POLÍTICAS PÚBLICAS INTELIGENTES – USO DE SISTEMAS DE INFORMAÇÃO PARA AUXÍLIO NO GERENCIAMENTO DE APENADOS NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À COMUNIDADE
Christian Carlos Souza Mendes
Possui mestrado em Engenharia Elétrica e Informática Industrial, Doutorando em Planejamento e Governança Pública pela Universidade Tecnológica Federal do Paraná - UTFPR. Atualmente é professor da UTFPR sendo coordenador do Laboratório de Projetos de Tecnologia da Informação - LAPTI. Tem experiência nas áreas de Segurança da informação, Machine Learning, IA e Sistemas para Apoio à Tomada de Decisões.
País: Brasil Estado: Paraná Cidade: Curitiba
Email: ccsm@utfpr.edu.br ORCID: https://orcid.org/0000-0003-2871-9968
Rogério Allon Duenhas
Doutorado em Desenvolvimento Econômico pela UFPR, visitou a Newcastle University. Atualmente trabalha na Universidade Tecnológica Federal do Paraná UTFPR.
País: Brasil Estado: Paraná Cidade: Curitiba
Email: rogerioduenhas@utfpr.edu.br ORCID: https://orcid.org/0000-0002-0766-032
Marcelle Reis Pires
Engenheira da Computação pela Universidade Tecnológica Federal do Paraná. Tem experiência nas áreas englobadas pela engenharia da computação, com ênfase no desenvolvimento de softwares. Trabalhou com programação em diversas linguagens, assim como desenvolvimento WEB e Mobile. Além disso, possui formação técnica em Administração, possuindo conhecimentos nas áreas de Marketing, Produção, Recursos Humanos e Gestão Financeira.
País: Brasil Estado: Paraná Cidade: Curitiba
Email: marcellepires@alunos.utfpr.edu.br ORCID: https://orcid.org/0009-0002-0794-1842
Contribuições dos autores:
Christian Carlos Souza Mendes: responsável pela concepção e delineamento, análise e interpretação dos dados e redação do manuscrito, revisão e aprovação final. Rogério Allon Duenhas: responsável pela análise e interpretação dos dados, revisão crítica, revisão e aprovação final. Marcelle Reis Pires: responsável pela concepção e delineamento, análise e interpretação dos dados, redação do manuscrito, revisão e aprovação final.
RESUMO
Este artigo apresenta a demanda para o desenvolvimento de uma solução informatizada, composta por um sistema web e uma aplicação para dispositivos móveis, para uso pela Justiça Federal, com foco na gestão dos apenados em regime de prestação de serviços à comunidade. O principal objetivo é apresentar formas de utilização dos sistemas propostos para auxílio no complexo processo de gestão e monitoramento da prestação de serviços à comunidade, que envolve, além dos apenados, a Justiça Federal e as instituições parceiras. O levantamento das demandas e necessidades foi realizado por meio de reuniões (presenciais e virtuais) e revisão de literatura, com o uso de artigos e livros. Por fim, são apresentadas as principais características do ambiente e as vantagens no uso da solução proposta, assim como possibilidades para a utilização dos dados gerados e como estes poderão prover subsídios para o apoio à tomada de decisões dos gestores públicos e, consequentemente, na proposição no acompanhamento de políticas públicas direcionadas à segurança pública.
Palavras-chave: Políticas públicas. Apenados. Sistemas de informação. Prestação de serviços à comunidade.
ABSTRACT
SMART PUBLIC POLICIES – USE OF INFORMATION SYSTEMS TO SUPPORT IN MANAGING CONDEMNED IN THE PROVISION OF SERVICES TO THE COMMUNITY
This article presents a demand for the development of a computerized solution, composed of a web system and an application for mobile devices for use by the Federal Court, focusing on the management of condemned in the provision of services to the community. The main objective is to present ways of using the proposed systems to assist in the complex management process and monitoring of services provision to the community that involves, in addition to the condemned, the Federal and partner institutions. The survey of demands and needs was conveyed through meetings, literature review, among others. Finally, solutions are considered as characteristics of the environment and advantages generated for the use of the proposal, as well as they can be generated for the use of the proposal and allowed to support the offer of public managers and as a possibility of using the proposal for the public policies managers aimed at public safety.
Keywords: Public policies. Information systems. Condemned. Provision of services to the community.
