POLÍCIA RODOVIÁRIA FEDERAL: DE POLÍCIA DAS ESTRADAS A UM NOVO POSICIONAMENTO INSTITUCIONAL
Carla Campos Avanzi
Doutoranda em Sociologia pela Universidade Estadual de Londrina - UEL e em Criminologia pela Vrije Universiteit Brussel - VUB (cotutela), Mestre em Sociologia pela Universidade Estadual de Londrina - UEL, integrante do Laboratório de Estudos sobre Governança da Segurança (LEGS) e do Crime & Society Research Group (CRiS).
País: Brasil Estado: Paraná Cidade: Londrina
Email: carla_avanzi@hotmail.com ORCID: https://orcid.org/0000-0002-9349-2061
Resumo
A Polícia Rodoviária Federal (PRF) integra o sistema de segurança pública, tendo adquirido, em 1988, o status de órgão permanente e previsão constitucional para progressão de carreira. Desde então, a instituição tem demonstrado sucesso no cumprimento de suas atribuições, com redução dos acidentes de trânsito e aumento nas apreensões de drogas. No entanto, são escassos os estudos sobre a instituição nas Ciências Sociais. Este artigo objetiva investigar as principais mudanças estruturais pelas quais a PRF tem passado e que culminaram no seu fortalecimento institucional nas últimas duas décadas, bem como trazer apontamentos para uma agenda de pesquisa. Para a realização da pesquisa foram analisados os relatórios anuais de gestão, disponibilizados pelo órgão, além de informações complementares em seus canais e documentos oficiais referentes às últimas duas décadas, até 2021. Constata-se que a PRF tem passado por um processo institucional semelhante ao protagonizado pela Polícia Federal nos últimos anos, com aumento de investimentos públicos e renovação do seu efetivo, embora não tenha adquirido a mesma atenção midiática. Além disso, o órgão tem alterado a ênfase da divulgação das suas atividades nos documentos oficiais, dando maior atenção às suas atribuições de combate aos crimes, em detrimento daquelas relacionadas ao controle de trânsito.
Palavras-chave: Polícia Rodoviária Federal; Instituição; Policiamento; Segurança pública.
FEDERAL HIGHWAY POLICE: FROM ROAD POLICE TO A NEW INSTITUTIONAL POSITION
The Federal Highway Police (PRF) is part of the public security system, having acquired in 1988 the status of permanent body and constitutional provision for career progression. Since then, the institution has demonstrated success in fulfilling its duties, with a reduction in traffic accidents and an increase in drug seizures. However, studies on the institution in the social sciences are scarce. This article aims to investigate the main structural changes that the PRF has undergone and that have culminated in its institutional strengthening in the last two decades, as well as to bring notes to a research agenda. In order to carry out the research, the annual management reports made available by the agency were analyzed, as well as complementary information in its channels and official documents referring to the last two decades, until 2021. It was found that the PRF has gone through an institutional process similar to that carried out by the Federal Police in recent years, with an increase in public investments and renewal of its staff, although it has not acquired the same media attention. In addition, the agency has changed the emphasis on disclosing its activities in official documents, giving greater attention to its attributions to combat crimes, to the detriment of those related to traffic control.
Keywords: Federal Highway Police. Institution. Policing. Public security.
Data de Recebimento: 09/06/2022 – Data de Aprovação: 25/05/2023
DOI: 10.31060/rbsp.2024.v18.n1.1751
A Polícia Rodoviária Federal (PRF) é um órgão vinculado ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, responsável pelo policiamento ostensivo nas rodovias e estradas federais (BRASIL, 1995). Em 1988, a PRF passou a integrar o rol constitucional de órgãos da segurança pública, com status de órgão permanente, estruturação de carreira e atribuição de patrulhamento ostensivo das rodovias federais, conforme §2º do art. 144 da Constituição Federal. Como as atribuições da PRF envolvem tanto o controle do trânsito como a repressão aos crimes nas rodovias, a instituição assume um papel dual. Essa duplicidade nos âmbitos de suas atribuições reflete-se também internamente no órgão, visto que alguns grupos entendem que a prioridade da instituição seria a atuação no trânsito, enquanto outros grupos entendem que o órgão deveria dar mais atenção às ações de combate aos crimes.
A PRF também é considerada, muitas vezes, como o único braço institucional do Estado em alguns lugares, já que possui abrangência nacional e competência para patrulhar lugares de difícil acesso, em que outros órgãos não estão presentes. O contato direto com a população, decorrente principalmente de suas atividades de controle de trânsito, torna a PRF uma instituição policial com características diferenciadas, com imagem mais positiva e distante da figura arbitrária do policial ostensivo1 (Coutinho, 2015; Girardi, 2017).
No entanto, em que pese a grande importância que tem adquirido nos últimos anos, diferente do que aconteceu com a Polícia Federal, que obteve grande destaque na mídia principalmente em virtude das suas ações de combate à corrupção, tanto na mídia quanto nos estudos acadêmicos, a PRF tem mantido certo grau de ostracismo. São poucos os estudos sobre o órgão na academia e ainda mais escassos os que o abordem da perspectiva das Ciências Sociais. Além disso, são poucos os dados disponíveis sobre a instituição anteriores às duas últimas décadas, o que dificulta uma análise por um prazo maior, ainda que sua criação remonte a 1928 (Brasil, 1928). Embora se trate de uma instituição quase centenária, não foram encontrados estudos anteriores a 2013 sobre o órgão, tampouco informações institucionais sistematizadas anteriores ao ano 2000.
