de agradar o interrogador e encerrar o interrogatório. Ademais, o uso de justificativas morais para reduzir a gravidade do crime pode fazer com que os suspeitos acreditem que uma redução de pena ocorrerá após o interrogatório, como se uma promessa explícita tivesse sido feita. Suspeitos inocentes podem internalizar a crença de culpa e fabricar falsas memórias de como o evento aconteceu, quando confrontados de forma incisiva em busca de uma confissão. O estresse e a minimização da severidade do crime podem fazer com que inocentes relatem informações falsas ou confessem um crime que não cometeram (Kozinski, 2018). Assim, confissões obtidas por meio de uma abordagem em que o suspeito é mantido sob pressão são pouco confiáveis, pois o suspeito pode ter confessado devido ao desconforto e à pressão do interrogador (Kassin, 2017). O risco de uma falsa confissão é ainda maior quando a abordagem acusatória é aplicada a suspeitos vulneráveis, como menores de idade ou pessoas com deficiência cognitiva (Kassin, 2017).

A abordagem com foco na coleta de informações 

A abordagem com foco na coleta de informações (em língua inglesa intitulada information-gathering approach) é um conjunto de diretrizes e técnicas baseadas na ciência cognitiva, cujo objetivo é obter o maior número de informações do entrevistado, seja este vítima, testemunha ou suspeito. Nesse sentido, a abordagem propõe que o modelo de interrogatório seja substituído por uma Entrevista Investigativa, na qual o relato do entrevistado seja incentivado, ao passo que incongruências sejam exploradas, para assim obter informações confiáveis (Miller; Redlich; Kelly, 2018). Por esse motivo, na abordagem com foco na coleta de informações, o “interrogador” passa a ser chamado de “entrevistador”. Uma vez que essa abordagem pode ser aplicada para obter o relato de vítimas, testemunhas e suspeitos, a pessoa a ser interrogada passa a ser chamada de “entrevistado”. Nesta seção, iniciamos apresentado o método PEACE de entrevista, que tem origem na cooperação entre policiais e pesquisadores na Inglaterra, e então apresentamos os argumentos que explicam por que a abordagem com foco na coleta de informações do método PEACE de Entrevista Investigativa representa um facilitador de uma investigação criminal eficaz.

A primeira etapa do método PEACE é Planejamento e Preparação, correspondendo ao estágio anterior ao contato com o entrevistado. No que tange ao Planejamento, uma vez que são verificadas quais informações estão disponíveis acerca do caso, o entrevistador deve buscar o máximo de explicações alternativas possíveis para os indícios que possui. Por exemplo, se o carro do entrevistado foi visto próximo ao local do crime, o entrevistador deve pensar em hipóteses, como: quem mais tem acesso às chaves do carro? O carro foi roubado recentemente? À medida em que as informações obtidas não corroboram as hipóteses alternativas, aumenta-se a credibilidade da hipótese principal. Por outro lado, caso alguma das hipóteses alternativas seja corroborada, diminui-se o risco de uma investigação enviesada que pode acarretar injustiças (Ask; Granhag, 2005; Fahsing; Ask, 2013). Portanto, uma vez estabelecidas as hipóteses alternativas, é preciso identificar quais informações ainda são necessárias para corroborá-las ou negá-las. No que tange à Preparação, o PEACE prevê que a sala seja preparada, colocando a cadeira do entrevistador em diagonal com a cadeira do entrevistado, visando tornar o procedimento mais próximo (e.g., sem mesa entre ambos). Também é preciso considerar as possíveis necessidades do entrevistado, a fim de que este possa se sentir mais confortável antes de iniciar a entrevista. Além disso, essa etapa também prevê o início da gravação da entrevista desde o primeiro momento em que se tem contato com o entrevistado (Miller; Redlich; Kelly, 2018).