Data de Recebimento: 02/06/2022 – Data de Aprovação: 25/05/2023
DOI: 10.31060/rbsp.2024.v18.n1.1749
INTRODUÇÃO
De acordo com Biscaia e Souza (2004), o uso de penas privativas de liberdade, historicamente, demonstra que estas não são a única e muito menos fazem parte das melhores formas ou dos melhores mecanismos de combate ao crime ou de prevenção deste. Um dado relevante para esta comprovação está no índice de reincidência dos apenados submetidos a esta modalidade, chegando próximo de 80%, conforme apresentado em pesquisa realizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea, 2015).
Diversos autores identificam, dentre as principais causas para que o Estado falhe na efetiva reinserção do apenado junto à comunidade, as condições indignas às quais os apenados são submetidos, a superlotação, a estigmatização do apenado e do ex-apenado (Soares Filho; Bueno, 2016; Biscaia; Souza, 2004; Souza, 2001). Para evitar isso, é necessário também a conscientização e o envolvimento direto da população.
Para Dotti (1998), utilizado como referência no artigo Penas Alternativas: dimensões jurídicas e sociológicas (Biscaia; Souza, 2004):
a decadência da instituição carcerária é somente a ponta do iceberg a mostrar a superfície da crise geral do sistema, para o qual convergem muitos outros fatores”. O sistema prisional não possui soluções em longo prazo, pois a criminalidade e a violência estão se consolidando como um problema estrutural (Dotti, 1998, p. 117).
Allgayer et al. (2022) busca trazer em evidência o questionamento sobre a necessidade urgente de uma intervenção no sistema carcerário dos países latino-americanos. De acordo com a pesquisa realizada, fica claro que ocorre uma seletividade do sistema penal, sendo exercido de forma mais direta sobre populações menos favorecidas economicamente, os pobres. Atualmente, 95% da população carcerária no Brasil enquadra-se neste perfil (Brasil, 2018).
Em grande parte das situações encontradas, o sistema carcerário funciona como um simples depósito de pessoas (Soares Filho; Bueno, 2016), sendo estas colocadas à mercê da sociedade, perdendo a possibilidade do convívio, o usufruto dos serviços e bens públicos disponíveis ao cidadão comum.
Segundo o Levantamento de Informações Penitenciárias do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), até julho de 2021, a população prisional no Brasil permaneceu estável, com um leve aumento de 1,1%, passando de 811.707 pessoas com alguma privação de liberdade, em dezembro 2020, para 820.689, em junho de 2021 (Depen, 2021).
De acordo com Oliani e Silva (2012), o ordenamento jurídico brasileiro buscou alternativas para solucionar o problema de superlotação do sistema carcerário, criando medidas alternativas para a punição de uma pessoa que cometa um crime de médio potencial ofensivo, tendo surgido, assim, em 1984, as penas alternativas, substitutivas às penas restritivas de direito. O objetivo prioritário estava direcionado à melhoria do processo de ressocialização do apenado, assim como em buscar a redução na quantidade da população carcerária atendida pelo sistema penitenciário.
Biscaia e Souza (2004) identificam que as penas alternativas são destinadas às pessoas que cometem algum tipo de crime que se enquadra na categoria de não perigoso, sendo infrações de menor gravidade, podendo assim substituir alguns tipos de penas de restrição à liberdade. Desta forma, alguns exemplos de situações são exemplificados, como: uso de drogas, desacato à autoridade, apropriação indébita, acidente de trânsito, lesões corporais leves, pequenos furtos, entre outros; beneficiando o réu primário e evitando que este tenha contato com criminosos envolvidos em categorias de crimes mais graves e, consequentemente, reduzindo a probabilidade de reincidência do envolvido.
Para enquadrar-se na situação apresentada e obter uma pena alternativa, ao invés de uma pena de privação de liberdade, o apenado deve ser avaliado pela justiça e atender à totalidade dos requisitos dispostos no art. 44, incisos I, II e III, do Código Penal brasileiro, contemplando o tempo de pena imposta, a natureza do fato criminoso, a forma de execução, sendo com ou sem violência e grave ameaça à pessoa, os antecedentes referentes ao seu passado, a conduta social, a personalidade, além de possuir boa índole. Adicionalmente, cabe registrar que o apenado condenado à prestação de serviços à comunidade não está cumprindo uma pena de restrição da liberdade, podendo realizar as atividades comuns como qualquer outro cidadão, inclusive tendo acesso a celulares, smartphones, entre outros dispositivos de comunicação, restringindo-se às determinações legais de cumprimento de sua pena.
Essas penas estão em consonância com um dos direcionamentos do Código Penal brasileiro, a ressocialização, visto que atribui à pena a possibilidade de colocar o indivíduo em sociedade e dar a ele a chance da reinserção na comunidade (Souza, 2001).