Recentemente, no entanto, a instituição tem se destacado nas mídias tradicionais pelos seus recordes de apreensão de produtos ilegais, principalmente maconha, cigarros e madeira ilegal. Neste sentido, esta pesquisa pretende responder ao seguinte questionamento: Quais mudanças institucionais a PRF tem protagonizado e quais fatores institucionais contribuíram para o fortalecimento da Polícia Rodoviária Federal nos últimos anos?
Em estudo realizado sobre a Polícia Federal, também uma instituição policial de âmbito federal, Azevedo e Pilau (2018) observam três principais fatores que contribuíram para a maior estruturação daquela instituição policial: os investimentos do governo federal no órgão, a evolução do efetivo da instituição e o número de operações realizadas. Guardadas as respectivas diferenças e singularidades, esses três pilares também norteiam o presente estudo sobre a PRF. Assim, são analisadas as informações referentes ao orçamento público destinado ao órgão, a evolução do efetivo e as informações relativas às atividades institucionais desenvolvidas pelo órgão nos últimos anos.
Além do levantamento bibliográfico sobre a instituição em portais de pesquisa acadêmica, como o Scielo, a Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD), o Google Acadêmico e as revistas especializadas no tema crime, violência e segurança pública, para a investigação das informações sobre a atual situação organizacional da PRF, bem como sua evolução ao longo dos últimos anos, foram analisados documentos públicos com informações técnicas sobre a instituição. Assim, foram analisados os relatórios anuais de gestão, disponibilizados ao Tribunal de Contas da União pela PRF nos anos de 2008 a 20192; as Leis Orçamentárias Anuais (LOA), aprovadas pelo Congresso Nacional dos anos de 2002 (primeiro ano em que a LOA se encontra disponível para consulta) a 2021; bem como as Tabelas de Remuneração dos Servidores Públicos Federais, disponibilizadas no portal eletrônico do Ministério da Economia, referentes aos anos de 2000 a 2020. Além disso, foram verificadas informações disponibilizadas nos canais oficiais do órgão, como o portal eletrônico e as mídias sociais oficiais, a fim de identificar informações gerais, como realização de concursos públicos, histórico institucional, organização sindical e outras informações relevantes para a pesquisa.
Inicialmente são apresentadas as principais características da PRF e os estudos sobre a instituição até o momento. Em seguida, são analisadas as informações referentes aos aspectos institucionais nas últimas duas décadas, como investimentos públicos, evolução do efetivo e cumprimento de atribuições. Constata-se que o aumento dos investimentos do governo federal nos últimos anos conferiu maior destaque à instituição, a exemplo do que também ocorreu com a Polícia Federal, embora a PRF não tenha obtido a mesma evidência midiática. Além disso, constata-se um possível deslocamento do foco das atividades da PRF do âmbito administrativo para o âmbito penal, uma possibilidade decorrente do caráter dúbio de suas atribuições constitucionais.
CARACTERÍSTICAS INSTITUCIONAIS DA “POLÍCIA DAS ESTRADAS”
Na área de estudos policiais e segurança pública, a Polícia Rodoviária Federal (PRF) é uma das instituições que menos obteve a atenção da academia até hoje. Os poucos estudos existentes foram realizados, predominantemente, por policiais rodoviários federais que convergiram sua atividade policial também para a academia. Além disso, os trabalhos, em geral, são monografias de especializações ou mestrados profissionais, indicando desinteresse dos pesquisadores do tema em publicar artigos científicos sobre a PRF, que são raros.
Um levantamento bibliográfico sobre os estudos policiais nos últimos 17 anos, nas Ciências Sociais, foi realizado por Muniz, Caruso e Freitas (2018). Os autores constatam que o tema tem ganhado relevância, em quantidade e qualidade, a partir de 1990. No estudo, foram elencadas 19 categorias sobre temas em que os trabalhos policiais se inserem, dentre as principais delas estão: cultura organizacional e saberes e práticas policiais; modalidades de policiamento e relações interagências; formas de controle da ação policial e mecanismos de responsabilização; e desvios de conduta. No entanto, observa-se que o policiamento rodoviário federal e os temas a ele pertinentes não integraram os grandes eixos de estudos policiais nas Ciências Sociais. Assim, são poucas as publicações que abordam a instituição. Os escassos trabalhos sobre a PRF são laterais, tratam de aspectos pontuais ou secundários da instituição, dificultando uma visão sistematizada e ampla sobre o órgão.
O principal estudo sobre a PRF nas Ciências Sociais foi realizado por Coutinho (2015), em sua dissertação de mestrado, que abordou o exercício do mandato policial e as práticas na atuação policial nesta instituição. Além da natureza dúbia das atribuições da PRF, administrativa e criminal, que divide os integrantes do órgão em dois grandes grupos, de acordo com o que entendem ser prioridade da instituição, a autora também observa uma indefinição por parte dos próprios policiais rodoviários federais sobre suas competências, já que suas atividades englobariam “tudo o que acontece às margens das rodovias” (Coutinho, 2015, p. 44). Isso ocorre tanto em função de uma indefinição legislativa sobre as atribuições da PRF, que abre margem para interpretações extensivas ou restritivas, quanto pela indefinição do seu público-alvo, sendo ora voltada aos cidadãos, ora voltada para coibir ou identificar criminosos. No entanto, tendo em vista que o objeto da pesquisa de Coutinho (2015) foram as práticas dos policiais rodoviários federais, não foram abordados os aspectos institucionais que propiciaram o papel de relevância que o órgão detém hoje no Brasil.