A segunda etapa do método PEACE é Engajar e Explicar, na qual o entrevistador busca estabelecer o rapport. O termo rapport pode ser conceituado como a criação de uma relação de aliança numa interação entre pessoas, buscando-se um clima favorável para a comunicação. O rapport utiliza achados da Psicologia Cognitiva que levam o entrevistado a relatar mais informações à medida em que o entrevistador demonstra que seu objetivo não é julgar, mas sim ouvir as partes, suas motivações e seus esclarecimentos. Uma forma de mostrar para o entrevistado que há real interesse em ouvi-lo é evitar qualquer juízo de valor sobre o que é relatado (Meissner; Kelly; Woestehoff, 2015). Ao invés de um clima de tensão e de medo acerca do que pode ser relatado, os entrevistadores devem buscar manter uma atmosfera de positividade ou neutralidade para com o entrevistado (Vallano; Compo, 2015). Adicionalmente, o entrevistador pode retomar as informações ditas usando as próprias palavras do entrevistado e então buscar esclarecimentos ou maiores detalhes, incluindo pontos positivos ou negativos (Surmon-Böhr et al., 2020).

Após engajar o entrevistado na entrevista, é necessário explicar que o papel da entrevista é obter informações para esclarecer fatos investigados. Entretanto, é possível que, mesmo assim, um entrevistado apresente somente relatos parciais. Uma explicação para isso é a forma como as pessoas aprendem a conversar com outros ao contar fatos: de maneira resumida, contendo apenas os detalhes centrais do evento. Ou seja, o entrevistado tende a esperar que o entrevistador faça perguntas acerca do que gostaria de receber mais informações (Vrij; Hope; Fischer, 2014; Vrij et al., 2018). Assim, é preciso explicar que, diferentemente de um relato em conversas cotidianas, o entrevistado deve trazer o máximo de informações possíveis, sem esperar que o entrevistador faça perguntas.

O terceiro passo do PEACE é a Obtenção do relato, momento em que começa a se obter o relato do entrevistado sobre o fato investigado. A entrevista é um processo de obtenção de informações, entretanto, nem sempre os entrevistados estão dispostos a prover um relato detalhado para o entrevistador. Entrevistados dispostos a mentir tendem a prover um álibi para alegar que não estão envolvidos no crime; para isso, devem balancear entre fornecer informações suficientes para que sua história pareça convincente e não apresentar detalhes em demasia para evitar contradições (Nahari; Vrij; Fischer, 2014; Vrij, 2016; Vrij et al., 2008). Já entrevistados inocentes tendem a acreditar que simplesmente contar a verdade vai provar sua inocência e podem acabar limitando as informações providas (Kassin, 2005). Assim, o entrevistador deve pensar em estratégias para incentivar o entrevistado a fornecer um maior número de informações que podem ser conferidas posteriormente (Granhag; Hartwig, 2015). À medida que o entrevistado culpado é incentivado a falar, tende a relatar informações às quais não possui um álibi, enquanto um entrevistado inocente pode esclarecer sua versão dos fatos de forma que também auxilie a investigação.

A Psicologia Cognitiva tem demonstrado que a obtenção do relato deve ocorrer por meio de perguntas que estimulem um relato livre e detalhado (Swanner et al., 2016). Perguntas fechadas e sugestivas (e.g., “você pegou o dinheiro?”) devem ser evitadas, pois resultam em um número limitado de informações confiáveis (e.g., o entrevistado pode apenas responder “sim” ou “não”). Já perguntas abertas possibilitam que o entrevistado provenha mais informações que podem ser checadas pela investigação (e.g., “você disse que estava caminhando na rua pelas 19 horas, poderia me falar mais sobre isso?” [Miller; Redlich; Kelly, 2018]). O entrevistador pode se beneficiar de realizar perguntas inesperadas que exploram tópicos que o entrevistado possivelmente não antecipou. Por exemplo, se o entrevistado relata que não cometeu o crime, pois estava almoçando com um amigo, pode ser questionado: “Qual dos dois sentou mais próximo da porta?” ou “Qual foi o caminho feito até a casa do amigo?” (Walczyk; Sewell; Dibenedetto, 2018; Warmelink et al., 2012). Através do uso de perguntas inesperadas, o entrevistado é encorajado a prover mais informações para as quais não estava preparado inicialmente, e essas informações poderão ser verificadas e esclarecidas posteriormente por meio de outros recursos investigativos (Geiselman, 2012).