De acordo com Cavalcanti (2019), a função ressocializadora configura uma promessa nunca implementada no Brasil, pois seu sistema penal possui um caráter extremamente violento e genocida, inclusive sendo cada dia mais demandado devido ao aumento da população carcerária.
As estatísticas registradas no Levantamento de Informações Penitenciárias do Departamento Penitenciário Nacional (Depen) poderiam ser reduzidas, caso um percentual destas penas de privação de liberdade fossem substituídas por prestação de serviços à comunidade (PSC) ou às entidades públicas, consistindo no cumprimento da pena por meio da prestação de serviços a qualquer instituição que queira receber um apenado.
De acordo com Biscaia e Souza (2004), a ampliação de leis penais mais humanitárias, frente à falência do sistema prisional em todo o mundo, é uma tendência mundial, pois, além da falta de estrutura carcerária, existe também o alto custo envolvido na manutenção e na criação destes locais. Cabe considerar que este tipo de enquadramento não pode ser utilizado de forma indiscriminada, sendo justificado pela existência de uma superpopulação carcerária.
De acordo com Oliani e Silva (2012), o processo de reinserção do apenado junto à comunidade consiste na humanização da pena, permitindo que o apenado tenha a oportunidade de mostrar seu valor, bem como sua capacidade de ressocialização. A principal característica relacionada ao uso das penas alternativas consiste na possibilidade de o apenado manter-se convivendo com a sua família, com a sociedade e, ao mesmo tempo, sendo responsabilizado pelo crime cometido, reparando o dano gerado de um modo menos agressivo (Souza, 2001).
Conforme descrito por Oliveira (2011), ao realizar um trabalho com foco social, o apenado auxilia uma instituição e mantém o convívio social. Ao obter a mão de obra dos apenados, sendo estes muitas vezes qualificados para as respectivas atividades, a instituição pode economizar recursos financeiros que atualmente são escassos e direcioná-los para o uso em outras áreas.
Uma das grandes dificuldades encontradas no estabelecimento e na aplicação da prestação de serviços à comunidade é a responsabilização dos envolvidos, pois a lei determina que as entidades que recebem os apenados para a realização das atividades e a equipe do poder judiciário garantam que as penas serão cumpridas e que exista um controle efetivo do cumprimento de tais ações. Desta forma, a entidade que irá receber o apenado para a prestação de alguma atividade deverá enviar mensalmente ao juiz da execução um relatório contendo a descrição das atividades e a quantidade de horas executadas, inclusive informando as ausências ou faltas disciplinares ocorridas no período em análise.
Com tais responsabilizações, torna-se intuitivo compreender que as obrigações exigidas são um dos motivos pelos quais as penas de prestação de serviços à comunidade deixam de ser aplicadas, mesmo em situações que poderiam trazer um maior benefício à comunidade. Além disto, nas situações em que são aplicadas, geram uma grande dificuldade de acompanhamento, devido à ausência de ferramentas e sistemas informatizados adequados para registro e auditoria das atividades vinculadas e de responsabilidade dos apenados, resultando em uma eficácia parcial, considerando as dificuldades administrativas das instituições envolvidas.
A solução proposta consiste em desenvolver e disponibilizar um ambiente informatizado para apoio à tomada de decisões, composto de um sistema web e uma aplicação para dispositivos móveis, no qual as equipes técnicas e os juízes terão acesso a todas as informações relacionadas aos apenados e poderão gerir seus dados, utilizá-los para melhorias ou mesmo acompanhar suas atividades. O apenado, por meio da aplicação para dispositivos móveis, que poderá ser fornecida pela Justiça Federal, juntamente com um smartphone para o cumprimento da pena, realizará diversas ações vinculadas às suas atividades, além de permitir o acompanhamento, por parte dos entes federais, em questão de poucos segundos.
PROBLEMA
Atualmente, as varas locais da Justiça Federal contabilizam e registram as atividades de prestação de serviços à comunidade realizadas pelos apenados utilizando o sistema E-Proc (Sistema de Transmissão Eletrônica de Atos Processuais da Justiça Federal da Primeira Região).
O processo de comprovação das horas de serviços prestados pelos apenados acontece da seguinte forma: após prestada a atividade e comprovada através de documentação, esta deve ser entregue pessoalmente pelos apenados às varas locais da Justiça Federal, onde as horas serão devidamente contabilizadas e os documentos, após terem sido verificados, arquivados no sistema E-Proc em planilhas eletrônicas ou, em sua maioria, em arquivos de documentos em papel.