Girardi (2017), no âmbito da área de Gestão Integrada da Segurança Pública, analisa as implicações da carreira única pelos policiais rodoviários federais. Os servidores da PRF, no Brasil, são organizados em diferentes classes, mas integram o mesmo cargo, de policiais rodoviários federais, diferente do que ocorre em outras instituições policiais em que há divisões de carreira hierarquizadas e com funções diferentes (Girardi, 2017). Os servidores da Polícia Federal, por exemplo, podem assumir cargos de delegados, agentes, papiloscopistas, escrivães ou peritos, com ingresso diferenciado por concursos públicos. Ao analisar a carreira única dos servidores da PRF, Girardi (2017) destaca que não existe formalização de hierarquia, de maneira que servidores de qualquer classe podem assumir cargos de chefia. Assim, em tese, qualquer policial rodoviário federal poderia assumir qualquer cargo de liderança, independente do tempo em que se encontra no órgão. Para Girardi (2017), essa suposta ausência de hierarquia com delimitação por cargos gera o afastamento da PRF de um perfil militarizado, embora se trate de uma polícia ostensiva, com fardamento e instrumentos caracterizados para o policiamento ostensivo.
No entanto, a ausência de hierarquia definida e incentivos financeiros claros para o acúmulo de responsabilidades se apresenta, em outros estudos, como um empecilho para que os policiais rodoviários federais assumam cargos de chefia. Coutinho (2015) constata que, mesmo havendo controle formal sobre os horários de trabalho e as escalas de plantão, há uma dificuldade de controle sobre os critérios e a forma de abordagem policial quando os policiais rodoviários federais estão em contato com a população, havendo alto grau de discricionariedade na atuação, situação que é reconhecida pelos gestores do órgão. Em pesquisa realizada por Pires (2016), na área de Administração, constata-se que as razões que levaram os servidores da PRF a assumirem cargos de chefia se relacionavam a “questões de ordem pessoal e subjetiva, nomeadamente relacionadas às crenças pessoais, ao desejo de colaborar com um projeto de gestão, de fazer algo positivo pela instituição e pela atividade policial em geral, ou por algum colega, em particular” (Pires, 2016, p. 95). Assim, a ausência de critérios objetivos mais tangíveis de incentivo aos cargos de liderança, como aumento significativo de remuneração, delega aos aspectos subjetivos de cada agente se pretende assumir ou não as responsabilidades dos cargos de liderança. A despeito disso, Pires (2016) constatou processos eficazes de liderança e gestão na PRF. Já no estudo realizado por Girardi (2017), o autor destaca que “o cargo único influencia na concretização de um modelo de gestão mais moderno, mas não é capaz de inibir práticas antigas de controle gerencial” (Girardi, 2017, p. 13). Assim, há consenso entre os autores que, embora o modelo de carreira única traga benefícios à instituição, ainda há empecilhos para a melhor definição de responsabilidades internas.
A preocupação com o melhor incentivo aos gestores do órgão também é indicada nos relatórios de gestão. Apesar do prestígio social em assumir cargos de gestão, os relatórios apresentam que, para a instituição, os riscos assumidos demandariam um incentivo financeiro mais significativo, que amparasse o aumento das responsabilidades desses cargos. No relatório de 2017, o último apresentado isoladamente pelo órgão ao Tribunal de Contas da União (TCU), a preocupação com os incentivos aos cargos de gestão fica evidente:
Nessa esteira, insta ressaltar as dificuldades em manter o corpo de gestores, em razão dos desafios decorrentes do panorama vivenciado pela Instituição, qual seja, déficit de servidores e contexto atual da Segurança Pública no país, e considerando a defasagem nos valores das funções gratificadas, principalmente as devidas aos Chefes de Delegacia e Núcleos. (Relatório de Gestão 2017 da PRF, 2017, p. 215).
Em estudo realizado por Calegari (2013), na área de Gestão Pública, um outro aspecto sobre a carreira única é levantado: como a instituição não dispõe de um quadro administrativo próprio, emerge a necessidade de deslocar os policiais para a realização dessas atividades. A defasagem do número de policiais rodoviários federais necessários para a cobertura de toda a malha rodoviária federal brasileira ficaria ainda mais prejudicada em razão do efetivo insuficiente (Calegari, 2013). Como não dispõe de quadro administrativo de nível médio, a instituição necessita que policiais rodoviários com formação superior realizem as atividades administrativas. Assim, os estudos sobre a carreira única da PRF, principalmente nas áreas de Administração e Gestão, apresentam aspectos diferenciados sobre as implicações do modelo para a concretização das funções institucionais.
Embora alguns estudos sobre a PRF forneçam elementos sobre a história da instituição, as práticas e os aspectos organizacionais, as análises apresentadas são laterais e pontuais, de forma que não fornecem um panorama abrangente da instituição, nem tampouco do seu papel institucional na democracia brasileira. Assim, evidencia-se uma lacuna da bibliografia, principalmente da área de Ciências Sociais, sobre uma instituição com papel tão destacado na segurança pública. Este estudo visa contribuir com a agenda de pesquisa sobre a instituição, indicando os principais elementos que contribuíram para o seu fortalecimento nos últimos anos.
ELEMENTOS DE FORTALECIMENTO DA POLÍCIA RODOVIÁRIA FEDERAL
São abordados, aqui, os principais elementos de fortalecimento institucional que incorreram sobre a Polícia Rodoviária Federal nas últimas duas décadas, bem como as principais alterações que a instituição tem passado. Assim, com base nos documentos analisados, são apresentados os investimentos públicos no órgão, a valorização do efetivo e as informações disponibilizadas sobre a realização das suas atividades institucionais.