Para estimular o relato do entrevistado, também é recomendado utilizar evidências de maneira que o incentivem a falar mais (Hartwig; Granhag; Luke, 2014). Confrontar o entrevistado com evidências desde o início da entrevista (e.g., “temos imagens do seu carro no local do crime”) possibilita que o entrevistado culpado altere seu relato para que seja coerente com a evidência apresentada ou que busque evitar prover qualquer informação, permanecendo em silêncio por acreditar que o entrevistador já está certo de que ele é culpado (Docan-Morgan, 2019). Visto que, na etapa de planejamento, o entrevistador elaborou diferentes hipóteses para o crime, ele pode explorar as evidências sem apresentá-las ao entrevistado (e.g., “quem costuma ter acesso às chaves do seu carro?”; “Alguém utilizou o carro naquela noite?”). Assim, o uso de perguntas abertas para explorar hipóteses, sem confrontar o entrevistado com a evidência, favorece a obtenção de um maior número de informações (Fahsing, 2016).

O quarto passo do PEACE é o Fechamento, no qual a entrevista é encerrada. Assim como em uma conversa informal, o entrevistador não deve terminar a entrevista de forma abrupta. Novamente, utilizando as técnicas já mencionadas no rapport, é preciso finalizar mantendo uma comunicação ativa com o entrevistado. Isso significa agradecer o entrevistado pelo seu tempo e pela disponibilidade em relatar informações. O entrevistador também deve informar os próximos passos da investigação que envolvem o entrevistado. Além disso, o entrevistador deve manter em aberto um meio para comunicação, informando que permanece disposto a escutar o entrevistado, caso este recorde mais alguma informação posteriormente. Por fim, a entrevista deve ser finalizada com um tópico neutro, novamente aliviando possíveis tensões e estabelecendo um clima de positividade no encerramento da entrevista (Abbe; Brandon, 2013).

Por fim, o último passo é a Avaliação, no qual, após o fechamento da entrevista, o entrevistador deve avaliar o procedimento. Quais informações novas foram obtidas? Como elas se relacionam com o caso? Quais hipóteses podem ser descartadas? Que novas informações são necessárias para confirmar ou negar informações obtidas na entrevista? Essas avaliações podem ser melhor exploradas ao conversar com outros colegas experientes ou envolvidos na investigação, de modo que possam dar uma segunda opinião sobre o caso (Fahsing, 2016). Além disso, o entrevistador deve avaliar seu próprio desempenho na entrevista. Quais os pontos positivos que devem ser mantidos e quais aspectos ainda necessitam ser melhorados? Isso pode ocorrer através de uma autoavaliação da entrevista filmada ou através da supervisão (Macdonald; Snook; Milne, 2017; Myklebust; Bjørklund, 2006).

Walsh e Bull (2012) demonstraram que entrevistadores que obtiveram sucesso na execução da fase de Obtenção do relato possuíam três vezes mais probabilidade de alcançar um depoimento detalhado de suspeitos ou uma confissão completa e franca. Além disso, os entrevistadores que conseguiram aplicar o modelo PEACE adequadamente tiveram cinco vezes mais chances de obter resultados satisfatórios nas entrevistas.

Esta seção apresentou como a busca de informação torna o resultado de um interrogatório mais eficaz. O uso de hipóteses alternativas, a busca por uma aliança de trabalho, e estratégias que incentivem o suspeito a falar têm se mostrado medidas eficazes na obtenção de relatos de suspeitos, e foram representadas nesta seção pelo método PEACE. As abordagens de busca por informação têm maior número de evidências científicas a seu favor, ao passo que ajudam a preservar os direitos humanos dos envolvidos, entretanto, ainda são pouco difundidas em língua portuguesa. Assim, na próxima seção, apresentamos os avanços feitos em técnicas de interrogatórios em outros países, e discutimos possibilidades para o Brasil.

DO INTERROGATÓRIO À ENTREVISTA

Nas seções anteriores, apresentamos as abordagens dos métodos Reid e PEACE, como forma de contrastar os problemas da abordagem acusatória e as soluções apresentadas pela abordagem com foco na coleta de informações (os achados estão sintetizados na Tabela 1). Nesta seção, apontamos as implicações práticas de tais abordagens, a fim de discutir possibilidades para a realidade brasileira.

