O que nos "resta" de polícia

Autores

  • Yanahê Fendeler Höelz Universidade Federal Fluminense

DOI:

https://doi.org/10.31060/rbsp.2021.v15.n2.1294

Palavras-chave:

Mandato policial, Resto, Lacunas, Permanências

Resumo

O objetivo deste artigo é produzir uma reflexão sobre a produção do mandato policial na cidade do Rio de Janeiro, tomando como inspiração a obra “O que resta de Auschwitz” (2008), de Giorgio Agamben, na qual o autor analisa a produção literária de sobreviventes ao campo de concentração nazista. Uma das interpretações possíveis para o resto em Agamben é a de que o termo corresponde a um hiato, a uma lacuna, a algo que não poderia ser testemunhado pelos sobreviventes ao campo. Nesse sentido, o resto é aquilo que está entre os mortos, entre os sobreviventes, entre os salvos e entre as testemunhas que estiveram presentes nos campos de fabricação de corpos matáveis. Tomo como referencial teórico parte da obra de Agamben para pensar a polícia, neste caso, a Polícia Militar do estado do Rio de Janeiro – PMERJ, e suas relações com a sociedade policiada, inspirando-me também em experiências com policiais militares em pesquisas de campo. O resto aqui adquire alguns sentidos possíveis: 1) uma lacuna, aquilo que é silenciado, mal resolvido; 2) o que sobra/permanece da polícia que se tem e 3) o que falta de uma polícia que se espera –  aquela que nunca foi, mas que se anseia ter.  Quais são os restos da Polícia Militar do estado do Rio de Janeiro? E o que nos resta de polícia? A partir desta problematização, o texto abre espaço para a discussão sobre a ideia de polícia moderna e como ela se materializou no Rio de Janeiro, buscando compreender os dilemas que são vivenciados por policiais militares para a execução de seu mandato. Do ponto de vista teórico-metodológico, tomo de empréstimo o olhar de Arendt (1999) na tentativa de considerar a perspectiva do “outro” e procurar entender aquilo que o move sem prejulgá-lo. A reflexão aponta que os massacres de outrora não terminaram. Eles continuam presentes todos os dias, em cada normalidade cotidiana. Por isso, os restos devem ser tocados, explicitados e discutidos, mesmo ao preço de descobrirmos que também temos os nossos restos, que deles fazemos parte e que com eles produzimos e reproduzimos desigualdades e massacres.

Downloads

Não há dados estatísticos.

Biografia do Autor

Yanahê Fendeler Höelz, Universidade Federal Fluminense

Doutoranda em Ciência Política pela Universidade Federal Fluminense - UFF. Bolsista CAPES.

Referências

ADORNO, T. W. Educação após Auschwitz. In: ADORNO, T. Educação e emancipação. Tradução: Wolfgang Leo Maar. Rio de Janeiro: Paz & Terra, 1995. p. 119-138.

AGAMBEN, G. O que resta de Auschwitz: o arquivo e a testemunha. Homo Sacer III. Tradução: Selvino José Assmann. São Paulo: Boitempo, 2008.

ARENDT, H. Eichmann em Jerusalém: um relato sobre a banalidade do mal. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.

AZEVEDO, A. O cortiço. São Paulo: Lafonte, 2018.

BITTNER, E. Aspectos do Trabalho Policial. Tradução: Ana Luísa Amêndola Pinheiro. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2003.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial da União, Brasília-DF, 5 out. 1988.

BRETAS, M. L. A polícia carioca no Império. Estudos Históricos, n. 22, 1998.

FOUCAULT, M. Resumo dos Cursos do Collège de France (1970-1982). Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997.

GAGNEBIN, J. M. Apresentação. In: AGAMBEN, G. O que resta de Auschwitz: o arquivo e a testemunha. Homo Sacer III. Tradução: Selvino José Assmann. São Paulo: Boitempo, 2008. p. 9-17.

GARAU, M. G. R. Uma análise das relações da polícia militar com os moradores de uma favela ocupada por UPP. Revista Direito e Práxis, Rio de Janeiro, v. 8, n. 3, p. 2106-2145, 2017.

GARRIOTT, W. Polícia na prática: O policiamento e o projeto de governança contemporânea. In: GARRIOTT, W. (Org.) Policiamento e Governança Contemporânea: a Antropologia da polícia na prática. Tradução: Daniela Ferreira Araújo da Silva. Campinas: Editora da Unicamp, 2018.p. 25-57.

HÖELZ, Y. F. Dilemas de um fazer policial: a construção da “polícia de proximidade” na UPP Rocinha. In: Anais... 42º Encontro Anual da Anpocs, Caxambu-MG, 2018.

HOLLOWAY, T. H. Polícia no Rio de Janeiro: repressão e resistência numa cidade do século XIX. Tradução: Francisco de Castro Azevedo. Rio de Janeiro: Editora Fundação Getúlio Vargas, 1997.

LAGE, L.; MIRANDA, A. P. M. de. Da polícia do rei à polícia do cidadão. Revista de História da Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro, Biblioteca Nacional, n. 25, out. 2007.