O E-Proc consiste em um sistema de peticionamento processual que permite o encaminhamento de petições à Justiça Federal eletronicamente. Advogados e equipes técnicas da Justiça Federal possuem cadastro no sistema e, através da sua autenticação, conseguem encaminhar os arquivos das petições. Este é o sistema majoritariamente utilizado nas varas da Justiça Federal para armazenamento das prestações de contas relacionadas às penas por Prestação de Serviços à comunidade. Entretanto, segundo relatos obtidos da equipe técnica da 4ª Vara da Justiça Federal de Foz do Iguaçu, no Paraná, este sistema não tem se mostrado eficiente no desempenho dessas funções, visto que não foi desenvolvido para estes fins e apresenta limitações, que serão descritas na sequência.
Como fica claro na própria descrição, este sistema não foi criado com o objetivo de controlar as horas das atividades desta modalidade de pena, uma vez que ele se trata apenas de um sistema de encaminhamento de processos em arquivos. A entrada de dados na plataforma se dá por meio de arquivos em formato PDF e, como na maioria dos casos, os documentos apresentados são físicos, em papel, e o seu armazenamento no sistema se dá pelo processo de escaneamento, inviabilizando a pesquisa dentro dos arquivos. Ou seja, dependendo da informação procurada pela equipe técnica, um grande trabalho manual é exigido, sendo necessária a abertura de cada arquivo individualmente e a realização da leitura de todos os dados, a fim de encontrar o que se procura.
Em consequência às dificuldades de utilização do sistema, internamente, em cada vara, é comum a utilização de planilhas eletrônicas para o controle dos apenados. Tais planilhas apresentam a facilidade de serem ferramentas já conhecidas pelas equipes técnicas, facilitando sua utilização, porém dificultam a coleta dos dados e o estudo dos mesmos de forma organizada. Desta forma, cada vara organiza seus dados da maneira que lhe convém. Diante disso, um levantamento estatístico com abrangência estadual ou nacional são inviáveis, pois os dados limitam-se às estatísticas regionais, de acordo com o domínio de cada vara, sem qualquer padronização ou centralização em um sistema de fácil acesso.
Além disso, para cumprir o processo mencionado anteriormente, as varas locais mantêm uma equipe técnica que trabalha no atendimento ao público e que é capacitada para a contabilização e documentação das horas, ou seja, existe a necessidade de alocar uma carga horária da equipe administrativa, que é altamente qualificada e valiosa, para o desempenho dessas funções.
Sendo assim, além da necessidade de alocação de equipes para este atendimento, este processo desfavorece o apenado e as instituições que os recebem, pois os apenados são obrigados a comparecerem pessoalmente aos locais em horários que poderiam estar sendo utilizados para a realização de alguma atividade e, consequentemente, para o cumprimento de sua pena. As instituições, por sua vez, se deparam com dois principais problemas: um deles é a divulgação de novas demandas aos apenados interessados, pois atualmente este contato entre a entidade e apenado é feito pelas varas locais, demandando uma ágil comunicação e organização dos envolvidos, e isso pode impactar diretamente em uma alocação ineficiente dos apenados interessados nas atividades, além de, possivelmente, não levar em consideração as respectivas habilidades de cada indivíduo. O segundo ponto importante de se destacar é que as entidades, quando se dispõem a receber os apenados, contam com esta prestação de serviço e, em diversas situações, o apenado responsável pela realização da atividade não comparece ao local e/ou no horário planejado.
É importante destacar também que a lei que rege a pena por prestação de serviços à comunidade prevê que é de responsabilidade das entidades e da equipe do poder judiciário garantir que as penas estejam sendo cumpridas e controlar as atividades dos apenados.
Portanto, apresentados estes cenários, o sistema computacional proposto neste projeto beneficia a todos os envolvidos neste tipo de processo. Para a sociedade este sistema favorece a aplicação das penas de prestação de serviços à comunidade, o que além de trazer benefícios à comunidade, de forma geral, também se mostra mais eficiente na reinserção dos apenados à sociedade.
METODOLOGIA
O desenvolvimento da pesquisa caracteriza-se pela abordagem quantitativa, pois as predições das análises deverão indicar perspectivas relacionadas às situações previamente identificadas, além do uso de técnicas de pesquisa documental, bibliográfica e da técnica ex-post-facto.
De acordo com Gerhardt e Silveira (2009), a pesquisa quantitativa possui como característica conceitos predeterminados, buscando realizar a comparação de dados de desempenho, de atitude, observacionais e de censo, enfatizando o raciocínio dedutivo, concluindo o processo com uma análise estatística utilizando-se de alegações pós-positivistas para o desenvolvimento do conhecimento centrado na objetividade.