A busca por confissão tem sido historicamente o objetivo dos interrogatórios, embora as técnicas tenham evoluído. Por muito tempo, a tortura foi um procedimento utilizado para extrair uma confissão, levando a um tratamento que empregasse todos os meios necessários, sendo reservado ao suspeito apenas o direito de assumir culpa pelo crime em questão. Posteriormente, o método de tortura física passou a ser contestado, entretanto, a abordagem acusatória visa persuadir o suspeito a confessar, muitas vezes valendo-se de métodos de coerção psicológica (Roberts, 2012).

A detecção de mentiras por meio de indicadores de ansiedade também não é uma técnica nova. Há relatos de que, na China, por volta de 1.000 a.C., suspeitos de terem cometido crimes eram forçados a colocar arroz na boca e mantê-lo, sem engolir, enquanto ouviam todas as acusações contra si; após isso, era requisitado que o suspeito cuspisse o arroz para ser examinado: se o grão estivesse úmido e se tornasse uma massa homogênea, o suspeito era considerado inocente, já se o grão ainda estivesse seco e heterogêneo, o suspeito era considerado culpado (Vicianova, 2015). De forma semelhante na Europa, durante o século XV, era utilizada a “refeição consagrada”, na qual o padre entregava ao acusado um pedaço de pão seco e um de queijo; após finalizar as acusações, o suspeito deveria engolir os alimentos. Se ao engolir os alimentos o suspeito viesse a se engasgar, era entendido que estava ansioso, portanto, culpado de cometer o crime (Vicianova, 2015).

Atualmente, a detecção de mentiras é buscada por meios com roupagem científica, como o polígrafo e a observação de comportamentos não verbais (e.g., expressões faciais e movimento dos olhos). Entretanto, esses métodos têm eficácia bastante limitada, sendo até ineficazes em alguns casos (Bond; DePaulo, 2006; Iacono; Ben-Shakhar, 2019; Denault et al., 2020; Hauch et al., 2016; O’Neill, 2017; Sporer; Schwandt, 2007).

Em suma, métodos que visam detectar mentiras com base em indicadores não verbais desconsideram algumas evidências da Psicologia Cognitiva (Denault et al., 2020). O método Reid ressalta que as análises da fase BAI não devem ser o fator determinante para avaliar a veracidade do relato do suspeito, entretanto, a observação de componentes não verbais permeia os demais passos do interrogatório, com o foco de obter uma confissão do suspeito (O’Neill, 2017). A abordagem acusatória não é problemática somente pela falta de suporte científico. O Innocence Project (IP) produziu dados que revelam que uma em cada quatro pessoas foi condenada injustamente em razão de uma falsa confissão nos Estados Unidos (Chapman, 2019).

A abordagem com foco na coleta de informações tem se mostrado mais eficaz não somente na perspectiva da Psicologia Cognitiva, mas com achados de dados reais. Por exemplo, Alison et al. (2013) avaliaram 418 entrevistas com suspeitos de terrorismo e verificaram que o estabelecimento de rapport esteve associado com o aumento de informações obtidas dos suspeitos. Por fim, o estudo de Walsh e Bull (2012), avaliando suspeitos de fraude financeira, também verificou que o estabelecimento de uma comunicação ativa esteve fortemente relacionado com a obtenção de um maior número de informações dos suspeitos. 

Ainda que o objetivo da abordagem com foco na coleta de informações não seja obter uma confissão, esta pode sim resultar em confissões com maior credibilidade. Um estudo com 250 indivíduos condenados por diferentes crimes na Alemanha solicitou aos participantes que respondessem algumas informações sobre o último interrogatório em que participaram. Os resultados demonstram que suspeitos interrogados de maneira coercitiva apresentaram maior tendência de negar envolvimento no crime, enquanto os suspeitos interrogados em uma abordagem com foco na coleta de informações foram mais propensos a confessar (May et al., 2021).