Os valores destinados à Polícia Rodoviária Federal pelo orçamento público podem representar um importante elemento de análise da instituição. Em estudo sobre a Polícia Federal, Azevedo e Pilau (2018) constatam que o incentivo do governo federal neste órgão, com progressivo aumento dos investimentos, possibilitou o seu destaque institucional no cenário político brasileiro. Como demonstram os autores, o aumento dos investimentos pode se refletir em várias áreas dentro da organização, como maior modernização do seu aparato e aumento do efetivo, que resultam em seu maior fortalecimento institucional. Este mesmo processo ocorreu com a PRF, mas sem que tivesse o mesmo destaque midiático obtido pela Polícia Federal nos últimos anos. Com relação à PRF, observa-se um aumento constante das verbas destinadas na Lei Orçamentária Anual ao órgão nas últimas duas décadas.
Gráfico 1: Créditos orçamentários da PRF nos anos de 2002 a 2021
Fonte: Elaborado pela autora, a partir de dados da Lei Orçamentária Anual (LOA)3 e do Portal da Transparência, de 2002 a 2021.
Ainda que nos últimos anos as Leis Orçamentárias Anuais tenham apresentado redução do orçamento destinado à PRF, o Portal da Transparência, vinculado à Controladoria Geral da União (CGU), indica aumento das despesas previstas pela instituição, com base no orçamento público. Além disso, ao longo das duas últimas décadas verifica-se aumento significativo do orçamento do órgão, evidenciado pela curva ascendente no Gráfico 1. Essa mudança é indicativa do interesse dos governantes em fortalecer a instituição. Ao longo dos últimos anos, o orçamento destinado à PRF chegou a ser multiplicado por cinco, saindo de menos de 1 bilhão de reais em 2002, e chegando a quase 5 bilhões de reais em 2019. Se considerarmos o valor das despesas previstas para o órgão no Portal da Transparência, em 2021, esse valor é ainda maior, ultrapassando 5,6 bilhões de reais.
Assim, em processo semelhante ao que ocorreu com a Polícia Federal, a PRF teve significativo aumento dos investimentos públicos no órgão nos últimos 20 anos. O aumento dos investimentos pode refletir na valorização do efetivo, na maior informatização de dados e uso de tecnologias, em melhores instrumentos de trabalho, na melhoria das condições para a realização de suas atividades, dentre outras mudanças nos diversos setores internos. Se considerarmos que o cenário recente do Brasil é de predominância de corte de gastos em serviços públicos, impulsionada pela divulgada crise fiscal, o aumento de investimentos indica uma prioridade dada pelo governo à instituição.
Outro fator de destaque financeiro da PRF é sua capacidade de angariar receitas orçamentárias, seja em virtude da aplicação de multas de trânsito, seja pelos serviços prestados que são remunerados com recursos privados, como o serviço de escolta de veículos. No Gráfico 2 pode-se visualizar a comparação das receitas orçamentárias da PRF e da PF, de 2002 a 2021.
Gráfico 2: Receitas orçamentárias da PRF e da PF nos anos de 2002 a 2021
Fonte: Elaborado pela autora, a partir de dados da Lei Orçamentária Anual (LOA)4, de 2002 a 2021.
A receita orçamentária da PRF, embora guarde oscilações, apresenta significativo crescimento nos últimos anos, superando as receitas da PF. As receitas orçamentárias da PRF decorrem de multas previstas em legislação específica, serviços administrativos e comerciais gerais, e multas e juros previstos em contratos, conforme a LOA/2021. Assim, em um cenário de restrições orçamentárias no Brasil, a capacidade da PRF em angariar receitas públicas pode significar um importante instrumento de negociação política para a obtenção de melhores condições de trabalho e aumento dos incentivos na instituição. Além disso, a maior arrecadação nos últimos anos pode indicar, também, a melhoria da capacidade logística da PRF em prestar serviços e aplicar multas de trânsito, como resultado desse incentivo orçamentário. O potencial de arrecadação pode resultar de vários fatores, já que, por exemplo, a legislação de trânsito também pode impactar significativamente no valor arrecadado referente às multas. A despeito disso, o aumento significativo dessa arrecadação também indica que a PRF pode estar mais preparada para ampliar o seu escopo de abordagens, intensificando ou potencializando a fiscalização, por meio de instrumentos tecnológicos ou maior disponibilidade do efetivo.
A investigação sobre a evolução do efetivo da Polícia Rodoviária Federal também pode dar indícios sobre o processo de mudanças que a instituição tem passado nos últimos anos. O fortalecimento nesta área pode ter ocorrido em dois aspectos na PRF: no aumento do número do seu efetivo e na valorização dos subsídios do seu quadro funcional.
A carreira de policial rodoviário federal foi criada com a Lei nº 9.654 de 1998 (Brasil, 1998), que também passou a estabelecer o curso superior como requisito mínimo para ingresso no órgão, sendo considerado, a partir daquele ano, um cargo de nível intermediário. Desde então, foram realizados sete concursos públicos nacionais para provimento de vagas do órgão, que totalizaram o número de 6.890 novos postos a serem ocupados. Destaca-se que, além das vagas previstas inicialmente nos concursos, o órgão tem permissão legal para realizar contratações suplementares, desde que o concurso esteja válido e haja aprovados aptos a ocupar as vagas. Assim, o número de contratações pode ser maior que o previsto inicialmente no edital. Os concursos com maior previsão de vagas foram realizados, principalmente, nos governos petistas de Lula e Dilma, com o provimento de 4.280 vagas.
Tabela 1: Concursos públicos para a PRF realizados entre os anos de 2002 e 2021
Ano | 2002 | 2003 | 2008 | 2009 | 2013 | 2018 | 2021 |
---|---|---|---|---|---|---|---|
Vagas | 600 | 2.200 | 340 | 750 | 1.000 | 500 | 1.500 |
Fonte: Elaborado pela autora, a partir de dados do Portal eletrônico da PRF5.
No entanto, mesmo com a realização de diversos concursos para provimento de vagas do órgão, não houve significativo aumento do número de servidores ao longo dos anos, oscilando entre 9 mil e 12 mil, como mostra o Gráfico 3, abaixo.