Em relação aos objetivos, a pesquisa é composta pelas seguintes fases: fase exploratória, visando proporcionar maior familiaridade com o problema e permitindo maior conhecimento dos conceitos e desafios da temática; fase de coleta de dados, que foi realizada junto aos órgãos envolvidos, permitindo integração, agregação, sanitização e adequação dos dados, resultando sua adequação ao método dedutivo; e fase explicativa, que é utilizada para apresentação das características dos fenômenos observados.
A natureza da pesquisa aplicada é visível devido aos resultados apresentados para uso e auxílio da Justiça Federal, gerando insights que podem ser integrados ao cotidiano da gestão para auxílio na proposição de políticas públicas.
Em relação ao procedimento da pesquisa, trata-se de uma pesquisa-ação, utilizando-se de métodos empíricos para a compreensão do contexto e, consequentemente, para a adoção da realidade à qual está inserida, permitindo, desta forma, que situações e/ou problemas encontrados no dia a dia de uma organização ou instituição possam ser identificados, estudados, entendidos e, posteriormente, mitigados por meio de um plano de ação prático e contextualizado, sem a obrigatoriedade de generalizações ou padronizações, por tratar-se de um ambiente específico, claramente identificado e limitado.
De acordo com Krafta et al. (2007), a pesquisa-ação é um tipo de pesquisa social com base empírica que é concebida e realizada em estreita associação com uma ação ou com a resolução de um problema coletivo, e na qual os pesquisadores e os participantes representativos da situação ou do problema estão envolvidos de modo cooperativo ou participativo (Thiollent, 1997).
Pode-se considerá-la como um método de pesquisa aplicada, direcionada à identificação de problemas e à elaboração de diagnósticos, com foco principal na resolução de problemas.
Diversos autores consideram que uma pesquisa-ação é composta, principalmente, pela observação, pelo levantamento de informações para interpretação dos fatos e, por fim, pela implementação de ações e posterior avaliação de sua efetividade.
Koerich et al. (2009), considera a pesquisa-ação um tipo de pesquisa interpretativa que utiliza um método empírico, que compreende a identificação do problema dentro de um contexto social e/ou institucional, o levantamento de dados relativos ao problema e a análise e a significação dos dados levantados pelos participantes, intervindo na prática e provocando uma transformação. Desta forma, trata-se de uma importante ferramenta que alia teoria e prática, gerando um plano de ação para ser aplicado em uma determinada realidade.
SOLUÇÃO PROPOSTA
Tendo como objetivo auxiliar as varas locais da Justiça Federal na gestão de seus apenados, esta solução contará com dois ambientes para interação com os usuários, como apresentado na Figura 2: uma aplicação web e uma aplicação para dispositivos móveis.
A aplicação web consiste em um portal, com sistema de autenticação utilizando login e senha além de um token de acesso, que permitirá aos juízes e sua equipe técnica controlarem todas as atividades relacionadas aos apenados. Dentro dessa aplicação, será possível: cadastrar apenados, com todas as suas informações pessoais e relacionadas à pena; gerar relatórios e listas relacionadas às atividades dos apenados, bem como para um conjunto deles; gerenciar as escalas programadas de cada apenado e também verificar, em questão de segundos, através de um dashboard e do auxílio de um mapa, as atividades que estão sendo realizadas, com todas as informações relacionadas a elas; cadastrar as informações das entidades interessadas em receber apenados, gerando uma credencial para cada uma delas e concedendo-as os devidos acessos, pois, também na aplicação web, estas entidades poderão adicionar periodicamente as possíveis tarefas disponíveis a serem realizadas por um apenado dentro de suas dependências.
Por conta da pluralidade de usuários neste sistema e dos diferentes interesses de cada um deles na utilização da plataforma, um sistema de autorizações foi desenvolvido, de forma que seja especificado internamente quais ações cada categoria de usuário (juiz, técnico administrativo ou entidade) poderá executar.
A aplicação para dispositivos móveis, por sua vez, é de uso exclusivo dos apenados. Após o cadastramento, realizado através do sistema web, eles receberão uma credencial para se autenticarem na aplicação. Uma das telas do aplicativo apresentará todas as atividades disponibilizadas pelas entidades, através do sistema web, ordenando-as de acordo com o perfil do apenado autenticado, usando como base as informações de habilidades fornecidas por eles no ato do cadastramento. Em posse destas informações, o apenado poderá se candidatar às atividades, submetendo um pedido, via aplicativo, que será analisado pelas equipes técnicas responsáveis. Em outras telas, serão apresentadas todas as atividades agendadas para o apenado e um resumo da situação da pena cumprida, contendo, por exemplo, contagem de horas realizadas e faltantes, permitindo ao mesmo um maior acompanhamento do cumprimento de sua pena.