Abordagens com foco na coleta de informações têm sido efetivas tanto para suspeitos cooperativos quanto relutantes, diminuindo a incidência de falsas confissões quando comparadas a métodos acusatórios em condições laboratoriais, e têm sido amplamente utilizadas na prática (Swanner et al., 2016). No Reino Unido, na Noruega, na Alemanha e na Nova Zelândia, métodos baseados na abordagem com foco na coleta de informações já são colocados em prática (Swanner et al., 2016; May et al., 2021). As diretrizes dessa abordagem também têm sido apoiadas pelo High-Value Detainee Interrogation Group (HIG), entidade constituída pelo FBI, pela CIA e pelo Department of Defense (DoD); (FBI, 2016b). De acordo com o HIG (FBI, 2016a), é mais provável de se obter informações relevantes quando o suspeito é encorajado a relatar a sua versão do que focar em obter uma informação em específico.

Apesar de existirem estudos científicos avaliando a eficácia de diversas técnicas de interrogatório (FBI, 2016b; Meissner; Kelly; Woestehoff, 2015; Swanner et al., 2016), no Brasil há pouca informação sobre os métodos nos quais os policiais são treinados. Um estudo com cerca de 160 policiais da região Sul do Brasil identificou, por meio de autorrelato, quais as práticas utilizadas no interrogatório. Práticas cujo objetivo principal era obter uma confissão do suspeito foram mais frequentemente relatadas do que práticas com foco na obtenção de informações. Embora os policiais da amostra tenham reportado realizar muitas entrevistas mensalmente, a maioria deles não participou de curso de treinamento relevante sobre técnicas de entrevista, após sua formação inicial. Neste sentido, sugerimos a necessidade de estabelecer meios de evitar métodos coercitivos que possam resultar em sofrimento psicológico, no intuito de obter informações dos suspeitos em questão, e resultar em poucas informações confiáveis (Abreu et al., 2022).

Há necessidade de maior divulgação de técnicas de interrogatório utilizadas no Brasil. O método Reid é endossado por algumas polícias do país (Oliveira, s.d.). O sucesso da abordagem com foco na coleta de informações está ligado não apenas às técnicas em si, mas ao treinamento que o interrogador possui (Fahsing; Ask, 2016; Macdonald; Snook; Milne, 2017). Nesse sentido, há uma lacuna de estudos que verifiquem as técnicas e os regimes de treinamentos utilizados para policiais em métodos de interrogatório, que possibilitem entender melhor em quais técnicas os policiais são capacitados e como são avaliados. Em adição, há uma carência de estudos que investiguem os fatores comumente associados com condenações injustas no Brasil (Lourenço; Silva, 2021). O conhecimento de quais são as técnicas utilizadas é um passo importante para que sejam mapeadas as mudanças necessárias em métodos de interrogatório com suspeitos.

A implementação de técnicas de abordagens com foco na coleta de informações depende de diferentes fatores, conforme proposto por Griffiths e Milne (2018). Os autores propõem que o primeiro passo para implementar uma mudança efetiva de técnicas de entrevista é a busca por lideranças, em diferentes cargos e posições, capazes de ajudar a mudar uma cultura organizacional. A partir disso, deve-se prover mudanças na legislação, a fim de assegurar a correta valoração das práticas policiais de interrogatório, bem como assegurar que estas estejam seguindo os procedimentos propostos. Os profissionais aos quais se destina a capacitação devem ser parte do processo transformador, nesse sentido, essa mudança deve ser criada e desenvolvida em conjunto com a polícia, a fim de estabelecer protocolos que sejam adaptados para suas necessidades.

Protocolos de entrevistas com suspeitos devem estabelecer fundamentalmente uma mudança de mentalidade investigativa, na qual, ao invés de um interrogatório em busca de uma confissão, seja implementada uma abordagem com foco na coleta de informações. Para isso, é necessário mudar as habilidades requeridas de um investigador, estruturar um regime de treinamento e estabelecer formas de avaliar os resultados dos treinamentos.

Atualmente, não há um protocolo específico a ser seguido para o interrogatório de suspeitos no Brasil, de modo que as polícias de cada estado têm autonomia para a implementação das técnicas que julgar mais relevantes. Neste sentido, cabe considerar os desafios para o desenvolvimento de interrogatórios mais alinhados ao modelo de coleta de informações. Com base nas discussões apresentadas, percebe-se um caminho a ser desenvolvido por meio de diferentes estratégias que envolvem um diálogo ativo entre academia, judiciário e polícias, para a criação de protocolos de entrevistas baseados em evidências científicas e que respeitem os direitos humanos.