Gráfico 3: Número de servidores em cargos efetivos da PRF, de 2006 a 2021
[CHART]
Fonte: Elaborado pela autora, a partir de dados dos Relatórios anuais de gestão e do Portal da Transparência.
Conforme informações disponibilizadas no Portal da Transparência e nos relatórios de gestão dos anos anteriores, em 2021 a instituição encontrava-se com seu maior número de servidores ativos, com 11.791 policiais rodoviários federais. No entanto, esse número ainda é muito distante do ideal necessário pleiteado pela instituição. Em 2017, o relatório de gestão apresentado pela PRF indicava a necessidade de 18.172 cargos para fiscalizar a malha rodoviária brasileira. O histórico do efetivo da instituição indica que a PRF manteve cerca de apenas metade desse número ao longo dos anos.
Ainda que o número do efetivo não tenha sofrido alterações relevantes ao longo dos últimos anos, pode-se considerar que a PRF passou por um processo de renovação do seu efetivo, a exemplo do que Arantes (2011a) também indica sobre o efetivo da PF como uma das causas do seu fortalecimento. Isto porque, dos atuais policiais rodoviários federais que a instituição dispõe, cerca de metade deles ingressou a partir de 2002, com o preenchimento de vagas pelos concursos públicos.
A ausência de crescimento no número de servidores ativos pode ocorrer em razão de vários fatores. O principal deles é a diminuição do efetivo em virtude da aposentadoria dos seus servidores, por idade ou tempo de serviço, uma preocupação frequentemente levantada nos relatórios de gestão, com a reivindicação do órgão pela necessidade de novos concursos para suprir essa defasagem. No Relatório de Gestão da PRF de 2016, um dos últimos desenvolvidos individualmente pelo órgão6, essa preocupação fica evidente:
Quando se visualiza a situação futura do efetivo da PRF, a situação é preocupante. Haja vista a previsão de aposentadorias nos próximos cinco anos. Existe uma grande quantidade de servidores que completa o tempo de serviço necessário para se aposentar com remuneração integral. No que diz respeito aos policiais, esse número é de 3.916 até 2016, o que representa 35% do efetivo atual de toda a PRF. Até 2020 o número chega a 4.378, ou seja, quase 40% de todo o efetivo. (Relatório de Gestão 2016 da PRF, 2016, p. 161).
Além disso, o órgão aponta a necessidade da realização de novos concursos, a exemplo do trecho abaixo, do documento de 2016:
É visível a necessidade da PRF se estruturar para proceder com a articulação com o Ministério da Justiça e o Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, para a abertura de novas vagas, caso contrário existe um alto risco de os processos finalísticos e meios da PRF serem prejudicados, impactando nos serviços prestados ao cidadão e, em última instância, inviabilizando o alcance da missão e visão organizacionais. (Relatório de Gestão 2016 da PRF, 2016, p. 161).
Outro fator que impacta no número do efetivo do órgão é a “migração” dos servidores para outros cargos públicos melhor remunerados, por meio dos concursos públicos (Coutinho, 2015). Neste sentido, podemos citar os exemplos dos subsídios de algumas das carreiras da Polícia Federal (PF) e da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), também de âmbito Federal, que em regra se mostram mais atrativos que os subsídios da PRF. Em 2020, a carreira de oficial técnico de inteligência na Abin possuía subsídio inicial de R$16.312,70, enquanto as carreiras de agente, escrivão e papiloscopista da PF possuíam subsídio inicial de R$12.522,50, ambos superiores ao subsídio inicial da carreira de Policial Rodoviário Federal naquele ano, conforme tabela de Remuneração dos Servidores Públicos Federais. A equiparação salarial da PRF aos policiais federais é umas das pautas recorrentes da instituição e da Federação Nacional dos Policiais Rodoviários Federais (FENAPRF)7, entidade sindical do órgão. Assim, um possível caminho para o problema da diminuição do efetivo da instituição através da migração para outros órgãos públicos seria tornar o subsídio da carreira mais atrativo, equiparando-o ao das demais carreiras policiais federais.
No entanto, ainda que o subsídio dos policiais rodoviários federais não tenha se equiparado ao dos demais cargos da Polícia Federal, observa-se que, nos últimos anos, o salário dos cargos efetivos da PRF sofreu forte valorização, com crescimento constante e aumento de mais de 800%. Além dos reajustes quase anuais de menor impacto, três reajustes significativos foram realizados nos últimos 20 anos: um reajuste salarial em 2002, que representou um aumento de 47% na remuneração com base na categoria inicial; um reajuste em 2003, representando aumento de mais 26%; e outro em 2017, representando mais 26% de reajuste salarial (todos tendo como base o vencimento da categoria inicial do órgão), respectivamente nos governos dos presidentes Lula e Temer.
A título de comparação, o Gráfico 4 apresenta: a evolução dos subsídios da primeira e da última categoria dos servidores da PRF; os subsídios da primeira categoria dos técnicos do Banco Central do Brasil; e a evolução do salário mínimo no Brasil nos últimos 20 anos. A comparação com o subsídio dos servidores técnicos do Banco Central do Brasil foi feita em razão deste também ser um cargo de nível intermediário, assim como o da PRF, bem como não ter sofrido alterações relevantes em sua configuração nos últimos 20 anos. Enquanto no ano 2000 os subsídios iniciais dos servidores técnicos do Banco Central do Brasil e dos servidores da PRF, ambos de categoria intermediária, eram muito semelhantes, sendo o segundo inclusive inferior ao primeiro, nos anos seguintes a remuneração dos servidores da PRF teve um considerável aumento, mantendo-se significativamente acima por todo o restante do período.