Acima das informações propagadas aos apenados pelo aplicativo, a função principal deste sistema será a realização de check-in e check-out, ou seja, submetida e aprovada a escala, no dia e horário especificados, o apenado deverá realizar o check-in no ato da chegada à instituição. Este processo consiste no envio das seguintes informações: uma foto do apenado na instituição, sua geolocalização, horário e data. Ao final da atividade, o procedimento se repete para o check-out. Este sistema permitirá um maior controle das atividades, mitigando as situações nas quais os apenados agendam, mas não comparecem às atividades, como acontece em alguns casos, atualmente.
O aplicativo também possui um sistema de notificações, que alerta os apenados após a ocorrência de alguns eventos, como: quando um check-in está próximo ou quando a contagem de horas cumpridas está baixa e o apenado precisa cumprir um determinado limite de horas por período de tempo. Por exemplo, deve-se cumprir 40 horas mensais e, caso esteja finalizando a terceira semana do mês, o apenado receberá um alerta sobre a situação.
O sistema completo é formado por quatro camadas: o banco de dados, o webservice, uma aplicação web e uma aplicação para dispositivos móveis. A comunicação entre elas será feita utilizando requisições HTTPS (Hyper Text Transfer Protocol Secure), via internet, e é importante destacar que esta escolha se deu pelo fato de lidarmos, neste sistema, com dados sensíveis dos apenados, considerando as implicações legais da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). Os aplicativos web e o aplicativo para dispositivos móveis permitirão uma interação do usuário com o restante do sistema, e eles contam com interfaces de front-end que foram desenvolvidas utilizando os frameworks Angular, para a aplicação web, e Flutter, para o aplicativo móvel. O webservice, utilizado para comunicar as aplicações ao banco de dados e fazer os processamentos necessários, é desenvolvido em JAVA EE e Framework Spring Boot, utilizando como suporte ao desenvolvimento a IDE (Integrated Development Environment) do Eclipse (ambiente de desenvolvimento integrado de código aberto e gratuito). Para o banco de dados, utilizou-se o MySQL, que consiste em um banco de dados relacional.
Os serviços que serão disponibilizados na solução de forma geral são:
Um sistema com nível de segurança planejado desde a sua concepção, security by design, sendo aplicadas as técnicas de segurança: autenticação multifator e um sistema de autorização para usuários com diferentes perfis de acesso na aplicação, além de um sistema de registros de logs de acesso, implementado para fins de auditoria do sistema;
Uma aplicação web por meio da qual a entidade interessada em disponibilizar uma vaga vinculada à determinada atividade que esteja necessitando poderá registrá-la, desta forma, o apenado que realizar tal atividade estará contabilizando as horas para sua pena de forma transparente. Assim, a entidade poderá cadastrar, adicionar as atividades e divulgá-las apropriadamente aos apenados após a validação por parte da equipe da Justiça Federal;
Uma aplicação web que possibilita ao juiz e a sua equipe técnica realizar o cadastro dos apenados que estão cumprindo pena de prestação de serviços à comunidade, acompanhar suas atividades em desenvolvimento e gerenciar suas futuras escalas;
Um sistema especialista baseado em regras que sugere, por meio de um ordenamento prioritário, as atividades disponíveis no sistema, levando em consideração o perfil de habilidades e do crime cometido pelo apenado;
Uma aplicação para dispositivos móveis que permita o acompanhamento, por parte do apenado, em relação às suas obrigações e responsabilidades, permitindo a atualização e o acompanhamento, em questão de segundos, por parte das autoridades responsáveis;
Geração de relatórios relacionados aos apenados, dados pessoais, dados da pena e contendo um histórico de atividades concluídas e agendadas;
Geração de relatórios periódicos sobre as características dos apenados e das entidades registradas no sistema e suas atividades. Estes relatórios auxiliarão as equipes técnicas na tomada de decisão e na otimização de recursos das varas locais, visto que traçam um perfil da região onde atuam.
Na Figura 1, é possível observar os três atores do sistema web, sendo eles: os técnicos da Justiça Federal, os juízes e os representantes das entidades que se interessam por receber os apenados. Devido às particularidades de uso de cada um dos atores, determinadas ações são restritas a apenas um grupo, como é o caso da inserção de novas atividades, que pode ser realizada apenas pelos representantes das entidades. Em contrapartida, a ação de visualização dos relatórios gráficos do sistema é comum a todos os usuários.
Figura 1: Diagrama de casos de uso do ambiente web disponível à Justiça Federal e às Entidades
Fonte: Elaborado pelos autores.