LEVI, P. É isto um homem? Tradução: Luigi Del Re. Rio de Janeiro: Rocco, 1988.

MOREIRA, M; PICOLO, T. Homens de farda não choram. El País, 3 mar. 2019.

MUNIZ, J.; PATRICIO, L. A Segurança Pública da Constituição: Direitos sob tutela de Espadas em Desgoverno. In: SANTOS JUNIOR, B. dos; VALIM, R. (Orgs.). 1988/2018: 30 anos da Constituição Federal do Brasil. São Paulo: Editora Imprensa Oficial de São Paulo, 2018, p. 80-85.

MUNIZ, J. de O. A crise de identidade das Polícias Militares Brasileiras: Dilemas e Paradoxos da Formação Educacional. Security and Defense Studies Review, v. 1, p. 187-198, 2001.

MUNIZ, J. de O. “Ser policial é, sobretudo, uma razão de ser”: cultura e cotidiano da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro. 1999. Tese (Doutorado em Ciência Política) – Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1999.

MUNIZ, J. de O.; ALBERNAZ, E. Moralidades entrecruzadas nas UPPs: Uma narrativa policial. In: Anais... 18º Congresso Brasileiro de Sociologia – SBS, UnB, Brasília-DF, 26-29 jul. 2017.

MUNIZ, J. de O.; MELLO, K. S. S. Nem tão perto, nem tão longe: o dilema da construção da autoridade policial nas UPPs. Civitas, Porto Alegre, v. 15, n. 1, p. 44-65, jan./mar. 2015.

MUNIZ, J. de O.; PAES-MACHADO, E. Polícia para quem precisa de polícia: contribuições aos estudos sobre policiamento. Caderno CRH, Salvador, v. 23, n. 60, p. 437-447, dez. 2010.

MUNIZ, J. de O.; PROENÇA JÚNIOR, D. Mandato Policial. In: LIMA, R. S. de; RATTON, J. L.; AZEVEDO, R. (Orgs.). Crime, Polícia e Justiça no Brasil. 1 ed. São Paulo: Editora Contexto, 2014.

MUNIZ, J. de O.; PROENÇA JÚNIOR, D. Armamento é Direitos Humanos: nossos fins, os meios e seus modos. Revista Sociedade e Estado, v. 28, n. 1, jan./abr. 2013.

MUNIZ, J. de O.; PROENÇA JÚNIOR, D. Forças Armadas e Policiamento. Revista Brasileira de Segurança Pública, ano 1, 1 ed., p. 48-63, 2007a.

MUNIZ, J. de O.; PROENÇA JÚNIOR, D. Muita politicagem, pouca política os problemas da polícia são. Estudos Avançados, v. 21, n. 61, p. 159-172, 2007b.

MUSUMECI, L. “Eles nos detestam”: Tropeços do policiamento de proximidade em favelas. Boletim Segurança e Cidadania, n. 19, nov. 2015.

MUSUMECI, L.; MOURÃO, B. M.; LEMGRUBER, J.; RAMOS, S. Ser policial de UPP: Aproximações e resistências. Boletim Segurança e Cidadania, n. 14, dez. 2013.

PAES, V. F. Do inquérito ao processo: análise comparativa das relações entre Polícia e Ministério Público no Brasil e na França. Dilemas: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, v. 3, n. 7, p. 109-141, jan./fev./mar. 2010.

RIBEIRO, L. O nascimento da polícia moderna: uma análise dos programas de policiamento comunitário implementados na cidade do Rio de Janeiro (1983-2012). Análise Social, Lisboa, n. 211, v. 49, p. 272-309, 2014.

RIO DE JANEIRO (Estado). Lei nº 443, de 1º de julho de 1981. Dispõe sobre o Estatuto dos Policiais Militares do Estado do Rio de Janeiro e dá outras providências. Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2 jul. 1981.

SERRA, C. H. A.; RODRIGUES, T. Estado de Direito e Punição: a lógica da guerra no Rio de Janeiro. Revista Paranaense de Desenvolvimento, Curitiba, v. 35, p. 91-108, jan./jun. 2014.

SOARES, L. E. Análise do Especialista. In: MUDAMOS. Segurança Pública. Relatório do Ciclo de Debates. Rio de Janeiro, 2016.

TEIXEIRA, C. P. O ‘policial social’: Algumas observações sobre o engajamento de policiais militares em projetos sociais no contexto das favelas ocupadas por UPPs. Dilemas: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, v. 8, n. 1, p. 77-96, jan. 2015.

ZAVERUCHA, J. Relações civil-militares: o legado autoritário da Constituição brasileira de 1988. In: TELES, E.; SAFATLE, V. (Orgs.). O que resta da ditadura: a exceção brasileira. São Paulo: Boitempo, 2010. p. 41-76.

Publicado

29-09-2021

Como Citar

HÖELZ, Yanahê Fendeler. O que nos "resta" de polícia. Revista Brasileira de Segurança Pública, [S. l.], v. 15, n. 2, p. 244–261, 2021. DOI: 10.31060/rbsp.2021.v15.n2.1294. Disponível em: https://revista.forumseguranca.org.br/rbsp/article/view/1294. Acesso em: 25 nov. 2024.