Gráfico 4: Evolução dos subsídios das categorias iniciais e finais dos servidores da PRF, de técnico do Banco Central do Brasil e do salário mínimo nacional – 2000 a 2020
Fonte: Elaborado pela autora, a partir de dados do Ministério da Economia e da Tabela de Remuneração dos Servidores Públicos Federais Civis e dos Ex-Territórios8.
Outro ponto que merece destaque com relação ao efetivo é a representação sindical do órgão. Além das organizações sindicais estaduais, em 1992 foi criada a Federação Nacional dos Policiais Rodoviários Federais (FENAPRF)9, antigo Sindicato Nacional dos Policiais Rodoviários Federais (SINPRF), com sede no Distrito Federal. A Federação possui intensa atividade em defesa dos policiais rodoviários federais, realizando reuniões frequentes com lideranças políticas e discussão das pautas. Ao contrário do que ocorre na Polícia Federal, em que conflitos internos entre delegados e agentes são habituais (Costa; Machado; Zackseski, 2016), na PRF há maior unanimidade nas pautas, em razão da carreira única, em que pese, ainda possam ocorrer disparidades entre as representações de suas unidades internas. Como a PRF dispõe de apenas uma categoria de servidores, de policiais rodoviários federais, os conflitos tendem a ser mais facilmente dissolvidos em prol de maiores benefícios para a corporação.
Em pesquisa realizada sobre a Polícia Federal, Bajotto (2009) indica que a valorização da qualificação dos policiais federais, com a exigência de curso superior, foi um dos fatores que contribuiu para a caracterização da instituição como uma “polícia de elite”. A valorização do efetivo da PRF, com progressivo aumento dos subsídios e necessidade de curso superior para ingresso na instituição, pode representar também um dos fatores que contribui para o seu fortalecimento institucional. Não é possível identificar nesta pesquisa se o aumento do subsídio da categoria ocorreu por opção política dos governantes, por demandas internas em razão da diminuição do efetivo ou por outros aspectos. No entanto, constata-se na PRF a ascendente valorização do seu efetivo nos últimos anos.
Atividades do órgão
A amplitude legal que incide sobre as atribuições da Polícia Rodoviária Federal coloca a instituição em um papel dividido entre duas competências: fiscalização de trânsito e enfrentamento ao crime. Essa dualidade aparece nos estudos sobre o órgão e reflete nas informações que a PRF disponibiliza sobre suas atividades institucionais.
Em pesquisa realizada por Coutinho (2015), a autora observa que há uma divisão de grupos internos na PRF sobre a prioridade de atuação da instituição, em razão da diversa gama de competências atribuídas legalmente. Um grupo entende que o órgão deve priorizar as ações voltadas ao controle do trânsito e ao auxílio de seus usuários, como o atendimento de acidentes nas rodovias e a fiscalização administrativa; outro grupo entende que o órgão deve dar ênfase à ampliação de suas atividades, como ações de investigação criminal e combate à criminalidade nas rodovias. Assim, enquanto uma parte da corporação prioriza os aspectos administrativos de suas competências, a outra parte busca favorecer suas atribuições no âmbito criminal.
Além disso, a autora menciona que o estereótipo do policial rodoviário federal é reforçado com as publicações na mídia, que valorizam sobremaneira o combate ao crime feito pela instituição, em comparação às atividades de fiscalização de trânsito, que aparecem menos. Assim, são frequentes as notícias sobre o órgão que indiquem as grandes operações de apreensões de drogas, cigarros e munições ou armas ilegais. Por outro lado, a atividade de combate ao crime não é entendida por alguns policiais rodoviários como a principal atividade do seu dia a dia, já que o encaminhamento administrativo que decorre desta atividade seria mais trabalhoso que a própria ocorrência em si (Coutinho, 2015).
Considerando que a maioria das atribuições legais da PRF se relaciona às atividades de fiscalização e suporte de trânsito, os relatórios de gestão também dedicam boa parte do seu conteúdo sobre as atividades do órgão para este tema. Além disso, como a PRF integra o Sistema Nacional de Trânsito, o órgão pactuou o Plano Nacional de Redução de Mortes e Lesões no Trânsito (Pnatrans), que tem como objetivo reduzir em 50% os índices de mortes por grupo de habitantes e de mortes por grupo de veículos no período de 10 anos, de 2019 a 2028.
Os principais objetivos da PRF, nos documentos quanto à segurança viária, são a redução de mortes no trânsito, a diminuição de acidentes de trânsito e a redução de pessoas feridas. Os dados apresentados pela instituição indicam que a instituição tem obtido sucesso em seus objetivos, ainda que os resultados possam ser decorrentes de outros fatores externos e não apenas de sua atuação, como maior segurança dos veículos e melhores condições das rodovias. Embora o relatório de gestão de 2020, apresentado ao Tribunal de Contas da União, não estivesse disponível para consulta no momento desta pesquisa, o site oficial da PRF contém documentos importantes e atualizados sobre os resultados das suas atividades de trânsito e o combate ao crime nos últimos anos. Um desses documentos está denominado como Balanço PRF 202010.
Ao analisarmos os dados disponibilizados nos documentos, constata-se uma drástica redução dos acidentes de trânsito nos últimos anos, mesmo com o aumento do número de veículos por habitantes e o aumento da malha rodoviária brasileira. Como a PRF assumiu o compromisso de trabalhar com o objetivo de reduzir o número de acidentes, mesmo que a redução dos acidentes de trânsito possa ter várias causas covariantes, é importante que o resultado na meta seja demonstrado institucionalmente, como apresenta o Gráfico 5, a seguir. Do ano mais crítico para os acidentes de trânsito, em 2011, até 2020, os números de acidentes foram reduzidos em mais de 67%, o que representa sucesso da instituição nos seus objetivos.