Conforme os itens listados, o ambiente computacional proposto disponibiliza uma plataforma de interação entre as entidades e os apenados, em que será possível relacionar as habilidades técnicas dos indivíduos às necessidades das entidades, auxiliando tanto entidades quanto equipes técnicas na tarefa de monitoramento das penas. Dessa forma, o sistema será um meio mais eficiente e com maiores possibilidades de auditoria e rastreabilidade, permitindo uma economia de recursos públicos, sejam em termos de recursos financeiros ou recursos humanos, por exigir menor envolvimento manual em todo o processo.
Baseado nas necessidades e funcionalidades identificadas com as áreas responsáveis, foram gerados os requisitos funcionais do sistema, as especificações técnicas e as demais informações para o desenvolvimento da solução proposta. As informações técnicas do desenvolvimento do protótipo não serão registradas neste documento devido ao escopo deste artigo.
Figura 2: Estrutura Geral do Projeto de Gerenciamento de Apenados
Fonte: Elaborado pelos autores.
A Figura 2 apresenta as camadas e as tecnologias utilizadas para o desenvolvimento da solução, assim como as interações existentes entre os elementos.
De forma resumida, o banco de dados é um banco relacional MySQL e sua função é armazenar os dados de toda a aplicação, mantendo suas relações e integridade. O webservice, por sua vez, utiliza o framework Spring, em linguagem JAVA. Ele é responsável pelo interfaceamento dos registros do banco de dados e da aplicação web. Além disso, executa os processamentos necessários e envia às aplicações apenas as informações necessárias.
Por último, o sistema web foi desenvolvido seguindo os princípios do desenvolvimento web moderno e utilizando o framework Angular. O portal e a interface visível aos usuários apresentam os dados dos bancos de dados em estruturas lógicas, visivelmente organizadas e claras aos usuários, utilizando as linguagens de programação Typescript, HTML e CSS. As comunicações realizadas entres os serviços implementados são feitas via requisições HTTPS e os dados enviados em formato JSON.
Para melhor compreensão da solução desenvolvida foi disponibilizado um vídeo demonstrativo referente às principais funcionalidades implementadas no sistema web, assim como no aplicativo para dispositivos móveis. A apresentação pode ser acessada por meio deste link privado.
Por último, mas não menos importante, esta solução apresenta mecanismos de segurança que foram planejados e desenvolvidos para suprir três grandes áreas da segurança da informação, que são: autenticação, autorização e auditoria. Para acessar o sistema, é preciso passar por um processo de autenticação multifator, que confirma não apenas as credenciais fornecidas pelo usuário, mas que também autentica o mesmo via uma entrada de token, encaminhada por meio do serviço de SMS (Short Message Service) para o celular cadastrado no perfil do usuário. Este tipo de autenticação leva em consideração um conhecimento prévio em relação ao usuário, exigindo as credenciais e um objeto pertencente a ele, sendo neste caso seu aparelho celular. A autenticação multifator é um mecanismo que auxilia na prevenção de acessos indevidos ao sistema. Além disso, em relação à autenticação, o sistema do webservice e do banco de dados também são acessados via uso de credenciais. No que diz respeito à autorização, a solução possui a discriminação e o uso de quatro possíveis perfis: juiz, técnico administrativo, representante de entidade e o próprio apenado, que será o único perfil que, diferentemente dos demais, possuirá acesso exclusivamente à aplicação para dispositivos móveis, sendo bloqueado o seu acesso ao sistema web.
RESULTADOS E DISCUSSÕES
Como resultado prático, tem-se o desenvolvimento de uma solução informatizada que auxiliará na gestão dos apenados, permitindo às equipes um acompanhamento mais próximo e específico das atividades diárias realizadas, garantindo uma forma mais eficiente e segura de gerar relatórios, permitindo, inclusive, a realização de auditorias de forma mais efetiva.
O projeto desenvolvido oferece mecanismos eficientes para o controle de dados dos apenados e das entidades envolvidas, ferramentas de monitoramento em tempo “real” das atividades que estão sendo realizadas pelos apenados, assim como também o registro das atividades concluídas.
A partir da solução proposta construída por meio de reuniões com a equipe técnica da 4ª Vara da Justiça Federal de Foz do Iguaçu, no Paraná, foi possível entender os problemas, as necessidades e as complexidades que um sistema como o proposto deve contemplar e, desta forma, especificar os requisitos funcionais para atendê-los, assim como as demais varas judiciárias distribuídas pelo país que possuem as mesmas demandas.