CONCLUSÃO

Neste artigo, foram discutidas diversas limitações de técnicas de interrogatório utilizadas desde a antiguidade até os dias atuais. Com as fragilidades encontradas na abordagem acusatória, foram apresentados exemplos alternativos com resultados promissores, como a abordagem com foco na coleta de informações, que se trata de um conjunto de diretrizes orientadas para o levantamento de informações sobre o ocorrido e sobre o entrevistado, ao invés de pressioná-lo para extrair uma confissão. 

Este trabalho possui relevância prática e teórica. Na prática, o interrogatório pode ter um efeito drástico na vida dos envolvidos. Quando resulta em falsas confissões, gera grandes impactos sociais, porque inocentes acabam sendo condenados e os verdadeiros culpados saem impunes. Por isso, abordagens de interrogatório com base em evidências são mais adequadas para que esse problema seja reduzido. Quanto à relevância teórica, evidencia-se a existência de uma lacuna científica no que diz respeito à utilização de métodos de interrogatório baseados em evidências no Brasil. Este artigo também serve ao propósito de provocar mais discussões e investigações sobre o tema, que ainda permanece incipiente na literatura científica brasileira.

Estudos como este têm o propósito de desencorajar o uso de técnicas que não tenham embasamento científico o suficiente para apoiá-las e, simultaneamente, este artigo quer incentivar a aplicação de técnicas com maior fundamentação acadêmica. Apesar de existirem estudos científicos avaliando a eficácia de diversas técnicas de interrogatório, no Brasil, há pouca informação sobre em quais métodos os policiais são treinados. Como alternativa, sugere-se o diálogo entre academia, judiciário e polícias para a criação de protocolos de entrevistas com foco na coleta de informações, a fim de tornar o sistema de justiça mais eficaz.

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APÊNDICES

Tabela 1: Comparação entre problemas observados na abordagem acusatória e a recomendação da abordagem com foco na coleta de informações

Tópico Problema Recomendação
Antes do interrogatório A investigação pode ser enviesada se o interrogador busca formar a convicção de que o suspeito está envolvido no crime. Considerar uma variedade de hipóteses plausíveis que explicam o ocorrido, inclusive a inocência do entrevistado.
Comportamento do interrogador Alternar entre comportamentos incisivos e de acolhimento, visando facilitar uma confissão, prejudica a obtenção de informações confiáveis. Usar o rapport para construir uma aliança de trabalho e incentivar o suspeito a trazer mais informações.
Análise de credibilidade Análise de linguagem corporal para detectar mentiras é ineficaz, pois inocentes e culpados podem apresentar comportamentos semelhantes. Analisar as informações relatadas pelo suspeito, explorando seu relato e comparando com outras evidências.
Perguntas Perguntas fechadas que sugestionam o relato do suspeito resultam em um menor número de informações confiáveis. Incentivar o relato livre e o uso de perguntas abertas resultam em maior quantidade e qualidade de informações.
Revelação de evidências Confrontar o entrevistado com evidências de culpa diminui o número de informações obtidas do suspeito. Explorar o relato, evitando o confronto direto com evidências incentiva o suspeito a trazer mais informações que ajudem a explicar as evidências ou constatar informações falsas.
Registro Registrar a confissão após o interrogatório não permite verificar todas as interações entre o interrogador e o suspeito. Gravar todo o procedimento de interrogatório, desde o primeiro contato com o suspeito, permite avaliar com maior confiabilidade quais foram as interações entre o suspeito e o interrogador.

Fonte: Elaborado pelos autores (2024).


  1. Na esfera processual penal, “acusatório” significa o sistema onde as funções de acusar e de julgar recaem sobre atores diferentes (Pacelli, 2021), sendo visto geralmente como um progresso democrático na justiça penal. No campo de estudo sobre interrogatório e entrevista, “acusatório” compreende as técnicas focadas em extrair uma confissão com uso de coerção física e/ou psicológica, violando os direitos do interrogado/entrevistado. Neste artigo, “acusatório” é usado com esta última conotação.↩︎