Gráfico 5: Acidentes totais no Brasil – 2007 a 2020
Fonte: Portal eletrônico da PRF, Balanço PRF 2020.
A instituição também obteve sucesso com relação à diminuição do número de mortes no trânsito, reduzindo o índice em quase 40%, passando de 8.675 mortes, no Brasil, em 2011, para 5.287 mortes, em 2020. Embora possam resultar também de causas covariantes, como já mencionado, esses números se relacionam diretamente às atividades da PRF, já que a ela compete, além das atividades de policiamento, realizar ações relacionadas à prevenção de acidentes e salvamento de vítimas, promover campanhas para prevenção de acidentes, dentre outras atribuições.
No âmbito criminal das competências da PRF, suas principais atividades de enfrentamento ao crime se relacionam à contenção do tráfico de entorpecentes, do tráfico de armas e munições, do contrabando e descaminho, e ao enfrentamento à exploração sexual infanto-juvenil nas margens das rodovias (Calegari, 2013). Os documentos analisados apresentam uma crescente preocupação em indicar a atuação intensa da instituição no combate aos crimes, evidenciados tanto nos relatórios de gestão como nas informações contidas no site oficial. Além disso, as informações obtidas também indicam sucesso da instituição nesta esfera.
Os números de apreensão de maconha, por exemplo, aumentaram drasticamente nos últimos anos, de acordo com os dados apresentados pela instituição, passando de 33 toneladas em 2003, para 727 toneladas em 2020. Outro crime constantemente combatido pela PRF é o contrabando de produtos, principalmente de cigarros. Enquanto em 2003 foram apreendidos 87.278 maços de cigarros pela PRF, o número de apreensões subiu em mais de 13 vezes nos últimos anos, com a apreensão de 121.154.411 maços de cigarros pela instituição em 2020. Além disso, a PRF também demonstra sucesso na apreensão de armas de fogo, atividade essencial para todo o sistema de segurança pública no país, considerando o destino que essas armas teriam ao crime organizado. O Gráfico 6 demonstra o significativo aumento dessas apreensões nos últimos anos.
Gráfico 6: Apreensões de armas de fogo pela PRF – 2005 a 2020
Fonte: Portal eletrônico da PRF, Balanço PRF 2020.
Muitas vezes, essas informações de combate aos crimes foram comparadas também com os números apresentados pela Polícia Federal, principalmente nos relatórios de gestão que foram gerados pelos próprios Ministérios (relatórios de 2018 e 2019). O relatório de 2019 traz os números de apreensão de drogas pelas duas instituições de segurança de âmbito nacional:
Registro, ainda, a grande quantidade de drogas apreendidas em operações realizadas pela PF e pela PRF. Em 2019, a PF apreendeu 104,59 toneladas de cocaína (25,42 toneladas a mais que em 2018) e 266 toneladas de maconha. Em 2018, haviam sido apreendidas 79,17 toneladas de cocaína e 268,1 toneladas de maconha. Já a PRF, em 2019, apreendeu 24 toneladas de cocaína (6 toneladas a mais que em 2018) e 324,74 toneladas de maconha (19 a mais que em 2018). Em 2018 haviam sido aprendidas 18,76 toneladas de cocaína e 305,7 toneladas de maconha. (Relatório de Gestão 2019 da PRF, 2019, p. 12).
Atualmente, tanto as atividades relacionadas ao trânsito quanto às atividades de combate aos crimes pela PRF estão contempladas nos relatórios e documentos disponibilizados pela instituição, indicando o seu empenho em demonstrar o cumprimento de suas atribuições nos dois âmbitos de atuação. No entanto, essa postura tem se alterado gradativamente nos últimos anos, em que o combate aos crimes passou a ganhar atenção considerável nos relatórios de gestão e demais documentos disponibilizados pela instituição.
Se verificarmos o relatório de gestão de 2008, por exemplo, a preocupação com o combate ao crime era diminuta. Das 113 páginas do documento, apenas uma delas (p. 75) foi dedicada aos números de combate à criminalidade, com uma tabela concisa com os números de atuação da instituição. As demais páginas dedicam-se amplamente, além da prestação de contas orçamentárias, às informações sobre as atividades de trânsito desenvolvidas, como fiscalização e prevenção de acidentes. Os documentos recentes da PRF (Balanço PRF 2020, por exemplo) conferem considerável ênfase aos números de combate aos crimes pela instituição, conforme demonstrado nas seções anteriores.
Além disso, o atual Plano Estratégico da PRF, que estabelece as diretrizes de atuação da instituição para os anos de 2020 a 2028, também apresenta grande destaque à atuação de combate à criminalidade, em comparação com as informações de fiscalização de trânsito. No documento, a prevenção e o combate ao crime e às organizações criminosas aparece antes do controle de trânsito, em diversas ocasiões, como em seções de mudanças previstas por eixos de atuação; políticas, programas e planos nacionais pactuados; entregas institucionais; e objetivos estratégicos finalísticos. O documento também destaca a PRF como “a única instituição no país com capacidade para monitorar e intervir na logística e mobilidade das organizações criminosas” (Revista Estratégia PRF, 2021, p. 37), reforçando seu posicionamento como instituição essencial no combate à criminalidade. Assim, depreende-se que houve um crescimento da preocupação da instituição em demonstrar sua atuação na esfera penal, possivelmente almejando o aumento de prestígio que as atividades de segurança pública podem oferecer ou mesmo uma nova posição institucional na democracia brasileira.