Trata-se de um tema de grande relevância para o desenvolvimento das atividades de planejamento e segurança pública, podendo impactar positivamente no plano diretor municipal, seja por meio de um processo lógico direcionado pelo uso de dados e estatísticas assim como pelo direcionamento de investimentos de áreas prioritárias para atendimento das demandas identificadas, além de poder auxiliar na melhoria da avaliação das políticas vigentes.
De acordo com Espanhol e Ângelo (2021), é possível realizar algumas ações de caráter preventivo, como: revitalização de espaços públicos e de reurbanização de locais com focos de criminalidade; planejamento e reforma urbana; mapeamento das áreas e das espécies de conflitos; e uma gama de políticas sociais integradas que promovam a cidadania e ofertem serviços básicos. Desta forma, caso as ações de políticas públicas sejam direcionadas na redução da vulnerabilidade do cidadão que convive com as situações apresentadas, pode ocorrer uma melhoria nos índices referentes à segurança pública.
Conforme a solução for utilizada, será possível colaborar com a gestão pública, provendo informações e subsidiando possíveis ações direcionadas às regiões que possuem maiores índices de violência, podendo auxiliar a definição de políticas públicas e, como consequência, validar a sua efetividade.
Este tipo de projeto torna-se importante também por aproximar a comunidade dos projetos e das pesquisas desenvolvidas dentro das universidades públicas, contribuindo diretamente para o desenvolvimento científico e tecnológico do país, e principalmente por gerar benefícios para a melhoria da qualidade de vida do cidadão.
Devido ao desenvolvimento da solução proposta ser inovador no âmbito nacional, pois até o momento do início do projeto não havia conhecimento de nenhuma proposta similar à esta, será realizada, por parte da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR) a solicitação de registro de software junto ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI). Após a obtenção do registro, será possível realizar uma maior divulgação da solução, permitindo, desta forma, que as varas vinculadas à Justiça Federal, responsáveis pela gestão da pena de prestação de serviços à comunidade, possam iniciar a utilização do ambiente em suas regiões.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conforme discutido por Oliane e Silva (2012), com a aplicação ou o uso das penas alternativas, o Estado tende a obter diversas vantagens além da ressocialização do apenado, que, inicialmente, é o foco principal nesta discussão. As outras vantagens identificadas podem ser: redução no processo de superlotação do sistema carcerário; redução do custo do sistema carcerário para os cofres públicos; utilização de mão de obra disponível para a realização de diversos tipos de serviços, desonerando os cofres públicos que, em muitas situações, possuem recursos exíguos ou simplesmente permitindo a existência de determinado serviço que talvez não existisse caso não fosse realizado por um apenado; além do processo social ao qual o apenado é submetido, sentindo-se útil, produtivo e fazendo parte de uma proposta maior de valor no processo de prestação de serviço diretamente à sociedade.
A solução desenvolvida tem como objetivo apresentar possíveis vantagens na
utilização de sistemas de informação para o processo de gestão de atividades relacionadas à prestação de serviços à comunidade, permitindo o acesso aos dados e registros de forma ágil, centralizada e que dispense a necessidade de realocação e do envolvimento de diversas pessoas das equipes técnicas para atividades que não exijam um grau de especialização para a sua realização. Desta forma, é possível, inclusive, que o uso do ambiente proposto permita, entre outras vantagens, a geração de insights, fornecendo informações para o auxílio na criação e no acompanhamento de políticas públicas.A relevância deste projeto está intrinsecamente vinculada ao uso de tecnologias da informação, que em futuro próximo podem ser vinculadas a novas tecnologias, como aprendizado de máquina e/ou inteligência artificial, focadas na melhoria de serviços para as cidades inteligentes, podendo atender uma lacuna crescente na área de gestão pública, produzindo estudos e discussões que permitam a realização de experimentos e análises específicas sobre a efetividade das atuais políticas na área de segurança pública.
Cabe lembrar que, de acordo com Nam e Pardo (2011), uma cidade é considerada inteligente quando tem como principal objetivo a melhoria na qualidade dos serviços prestados aos cidadãos e à sociedade, e o quanto as tecnologias de informação são utilizadas para realizar a integração dos sistemas existentes, provendo as melhorias destes.
O uso da solução proposta permitirá, em um futuro próximo, que entes governamentais possam, através das bases de dados de sistemas existentes e das bases de dados que estão sendo criadas para a implementação de novos serviços aos cidadãos, integrar tais dados, de forma que análises de situações mais amplas sejam identificadas e monitoradas para futuras ações governamentais. Isso permite que os órgãos públicos tenham maior conhecimento sobre os serviços prestados, podendo, assim, realizar diversas ações focadas, priorizando áreas com maiores demandas e otimizando os serviços prestados à sociedade.
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