A Polícia Rodoviária Federal (PRF) adquiriu, com a Constituição Federal de 1988, o status de órgão permanente, com estruturação de carreira. Desde então, institucionalmente, a PRF tem obtido destaque na democracia brasileira, com aumento significativo de sua atuação, tanto no trânsito quanto na repressão aos crimes, como evidenciam os dados apresentados nos relatórios de gestão e demais documentos públicos. No entanto, diferente do que ocorreu com a Polícia Federal nos últimos, a PRF não obteve grande destaque midiático para suas atividades e para as transformações que vem protagonizando nos últimos anos. Além disso, observa-se uma lacuna na literatura sobre o tema, já que os poucos trabalhos sobre a PRF abordam aspectos pontuais da instituição e se concentram na área de Gestão.
Esta análise investiga os aspectos estruturais que contribuíram para o fortalecimento da instituição nas duas últimas décadas. Um dos principais fatores foi o massivo investimento público que a PRF tem recebido, cujo valor chegou a quintuplicar ao longo dos últimos anos. Os investimentos no órgão podem se refletir em várias áreas da instituição, desde maior capacitação, melhores instrumentos de trabalho, aquisição de tecnologias de fiscalização, dentre outros. O sucesso no alcance de metas institucionais pode representar o resultado desses investimentos públicos no órgão.
Além disso, ainda que os números do seu efetivo não tenham aumentado significativamente, pode-se considerar que a instituição vem passando por um processo de renovação, visto que cerca de metade dos seus servidores ativos ingressou a partir de 2002, por meio da realização de concursos públicos. Observa-se, também, que o efetivo passou por um processo de valorização, com aumento significativo dos subsídios, ainda que a equiparação salarial com os cargos da Polícia Federal seja uma pauta sindical bastante presente. Sobre este aspecto, evidencia-se que a carreira única na instituição apresenta aspectos controversos na literatura. Por um lado, a ausência de um quadro administrativo próprio e de hierarquia por cargos prejudica a realização das atividades vistas pelos policiais como mais essenciais e desencoraja a assumir as responsabilidades de gestão. Por outro lado, a ausência de hierarquia é vista, em alguns estudos, como um incentivo ao trabalho eficaz, bem como proporciona maior homogeneidade nas pautas sindicais.
A abrangência de atribuições legais da PRF, com a ausência de limites precisos, coloca a instituição em um papel indefinido quanto às suas prioridades de atuação. Trabalhos anteriores indicam a existência de dois grupos internos com entendimentos diferentes sobre o foco do seu papel institucional: um que entende que o órgão deve priorizar as atividades de trânsito; e outro que defende uma maior atenção às atribuições de âmbito criminal. A análise dos relatórios de gestão disponibilizados ao TCU indica que, embora as duas áreas de atuação sejam destacadas atualmente, houve aumento da preocupação da instituição em demonstrar suas atividades de combate aos crimes, já que, nos documentos anteriores, a preocupação com este aspecto era diminuta, como no relatório de gestão de 2008. Isso pode indicar um deslocamento das prioridades de atuação da instituição, em possível busca por maior prestígio conferido pela atuação na esfera penal. Os aspectos decorrentes deste possível novo posicionamento, no entanto, ainda são obscuros e necessitam de maior aprofundamento.
Considerando a lacuna na bibliografia sobre a PRF nas Ciências Sociais, ainda são muitos os aspectos a serem pesquisados sobre o órgão. Em que pese o aumento significativo de investimentos e a realização recorrente de concursos públicos para preenchimento de vagas, a instituição tem passado, praticamente, despercebida pela academia. Este estudo pretende contribuir com uma agenda de pesquisa sobre o tema, bem como elucidar os principais fatores de transformações institucionais que levaram ao fortalecimento da PRF nos últimos anos.
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Embora em 2022, o caso da morte de Genivaldo Jesus dos Santos, por asfixia, em uma viatura da PRF, tenha colocado a instituição em destaque nos noticiários, em regra são raros os casos de escândalos na mídia por arbitrariedade policial envolvendo agentes da PRF, em comparação com outras instituições policiais, como as polícias militares estaduais, por exemplo.↩︎
Os relatórios se encontram disponíveis para consulta apenas a partir de 2008. O relatório de 2020 ainda não havia sido disponibilizado pelo órgão até o momento da realização desta pesquisa.↩︎
Disponível em: https://www2.camara.leg.br/orcamento-da-uniao/leis-orcamentarias/loa. Acesso em: 5 maio 2021.↩︎
As informações referentes ao ano de 2006 foram suprimidas, porque apresentaram inconsistências na LOA.↩︎
Disponível em: https://www.gov.br/prf/pt-br/acesso-a-informacao/servidores/concursos-e-selecoes/editais-anteriores. Acesso em: 30 maio 2021.↩︎
A partir de 2018, os relatórios passaram a ser apresentados de forma conjunta pelo Ministério ao qual o órgão é vinculado, com diminuição substantiva das informações sobre a PRF.↩︎
Disponível em: https://fenaprf.org.br/novo/fenaprf-vai-a-agu-para-cobrar-implantacao-de-parecer-vinculante-que-garante-integralidade-e-paridade/. Acesso em: 30 maio 2020.↩︎
Disponível em: https://www.gov.br/economia/pt-br/assuntos/gestao/outros/gestao-publica/arquivos-e-publicacoes/tabela-de-remuneracao/tabela-de-remuneracao. Acesso em: 29 abr. 2021.↩︎
Disponível em: https://fenaprf.org.br/novo/sobre-fenaprf/#historia. Acesso em: 1 jun. 2021↩︎
Disponível em: https://www.gov.br/prf/pt-br/acesso-a-informacao/acoes-e-programas/principais-resultados-prf/balanco_prf_2020___final.pdf. Acesso em: 8 jun. 2021.↩︎